Resumo: A Lei 12.016/2009, que disciplina o processamento do mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências, estabelece expressamente, em seu art. 5º, incisos II e III, que não será concedido mandado de segurança impetrado em face de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo ou que já tenha transitado em julgado. Por sua vez, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a impetração do referido remédio constitucional contra ato judicial é admitida em situações teratológicas que possam gerar dano irreparável, bem ainda para o exercício do controle da competência dos juizados especiais, ainda que a decisão a ser anulada já tenha transitado em julgado. Assim, não obstante, em atenção à literalidade da lei, o emprego do aludido writ para atacar ato judicial continue sendo medida rechaçada pelo ordenamento jurídico, em certos casos há uma mitigação da regra por parte dos Tribunais Superiores, os quais reconhecem a validade e utilidade – excepcional – do mandamus para sustar diretamente decisão judicial.
Palavras-Chave: Lei 12.016/2009. Mandado de segurança. Ato judicial. Efeito suspensivo. Trânsito em julgado. Tribunais Superiores. STF. STJ. Teratologia. Dano irreparável.
Sumário:1. Introdução. 2. Mandado de segurança: conceito e cabimento. 3. Teoria geral dos recursos: análise do princípio da unicidade recursal e da obtenção de efeito suspensivo. 4. Da impetração de mandado de segurança contra ato judicial: aspectos jurisprudenciais. 5. Conclusão. 6. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O mandado de segurança, atualmente previsto no art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal promulgada em 1988, ganhou status constitucional em 1934, e, de lá para cá, sempre esteve presente no texto das Constituições Federais, com exceção daquela datada de 1937. Paralelamente, o instituto, nos dias atuais, é regulamentado pela Lei 12.016/2009, que sucedeu, dentre tantas outras, a antiga Lei 1.533, de 31 de dezembro de 1951.
Sob a égide do Estado Democrático de Direito, o mandamus é conferido aos indivíduos para que eles se defendam de atos ilegais ou praticados com abuso de poder, constituindo verdadeiro instrumento de liberdade civil e liberdade política1. Trata-se, outrossim, de um meio de vasta utilização, comportando todo direito subjetivo público que não detenha proteção específica, necessitando, contudo, a caracterização da certeza e liquidez do direito para que reste clarividente a sua existência, extensão e aptidão para ser exercido no momento da impetração2, o que significa, portanto, que o writ não pode ser manejado ao bel prazer de quem busca o seu socorro.
Conforme adiante melhor será explanado, vê-se que a impetração do remédio constitucional somente será possível quando não se verificar ser o caso de se impetrar habeas corpus ou habeas data, bem como que não caberá o mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público.
Além disso, tem-se que, a priori, por expressa disposição legal, não se concederá mandado de segurança quando se tratar i) de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; ii) de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; e iii) de decisão judicial transitada em julgada.
No ponto, feito o corte metodológico, o presente artigo tratará especificamente das duas últimas vedações expressamente previstas em lei (impetração de mandado de segurança contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo ou que já tenha transitado em julgado), trazendo à baila não apenas os motivos e as razões que, em tese, justificam e/ou legitimam tais limitações (ou restrições), os quais retrataram propriamente a mens legislatoris, mas, sobretudo, o tratamento da matéria no âmbito dos Tribunais Superiores, ante as peculiaridades de determinados casos concretos a eles submetidos.
Para tanto, por meio de pesquisas bibliográficas doutrinária, jurisprudencial e legislativa, tendo por técnica de investigação a análise documental e lançando mão do método de argumentação indutivo, o estudo, num primeiro momento, definirá o instituto do mandado de segurança, compreendendo, também, as suas hipóteses de cabimento; em seguida, tratará do princípio da unicidade recursal e, nesse aspecto, realçará, ainda, o emprego do efeito suspensivo nos recursos cabíveis contra decisões interlocutórias e sentenças cíveis; e, finalmente, retratará o entendimento empossado na jurisprudência dos Tribunais Superiores (STF e STJ) acerca da impetração de mandado de segurança contra ato judicial.
