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Legitimidade passiva no Mandado de Segurança. Lei nº 12.016/2009

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Agenda 25/08/2014 às 16:22

Houve uma tentativa frustrada de ‘federalização’ dos mandados de segurança impetrados contra atos praticados por agentes vinculados a sociedade de economia mista. O STF não permitiu a ampliação da competência da Justiça Federal por lei ordinária.

1 – Introdução 

O presente estudo tem por objeto a análise da problemática do legitimado passivo no Mandado de Segurança, tema que ganhou novo fôlego para discussões, em face da promulgação da Lei nº 12.016/2009. Adiante-se que não se pretende, no presente texto, esmiuçar o assunto, mas apenas apresentar algumas considerações sobre o tema, sem acossar exaurir os vários aspectos que o assunto pode ensejar.

Como cediço, Mandado de Segurança é ação constitucional (Art. 5º, LXIX da CR/88) com características singulares, justamente pelo seu desiderato específico, no sentido de proteger direto liquido e certo, transgredido ou ameaçado pela prática de ato ilegal perpetrado por autoridade pública ou agente privado, no exercício de função pública.

Por sua vez, direito liquido e certo, segundo a doutrina mais abalizada, afigura-se como aquele que se apresenta manifesto na sua existência e apto ser exercido. Em outras palavras, direito liquido e certo que enseje, de forma juridicamente viável, proteção via o Mandado de Segurança é aquele que esteja comprovado de plano, por meio de provas documentais, que prescinda, em absoluto, de qualquer dilação probatória, não havendo qualquer impedimento, vale ressaltar, que o direito vindicado seja complexo (súmula nº 625 do STF), reclamando, porém, de forma intransigente, que a prova seja pré-constituída. Em escorço, na esteira de Cássio Scarpinella Bueno haverá direito liquido e certo quando “a ilegalidade ou abusividade forem passíveis de demonstração documental, independentemente de sua complexidade ou densidade[1]

Direito liquido e certo, nesse prisma, é sim condição da ação, justamente por que em não havendo prova pré-constituída (=direito liquido e certo, de plano aferível), não se mostra adequado o meio utilizado, sendo, nessas hipóteses, extinto o processo, sem resolução de mérito, remetendo-se o impetrante às vias ordinárias.

Feitas essas breves considerações acerca da ação constitucional em análise, passemos ao enfoque pretendido.


2.  Da legitimidade passiva no Mandado de Segurança sob égide da Lei nº 1.533/1951.

Segundo entendimento assente na doutrina e na jurisprudência, o Mandado de Segurança pode ser impetrado contra ato materializado (ou a ser praticado) por autoridade publica ou agente de pessoa jurídica no exercício de função pública[2].

Vale mencionar ainda que, quando o ato for praticado por órgão colegiado, a autoridade coatora deve ser o presidente do órgão. Nos atos complexos, por sua vez, o writ deve ser direcionado contra quem praticou o último ato[3].

Pois bem. Durante algum tempo, foi muito controvertida na doutrina o tema da legitimidade passiva no Mandado de Segurança, havendo quem defendesse que essa posição era da autoridade coatora, já que na legislação em vigor (lei nº 1.533/51), falava-se nela como ‘a pessoa em face de quem se impetra o Writ, cabendo-lhe prestar e subscrever pessoalmente as informações no prazo de 10 dias, bem como atender às requisições do juízo e cumprir o determinado co caráter mandamental na liminar ou na sentença”. Na outra ponta, sustentou-se a posição de que a parte passiva era titularizada pela pessoa jurídica a cujos quadros pertence a autoridade coatora.

Essa segunda corrente predominou. Com efeito, os argumentos sustentados por essa segunda vertente podem ser assim resumidos: i) é a pessoa jurídica e não a autoridade coatora quem suportará os ônus decorrentes da impetração; ii) a coisa julgada material que vier a se formar atingirá a pessoa jurídica, e não a autoridade indigitada como coatora; iii) o autor do mandado de segurança pode desistir de ação, de forma incondicionada, unilateralmente, sem necessidade de qualquer manifestação de concordância por parte da autoridade coatora[4]; iv) caso a autoridade apontada como coatora seja destituída do cargo, o ato inquinado de ilegal ou abusivo será desfeito, sem qualquer prejudicialidade decorrente de seu afastamento.

