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A legitimidade democrática na jurisdição constitucional

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Agenda 13/09/2014 às 17:22

5  DEMOCRACIA PROCEDIMENTAL X DEMOCRACIA SUBSTANTIVA 

5.1 NOVA POSTURA DO PODER JUDICIÁRIO E DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL EM FACE DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO                                                                                       

A reflexão do papel do Poder Judiciário na ordem constitucional vigente parte da premissa maior da missão e atuação desse poder, como máxima de garantidor dos direitos fundamentais, dentro do ordenamento jurídico no Estado Democrático de Direito.

[...]concebe-se ao poder judiciário (lato sensu, entendido aqui como justiça constitucional) uma nova inserção no âmbito das relações dos poderes de Estado, levando-o a transcender as funções de checksand balance, mediante uma atuação que leve em conta a perspectiva de que os valores constitucionais têm precedência mesmo contra textos legislativos produzidos por maiorias eventuais.[48]

A demanda requer uma análise do grau de comprometimento com uma atuação do Judiciário voltada para parâmetros atinentes ao atuar político. É interessante saber se a politização irá influir positivamente ou negativamente para o ordenamento, questionando e se haverá ameaças ao procedimento democrático.

Saber se tal politização constitui uma evolução ou uma involução e se esse desenvolvimento transforma ou não o juiz em legislador, minando a ideia fundamental da separação de poderes, trazendo ameaças à própria democracia.[49]

O Papel de garantidor dos direitos fundamentais atrai ao Judiciário um caráter interpretador cada vez mais substantivo, afastando do ideal democrático procedimentalista.

Os princípios de justiça são grande foco do Estado de Direito atual, pois aduz se que não é suficiente o cumprimento do procedimento para alcance efetivo da democracia, tendo em vista a existência de maiorias eventuais.

Há necessidade de uma baliza entre os campos substancial e procedimental para que não haja uma interferência de competências, desrespeitando um dos princípios núcleo do Constitucionalismo moderno, a tripartição dos poderes.

[...] um câmbio revolucionário de paradigma no Direito: alteram-se em primeiro lugar, as condições de validade das leis que dependem do respeito já não somente em relação às normas processuais sobre a sua formação, senão também em relação às normas substantivas sobre eu conteúdo, isto é, dependem de sua coerência com os princípios de justiça estabelecidos pela Constituição.[50]

As atribuições ao Judiciário, em foco a Corte Constitucional, revelam novas vertentes, como o poder de declarar uma normal inconstitucional, ou seja, contrária ao que preceitua a Carta Magna, perfazendo uma relação mais estreita entre juiz e norma.

[...] altera-se a natureza da função jurisdicional e a relação entre o juiz e a lei, que já não é, como no paradigma juspositivista, sujeição à letra da lei qualquer que seja o seu significado, senão que é uma sujeição, sobremodo, à Constituição que impõe ao juiz a crítica das leis inválidas através de sua reinterpretação em sentido constitucional e sua declaração de inconstitucionalidade.[51]

O Juiz Constitucional ganha um atributo criativo, auferindo se a ele uma interpretação construtiva para suprimento das lacunas e antinomias legislativas, assim alterando o olhar democrático para uma concepção cada vez mais substancialista.

[...] altera-se o papel da ciência jurídica que, devido ao câmbio paradigmático, resulta investida de sua função a não somente descritiva, como no velho paradigma paleojuspositivista, senão crítica e construtiva em relação ao seu objeto; crítica em relação às antinomias e às lacunas da legislação vigente em relação aos imperativos constitucionais, e construtiva relativamente à introdução de técnicas de garantia que se exigem para superá-las; altera-se, sobremodo, a natureza mesma da democracia.[52]

Sobremodo, o caráter criativo atribuído junto a ideia de Estado Constitucional, submerge o judiciário em demasiadas funções, concentrando muito poder num só órgão, por vezes sem balizamento, afasta o processo do ideal democrático clássico, dando poder decisório maior a um juiz que não fora fruto eletivo da “soberania popular”, do que ao próprio povo.

