3. Do entendimento do STJ e do recente precedente pela repetição – ano de 2013:
A orientação pretoriana do STJ era pacífica no sentido de que os segurados do RGPS não tinham obrigação de restituir valores obtidos por força de tutela antecipada que foi posteriormente revogada. O Tribunal sustentava que as verbas previdenciárias possuem natureza alimentar e, por conseguinte, vigia o princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Nesse sentido: STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp 194.038-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 18/10/2012 (Informativo n.º 507).
Todavia, houve recente mudança de posicionamento do Tribunal da Cidadania. A 1ª Seção do STJ, que engloba a 1ª e a 2ª Turmas, alterou seu entendimento e decidiu que o segurado da Previdência Social tem o dever de devolver o valor de benefício previdenciário recebido em antecipação dos efeitos da tutela que tenha sido posteriormente revogada.
Com efeito, esse é o teor de DECISÃO DO C. STJ, noticiada no sítio eletrônico do STJ, em reportagem datada de 19 de julho de 2013[14].
Trata-se de precedente de relatoria do Ministro HERMAN BENJAMIN, no julgamento do REsp n.º 1384418, interposto pelo INSS em face de v. acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4ªR) e que, por maioria de votos, foi provido. O trânsito em julgado do feito restou certificado em 08 de outubro de 2013 e os autos foram devolvidos à origem em 14 de outubro de 2013[15].
Nesse acórdão, cujo inteiro teor já se encontra publicado, o Ministro Relator entendeu que a decisão que antecipa os efeitos da tutela não enseja a presunção, pelo beneficiário, de irrepetibilidade, mesmo porque é provisória, a teor do que preconiza o art. 273 do CPC.
Sobremais, o Ministro Herman Benjamin ressalvou que a teoria da irrepetibilidade alimentos não é suficiente para fundamentar a não devolução, já que imprescinde da caracterização de boa-fé de quem percebeu aludidas importâncias e do exame da definitividade ou precariedade da decisão judicial. Nesses termos, “o autor da ação deve saber que está recebendo aquelas quantias a título provisório e que elas poderão ser retiradas de seu patrimônio caso a tutela antecipada seja revogada. Dessa forma, não há legitimidade jurídica para que o segurado presuma que não terá de devolver os valores recebidos, até porque, invariavelmente, ele está assistido por advogado e, conforme prevê o art. 3º da LINDB, ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece. Logo, ele deve estar ciente da precariedade do provimento judicial que lhe é favorável. Como o autor sabia que os recursos recebidos não integrariam em definitivo o seu patrimônio, qualquer ato de disposição desses valores, ainda que para fins alimentares, salvo situações emergenciais e excepcionais, não poderia estar acobertado pela boa-fé, já que é princípio basilar tanto na ética quanto no direito, que ninguém pode dispor do que não possui (Min. Humberto Martins, no AgRg no REsp 126480/CE)[16].”
A propósito, o inédito julgado foi disponibilizado no Informativo de Jurisprudência do STJ de n.? 524, de 28 de agosto de 2013, com o seguinte texto:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO EM RAZÃO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA.
O segurado da Previdência Social tem o dever de devolver o valor de benefício previdenciário recebido em antecipação dos efeitos da tutela (art. 273 do CPC) a qual tenha sido posteriormente revogada. Historicamente, a jurisprudência do STJ, com fundamento no princípio da irrepetibilidade dos alimentos, tem isentado os segurados do RGPS da obrigação de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente tenha sido revogada. Já os julgados que cuidam da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluíram para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida na situação. Nestes casos, o elemento que evidencia a boa-fé objetiva consiste na legítima confiança ou justificada expectativa de que os valores recebidos sejam legais e de que passem a integrar definitivamente o seu patrimônio. Nas hipóteses de benefícios previdenciários oriundos de antecipação de tutela, não há dúvida de que existe boa-fé subjetiva, pois, enquanto o segurado recebe os benefícios, há legitimidade jurídica, apesar de precária. Do ponto de vista objetivo, todavia, não há expectativa de definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não podendo o titular do direito precário pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio. Efetivamente, não há legitimidade jurídica para o segurado presumir que não terá de devolver os valores recebidos, até porque, invariavelmente, está o jurisdicionado assistido por advogado e, conforme o disposto no art. 3º da LINDB — segundo o qual ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece —, deve estar ciente da precariedade do provimento judicial que lhe é favorável e da contraposição da autarquia previdenciária quanto ao mérito. Ademais, em uma escala axiológica, evidencia-se a desproporcionalidade da hipótese analisada em relação aos casos em que o próprio segurado pode tomar empréstimos de instituição financeira e consignar descontos em folha, isto é, o erário "empresta" — via antecipação de tutela posteriormente cassada — ao segurado e não pode cobrar sequer o principal. Já as instituições financeiras emprestam e recebem, mediante desconto em folha, não somente o principal como também os juros remuneratórios. REsp 1.384.418-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. FORMA DE DEVOLUÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO EM ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA.
