7.REPERCUSSÕES PREVIDENCIÁRIAS DO TRABALHO INFANTIL.
Conforme demonstrado, a legislação brasileira é farta, mas não abarcou os casos daqueles trabalhadores juvenis no sentido de lhes garantir a contagem de tempo de serviço para fins previdenciários fora da idade mínima estabelecida em lei para ingresso no mercado de trabalho. Pelo contrário, essa divergência entre dispositivos constitucional, legais e regulamentares afigura-se, na prática, como empecilho ao reconhecimento do tempo laborado na infância ou adolescência.
As repercussões previdenciárias desse tempo em benefício do segurado dependem da iniciativa do interessado no sentido de buscar e defender seus direitos perante o Poder Judiciário, já que administrativamente, o INSS ainda não reconhece o direito do segurado juvenil de ter contabilizado seu tempo de serviço exercido fora das balizas legais, seja na condição de aprendiz, seja aqueles flagrados pelos pela fiscalização do trabalho.
O avanço internacional acerca do tema e a incorporação de tratados convenções, resoluções e recomendações sobre o caráter protetivo da norma previdenciária ainda não surtiram o efeito desejado junto aos órgãos administrativos responsáveis pela avaliação do tempo de serviço e seu cotejo com as situações de fato que deveriam ensejar o reconhecimento desse tempo na seara administrativa, ainda que fora dos limites previstos em lei, sem o desgaste de uma ação judicial para correção dessa injustiça.
7.1.A DOUTRINA NACIONAL E A IDADE MÍNIMA PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS.
Conforme acima citado, há amplo amparo legal para a repressão do trabalho infantil por parte das autoridades e quando a fiscalização do trabalho encontra crianças e adolescentes explorados nessa situação, não há maiores dificuldades, pois dentre as medidas administrativas previstas em lei, está a anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), com o reconhecimento de todos os direitos trabalhistas e previdenciários, ainda que tais crianças estejam em idade inferior à mínima estabelecida em lei.
O presente trabalho, todavia, não tem o condão de abordar tais situações flagradas pela fiscalização do trabalho ou já amparadas pela legislação do aprendiz, nem aquelas em que há autorização judicial para o trabalho da criança e do adolescente, hipóteses em que os direitos previdenciários são reconhecidos sem maiores dificuldades.
Pretende-se abordar a situação daqueles trabalhadores mirins que são explorados ilegalmente, daqueles levados ao trabalho pela própria família ou por sua condição social e que exercem atividade econômica isoladamente ou sob a supervisão dos pais ou representante legal e que, via de regra, não são apanhados pela fiscalização, o que os leva a informalidade.
Cumpre citar novamente como exemplo as incontáveis crianças que desde os 5, 6, 7, 10 anos são exploradas por adultos inescrupulosos ou ajudam os pais na complementação do orçamento doméstico seja em atividades urbanas ou em atividades agropecuárias e que, portanto, se enquadram na hipótese de incidência que o caracteriza como segurado obrigatório da Previdência Social em razão do exercício de atividade econômica que o enquadra nos preceitos do art. 11 da Lei nº 8.213/91 que institui o Plano de Benefícios da Previdência Social.
Não se pode deixar de relembrar aqui a primeira divergência normativa para fins previdenciários estabelecida pelo Decreto nº 3.48/99, que ao regulamentar a Lei nº 8.213/91, estabeleceu como idade mínima para inscrição como segurado facultativo os dezesseis anos de idade em frontal e ilegal discrepância com o limite estabelecido pelo art. 13 da Lei nº 8.212/91 e com o art. 14 da Lei nº 8.213/91. Por se tratar de decreto regulamentador, caracterizado como ato normativo secundário, entendemos que deve prevalecer a idade mínima estabelecida em lei, qual seja, 14 anos de idade para inscrição como segurado facultativo.
