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Aspectos penais da Lei Geral da Copa.

Um estudo sobre os tipos penais criados a partir dos interesses da FIFA e de seus parceiros

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Analisa-se o procedimento adotado pelo Congresso Nacional para a consecução dos planos e projetos da Federação Internacional de Futebol (FIFA) e de seus parceiros comerciais.

I. INTRODUÇÃO

As discussões travadas em torno da realização de dois dos maiores eventos esportivos do mundo no Brasil são acaloradas e reveladoras. Em toda a história do Brasil como uma nação independente, o debate a respeito da influência estrangeira nas diversas fases da vida em sociedade foi motivo para desavenças. Foi assim quando do próprio reconhecimento de nossa independência, passando pela Constituição Outorgada, pelos acordos comerciais, dentre tantos eventos da trajetória da nossa formação como nação. 

Entremeando as mais variadas relações, a influência estrangeira acabou por perfazer-se como parâmetro valioso aos empreendimentos nacionais, escriturando noções centrais para as autoridades brasileiras e configurando objeto de devoção por parte de dirigentes de parte expressiva da sociedade civil. Ao largo das vozes dissonantes, é sempre possível perceber, no seio de grande parte da sociedade brasileira, um juízo de avaliação extrema no que tange aos efeitos do relacionamento do Brasil com nações e padrões internacionais: ou a altivez nacionalista quase xenófoba, ou a resiliência irrefletida.

O certo é que o mundo do século XXI não permite que tratemos o estrangeiro (nem a pessoa física, nem a jurídica, ou mesmo padrões e regras de origem internacional) como alienígena, atribuindo ares extraordinários ou inferiores aos ares nacionais. Por isso, compreende-se o processo de negociação de parâmetros normativos interessantes a membros da sociedade internacional como algo relevante e natural da evolução da comunidade mundial, reveladora da mistura de relações a que estão sujeitos os atores com projeção para além dos limites de um país.

No afã de incluir-se entre os membros da comunidade internacional com capacidade de organização e atração de investimento, o Brasil se candidatou a sediar a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016. Mais do que isso, a época da escolha do país para anfitriar esses eventos revela um claro esforço do governo para incrementar sua participação nas diversas agendas internacionais, servindo as grandes competições esportivas como vitrinas para o plano de projeção externa do Brasil (além de ser também natural fonte de investimentos diretos no país). 

É bastante evidente, portanto, que a realização da Copa do Mundo do Brasil não é simples ato de amor ao esporte do brasileiro, tampouco reflete a pormenorizada preocupação das autoridades para com o perfeito entendimento entre os desígnios da FIFA e os da população nacional. Trata-se, pois, de um projeto dentre tantos outros que buscam elevar a importância do Brasil para a comunidade internacional, incrementando sua presença nas discussões mundiais e sua capacidade de atração de investimento.

Por essas razões, a avaliação a respeito da constitucionalidade das novas regras criminais inscritas na Lei Geral da Copa deve ser cautelosa para não se imiscuir à eventuais escrutínios de cunho político, pois, ao mesmo tempo em que se questiona acerca das capacidades dos legisladores nacionais de adaptar a legislação brasileira com base em uma relação imposta pelo Executivo em um acordo internacional feito sem a prévia consulta ao parlamento, ou mesmo referendado por ele, perscrutando a respeito dos parâmetros procedimentais subjacentes à legislação penal, infalivelmente pergunta-se acerca da legitimidade de todo o processo, eivado que está das mais variadas visões de mundo e projetos de país.

Entretanto, a opção que se faz aqui obriga-nos a investigar as peculiaridades brasileiras no seu recentíssimo relacionamento com os grandes eventos esportivos internacionais. Sem embargo, esse substrato fático haverá de ser submetido aos parâmetros práticos e teóricos da positivação normativa nacional, ao que se recorre às explicações doutrinárias e legais essenciais a formulação da resposta ao problema central da criação de institutos penais temporários para tutelar interesses específicos dos organizadores da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014.


II - O RELACIONAMENTO ENTRE ORDENS JURÍDICAS DOMÉSTICAS E AS NECESSIDADES NORMATIVAS DOS MEGAEVENTOS ESPORTIVOS - PANORAMA HISTÓRICO

Os mais populares megaeventos mundiais de esporte são a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos. Ambos são de propriedade de entidades privadas transnacionais, com sede na Suíça e subordinadas as leis desse país, quais sejam, FIFA - Fédération Internationale de Football Association, (Federação Internacional de Futebol Associado) e CIO - Comité International Olympiquee, (COI - Comitê Olímpico Internacional), respectivamente. 

Segundo a FIFA, sua missão seria "Desenvolver o esporte, sensibilizar o mundo, construir um futuro melhor." Enquanto que o COI teria como um de seus papeis “To encourage and support the promotion of ethics in sport as well as education of youth through sport and to dedicate its efforts to ensuring that, in sport, the spirit of fair play prevails and violence is banned”, que em tradução livre significaria “encorajar e apoiar a promoção da ética no esporte assim como a educação dos jovens através do esporte e dedicar seus esforços assegurando que, no esporte, o espírito do jogo justo prevaleça e a violência é banida.”

Os megaeventos, como acontecimentos mais importantes para essas entidades, devem ser o momento de maior concretização de tais objetivos. Sucede que aquelas não são as únicas metas da FIFA e do COI durante a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos.

As duas entidades são sustentadas por suas parceiras comerciais em troca de publicidade e exclusividade no fornecimento de seus produtos durante a realização dos megaeventos. Portanto, um outro objetivo da FIFA e do COI é a garantia de que, durante a realização da Copa e da Olimpíada, os seus interesses comerciais e os de seus patrocinadores sejam respeitados.

