Resumo: O tema da possibilidade ou não de repetição de valores pagos em razão de tutela antecipada ou liminar, a título de benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social, gera muitas discórdias no meio jurídico, face aos princípios e valores de elevada importância envolvidos. Por muito tempo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça foi contrária a essa tese, porém, em interessante e relevante precedente do ano de 2013, a Corte da Cidadania passou a admiti-la, o que trará impactos no erário e interesse públicos, bem como poderá influenciar nos pleitos desses requerimentos provisórios e na respectiva concessão judicial, já que há o inevitável risco da reforma ulterior e da imprescindibilidade de ressarcimento ao erário.
Palavras-chave: decisão. provisória. INSS. repetibilidade. STJ.
Sumário: Introdução. 1. Do regime da tutela antecipada no CPC e da reversibilidade da decisão. 2. Da possibilidade de cobrança de valores recebidos por força de decisão liminar/tutela. 3. Do entendimento do STJ e do recente precedente pela repetição – ano de 2013. Conclusão. Referências.
Introdução
O estudo em comento pretende analisar o tema da repetição de benefícios previdenciários e acidentários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), pagos indevidamente pelo Instituto Nacional do Seguro Social, em virtude de decisão provisória que é posteriormente reformada em sentença ou grau recursal.
Será exposto nos itens abaixo que, por muitos anos, face à jurisprudência então dominante do Superior Tribunal de Justiça, a Procuradoria-Geral Federal, incumbida da representação judicial e extrajudicial da Autarquia Federal INSS, enfrentou grande dificuldade em sua pretensão ressarcitória. Porém, o cenário que se vislumbra atualmente é diverso em razão de importante precedente, publicado no ano de 2013. Trata-se de acórdão da 1ª Seção do C. STJ, de relatoria do Ministro HERMAN BENJAMIN, no REsp n.º 1384418, interposto pelo INSS em face de v. acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4ªR) e que, por maioria de votos, foi provido.
Constata-se, assim, que a Corte da Cidadania passou a admitir a tese já defendida pela PGF há muito tempo, qual seja, da repetibilidade de tais parcelas pagas em face de uma decisão precária e provisória, o que trará impactos no erário e interesse públicos, bem como poderá influenciar nos pleitos desses requerimentos provisórios e na respectiva concessão judicial, já que há o inevitável risco da reforma ulterior e da imprescindibilidade de ressarcimento ao erário.
1. Do regime da tutela antecipada no CPC e da reversibilidade da decisão:
O Código de Processo Civil (CPC) prevê tutelas de emergência quando há risco de perecimento do direito e urgência da concessão da prestação jurisdicional, ainda que de caráter provisório, a depender de posterior decisão definitiva.
Nesse cenário, entre as últimas reformas e alterações sofridas pela legislação processual civil, o instituto da antecipação dos efeitos da tutela foi uma das mais relevantes inovações no direito pátrio. Com efeito, sob a ótica dos princípios da celeridade e efetividade da prestação jurisdicional, o instrumento é uma efetiva revolução processual, posto que marca o fim da supervalorização da sentença.
Entretanto, ensina o jurista Rafael Gomes de Santana[1] que:
(...) embora a antecipação de tutela tenha um papel especial e de importância prática até mais relevante que a sentença não se pode esquecer que a decisão prolatada em sede de antecipação de tutela possui fundamento, em regra, em um juízo de probabilidade, enquanto a sentença, baseia-se num juízo de certeza.
O CPC prescreve, com clareza, o imperativo da restituição ao statu quo ante em caso de reversão da medida. Essa é a regra expressa contida nos artigos 273, §§ 2º e 3º, e 811, I e III, da legislação processual civil, particularmente depois da supressão da antiga redação do parágrafo único do art. 130 da Lei n.º 8.213, de 27 de julho de 1991, conhecida como a “Lei de Benefícios”, verbis:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
(...)
Art. 811. Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que Ihe causar a execução da medida:
I - se a sentença no processo principal Ihe for desfavorável;
II - se, obtida liminarmente a medida no caso do art. 804 deste Código, não promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias;
III - se ocorrer a cessação da eficácia da medida, em qualquer dos casos previstos no art. 808, deste Código;
IV - se o juiz acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor (art. 810).
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos do procedimento cautelar. (sem destaques no original)
No tocante à Lei de Benefícios, essa é a redação anterior e atual do artigo 130:
Art. 130. Os recursos interpostos pela Previdência Social em processo que envolvam prestações desta lei, serão recebidos exclusivamente no efeito devolutivo, cumprindo-se, desde logo, a decisão ou sentença, através de processo suplementar ou carta de sentença.Parágrafo único. Ocorrendo a reforma da decisão, será suspenso o benefício e exonerado o beneficiário de restituir os valores recebidos por força da liquidação condicionada.