Na análise dessas disposições legais contidas no Plano de Custeio da Previdência Social, no Plano de Benefícios e no regulamento de ambos, essa discrepância entre os limites legais e regulamentares para a filiação é destacada por Castro e Lazzari:
Em que pese a alteração da idade mínima estabelecida pela Emenda Constitucional nº. 20, de 1998, as Leis de Custeio e Benefícios e o Decreto nº 3.048/99 não tiveram suas redações totalmente adequadas aos novos limites, já que em nível legal ainda está fixada a idade mínima de 14 anos para filiação como segurado facultativo (art. 14 da Lei nº 8.212/91 e art. 13 da Lei nº 8.213/91), e o Regulamento, no seu art. 18, §2º, dispõe que a filiação ao RGPS exige idade mínima de 16 anos, em qualquer caso; as Instruções Normativas do INSS, admitem a filiação do aprendiz, a partir dos 14 anos, em conformidade com o disposto no art. 7º, XXXIII, da Constituição, e, nos demais casos, fixa a idade mínima de filiação ao 16 anos.(CASTRO E LAZZARI, 2011, P. 198).
A idade mínima para fins previdenciários, portanto, é de 14 anos, como segurado aprendiz e de 16 anos para os demais, inclusive o facultativo. Mas como considerar então os 3,5 milhões de brasileiros, segundo estimativas da PNAD de 2010, que se enquadram como segurados obrigatórios e que trabalham no meio urbano ou rural antes de atingirem a idade mínima prevista na CR/88 e que também não podem se inscrever, ainda que irregularmente, como segurados facultativos da Previdência Social?
Pelo examinado, verifica-se que a legislação previdenciária garante, em tese, a proteção à criança e ao adolescente contra a exploração indevida de seu trabalho. Entretanto, apenas os programas de combate e erradicação do trabalho infantil são insuficientes para garantir os direitos previdenciários pois, como vimos, muitos deles estão à margem da fiscalização e trabalham para suas próprias famílias como forma de contribuir para o sustento do grupo e também em decorrência de forte viés cultural, a exemplo da categoria de segurados especiais que se valem do grupo familiar para praticar a chama agropecuária em regime de economia familiar.
Ao longo de sua vida profissional esse período laborado na infância e na adolescência deixa, na maioria dos casos, de ser considerado nas contagens de tempo para fins de carência para fruição de benefícios previdenciários. São desconsiderados períodos de 4, 6, 8 e até 10 anos de serviços prestados em condição de informalidade, sob a alegação de que não seria possível o reconhecimento desse tempo para fins previdenciários por estar fora do limite mínimo estabelecido pela lei como idade de ingresso no mercado.
Vale-se o INSS do argumento de que a filiação e a inscrição no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) tem a idade mínima fixada por lei e que, portanto, a contagem desse período laborado fora dessa idade mínima não pode ser computado como tempo de serviço para fins previdenciários, principalmente para aposentadoria, por falta de amparo legal.
7.2.DA INSCRIÇÃO E FILIAÇÃO PREVIDENCIÁRIA.
Filiação, segundo IBRAHIM, “é o vínculo jurídico que se estabelece entre o segurado e o RGPS. Decorre automaticamente da atividade remunerada, ou seja, no momento em que uma pessoa inicia o exercício de alguma atividade remunerada, ipso facto, estará filiada à previdência social (ver arts. 5º e 9º, §12º do RPS)”(IBRAHIM, 2010, p. 172).
Ainda segundo o autor, “mesmo que o trabalhador venha a desconhecer esta situação ou seja contrário a ela, nada poderá ser feito” (IBRAHIN, 2010, p.173).
Inscrição é o ato meramente formal pelo qual o segurado fornece dados necessários para sua identificação à autarquia previdenciária (art. 18 do RPS). Em geral, a filiação ocorre primeiro, sendo a inscrição posterior. A exceção é para o segurado facultativo, cuja inscrição ocorre antes da filiação (art. 20 do RPS). Para os segurados obrigatórios, contudo, a inscrição pressupõe a filiação. Aquela sem esta não produz qualquer efeito perante a previdência social.
Isso significa que mesmo um menor de 14 anos, cujo trabalho, em regra, é considerado trabalho infantil estará filiado automaticamente à previdência social no momento em que passar a exercer atividade econômica.
7.3.POSIÇÃO ADMINISTRATIVA DO INSS.