Na devolução de benefício previdenciário recebido em antecipação dos efeitos da tutela (art. 273 do CPC) a qual tenha sido posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; e b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito. Isso porque o caráter alimentar dos benefícios previdenciários está ligado ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, de forma que as imposições obrigacionais sobre os respectivos proventos não podem comprometer o sustento do segurado. REsp 1.384.418-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013.
Segue, ainda, a ementa integral do REsp:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.384.418 - SC (2013/0032089-3)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO : PROCURADORIA-GERAL FEDERAL - PGF
RECORRIDO : HERONDINA FERREIRA
ADVOGADO : AGLAIR TERESINHA KNOREK SCOPEL
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALINHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS. CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO. RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS.
1. Trata-se, na hipótese, de constatar se há o dever de o segurado da Previdência Social devolver valores de benefício previdenciário recebidos por força de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) posteriormente revogada.
2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da irrepetibilidade dos alimentos para isentar os segurados do RGPS de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada.
3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em Ações Rescisórias julgadas procedentes para cassar decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp 728.728/RS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 9.5.2005.
4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluiu para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu.
5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a "legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio" (AgRg no REsp 1.263.480/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9.9.2011, grifei). Na mesma linha quanto à imposição de devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp 40.007/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.4.2012; EDcl nos EDcl no REsp 1.241.909/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 15.9.2011; AgRg no REsp 1.332.763/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.8.2012; AgRg no REsp 639.544/PR, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargador Convocada do TJ/PE), Sexta Turma, DJe 29.4.2013; AgRg no REsp 1.177.349/ES, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 1º.8.2012; AgRg no RMS 23.746/SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.3.2011.
6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, em situação na qual se debateu a devolução de valores pagos por erro administrativo: "quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público." (REsp 1.244.182/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012, grifei).
7. Não há dúvida de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) preenchem o requisito da boa-fé subjetiva, isto é, enquanto o segurado os obteve existia legitimidade jurídica, apesar de precária.
8. Do ponto de vista objetivo, por sua vez, inviável falar na percepção, pelo segurado, da definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não havendo o titular do direito precário como pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio.
9. Segundo o art. 3º da LINDB, "ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece", o que induz à premissa de que o caráter precário das decisões judiciais liminares é de conhecimento inescusável (art. 273 do CPC).
10. Dentro de uma escala axiológica, mostra-se desproporcional o Poder Judiciário desautorizar a reposição do principal ao Erário em situações como a dos autos, enquanto se permite que o próprio segurado tome empréstimos e consigne descontos em folha pagando, além do principal, juros remuneratórios a instituições financeiras.
11. À luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e considerando o dever do segurado de devolver os valores obtidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei 8.213/1991.
12. Recurso Especial provido.
Destarte, conclui-se que é plenamente legal e cabível a restituição pretendida pelo INSS, a qual, inclusive, está corroborada por recente decisão do C. TSJ, a qual, espera-se, pela sua força teórica e riqueza de argumentos, reflita uma oportuna reflexão sobre a matéria e uma unânime modificação de posicionamento da Corte Superior.
Conclusão.
Do exposto nos itens acima, depreende-se que a recente posição do STJ está de acordo com os ditames da tutela antecipada no CPC, bem como com as regras sobre pagamento indevido e repetição de indébito constantes expressamente do Código Civil, da Lei n.º 8.213/1991, Lei n.º 8.429/1992 e do Regulamento de Previdência Social, além de, é claro, refletirem o ideal constitucional dos princípios da legalidade, contrapartida, eficiência, moralidade, indisponibilidade do patrimônio público, da legalidade administrativa, contributividade e do mandamento de reposição ao erário.
Por fim, a expectativa que hoje se tem é a que, com o reconhecimento amplo pelo Poder Judiciário do dever de repetição dos valores, isso possa traduzir, além da efetiva devolução, a contenção da irresponsável ânsia dos litigantes em logo receber essas quantias e a adoção pelo Judiciário de análises mais cuidadosas e criteriosas das postulações antecipatórias que lhe forem apresentadas pelos jurisdicionados.
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