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Determinantes para a caracterização do crime de infanticídio: paradigmas do laudo pericial

O laudo médico-legal deve ser consistente e determinante na descrição e verificação de todos os quesitos próprios desse crime.

RESUMO: Este artigo tem como escopo fundamental descrever as controvérsias existentes na literatura de medicina legal acerca do ‘estado puerperal’. O crime de infanticídio, por ser uma modalidade especial de homicídio, com pena mais branda, é alvo de infinitos questionamentos entre os operadores de Direito. O laudo médico-legal deve ser consistente e determinante na descrição e verificação de todos os quesitos próprios desse crime. Portanto, a perícia médico-legal é de extrema importância para a esfera processual penal, visto que sem essa prova técnica, a Justiça jamais teria condições de fundamentar e alicerçar o conteúdo disciplinador de uma sentença, dentro de um critério legalista e justo com o "mundo dos fatos", pois, certamente, lhe faltariam elementos técnicos consistentes e convincentes.

PALAVRAS-CHAVE: ‘estado puerperal; infanticídio; laudo médico-legal; persecução penal


1.0 Introdução

Dos crimes contra a vida, a modalidade de crime de infanticídio apresenta particularidades na questão de configurar como um delito distinto do homicídio convencional. O art. 123, do Código Penal, tipifica:

Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:

Pena - detenção, de dois a seis anos.

A pena prevista é de detenção de 2 a 6 anos. A ação penal é pública incondicionada e de competência do Tribunal do Júri (Crime doloso contra a vida – art. 5º, XXXVIII, d, CF)

Para Cezar Roberto Bitencourt (2012), o infanticídio apresenta as seguintes particularidades: qualidade ou condição dos sujeitos ativo e passivo da ação delituosa, influência biopsíquica ou fisiopsicológica do estado puerperal e circunstância temporal contida no tipo.

O nosso Código Penal só previu a modalidade biopsicológica (fusão entre critérios biológicos e psicológicos) de infanticídio. Não se admite o homicídio honoris causa, onde a mãe age para esconder a própria desonra.

A compreensão de toda sistemática do estado puerperal deve ser bem pragmática, uma vez que na seara dos tribunais do júri são infinitas as discussões entre defesa e acusação. Assim, o exame pericial deve ser revestido de conclusões incisivas e o mais consistente possível, para os resultados dos quesitos técnicos específico dessa modalidade de crime.


2.0 Definição e efeitos do estado puerperal

O estado puerperal são as perturbações emocionais que podem levar a mãe a matar o próprio filho, durante ou logo após o parto.

Para o colega médico-legista, Roberson Guimarães, nos ensina que

“O puerpério é o período de tempo entre a dequitação placentária e o retorno do organismo materno às condições pré-gravídicas, tendo duração média de 6 semanas. Já o chamado estado puerperal seria uma alteração temporária em mulher previamente sã, com colapso do senso moral e diminuição da capacidade de entendimento seguida de liberação de instintos, culminando com a agressão ao próprio filho.”

Para o mestre Bitencourt (2012), os efeitos do estado puerperal

“podem apresentar-se quatro hipóteses: a) o puerpério não produz nenhuma alteração na mulher; b) acarreta-lhe perturbações psicossomáticas que são a causa da violência contra o próprio filho; c) provoca-lhe doença mental; d) produz-lhe perturbação da saúde mental diminuindo-lhe a capacidade de entendimento ou de determinação. Na primeira hipótese, haverá homicídio; na segunda, infanticídio; na terceira, a parturiente é isenta de pena em razão de sua inimputabilidade (art. 26, caput, do CP); na quarta, terá redução de pena, em razão de sua semi-imputabilidade.”

A exposição de motivos do Código Penal de 1940 qualifica o infanticídio como delictum exceptum, quando praticado pela parturiente sob a influência do estado puerperal, afirmando:

 “Essa cláusula, como é óbvio, não quer significar que o puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em conseqüência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de auto-inibição da parturiente. Fora daí, não há por que distinguir entre infanticídio e homicídio. Ainda quando ocorra a honoris causa, a pena aplicável é de homicídio.

Para Cabette (2012), existem três critérios que são utilizados pelas legislações para a conceituação legal do crime de infanticídio. O primeiro, critério psicológico, descreve o infanticídio tendo em vista a honra, ou seja, a prática do crime se dá para o fim específico de “ocultar desonra própria”. Era o modelo do Código Penal de 1890. Já o segundo, critério fisiopsicológico, neste caso não é levada em consideração a honoris causa, mas sim a influência do estado puerperal. Este é o critério adotado pelo Código Penal em vigor. Por fim o terceiro, critério misto, levam-se em conta o motivo de honra e o estado puerperal. Há necessidade do concurso desses dois requisitos para que ocorra infanticídio e não homicídio; a falta de qualquer um deles desnatura o infanticídio. Este critério foi o adotado pelo Anteprojeto de Código Penal de Nelson Hungria em 1963.