Como a lei veda a inscrição antes dos 14 anos, exceto para o aprendiz, e o regulamento veda a filiação e a inscrição antes dos 16, como segurado obrigatório, a autarquia previdenciária adota o entendimento de que não há amparo legal para o reconhecimento do tempo de serviço exercido antes da idade mínima fixada em lei, o que, no nosso entendimento, solapa os direitos individuais e sociais dos jovens trabalhadores espoliando-os duplamente. Primeiro pelo ingresso forçado e precoce no mercado de trabalho. Segundo, pela negativa de reconhecimento do tempo trabalhado antes da idade mínima estabelecida na lei.
Segundo o Ministério da Previdência Social (MPS), ao mensurar os índices de cobertura previdenciária são considerados apenas os ocupados entre 16 e 59, alijando da cobertura os trabalhadores entre 10 e 16 anos sob a justificativa de que estariam amparados por programas de proteção e erradicação do trabalho infantil. Eis a manifestação do MPS:
Os números relativos à cobertura previdenciária apurados até 2004 consistiam basicamente em estatísticas acerca da quantidade de pessoas que contribuem e que não contribuem para instituto de previdência. A proporção de ocupados que contribuem para a previdência é, possivelmente, o mais utilizado dos indicadores de cobertura previdenciária entre a população economicamente ativa. Não obstante sua relevância, o MPS adota atualmente um indicador mais amplo, que se vale de um conjunto de critérios capaz de produzir um retrato mais acurado da proteção previdenciária que a sociedade brasileira proporciona a seus trabalhadores.
São considerados no cálculo os ocupados com idade entre 16 e 59 anos (trabalhadores em idade contributiva), independentemente do valor do rendimento do trabalho recebido. São desconsiderados, portanto, os ocupados que não estão aptos a contribuir pelos seguintes motivos/critérios:
(i) possuem idade entre 10 e 15 anos, abaixo da idade mínima autorizada pela legislação brasileira para o trabalho e, portanto, para a filiação previdenciária. Em 1998, a legislação previdenciária foi modificada elevando a idade mínima de filiação de 14 para 16 anos – este contingente configurava-se como um público-alvo de programas de erradicação do trabalho infantil; (MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2012)
Assim, a orientação governamental é no sentido de que os jovens entre 10 e 15 anos são alvos dos programas de erradicação do trabalho infantil e não podem ter o tempo de serviço computado por estarem abaixo da idade mínima para filiação previdenciária.
Internamente, o INSS adota como fundamento para suas decisões administrativas de negação do reconhecimento do tempo trabalhado informalmente na infância e adolescência, a Instrução Normativa nº 45/10, que considera como idade mínima para filiação e ou inscrição, 14 anos de idade, na condição de aprendiz. O INSS adota o entendimento administrativo de que não é possível inscrever ou filiar os menores de 14 anos que exerçam qualquer trabalho, ainda que o trabalho se dê em prol do grupo familiar e contribua para o sustento da família. Eis o teor da norma administrativa (IN 45/10):
Art. 30. Observado o disposto no art. 76, o limite mínimo de idade para ingresso no RGPS do segurado obrigatório que exerce atividade urbana ou rural, do facultativo e do segurado especial, é o seguinte:
I - até 14 de março de 1967, véspera da vigência da Constituição Federal de 1967, quatorze anos;
II - de 15 de março de 1967, data da vigência da Constituição Federal de 1967, a 4 de outubro de 1988, véspera da promulgação da Constituição Federal de 1988, doze anos;
III - a partir de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal de 1988 a 15 de dezembro de 1998, véspera da vigência da Emenda Constitucional nº 20, de 1998, quatorze anos, exceto para menor aprendiz, que conta com o limite de doze anos, por força do art. 7º inciso XXXIII da Constituição Federal; e
IV - a partir de 16 de dezembro de 1998, data da vigência da Emenda Constitucional nº 20, de 1998, dezesseis anos, exceto para menor aprendiz, que é de quatorze anos, por força do art. 1º da referida Emenda, que alterou o inciso XXIII do art. 7º da Constituição Federal de 1988.
Como a doutrina dominante sobre o tema entende filiação é o vínculo que surge automaticamente entre o segurado e a previdência social em razão do exercício de atividade econômica caracterizada como fato gerador da obrigação tributária de recolher a contribuição social, ainda que contra a vontade do segurado, a posição administrativa do INSS contraria a lógica jurídica e afronta, repita-se, todo o caráter protetivo da norma.