Art. 130. Na execução contra o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, o prazo a que se refere o art. 730 do Código de Processo Civil é de trinta dias. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
No mesmo sentido, como o assunto está vinculado à sentença e à execução provisória de sentença, que, assim como a tutela antecipada, tem característica intrínseca a instabilidade, citem-se alguns trechos do artigo 475-O do CPC, verbis:
Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas: (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
I – corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
II – fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados eventuais prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
III – o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
§ 1º No caso do inciso II do caput deste artigo, se a sentença provisória for modificada ou anulada apenas em parte, somente nesta ficará sem efeito a execução. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
Entre outros, o fundamento crucial para a restituição das partes ao estado em que se encontravam antes da decisão (lato sensu), especialmente nos casos em que haja repercussão financeira, é a vedação ao enriquecimento sem causa, já que, com a reforma da decisão, a parte indevidamente beneficiada deve ressarcir eventuais prejuízos[2].
A propósito, essa é o mandamento expresso no Código Civil de 2002, em seus artigos 876, 884 e 885 do Código Civil (CC/02), que assim rezam:
CAPÍTULO III
Do Pagamento Indevido
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
[...]
CAPÍTULO IV
Do Enriquecimento Sem Causa
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.
Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.
Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.
Sobre o tema, ensina com maestria Sílvio de Salvo Venosa[3]:
À noção de enriquecimento antepõe-se a noção de empobrecimento da outra parte. São termos que se usam em sentido eminentemente técnico e não vulgar, é óbvio. A relação de imediatidade, o liame entre o enriquecimento e o empobrecimento fechará o círculo dos requisitos para a ação específica.Da vantagem de um patrimônio deverá resultar a desvantagem de outro.Deve ser entendido como “ sem causa” o ato jurídico desprovido de razão albergada pela ordem jurídica. A causa poderá existir, mas, sendo injusta, estará configurado o locupletamento indevido.O enriquecimento pode emanar tanto de ato jurídico, como de negócio jurídico, e também como de ato de terceiro. Como exemplo esclarecedor do enriquecimento injusto, lembramos mais uma vez a situação do herdeiro aparente: conduzindo-se como herdeiro, com boa-fé, seus atos deverão ser tidos como válidos até o momento em que se torne conhecido o verdadeiro herdeiro. Este não pode deixar de indenizar o herdeiro aparente das benfeitorias feitas no patrimônio.A restituição deve ficar entre dois parâmetros. De um lado, não pode ultrapassar o enriquecimento efetivo recebido pelo agente em detrimento do devedor. De outro, não pode ultrapassar o empobrecimento do outro agente, isto é, o montante em que o patrimônio sofreu diminuição. Outro fator importante a recordar é que o montante será calculado na data em que a restituição é efetivada. Se a coisa obtida mediante enriquecimento valia 10.000,00, mas por qualquer circunstância enriqueceu o patrimônio do beneficiado em apenas 5.000, será neste valor o montante objeto da restituição.
2. Da possibilidade de cobrança de valores recebidos por força de decisão liminar/tutela:
Como brevemente adiantado, o estudo em tela visa analisar a possibilidade ou não de cobrança pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de benefícios previdenciários e acidentários pagos em razão de antecipação dos efeitos da tutela ou liminar para segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Dos regramentos supratranscritos, depreende-se que, no caso das tutelas antecipadas e cautelares, é regra cogente a reversibilidade do provimento provisório como pré-requisito à sua concessão. Em outras palavras, é evidente a inevitável responsabilidade pela persecução patrimonial de pessoas beneficiadas por tais medidas judiciais precárias que, posteriormente, se revelaram descabidas.
Nada obstante, como é sabido hoje, a posição de muitos Tribunais é pela irrepetibilidade, sob os argumentos de que as verbas salariais recebidas têm natureza alimentar e, com base nas teorias do funcionário de fato e do fato consumado, fundadas na teoria da aparência, protegem-se os terceiros de boa-fé, cuja situação jurídica foi subitamente alterada pela ilegalidade ou inconstitucionalidade das vantagens recebidas, embora, em princípio, institucionalmente reconhecidas.