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2.1 Divergências quanto ao estado puerperal

O estado puerperal, expressão ambígua e figura muito contestada pelos médicos, tem sofrido, ao longo dos tempos, diversas críticas, não sendo raro, inclusive, esse estado ser declarado, por alguns, como uma mera ficção jurídica.

O mestre França (2011), professor renomado de medicina legal, leciona que

“não há na verdade nenhum elemento psicofísico capaz de fornecer à perícia elementos consistentes e seguros para se afirmar que uma mulher matou seu próprio filho durante ou logo após o parto motivada por uma alteração chamada ‘ estado puerperal’, tão somente porque tal distúrbio não existe como patologia própria nos tratados médicos.”

De posse dessa obscuridade que existe na própria literatura de medicina legal, a determinação dessa biopsicose é um terreno hostil para averiguação e constestação dessa patologia pelos médico-legistas.

A caracterização do infanticídio constitui o maior de todos os desafios da prática médico-legal pela sua complexidade e pelas inúmeras dificuldades de tipificar o crime. Por isso, foi essa perícia chamada de crucis peritorum – a cruz dos peritos.

2.2 Objetivos periciais

O exame pericial, segundo França (2011), será orientado na busca dos elementos constituintes do delito a fim de caracterizar: os estados de natimorto, o de feto nascente, o de infante nascido ou o de recém-nascido (diagnóstico do tempo de vida); a vida extrauterina (diagnóstico do nascimento com vida); a causa jurídica de morte do infante (diagnóstico do mecanismo de morte); o estado psíquico da mulher (diagnóstico do chamado “estado puerperal”); e a comprovação do parto pregresso (diagnóstico do puerpério ou do parto recente ou antigo da autora).

Sob a luz da nossa legislação penal, é salutar, para a configuração do crime de infanticídio, que a mulher seja portadora de grave perturbação psicológica.

O exame pericial na questão da avaliação do estado mental da infanticida deve consistir em apurar determinados quesitos:

O cerne para esse tipo de perícia é, sem dúvida, a constatação de parto pregresso. O diagnóstico leva-se em conta o aspecto geral, os aspecto dos órgãos genitais externos, a presença de corrimento genital, o aspecto das mamas, a presença de colostro ou leite, as paredes abdominais com vergões e a pigmentação clássica e os exames de laboratório para comprovação dos lóquios, induto sebáceo, colostro, leite e mecônio.


3.0 Conclusão

O estudo em questão mostra o quão é desafiador para o médico-legista a caracterização precisa e minuciosa do exame pericial no crime de infanticídio. Sem dúvida, essa prova técnica pode desencadear na seara processual penal cominações  distintas. Sendo um crime doloso contra a vida, o julgamento vai a júri popular, sendo determinante para a justiça criminal, a presença nos autos de exame pericial, já que é decisivo na questão de materializar se a mãe agiu sob influência do estado puerperal ou não -  o crime de infanticídio é punido com pena de detenção e não reclusão como no crime de homicídio.

Portanto, a perícia médico-legal é de extrema importância para a esfera processual penal, visto que sem essa prova técnica, a Justiça jamais teria condições de fundamentar e alicerçar o conteúdo disciplinador de uma sentença, dentro de um critério legalista e justo com o "mundo dos fatos", pois, certamente, lhe faltariam elementos técnicos consistentes e convincentes.


Referências Bibliográficas:

- GUIMARÃES, Roberson. O crime de infanticídio e a perícia médico-legal. Uma análise crítica. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 65, [1] maio [2003]. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4066>. Acesso em: 11 abr. 2014

- BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. Saraiva. 7ª Ed.,2012

- FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal. Guanabara Koogan. 9ª Ed. 2011.

- CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Direito Penal Parte I. Saberes dos Direito. Saraiva. 2012

Sobre os autores
Elquisson Rocha

Ex-Policial Militar em MG. Ex-Policial Civil em Curitiba-PR. Graduado em Ciências Sociais pelo Centro universitário do Triângulo em Uberlândia. Bacharel em Direito pela Faculdade Estácio de Sá em Curitiba-PR. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá do RJ.

Guilherme Batista Gomes Rocha

Graduação em Farmácia Industrial pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM, Diamatina, MG). Fundador da Empresa Júnior de Farmácia (FarBio, UFVJM, Diamantina, MG). Estagiário no Escritório de Advocacia Dr. Paulo Batista Rocha. Pós-graduado em Gestão de Saúde Pública e Meio Ambiente e Gestão de Assistência Farmacêutica. Mestrado em Química Analítica em andamento. Farmacêutico.

Elquisson Sidney Gomes Rocha

Acadêmico de Direito. Estagiário no escritório de Advocacia Dr. Paulo Batista Rocha

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Elquisson; ROCHA, Guilherme Batista Gomes et al. Determinantes para a caracterização do crime de infanticídio: paradigmas do laudo pericial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3959, 4 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27692. Acesso em: 22 nov. 2024.

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