Novamente recorremos às lições de Castro e Lazzari, 2011, no sentido de afastar quaisquer dúvidas sobre o caráter protetivo da norma:
Não obstante os limites de idade retro, uma vez comprovada a prestação de serviço com os pressupostos da relação de emprego, configura-se o fato gerador, cuja definição legal é interpretada abstraindo-se a validade jurídica dos atos praticados e a incapacidade civil das pessoas físicas. Nesse sentido: “Previdenciário. Tempo de serviço. Prova. Idade mínima para o trabalho. Início do benefício. I – A Constituição Federal, ao fixar a idade mínima para o trabalho do menor, buscou exatamente sua protação, não podendo, portanto, tal norma servir de escusa ao reconhecimento do tempo de serviço anterior, ainda que laborado ao arrepio da disposição constitucional, sem o que o menor restaria duplamente espoliado. II – Aposentadoria deferida a contar da data do respectivo requerimento na órbita administrativa (AC nº 92.01.28972-3-MG, TRF da 1ª Região, 1ª Turma, rel. Juiz Aldir Passarinho Jr., DJU de 6.3.95). (CASTRO E LAZZARI, 2011, p. 198).
Evidentemente, trata-se de uma relação jurídica tributária e o fato gerador do tributo (contribuição social) é o exercício da atividade econômica laborativa, independentemente da manifestação de vontade do sujeito passivo ou ativo da obrigação tributária.
Uma vez comprovado o exercício do trabalho na infância e adolescência através dos meios admitidos em leis, não cabe ao INSS desconsiderar a ocorrência desse fato jurídico gerador da obrigação tributária, ainda que impere a ineficiência e a incúria da administração na fiscalização e ou na arrecadação do correspondente tributo.
É segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social a criança e o adolescente que exerça atividade remunerada que o enquadre como tal, cabendo ao INSS reconhecer, para todos os fins, o tempo laborado nessa situação, quando comprovado pelos meios admissíveis em direito (prova testemunhal, início de prova material, justificação administrativa, etc.).
7.4.A JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA.
A posição defendida e adotada pela autarquia previdenciária não encontrou ressonância nos tribunais pátrios que formaram jurisprudência diametralmente oposta à posição administrativa, conforme excertos abaixo transcritos que representam a posição majoritária no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1):
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA PROPORCIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. CONTAGEM DE TEMPO DE ATIVIDADE URBANA E RURAL. ATIVIDADE RURAL COMPROVADA POR INÍCIO DE PROVA DOCUMENTAL COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS COMPROVADOS. TEMPO SUFICIENTE ATÉ A EC 19/98. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. É possível o cômputo do tempo de serviço rural prestado pelo menor para fins previdenciários já que a fixação da idade mínima é garantia do trabalhador, a ser usada para sua proteção, e não em seu desfavor. Ora, não pode a proibição do trabalho do menor ser utilizada em seu prejuízo, pois que já penalizado pelo trabalho infantil não podendo, também, ser prejudicado com a desconsideração do tempo de serviço prestado. 2. Demais, o serviço prestado pelo autor se deu sob a égide de Constituições anteriores, que autorizavam o labor em idade inferior aos atuais 14 anos. O tempo de serviço, para fins de aposentadoria, é disciplinado pela lei vigente à época em que efetivamente prestado. 3. Demonstrado o tempo de atividade rural por prova testemunhal baseada em início de prova documental, o suplicante tem direito ao reconhecimento do tempo de serviço para fins de aposentadoria. 4. Tratando-se de tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei 8.213/91, nos termos dos seus arts. 55, § 2º, e 143, deverá ser ele computado independentemente do recolhimento das contribuições correspondentes, por se destinar à aposentadoria dentro do Regime Geral de Previdência Social. 5. Comprovado o tempo de serviço suficiente à aposentadoria proporcional por tempo de serviço/contribuição à data da Emenda Constitucional 20/98 (31 anos, 9 meses e 10 dias), o autor faz jus ao benefício de aposentadoria proporcional por tempo de serviço/contribuição, independentemente da data do requerimento administrativo, por constituir direito adquirido seu. No entanto, o benefício deve ser calculado de acordo com as regras que lhe sejam mais vantajosas: ou pela legislação aplicável às aposentadorias pelo sistema anterior à Emenda, ou utilizando-se o período posterior a ela, aplicando-se as regras de transição, vedada a utilização de sistema híbrido. 6. O termo inicial da aposentadoria deve ser a data do requerimento administrativo do benefício. 7. A correção monetária e os juros devem incidir na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução/CJF 134, de 21.12.2010. 8. Verba honorária deve ser arbitrada no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença. 9. Apelação e remessa oficial parcialmente providas. (AC 200438030008148, DESEMBARGADORA FEDERAL ÂNGELA CATÃO, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:16/03/2012 PAGINA:87.)