2. MANDADO DE SEGURANÇA: CONCEITO E CABIMENTO
De acordo com o art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, o mandado de segurança é instrumento que visa proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
A esse respeito, anote-se:
Art. 5º, da CF:
LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
Por sua vez, a Lei 12.016/2009, que disciplina o processamento do mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências, além de praticamente reproduzir, no caput do seu art. 1º, a literalidade do texto constitucional acima transcrito, estabelece, no § 1º do citado artigo, que os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público – somente no que disser respeito a tais atribuições – equiparam-se às “autoridades públicas propriamente ditas”. Na sequência, por meio do § 2º do mesmo artigo, ressalta, ainda, não caber mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público.
Eis o teor do art. 1º, caput e §§ 1º e 2º, da Lei 12.016/2009:
Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
§ 1º Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições.
§ 2º Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público.
Na definição de HELY LOPES MEIRELLES, o mandado de segurança é
o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universidade reconhecida por lei, para proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.3
PEDRO LENZA, por seu turno, destaca que o mandado de segurança é uma criação brasileira e leciona que, qualquer que seja a natureza do ato impugnado (administrativo, jurisdicional, criminal, eleitoral, trabalhista, etc), trata-se de uma ação constitucional de natureza civil que busca a invalidação de atos de autoridade ou a supressão dos efeitos da omissão administrativa, geradores de lesão a direito líquido e certo, por ilegalidade ou abuso de poder.4
Para além, de acordo com a doutrina do Ministro LUIZ FUX, o mandado de segurança é tido como um instrumento processual constitucional conferido ao particular, seja ele pessoa física ou jurídica, passível de ser impetrado em defesa de direito líquido e certo, individual ou coletivo, e desde que tal direito não seja amparado por habeas corpus ou habeas data, podendo ser utilizado quando da lesão ou ameaça (tutela repressiva ou preventiva) causada por ato ilegal ou que acarrete abuso de poder perpetrado pela Administração Pública Direta, por meio dos seus agentes em respeito direto ou indireto da respectiva entidade pública.5
Nesse passo, tem-se que o mandamus reveste-se de caráter subsidiário, porquanto somente terá cabimento quando o ato não puder ser atacado pela via do habeas corpus ou do habeas data, os quais, respectivamente, visam à proteção de direitos inerentes à liberdade de locomoção e o acesso (ou retificação) de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público (art. 5º, incisos LXVIII e LXXII, “a” e “b”, da Constituição Federal).
De outro norte, a Lei 12.016/2009 estabelece, expressamente, no art. 5º, incisos II e III, que não será concedido mandado de segurança quando o objeto da impetração consistir em decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo ou quando tratar de decisão judicial já transitada em julgado.
Atente-se ao conteúdo do citado artigo, in verbis:
Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:
II – de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;
III – de decisão judicial transitada em julgado.
Assim, a princípio, a impetração de mandado de segurança contra ato judicial passível de ser atacado por recurso com efeito suspensivo ou que já transitou em julgado é medida coibida pelo ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que não há de se cogitar no emprego do writ como sucedâneo de recurso especificamente vinculado a determinado tipo de decisão, já que o próprio sistema processual dispõe de ferramentas (recursos) para impugnar pontualmente cada tipo de ato judicial, inclusive de alguma forma suspendendo a sua eficácia, tenha ou não ocorrido o trânsito em julgado.