Todavia, situação obviamente diversa é aquela em que o beneficiário da tutela ou liminar, tem pleno conhecimento, já de antemão, de que o provimento que recebe é provisório, precário, porque depende de uma decisão ulterior que a corrobore, ratifique ou, embora não deseje certamente, que desconstitua aquela proferida em favor do segurado. Nessa situação, a pergunta é: como se falar em boa-fé quando a parte autora tinha pleno conhecimento de que estava recebendo quantias mensais em razão de provimento jurisdicional precário? É claro que não há boá-fé nessa situação.
O CPC não deixa qualquer dúvida de que a percepçãoda tutela ou liminar se dá por conta e risco do próprio favorecido que, em caso de reversão, deverá devolver o que recebeu indevidamente por força de decisão provisória.
Consequentemente, entendimento contrário ao preconizado pela lei (repetição de valores e vedação ao enriquecimento sem causa) implica a inelutável consequência de se tratar não de execução provisória, MAS DE EXECUÇÃO DEFINITIVA.
Além disso, entender-se pela irrepetibilidade traz outras importantes conclusões prejudiciais à própria natureza e aos princípios que regem a tutela antecipada ou liminar, consoante ensina o Procurador Federal Rafael Gomes de Santana[4]:
Com a consolidação do posicionamento, criam-se figuras processuais novas, algo que poderíamos chamar de “super antecipação dos efeitos da tutela” ou “super execução provisória”. Figuras estas próximas às atualmente existentes, porém com algumas características especiais: teriam por objeto apenas ações previdenciárias contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e mesmo nos casos de revogação da decisão, os valores eventualmente recebidos não precisariam ser devolvidos pelos beneficiários.
Ora, as medidas aqui estudadas são instrumentos excepcionais e assim devem ser interpretados. Toda a lógica processual incluída pela Lei nº 8.952, com a criação da antecipação dos efeitos da tutela, e pela Lei nº 11.232, com diversas alterações no modo como a execução era concebida, está baseada na possibilidade de reversibilidade da situação fática, sob pena de que sejam criadas situações de injustiça, onde não há direito, mas o interessado é beneficiado de qualquer forma. O “grande ideal de esperança” ou “ideal de efetividade”, no dizer de Marinoni (2004, 23-25), além de um grande poder, deve estar relacionado a uma grande responsabilidade.
Como consequência, têm-se ainda outras questões importantes. O indivíduo que, por qualquer motivo tenha se afastado da ética, mesmo sem possuir direito, poderá ingressar em juízo para pleitear benefício previdenciário em sede de tutela antecipada que, uma vez reconhecida em nível cognitivo superficial, poderá se perpetuar sob o manto da irrepetibilidade. Certamente, este beneficiário da decisão, não terá o mínimo interesse em ver a decisão final, até porque ela lhe será prejudicial, e mesmo que esta venha com brevidade, os valores pagos serão irrepetíveis.
Ao cidadão comum parece-lhe que mais vale ingressar com uma ação judicial do que pleitear o seu benefício numa agência do INSS. Na primeira hipótese, mesmo se ele não tiver cumprido todos os requisitos legais, mas tiver a fumaça do bom direito, já garantirá algum benefício (e de caráter irrepetível), ainda que temporariamente.
Como última consequência, pode-se citar ainda o prejuízo coletivo que este tipo de decisão causa. Sim, prejuízo coletivo, pois os valores que são pagos aos indivíduos que não possuem direito por meio das decisões judiciais, acabarão por deixar de ser destinados aos demais indivíduos que deveriam receber regulamente o benefício.
Ora, garante-se a irrepetibilidade das prestações de caráter alimentar para quem reconhecidamente não tem direito, deixando na incerteza os demais cidadãos.
Cumpre, ainda, reiterar que o próprio parágrafo 2? do artigo 273 do CPC reza ser imprescindível a reversibilidade do provimento antecipado como requisito para a concessão do provimento antecipado.
Sobremais, a doutrina defende que a responsabilidade do beneficiário da medida antecipatória é objetiva, ou seja, o favorecido deve conceder ao antes prejudicado a plena restituição ao status quo ante. Nesse diapasão, veja-se o ensinamento trazido pelo jurista Humberto Theodor Junior[5]:
Não enfraquece a tese da responsabilidade objetiva do exeqënte de tutela antecipada o fato de o legislador não ter feito, no art. 273, remissão ao inciso I do art. 588, onde há alusão expressa ao dever de "reparar os danos causados ao devedor". Primeiramente, há que se destacar que o comando principal desse inciso se refere a obrigatoriedade da prestação de caução. E foi a incidência dessa imposição que o legislador quis afastar das medidas de tutela antecipada. Ademais, substancialmente, não se pode vislumbrar qualquer distinção entre o dever de "reparar os danos causados" (inciso I) e a obrigação "restituir as coisas no estado anterior" (inciso III), considerando-se, em Direito, ambas as expressões sinônimas. Portanto, a simples remissão ao artigo 588, inciso III é já suficiente a inserir a medida de antecipação de tutela dentre os atos provisórios cuja execução se faz por conta e risco do requerente, que fica obrigado, no caso de sucumbência, a indenizar amplamente o réu, independente de dolo ou culpa.