[...] a consolidação das garantias essenciais e a plena e efetiva aplicação das mesmas completam-se pela tutela oferecida pela jurisdição constitucional. As normas constitucionais que disciplinam os direito fundamentais apenas promovem o reconhecimento de direitos fundamentais em abstrato e do interesse legitimo para pleiteá-los, cabendo as instituições públicas e privadas e a cada cidadão movimentar a tutela desses direitos no plano concreto.[53]

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Portanto, o que enseja o Estado Democrático de Direito moderno é uma contraposição de conceitos democráticos para que no caso concreto não haja um Superpoder Judiciário, mas haja a defesa dos direitos fundamentais, norteadores do Estado Constitucional, respeitando o processo democrático e ainda assim seja garantido que o cidadão bem como as instituições públicas e privada pleiteiem seus direitos.

5.2 ATUAÇÃO DA DEMOCRACIA FRENTE À SEPARAÇÃO DOS PODERES

O Princípio da Tripartição dos poderes, em que há uma divisão de competências em legislar, administrar e julgar, é basilar no Estado Democrático de Direito. O modelo de Separação de Poderes desconcentra o poder de um só órgão, atribuindo a órgãos distintos especializados.

A maior parte dos Estados democráticos do mundo se organiza em um modelo de separação de Poderes. As funções estatais de legislar (criar o direito positivo), administrar (concretizar o Direito e prestar serviços públicos) e julgar (aplicar o Direito nas hipóteses de conflito) são atribuídas a órgãos distintos, especializados e independentes.[54]

O comedimento na atuação tripartida de poderes é alcançado com o sistema de freios e contrapesos, checkand balance system, em que um poder está apto a conter os abusos dos outros, assim perfazendo uma atuação equilibrada e independente.

Nada obstante, Legislativo, Executivo e Judiciário exercem um controle recíproco sobre as atividades de cada um, de modo a impedir o surgimento de instâncias hegemônicas, capazes de oferecer riscos para a democracia e para os direitos fundamentais. Note-se que os três Poderes interpretam a Constituição e sua atuação deve respeitar os valores e promover os fins nela previstos.[55]

O modelo de separação de poderes é protetivo a existência do ideal democrático, de modo que com a eficiência da atuação dos poderes frente o princípio da tripartição garante-se um controle do surgimento de instâncias hegemônicas e de surgimento de efeitos sistêmicos, imprevisíveis e indesejados nas decisões dos juristas.

O Judiciário quase sempre pode, mas nem sempre deve interferir. Ter uma avaliação criteriosa da própria capacidade institucional e optar por não exercer o poder, em auto-limitação espontânea, antes eleva do que diminui.[56]

A atuação do Poder Judiciário deve ser pautada frente ao equilíbrio da tripartição dos poderes, de modo que a sua atuação criativa, proativa baseada numa democracia substantiva não senha a interferir e se sobrepor aos demais poderes elencados no Estado Democrático de Direito.

5.3 LEGITIMIDADEDEMOCRÁTICA DA JURIDIÇÃO CONSTITUCIONAL

A discussão sobre a atuação dos tribunais constitucionais é tema bastante debatido na atualidade, avaliando como referencial contemporâneo o Estado Democrático de Direito e as constituições principiólogicas vividas. Nesse sentido Jânio Nunes Vidal:

O novo papel dos tribunais constitucionais, perante as constituições principiológicas, levanta a discussão de se esse órgãos teriam abandonado o sistema lógico-formal kelseniano, para se tornarem tribunais cujas decisões são apenas uma coleção de decisões políticas subjetivas.[57]

 Os questionamentos pairam na interrogação sobre a legitimidade desses tribunais em decidir questões que envolvam os direitos fundamentais, protegidos constitucionalmente, se tal posição viria a extrapolar a sua competência e seria um abuso frente ao principio da tripartição dos poderes.

5.3.1- Riscos para A Legitimidade Democrática e Risco de Politização da Justiça

Os membros do Poder Judiciário não são agentes públicos eleitos, e assim sendo acabam por desempenhar um poder político, ao invalidar atos dos outros dois Poderes. É certo que o Poder Judiciário não pode ser cego diante dos debates atuais, no entanto sua atuação deve ser pautada nos moldes constitucionais.