Este é o entendimento tradicional e, até pouco tempo, o único que tinha a chancela das Cortes de Justiça Superiores, tal como depreende-se do julgado abaixo:
AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL EMANADO DAS TURMAS OU DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INADMISSIBILIDADE, ESPECIALMENTE SE A DECISÃO JUDICIAL TRANSITOU EM JULGADO. SÚMULAS 267 E 268. USO DO WRIT COMO SUCEDÂNEO DE AÇÃO RESCISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Não se admite a impetração de mandado de segurança contra decisões de caráter jurisdicional emanadas das Turmas ou do Plenário. Súmula n. 267. Precedentes [MS n. 24.633, Relator o Ministro CÉZAR PELUSO, DJ de 12.03.2004 e MS n. 21.734, Relator o Ministro ILMAR GALVÃO, DJ de 15.10.93].
2. Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado. Súmula 268.
3. O mandado de segurança não pode ser utilizado como sucedâneo de ação rescisória ou de qualquer outro recurso contra decisão judicial.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF. MS-AgR 26193, Rel. Min. Eros Grau). (sem grifos no original)
Dessa sorte, durante a sessão plenária ocorrida em 13 de dezembro de 1963, foram editadas as súmulas 267 e 268, as quais encartaram a jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal à época.
Eis o teor das referidas súmulas:
SÚMULA Nº 267: NÃO CABE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL PASSÍVEL DE RECURSO OU CORREIÇÃO.
SÚMULA Nº 268: NÃO CABE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO JUDICIAL COM TRÂNSITO EM JULGADO.
Importante gizar que tais súmulas, acima transcritas, não apenas refletiram o entendimento à época empossado no âmbito do STF, mas ainda hoje estão em pleno vigor, motivo pelo qual, repita-se, em regra, a impetração de mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso com efeito suspensivo ou já transitado em julgado é medida coibida pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Aliás, nesse aspecto, seguem, abaixo, 02 (dois) recentes precedentes, ambos da lavra do Superior Tribunal de Justiça, em que há a expressa alusão ao emprego das súmulas 267 e 268 do STF:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 267/STF. IMPETRAÇÃO POR TERCEIRO PREJUDICADO CIENTE DOS ATOS PROCESSUAIS. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA DA NÃO INTERPOSIÇÃO DO RECURSO CABÍVEL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 202/STJ. ABUSIVIDADE E TERATOLOGIA DA DECISÃO JUDICIAL NÃO EVIDENCIADAS.
1. "Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição" (Súmula 267/STF).
2. Afasta-se a incidência da Súmula n. 202/STJ na hipótese em que a impetrante tenha tido ciência do processo e já postulado no feito, inclusive requerendo a reconsideração da decisão impugnada no writ.
3. É entendimento do STJ que o enunciado da Súmula n. 202 socorre tão somente aquele que não teve condições de tomar ciência da decisão que lhe prejudicou, ficando impossibilitado de se utilizar do recurso cabível.
4. Incabível o mandado de segurança quando não evidenciado o caráter abusivo ou teratológico do ato judicial impugnado.
5. Recurso ordinário desprovido.
(STJ - RMS: 42593 RJ 2013/0140730-7, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 08/10/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/10/2013). (sem grifos no original)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. DESCABIMENTO. SÚMULA N. 268/STF.
1. O mandado de segurança contra decisão judicial deve ser impetrado, via de regra, antes do trânsito em julgado da decisão impugnada, sob pena de utilização da ação mandamental como ação rescisória, a teor do que dispõe a Súmula n. 268/STF: "Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado".
2. No caso concreto, a despeito de a parte, na ação de execução, insurgir-se contra o ato de designação da praça para alienação do bem imóvel, as razões do mandado de segurança refletem o desígnio de reforma da decisão proferida no processo de conhecimento do qual se originou o título executivo, fato que recomenda seja aplicada a Súmula n. 268/STF.
3. Agravo regimental desprovido.
(STJ - AgRg no RMS: 33595 SP 2011/0010181-2, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 13/08/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/08/2013). (sem grifos no original)
3. TEORIA GERAL DOS RECURSOS: ANÁLISE DO PRINCÍPIO DA UNICIDADE RECURSAL E DA OBTENÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO
No contexto da teoria geral dos recursos, dentre os vários princípios que norteiam a atuação dos sujeitos processuais, dentre eles os princípios da fungibilidade e taxatividade dos recursos, desponta-se como de fundamental importância o princípio da unirrecorribilidade, singularidade ou unicidade recursal.