Há, outrossim, outro argumento que leva a idêntica conclusão. As medidas de antecipação de tutela acham-se vinculadas à cláusula legal de reversibilidade. Proíbe a lei a concessão de qualquer antecipação de tutela que crie simplesmente o perigo da irreversibilidade (CPC, art. 273, § 2º). E para assegurar a reversibilidade, no caso de insucesso da parte autora no julgamento final da causa, é claro que o sucumbente deverá responder, amplamente, pela reposição das coisas no seu status quo ante. Isto se dará, independentemente de apuração de culpa ou dolo, porque se trata de emanação natural do sistema da lei, que assegura à parte a plena utilidade e completa efetividade dos resultados do processo.
Se, pois, a antecipação se dá sob a garantia legal de reversibilidade, e se a reversão terá de ser feita com a restituição das partes ao estado anterior, forçosamente, a recomposição patrimonial do prejudicado só poderá correr por conta de quem promoveu a execução de medida substancialmente provisória.
Por fim, impende concluir que se a responsabilidade objetiva, nesse quadro, é a solução imposta pela lei para as medidas cautelares e para a execução provisória de sentença, com igual intensidade terá de ser observada também nas antecipações de tutela, dada a substancial identidade de razões que as justificam no plano normativo. Medida cautelar (conservativa) e medida antecipatória (satisfativa) são espécies distintas de um mesmo gênero – a tutela de urgência – porque ambas têm em comum a força de quebrar a seqüência normal do procedimento ordinário, ensejando, sumariamente, provimentos que, em regra, só seriam cabíveis depois do acertamento definitivo do direito da parte. É bom lembrar que no direito comparado nem sequer se faz a separação entre a medida cautelar e a medida antecipatória. Ambas se incluem no poder geral de cautela, onde, como, v.g., no direito italiano, no francês, no alemão etc., apenas se admite que se possa obter, sob o mesmo rótulo jurídico, medidas cautelares conservativas e medidas cautelares antecipatórias. Mesmo a doutrina brasileira tem admitido a fungibilidade dos procedimentos e flexibilidade dos juízos quando, concretamente, presentes os requisitos que autorizam a concessão da medida, a parte tiver se valido do procedimento tecnicamente menos adequado [19].
Conclui-se, pois, que, tratando-se de tutela provisória, todos os atos executivos que a parte promova precariamente, sujeitos a revogação posterior por ato judicial definitivo, conduzirão o autor a responder objetivamente pelos danos acarretados ao réu.
A redação do art. 811 e, também, a do art. 588, do CPC não deixam margem a dúvidas: basta que ocorram as hipóteses descritas em seus incisos para que nasça para a parte a obrigação de responder "pelos prejuízos que lhe (ao requerido) causar a execução da medida", e de restituir "as coisas no estado anterior".
Para fixação da responsabilidade civil do promovente da medida ou da execução provisória, não importa saber se agiu ele com fraude, malícia, dolo ou culpa stricto sensu. Pela sumariedade e excepcionalidade da medida judicial, exige-se que seu exercício se dê a conta e por risco do autor. Não há que se falar em presunção de culpa, pois o que se tem é pura e simplemente a responsabilidade objetiva, à qual o elemento culpa é de todo estranho e dispensável [20].
Aliás, a própria Lei n.º 8.213/91, no inciso II do artigo 115, permite que a restituição ocorra, como resultado da conjugação dos princípios da indisponibilidade do patrimônio público, da legalidade administrativa, da contributividade e do equilíbrio financeiro da Previdência Social e do mandamento constitucional de reposição ao erário. Veja-se a dicção do artigo em questão:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento de benefício além do devido;
(...)
§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Renumerado pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
§ 2º Na hipótese dos incisos II e VI, haverá prevalência do desconto do inciso II. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003) (sem destaques no original)
É curioso frisar que a ausência de demonstração de má-fé não afasta a necessidade de restituição pois o elemento anímico ou subjetivo em questão (má-fé ou boa-fé) só importará para a possibilidade ou não de parcelamento do débito apurado, nos termos do já visto art. 115 da Lei n.º 8.213/91.