PREVIDENCIÁRIO - CONVERSÃO DE ATIVIDADE EXERCIDA EM CONDIÇÃO ESPECIAL PARA COMUM - RUÍDO - LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA - LABOR RURAL - IDADE INFERIOR A 14 ANOS - POSSIBILIDADE. 1. Para efeito de contar como especial o tempo de serviço prestado sob condições prejudiciais à saúde ou à integridade física, a legislação a observar é aquela em vigor na época do desempenho da atividade. 2. A legislação acerca da matéria relativa a ruído sofreu várias alterações ao longo do tempo, descritas de maneira sintética no REsp 502.697/SC de relatoria da Ministra Laurita Vaz e no AgRgAg 624.730/MG, de relatoria do Ministro Paulo Medina, in verbis: "Na concessão de aposentadoria especial por exercício de atividade insalubre, em face de excesso de ruído, inicialmente foi fixado o nível mínimo de ruído em 80 dB, no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, revogado pelo Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771, de 6 de setembro de 1973, que elevou o nível para 90 dB, índice mantido pelo Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979. Na vigência dos Decretos nº 357, de 7 de dezembro de 1991 e nº 611, de 21 de julho de 1992, estabeleceu-se característica antinomia, eis que incorporaram, a um só tempo, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90 dB, e o Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, que estipulou o nível mínimo de ruído em 80 dB, o que impõe o afastamento, nesse particular, da incidência de um dos Decretos à luz da natureza previdenciária da norma, adotando-se solução pro misero para fixar o nível mínimo de ruído em 80 db. Precedentes ". 3. "A vedação constitucional de trabalho ao menor de 14 (quatorze) anos, CF 1946, art. 157, IX, e CF/1988, art. 7º - XXXIII, não pode inibir o direito do menor ver reconhecido o tempo de trabalho desde os 11 (onze) anos de idade, por se tratar de norma de proteção sem possibilidade de se converter em regra vedativa de direitos do seu destinatário quando da sua infringência." (AC 1998.38.00.043596-2/MG, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, 2ª Turma, DJ p.70 de 09/07/2004). 4. Apelação do INSS provida em parte e recurso adesivo não provido.(AC 200238020021615, JUIZ FEDERAL MARK YSHIDA BRANDÃO, TRF1 - 1ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 DATA:04/11/2011 PAGINA:475.)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. TRABALHO RURAL. PROVA MATERIAL CORROBORADA POR DEPOIMENTO TESTEMUNHAL. PRETENSÃO DE REFORMA. NÃO CABIMENTO. TRABALHO INFANTIL. RECONHECIMENTO DO SERVIÇO PRESTADO DOS 12 AOS 18 ANOS. POSSIBILIDADE. OMISSÃO. OCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARCIALMENTE ACOLHIDOS. 1. Simples pretensão de reforma do julgado não se configura objeto de embargos de declaração, que têm por finalidade exclusiva sanar os vícios de obscuridade, contradição ou omissão do acórdão, consoante o disposto no art. 535, incisos I e II, do CPC. 2. O acórdão recorrido esposou o claro entendimento de que há nos autos prova material do labor rural do autor antes de completar 14 anos de idade, a qual foi devidamente corroborada por prova testemunhal. 3. A legislação, ao vedar o trabalho infantil, tem por escopo proteger o menor, não podendo ser utilizada em prejuízo do trabalhador, devendo ser reconhecido o tempo de serviço rural relativo ao período posterior aos 12 anos de idade. Precedente do STJ. 4. A fundamentação das decisões judiciais, prevista no texto constitucional, não impõe ao Magistrado a obrigatoriedade de responder a todos os questionamentos impostos pelas partes, bastando a fundamentação suficiente ao deslinde da questão. 5. Embargos de declaração acolhidos para, sanando a omissão, alterar o dispositivo do voto e determinar que o tempo de serviço rural do autor seja considerado somente de 20.10.57 a 1972, com alteração do resultado do julgamento (remessa oficial parcialmente provida). (EDAC 200238010012903, JUIZ FEDERAL MIGUEL ÂNGELO DE ALVARENGA LOPES, TRF1 - 3ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 DATA:20/07/2011 PAGINA:281.)