Realmente, não há dúvidas de que a concessão da segurança e todos os efeitos decorrentes disso serão suportados pela pessoa jurídica a que a autoridade coatora esteja vinculada, não havendo razão jurídica plausível para ser considerada esta (autoridade) e não aquela (ente público) como o titular da relação jurídica disposta, exsurgindo-se daí a legitimidade passiva ad causam. Exatamente para reforçar esse aspecto é que foi promulgada a Lei nº 10.915/2004 que, alterando a redação do art. 3º da lei 4348/64, passou a determinar a intimação pessoal dos representantes judiciais da União, Estados, DF e Municípios, bem como de suas respectivas autarquias e fundações, de toda liminar proferida em desfavor da pessoa jurídica à qual a autoridade esteja vinculada.

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Da mesma forma, não há como infirmar o argumento relacionado aos efeitos da coisa julgada, uma vez que é exatamente o ente quem suportará seus efeitos, sendo obrigado a providenciar o desfazimento do ato, arcando com toda a repercussão financeira decorrente.

Igualmente irrefutável o argumento (‘de autoridade’) no sentido de que a desistência do impetrante, prescinde de qualquer manifestação de vontade por parte da autoridade coatora, revelando, esse aspecto, que o referido agente não é considerado réu no sentido técnico do termo, não dispondo de direito a uma sentença de mérito.

Por fim, a pá de cal. A alteração superveniente da autoridade que praticou o ato ou abuso de poder, não altera em nada a legitimidade passiva da ação, pois, se assim fosse, esse fato (modificação da pessoa que exerce o cargo), acarretaria a extinção do mandado de segurança, sem resolução de mérito, por carência superveniente de ação.

Em resumo, sob a vigência da antiga lei nº 1.533/51, restou sedimentado na doutrina e na jurisprudência, que a legitimidade passiva no mandado de segurança é posição da pessoa jurídica a qual a autoridade coatora fosse vinculada, sendo esta considerada mera informante, não sendo qualificadas as informações como peça de defesa, mas como meio de prova. Por fim, destaque-se, que na vigência da legislação revogada, entendeu a Excelsa Corte (Ag. Reg. no RE nº 233.319) que a autoridade coatora, em regra, não possui legitimidade recursal, sendo o recurso interposto pela pessoa jurídica, podendo a autoridade recorrer apenas como terceiro prejudicado, em decorrência de eventuais efeitos danosos à sua esfera jurídica, especificamente no campo da responsabilidade regressiva, por culpa. Mesmo assim, a autoridade coatora não ostenta condição de parte[5].


3. A legitimidade passiva na Lei nº 12.016/2009: questões polêmicas 

Analisada a questão pertinente à legitimidade passiva, sob o enfoque da legislação revogada, impõe-se empreender nova apreciação, em face da superveniência da lei nº 12.016/09, dissecando-se as eventuais alterações verificadas pela alteração legislativa.

Para tanto, imprescindível a análise das novas regras sobre o tema, veiculadas pela Lei nº 12.016/09, verbis: 

“Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

§ 1o Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições.

§ 2o Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público.

....................................

Art. 2o Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada.

Art. 6o A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.

.........................................

§ 3o Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática

Art. 7o  Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:

I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações;

II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito

Art. 9o As autoridades administrativas, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas da notificação da medida liminar, remeterão ao Ministério ou órgão a que se acham subordinadas e ao Advogado-Geral da União ou a quem tiver a representação judicial da União, do Estado, do Município ou da entidade apontada como coatora cópia autenticada do mandado notificatório, assim como indicações e elementos outros necessários às providências a serem tomadas para a eventual suspensão da medida e defesa do ato apontado como ilegal ou abusivo de poder

Art. 14.  Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.