Uma corte constitucional não deve ser cega ou indiferente às consequências políticas de suas decisões, inclusive para impedir resultados injustos ou danosos ao bem comum ou aos direitos fundamentais. Mas somente pode agir dentro das possibilidades e dos limites abertos pelo ordenamento jurídico.[58]

Se há deliberação congressista, a atuação do Poder Judiciário fica limitada as escolhas alí dispostas, aos limites e visões expostas, tendo em vista que as leis são frutos da soberania popular.

Observados os valores e fins constitucionais, cabe à lei, votada pelo parlamento e sancionada pelo presidente, fazer as escolhas entre os diferentes visões alternativas que caracterizam as sociedades pluralistas. Por essa razão, o STF deve ser deferente para com as deliberações do Congresso.[59]

O Judiciário só atua legitimamente, quando for capaz de fundamentar racionalmente suas decisões, com base na Constituição Federal. Não podendo ser suprimidos poderes através de um atuar proativo do Judiciário.

Portanto, a jurisdição constitucional bem exercida é antes uma garantia para a democracia do que um risco, impõe-se, todavia, uma observação final. A importância da Constituição – e do Judiciário como seu intérprete maior – não pode suprimir, por evidente, a política, o governo da maioria, nem o papel do Legislativo. A Constituição não pode ser ubíqua.[60]

Em sendo assim, o Judiciário ao operar conforme disposto no texto Constitucional acabam por agir não por vontade política própria, mas de tal modo a defender a vontade popular, assumindo papel de representante indireto da pretensão pública.

Os riscos para a legitimidade democrática, em razão de os membros do Poder Judiciário não serem eleitos, se atenuam na medida em que juízes e tribunais se atenham à aplicação da Constituição e das leis. Não atuam eles por vontade política própria, mas como representantes indiretos da vontade popular.[61]

Para evitar uma politização dajustiça, alguns caminhos devem ser percorridos, assim como defende o Professor Luis Roberto Barroso, a serem destacados como agir em nome da Constituição, ser deferente com as decisões tomadas pelo legislador, atuar conforme a razão social, por se tratar de um representar social mesmo que não eleito diretamente pelo povo.

Nessa linha, cabe ressalvar que o juiz: (i) só deve agir em nome da Constituição e das leis, e não por vontade política própria; (ii) deve ser deferente para com as decisões razoáveis toadas pelo legislador, respeitando a presunção de validade das leis; (iii) não deve perder de vista que, embora não eleito, o poder que exerce é representativo (i.e, emana do povo e em seu nome deve ser exercido), razão pela qual sua atuação deve estar em sintonia com o sentimento social, na medida do possível.[62]

O judiciário enfrenta uma dificuldade contramajoritária, pois para defender as premissas a ele atinentes, por vezes deve atuar em prol da minoria, evitando as decisões pautadas apenas em maiorias eventuais, assim acabam por serem co-participantes do processo de criação do Direito, logo ao atuar contramajoritariamente, deve-se arguir cautelosamente para que atue a favor da democracia.

[...] juízes não podem ser populistas e, em certos casos, terão de atuar de modo contramajoritário. A conservação e a promoção dos direitos fundamentais, mesmo com a vontade das maiorias políticas é uma condição de funcionamento do constitucionalismo democrático. Logo, a intervenção do Judiciário, nesses casos, sanando uma omissão legislativa ou invalidando uma lei inconstitucional, dá-se a favor e não contra a democracia.[63]

O agir legitimadamente do Judiciário em sua atuação seja em demandas individuais, bem como em ações de controle constitucional, deve ser pautado na razoabilidade e no cumprimento do processo devido, portanto diante de lacunas e clauzulas abertas, o olhar do jurista se aproxima de um atuar normativo, no entanto existindo posicionamento legislativo esse deverá prevalecer.