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SALÁRIO-MATERNIDADE. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE RURAL COMO INDÍGENA. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL. BENEFÍCIO DEVIDO A PARTIR DOS 14 ANOS DE IDADE. CABIMENTO. 1. Em ação civil pública, pretende o Ministério Público Federal assegurar às índias Maxakali o reconhecimento da qualidade de seguradas especiais para fins de concessão do benefício previdenciário de salário-maternidade. 2. O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de ser legítima a atuação do Ministério Público na defesa de direitos que, embora individuais, possuam relevante interesse social, pois os chamados direitos individuais homogêneos estariam incluídos na categoria de direitos coletivos abrangidos pelo art. 129, inc. III, da Constituição da República. 3. Para além de ser um direito social elencado (art. 6º) na Constituição Federal, a proteção à maternidade se constitui em um dos focos de atendimento da previdência social (art. 201, inciso II). E, mesmo que diretamente consista em prestação pecuniária, tem por escopo assegurar a dignidade da pessoa tanto da mãe quanto do filho, em período especialmente delicado, diante dos inúmeros cuidados exigidos para a proteção da saúde do novo indivíduo. Tal importância se sobreleva quando os afetados pertencem a minorias indígenas, às quais, por serem consideradas mais vulneráveis, a lei atribuiu especial atenção por parte do Estado. 4. A teor do laudo antropológico juntado aos autos, as jovens índias Maxakali começam a exercer atividades rurícolas e domésticas desde muito cedo, as quais se iniciam com um caráter lúdico e educativo e, progressivamente, vão ganhando contornos de efetiva participação no trabalho familiar, se constituindo tal fato em parte do processo de socialização das crianças. 5. Na comunidade indígena Maxakali, não há um momento ritualmente demarcado para o casamento e somente o nascimento do primogênito é que consolida as uniões afetivas. Essa circunstância, associada ao fato de que a sociedade em questão não dispõe de formas de contagem de tempo semelhantes à do Ocidente, não havendo preocupação com idade, contribui para uma primeira gestação precoce, geralmente entre 13 (treze) e 16 (dezesseis) anos de idade. 6. Embora o art. 7º, XXXIII, da CF, proíba o trabalho de menores de 16 (dezesseis) anos de idade, na hipótese, interpretar a norma em desfavor das índias Maxakali seria descabido. A uma, porque é próprio dos usos e costumes daquela comunidade o exercício de atividades laborativas desde cedo e o Estatuto do Índio prevê a adaptação das condições de trabalho dos índios à sua cultura. A duas, porque seria interpretar a Constituição Federal em sentido oposto à sua finalidade, vez que referida norma constitucional tem caráter protetivo, visando a coibir a exploração do trabalho das crianças e dos adolescentes, preservando o seu direito à educação, ao lazer e à saúde. 7. A vedação do trabalho do menor de 16 anos não é absoluta, pois há possibilidade de desempenho de atividades a partir dos 14 anos de idade, na condição de aprendiz. Assim, a situação da indígena maior de 14 anos e menor de 16 anos que trabalha em atividades rurícolas, domésticas e de extrativismo pode ser equiparada à do aprendiz, pois ambos dão os primeiros passos para adquirir os conhecimentos e a habilidade necessários ao exercício de suas atividades. 8. Apelação a que se nega provimento.(AC 200538000054815, DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:10/12/2012 PAGINA:11.)