.................................

§ 2o Estende-se à autoridade coatora o direito de recorrer

Tal como era anteriormente à promulgação da Lei nº 12.016/2009, o conceito de autoridade coatora ainda ostenta relevância para fixação da competência jurisdicional, bem como para identificar o pólo passivo no mandado de segurança, ou seja, qual a pessoa jurídica a que a autoridade é vinculada. Tanto é assim, que a nova legislação determina que se indique, na petição inicial, ‘além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra” (art. 6º). Outro indicativo sintomático da adesão legal à tese consolidada sob a vigência da lei antiga, relacionada a posição do ente público no pólo passivo, e não da autoridade coatora, está na previsão contida no art. 9º, no sentido de que as autoridades administrativas ‘remeterão’  cópia do mandado notificatório da liminar deferida, ‘a quem, tiver representação judicial da União, do Estado, do Município ou da entidade apontada como coatora’, para adoção das medidas pertinentes visando suspender a decisão judicial, bem como para defesa do ato apontado como ilegal ou abusivo.

A doutrina especializada assevera:

No entanto, embora o ato contestado pelo mandado de segurança tenha sido praticado pela autoridade, ou seja, a pessoa física que exerce a função pública, está não será parte processual. O cargo, o emprego, a função pública ou a atividade de colaboração do particular (concessão, permissão e autorização) é impessoal. A remoção, aposentadoria ou exoneração do servidor que praticou o ato reputado como ilegal/abusivo não provocará qualquer alteração no pólo passivo da ação de mandado de segurança. É a pessoa jurídica que ocupa o pólo passivo e que suportará os efeitos da sentença. Embora a doutrina já tenha se manifestado pela necessidade de formação de litisconsórcio entre a autoridade coatora e a pessoa jurídica, tal construção, atualmente, deve ser repudiada. Como ensinava Pontes de Miranda, não se trata de representação, mas de presentação. Desta maneira, mandado de segurança impetrado contra ato judicial não torna o juiz parte do processo e não gera sua condenação em custas. A nova lei do mandado de segurança estende a possibilidade de recurso à autoridade coatora, como se depreende da dicção do art. 14, § 2º, adiante examinado. Esta previsão, porém, não deverá alterar o tratamento da questão. A autoridade coatora poderá recorrer na condição de terceiro prejudicado, em virtude dos potenciais efeitos danosos da decisão de concessão da segurança quanto a sua esfera jurídica, em posterior ação de regresso. Todavia, ainda não será parte na relação processual[6].” 

Com efeito, a novel extensão do direito a recorrer conferida à autoridade coatora pela nova lei (art. 14, § 2º), parece sufragar a legitimidade passiva da pessoa jurídica a qual a autoridade é vinculada, abrindo-se essa oportunidade para que o autor do ato impugnado defenda, outrossim, sua conduta, no escopo de proteger sua esfera individual de eventuais responsabilizações regressivas.

Acrescente-se ainda que, no conceito de autoridade coatora, trazido pela nova lei (art. 1º, § 1º), estão abarcadas as autoridades que exerçam múnus público, ou seja, todos os agentes públicos, bem como particulares que estejam exercendo atribuição pública.

Assim, mesmo um particular pode ser considerado autoridade coatora, quando esteja exercendo função pública delegada, tal como ocorre com os dirigentes de instituições de ensino e com titulares de serviço público concedido ou delegado.

Outro aspecto que nos parece inalterado com a novel legislação, está relacionado com a eventual possibilidade de particular ostentar legitimidade passiva no Writ, sempre que sua posição jurídica puder ser diretamente afetada pela prestação jurisdicional vindicada. Exemplo recorrente dessa situação ocorre em processo licitatório impugnado por mandado de segurança, onde o vencedor do certame deve ser citado na condição de litisconsórcio passivo necessário[7].