É certo que diante de clausulas constitucionais abertas, vagas ou fluidas – como dignidade da pessoa humana, eficiência ou impacto ambiental -, o poder criativo do intérprete judicial se expande a um nível quase normativo. Porém, havendo manifestação do legislador, existindo lei válida votada pelo Congresso concretizando uma norma constitucional ou dispondo sobre matéria de sua competência, deve o juiz acatá-la e aplica-la. Ou seja: dentre diferentes possibilidades razoáveis de interpretar a Constituição, as escolhas do legislador devem prevalecer, por ser ele quem detém o batismo do voto popular.[64]

5.3.2 O Agir Legítimo do Judiciário Através da Ponderação das Democracias Substantivas e Procedimental

Os limites aqui pretensos a serem atingidos, foram abalizados conforme as teorias da democracia procedimental e da democracia substantivista, segundo a Professora Kozicki e a Barboza analisando o pensamento de Habermans, tem-se:

Com sua “teoria do discurso”, Habermas sustenta que só tem legitimidade o direito que surge da formação discursiva da opinião e da vontade dos cidadãos que possuem os mesmos direitos. Sendo evidente que, nestes casos, é preciso que os cidadãos não só possuam os mesmos direitos efetivamente, mas que tenham as mesmas condições de exercício destes direitos.[65]

Enquanto numa análise da defesa do ativismo, ou seja do atuar proativo e criativo do Judiciário pretendida pela democracia substantivista, temos no pensamento de Jânio Nunes Vidal: 

[....] enquanto a proposta liberal relaciona-se com a idéia de Constituição-garantia (liberdades negativas), o pensamento comunitário, sem negar a importância de tais direitos e liberdades, recorre à idéia de Constituição-projeto. Nessa concepção, a Constituição – com seu sistema de direitos - significa um projeto social que deve ser compartilhados pelos indivíduos comprometidos com determinados valores. Dessa forma, os direitos fundamentais são traduzidos como liberdades positivas, enquanto participação ativa da cidadania no processo de deliberação pública.[66]

Pode-se rematar que a atuação do Judiciário ganha cada vez mais destaque, pela sua atuação proativa, e que a criatividade do Jurista deve ser controlada, posto que sua função típica é a de julgar conforme os parâmetros impostos.

A Corte Suprema adquiriu uma série de funções que lhe trouxe um status superior ao exposto Constitucionalmente, apanhando a si uma denominação de “supremocracia”, em que funciona por vezes como um Poder a parte.

As escolhas devem partir do ideal processo democrático, para que padeçam legitimas e contribuam para a eficiência do sistema, sendo deferente a atuação dos demais poderes satisfazendo a harmonia tripartida, sem intervenções que afrontem o atuar alheio.

[...] o Judiciário e, notadamente, o Supremo Tribunal Federal deverão acatar escolhas legítimas feitas pelo legislado, ser deferentes para com o exercício razoável de discricionariedade técnica pelo administrador, bem como disseminar uma cultura de respeito aos precedentes, o que contribui para a integridade, segurança jurídica, isonomia e eficiência do sistema.[67]

Assim, Vidal conclui que a solução desse conflito não vem de vias extremistas, surgindo de uma ponderação frente aos sistemas que norteiam as Cortes Supremas:

Na verdade, as duas posições devem ser consideradas superadas. A posição dos tribunais constitucionais está a meio caminho entre a mais ingênua escola exegética e o estério subjetivismo.[68]

O que se pretendeu alcançar com o presente estudo não foi atingir as Cortes Constitucionais auferindo lhe papel de mero expectador diante da omissão legislativa ocorrida na atualidade, mas buscar um meio certo de decidir sobre os temais que estejam sendo submetidos à suas deliberações. Um atuar condizente ao devido processo democrático. Assim preleciona o professor Luís Roberto Barroso em outro momento:

Uma Corte Constitucional não deve ser cega ou indiferente às consequências políticas de suas decisões, inclusive para impedir resultados injustos ou danosos ao bem comum ou aos direitos fundamentais. Mas somente pode agir dentro das possibilidades e dos limites abertos pelo ordenamento jurídico.[69] 

Assim a coeva sugeriu uma série de questionamentos em busca de uma posição apropriada à atuação da Jurisdição Constitucional dentro do Estado Democrático de Direito, sistema jurídico vivido na atualidade, com o escopo principal de compor uma atuação das Cortes que não pairem nem inerte, mas ajam dentro dos limites proporcionados pelo ordenamento jurídico.

Sobre o autor
Kamilla Garcez

Advogada. Ambientalista. Graduada no Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Professor Camillo Filho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCEZ, Kamilla. A legitimidade democrática na jurisdição constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4091, 13 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29648. Acesso em: 22 nov. 2024.

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