Também é imperioso notar que a atividade de ressarcimento pelo ente público decorre do exercício do poder-dever de a Administração rever seus atos, além de que decorre diretamente da submissão da Administração ao princípio constitucional da legalidade estrita (CF, art. 37, caput[6]), conforme dispõem os Enunciados n.ºs 346 e 473 do Colendo Supremo Tribunal Federal, verbis:
SÚMULANº 346: A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PODE DECLARAR A NULIDADE DOS SEUS PRÓPRIOS ATOS.
SÚMULA Nº 473: A ADMINISTRAÇÃO PODE ANULAR SEUS PRÓPRIOS ATOS, QUANDO EIVADOS DE VÍCIOS QUE OS TORNAM ILEGAIS, PORQUE DELES NÃO SE ORIGINAM DIREITOS; OU REVOGÁ-LOS, POR MOTIVO DE CONVENIÊNCIA OU OPORTUNIDADE, RESPEITADOS OS DIREITOS ADQUIRIDOS, E RESSALVADA, EM TODOS OS CASOS, A APRECIAÇÃO JUDICIAL.
Esses dispositivos nada mais fazem do que positivar princípios constitucionais sensíveis ao Estado Democrático de Direito. Como é sabido, esse Estado é regido pela legalidade e o patrimônio público é indisponível, e a Constituição institui diversos mecanismos visando sua proteção, tais como a eficácia de título executivo dada aos acórdãos do TCU (art. 71, § 3º[7]), a impossibilidade de usucapião de bem público (art. 183, § 3º[8]), dentre outros exemplos.
Além disso, é regra constitucional implícita que aquele que malfere o Erário deve subvencionar sua recomposição. Esse é o mandamento do art. 37, § 5º[9], segundo o qual ninguém pode se apropriar de valores que recebeu indevidamente, ficando submetido à imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário. Não é outro o ditame do art. 5º da Lei n.º 8.429, de 02 de junho de 1992 (improbidade administrativa), que não distingue o ato doloso do culposo, a saber:
Art. 5º Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.
Em matéria específica da Previdência Social, é necessário lembrar o princípio do equilíbrio econômico e financeiro, previsto no artigo 195, § 5ºm da Constituição, segundo o qual “Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.”
Nota-se, assim, a preocupação do Constituinte com a limitação da despesa e a efetivação da receita, determinando aos poderes que mantenham um equilíbrio atuarial e financeiro, em prol não apenas das finanças públicas e da solvência do sistema, mas também do direito subjetivo dos segurados[10]. Ressalte?se que a regra constitucional não prevê qualquer ressalva. Impõe?se rígido equilíbrio entre receitas e despesas, no sentido de que estas não podem superar aquelas, sob o risco de desmoronamento do sistema e de todos aqueles que dele dependem[11].
Além de os preceitos acima serem decorrentes do Princípio Geral de Direito que veda o enriquecimento sem causa, cumpre salientar que há dever de o INSS buscar tal ressarcimento, conforme estabelece o art. 154 do Decreto n. º 3.048, de 06 de maio de 1999, o Regulamento da Previdência Social (RPS), que tem a seguinte dicção:
Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
I - contribuições devidas pelo segurado à previdência social;
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
III - imposto de renda na fonte;
IV - alimentos decorrentes de sentença judicial; e
V - mensalidades de associações e demais entidades de aposentados legalmente reconhecidas, desde que autorizadas por seus filiados, observado o disposto no § 1º.
VI - pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, públicas ou privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de trinta por cento do valor do benefício. (Incluído pelo Decreto nº 4.862, de 2003)
§ 1º O desconto a que se refere o inciso V do caput ficará na dependência da conveniência administrativa do setor de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social.
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser feita de uma só vez, atualizada nos moldes do art. 175, independentemente de outras penalidades legais.
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.
§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma:
I - no caso de empregado, com a observância do disposto no art. 365; e
II - no caso dos demais beneficiários, será observado:
a) se superior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de sessenta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa; e
b) se inferior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de trinta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa.
Como se vê, a questão da repetição de verbas de natureza alimentar encontra solução no art. 115 da Lei de Custeio, o qual não padece de qualquer inconstitucionalidade.
A Constituição estabelece a lei como instrumento necessário e suficiente para a criação de direitos e obrigações (art. 5º, II[12]). Uma lei aplicável ao caso concreto só pode ser afastada se for inconstitucional, pois nesse caso a prevalência é da Constituição. Sem a demonstração da inconstitucionalidade da lei, cabe ao Judiciário garantir a sua aplicação, não podendo se esquivar de o fazer (CF, art. 105, III[13]).