Cabe ainda destacar, no tocante à legitimidade passiva, a incoerência por parte da jurisprudência predominante que determina a extinção do processo sem resolução de mérito, quando equivocada a indicação da autoridade coatora. Ora, se, como se viu, tanto doutrina como a jurisprudência entendem que é a pessoa jurídica quem detém a legitimidade passiva nos processos de mandado de segurança, não parece coerente a extinção do processo, sem análise meritória, sem oportunizar ao impetrante que emende sua exordial (aplicando-se o art. 284 do CPC). A única hipótese em que parece ser razoável a extinção do feito, em face da indicação errônia da autoridade coatora, ocorre quando esse erro gera, também, a incompetência do próprio órgão julgador.   

Deveras, não se deve olvidar que a jurisprudência vem amenizando essa posição, quando materializada a encampação (=defesa do ato), pela autoridade apontada como coatora. Nesse sentido, por exemplo, o julgado no RMS nº 24.637, rel. Min. Francisco Falcão, DJ em 17.11.2008.

Ponto que pode trazer alguma polêmica relaciona-se à atribuição de autoridade coatora, prevista pelo art. 2º, no sentido de que “Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada”.

Por força desse dispositivo, seriam consideradas federais autoridades vinculadas ao banco do Brasil, por exemplo, o que pode levar alguns a defender a competência da Justiça Federal para processar do mandado de segurança impetrado contra atos de um gerente do BB.  

Tal leitura não parece viável, haja vista que a competência da Justiça Federal está prevista na Constituição Federal, sujeita, segundo reiteradamente vem proclamando o Pretório Excelso, a regime interpretativo restrito, não havendo espaço para que uma lei ordinária amplie a competência da Justiça Federal, por via transversa.


4. Conclusão:

Desde o tempo da lei nº 1.533/51, restou sedimentado na doutrina e na jurisprudência que a legitimidade passiva no mandado de segurança é posição da pessoa jurídica a qual a autoridade coatora fosse vinculada, seja por que é o ente público quem suportará os ônus decorrentes da impetração, revelando-se que é a pessoa jurídica quem sofre os feitos do trânsito em julgado, bem como pela plena possibilidade de desistência do Writ, sem qualquer necessidade de anuência da autoridade coatora e, por fim, pela evidente inalterabilidade da legitimidade passiva, quando eventualmente a autoridade seja exonerada, destituída, enfim, quando quem praticou o ato seja removido de sua posição decisória.

Com a nova lei de mandado de segurança, pouca coisa foi alterada, nesse ponto. Alguns entendimentos jurisprudenciais foram abraçados pela nova legislação, a exemplo da previsão expressa de não cabimento do Writ contra atos de gestão (art. 1º, § 2º), bem como houve uma tentativa de ‘federalização’ dos mandados de segurança impetrados contra atos praticados por agentes vinculados a sociedade de economia mista, quando as ‘conseqüências de ordem patrimonial’ forem suportadas pela União ‘ou por entidade por ela controlada’. Tal tentativa, entretanto, não nos parece viável, já que o Supremo Tribunal Federal rechaçou, por diversas vezes, tentativas de ampliação das competências constitucionalmente previstas, por meio de lei ordinária.


5  Referências bibliográficas

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 5ªed., São Paulo: Dialética, 2007.

DIDIER JR, Fredie e CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 5ªed, Salvador: Jus Podivm, 2008, v. 3.

MEDINA, Miguel Garcia e Fábio Caldas de Araújo. Mandado de Segurança Individual e Coletivo. Comentários à Lei nº 12.016/2009. Editora RT, 2009. 

Sobre o autor
Rodrigo Cunha Veloso

Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco em 2004. Especialista em direito processual civil pelo IDP- Instituto Brasiliense de Direito Publico em 2011. Advogado da União desde 2005. Atualmente ocupa o cargo de Procurador Regional da União na 5 região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VELOSO, Rodrigo Cunha. Legitimidade passiva no Mandado de Segurança. Lei nº 12.016/2009. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4072, 25 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29307. Acesso em: 24 nov. 2024.

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