Para a compreensão da norma legal que veda a impetração de mandado de segurança contra ato judicial, bem como para a análise da problemática à luz da jurisprudência do STF e do STJ, o estudo do mencionado princípio da unicidade recursal é especialmente relevante, haja vista que ele veicula a noção de que o sistema jurídico brasileiro já dispõe de mecanismos próprios para atacar cada tipo de ato judicial, de modo que, a princípio, não haveria interesse de agir no manejo do remédio constitucional para a obtenção de um resultado que já pode (e deve) ser obtido por outras vias, inclusive mais simplificadas, porque situadas dentro do próprio procedimento recursal.
De acordo com o princípio da unicidade recursal, não é possível a interposição simultânea de mais de um recurso contra o mesmo ato judicial, ou seja, em face de cada decisão judicial se admitirá a utilização de apenas uma única espécie de recurso6, eis que, “para cada caso, há um recurso adequado e somente um”.7
Desse modo, o princípio da unirrecoribilidade, unicidade dos recursos ou singularidade recursal “está consubstanciado na exigência de que cada decisão seja atacada por apenas um recurso, qual seja, o previsto na legislação como adequado à impugnação do decisum causador do inconformismo”.8
Todavia, sabendo que existe a possibilidade de interposição de mais de um recurso para alvejar a mesma decisão e que a regra é no sentido de inadmitir a interposição simultânea, LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA e FREDIE DIDIER destacam 02 (duas) situações excepcionais, nas quais há uma mitigação ao princípio da unicidade recursal, porquanto, segundo defendem, há a possibilidade de interposição simultânea de mais de um recurso contra um mesmo ato judicial:
“(i) Contra acórdãos objetivamente complexos (mais de um capítulo), é possível imaginar o cabimento simultâneo de recurso especial e recurso extraordinário (o art. 498 tem regra expressa nesse sentido). É possível, ainda, imaginar que além desses recursos excepcionais, também caibam embargos infringentes. Mas, nessa hipótese, tendo em vista o mesmo art. 498, o recorrente deverá interpor, primeiro, os embargos infringentes e, após o seu julgamento, os recursos extraordinários. Caso interponha todos a um só tempo, não serão conhecidos os recursos, de acordo com entendimento pacífico no Superior Tribunal de Justiça.
(ii) Admite-se, doutrinariamente, embora haja certa divergência, a interposição simultânea de embargos de declaração e outro recurso contra a decisão”.9
Para além, os autores lembram que o princípio da unicidade recursal estava previsto no art. 809 do CPC/73 e ressaltam que, atualmente, trata-se de recurso implícito no sistema recursal brasileiro. Por fim, atentos a regra encartada pelo aludido princípio e amparados no magistério de BERNARDO PIMENTEL SOUZA, esclarecem que a interposição de mais de um recurso contra uma decisão, não estando abarcada por nenhuma das exceções acima indicadas, acarreta a inadmissibilidade do recurso interposto por último.10
O princípio da unirrecorribilidade, singularidade ou unicidade recursal já foi, inclusive, saudado pelo Supremo Tribunal Federal; vejamos:
Agravo regimental nos embargos de declaração no agravo de instrumento. Anterior recurso não conhecido, por intempestivo. Inadmissibilidade de novo recurso, dado o princípio da unicidade recursal.
1. Em respeito ao princípio da unicidade recursal, não se admite a interposição de diferentes recursos contra uma mesma decisão judicial.
2. Ademais, recurso não conhecido, por intempestivo, não tem o condão de interromper o prazo para a interposição de novos recursos.
3. Agravo regimental não conhecido.
(STF - AI: 517428 SP, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 04/10/2011, Primeira Turma, Data de Publicação: 04-11-2011). (sem grifos no original)
Ainda no contexto da teoria geral dos recursos, porém no que diz respeito ao emprego do efeito suspensivo11 nos recursos interpostos em face de decisões interlocutórias e sentenças cíveis, cumpre destacar que, para a compreensão da norma legal que veda a impetração de mandado de segurança contra ato judicial, bem como para a análise da problemática à luz da jurisprudência do STF e do STJ, o estudo do mencionado efeito suspensivo também é deveras relevante, haja vista que, durante muito tempo, pelo simples fato de o meio de impugnação da decisão judicial não ter o condão de gerar efeito suspensivo (e propriamente em virtude de tal fato), o uso do writ contra ato judicial fora empregado de forma indiscriminada.
Atualmente, porém, conforme mais uma vez nos ensinam LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA e FREDIE DIDIER, vige a regra de que os recursos, ordinariamente, são dotados de efeito suspensivo, situação que, de um lado, ensejou o imperativo de que, caso eventualmente não possuam tal efeito, a informação deverá constar expressamente no texto legal12, e, por outro lado, fez com que a impetração de mandado de segurança contra ato judicial efetivamente passasse a ser encarada como uma espécie de “válvula de escape”,13 ou seja, empregada somente em casos excepcionais (e não mais de forma indiscriminada), chegando até mesmo a ser vedada a sua utilização nos dias atuais, a teor do que disciplina o art. 5º, incisos II e III, da Lei 12.016/2009.
No ponto, cumpre destacar que, em regra, consoante dispõe o art. 520, caput, do CPC, a apelação (recurso cabível contra sentença não transitada em julgado) deverá ser recebida tanto no efeito devolutivo como no suspensivo. Todavia, conforme previsto nos incisos do art. 520 do CPC e, também, em dispositivos de leis extravagantes, o apelo poderá ser recepcionado tão somente no efeito devolutivo. Para além, “é possível que a apelação seja recebida apenas no efeito devolutivo, em relação a um capítulo, e em ambos os efeitos, em relação a outro”.14 De qualquer sorte, nos casos em que, por determinação legal (critério ope legis), o recurso de apelação não possui o efeito suspensivo, o juiz poderá concedê-lo, desde que haja requerimento da parte interessada e estejam presentes os pressupostos necessários (verossimilhança das alegações e perigo da demora).15
Em se tratando de irresignação em face de decisão interlocutória, tem-se que, de um modo geral, sendo esta suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, será admitida a interposição de agravo de instrumento (art. 522, caput, do CPC), ao qual o Relator dará efeito suspensivo, notadamente nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens e levantamento de dinheiro sem caução idônea, por força do que disciplina o art. 558 do CPC.
Finalmente, embora, a princípio, de acordo com o art. 542, §2º, do CPC, os recursos especial e extraordinário devam ser recebidos apenas no efeito devolutivo, sendo o art. 497, do mesmo Diploma, inclusive mais taxativo, ao prevê que o manejo deles não impede a execução da sentença, a bem da verdade, amparado no entendimento doutrinário cada vez mais crescente, admite-se o ajuizamento de cautelar para suspender os efeitos das decisões recorridas por meio de tais recursos, impedindo que se provoquem danos irreparáveis ou de difícil reparação enquanto eles estiverem pendentes de julgamento.16
Nesse passo, observa-se que, contra as decisões interlocutórias e as sentenças cíveis, o Legislador viabilizou, respectivamente, o agravo de instrumento, cujo efeito suspensivo é mecanismo inerente ao próprio recurso, e a apelação, cujo efeito suspensivo é providência viável à luz do art. 558 do CPC. Por sua vez, em face de recurso especial ou extraordinário, vem sendo empregada, com ampla aceitação, a ação cautelar, visando à atribuição de efeito suspensivo.