Existe portanto uma gama de prioridades para as entidades organizadoras que não se restringem à seara esportiva, pois o sucesso do evento também atrela-se a seu desempenho comercial.

Para tanto, as referidas entidades celebram com os países-sede um hosting agreement, isso é, um “acordo de hospedagem”, no qual é estabelecido uma série de compromissos cuja observância é pré-requisito para a realização dos megaeventos. O documento compromete os realizadores a, eventualmente, elaborar leis específicas e transitórias que assegurem a proteção dos interesses das organizadoras. 

Para alguns, tal pacto estaria mais próximo de uma imposição do que de um acordo de vontades. Seria uma espécie de contrato de adesão, pois uma vez não aceito, não se realizaria o evento em questão. 

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A história do hosting agreement da FIFA é ilustrativa desse tipo de visão. Segundo Gustavo Lopes Pires de Souza, advogado especialista em direito desportivo, o caderno de encargos nasceu de após a Copa do Mundo da Argentina, em 1978, na qual houve grande ingerência do governo militar em busca de angariar vantagens políticas com o evento. 

Procurando resguardar seu evento desse tipo de intervenção e percebendo o potencial ocioso não explorado, a FIFA passou, a partir da Copa do Mundo de 1982, na Espanha, a apresentar cláusulas cada vez mais exigentes.

Há, contudo, mesmo que estreito, um espaço para negociações. Por exemplo, no caso da Copa do Mundo FIFA 2006, sediada na Alemanha, foi acordado que 40% (quarenta por cento) das cervejas vendidas nos estádios seria nacional, em razão da importância de tal bebida nesse país. As cervejas só poderiam ser servidas em copos transparentes, para que não houvesse qualquer propaganda de marcas diferentes das dos patrocinadores do evento.

Por outro lado, a FIFA tem mostrado intransigência ao impor normas a países de menor expressão internacional. Ao que parece, o tratamento dado é mais rígido quanto mais riscos correm, aos olhos da FIFA e de seus parceiros, os interesses mercantis expostos no evento. 

O caso da África do Sul é emblemático. Diferentemente do que aconteceu na Alemanha, não foi permitido aos sul-africanos a venda de bebidas alcoólicas locais, o que causou grande insatisfação nos torcedores quando descobriram que a única cerveja para venda era norte-americana.

As diferenças no tratamento dispendidos pela FIFA a esses dois países não se esgota nesse exemplo. A Alemanha recusou-se a elaborar uma legislação específica para os jogos, afastando a insistência da FIFA sob o argumento de que suas leis já eram boas o suficiente para proteger o interesse dessa entidade e de seus parceiros. Enquanto que na África do Sul foi necessária a elaboração do 2010 FIFA World Cup South Africa Special Measures Act, em 2006, com subsequentes alterações até 2009.

Vê-se que há um embate entre as ordens jurídicas dos países-sede, que, a priori, deveriam resguardar a soberania nacional, e os entes privados organizadores, que priorizam os seus interesses e os de seus patrocinadores, os quais investiram enormes quantias nos eventos para, consequentemente, obterem lucros. 

De toda forma, o que se destaca nesse trabalho é a parte do hosting agreement que exige a criminalização do uso não autorizado de marcas registradas e, no caso específico da Copa do Mundo FIFA, do chamado ambush marketing, que seriam os proveitos publicitários obtidos por meio de "carona" e/ou "emboscada" mediante invasão de espaço ou de veículo de comunicação sem autorização.

O caso mais emblemático de ambush marketing em um megaevento ocorreu na Copa do Mundo FIFA 2010, quando trinta e seis jovens mulheres foram retiradas das arquibancadas do estádio Soccer City, durante a partida Holanda x Dinamarca, por estarem vestindo minivestidos laranjas iguais, sem qualquer símbolo visível, mas que seriam associados a uma marca de cerveja não patrocinadora do evento. Duas dessas mulheres foram presas e tiveram que pagar fiança equivalente a R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais) para responder ao crime em liberdade. 

Ao contrário do que almejava a FIFA, tal caso teve uma enorme repercussão, chamando a atenção da mídia internacional e colocando em voga o nome da cervejaria que teria encomendado o marketing de emboscada. Posteriormente, a FIFA celebrou um acordo e o caso foi encerrado sem que as mulheres fossem a julgamento. 

Essa situação contribuiu para o descontentamento dos sul-africanos com os atos praticados em defesa dos interesses da FIFA e de seus patrocinadores. Como forma de sátira à proibição de oferecer voos com menção à Copa do Mundo, a companhia área Kulula anunciava ser a “unofficial national carrier of the ‘you know what’”, isso é, a “transportadora nacional não oficial do 'você sabe o que'”. Em outro anúncio, ironizou o evento como “that thing that is happening right now”, que significa “aquela coisa que está acontecendo agora mesmo”. E sobre o ano de realização,  disse: “not next year, not last year, but somewhere in between”, ou seja, “não o próximo ano, não o ano passado, mas algo entre”.

Outro caso curioso, mas dessa vez por uso indevido de marca, ocorreu nos Jogos Olímpicos de Londres 2012. Para reger as Olimpíadas, a cidade inglesa também aprovou uma legislação específica e transitória, denominada London Olympic Games and Paralympic Games Act 2006

Tal norma ratificou que o símbolo olímpico, composto pelos anéis entrelaçados,  estava sob a proteção de norma aprovada anteriormente, o (Protection) Act 1995. Os demais direitos estariam resguardados pelo Trade Mark Act 1994. 

O London Olympic Games and Paralympic Games Act 2006 inovou ao vedar o arranjo não autorizado de palavras que, em conjunto, significassem exploração comercial da marca dos Jogos Olímpicos de Londres 2012. Foi proibida a combinação das palavras “games”, “Two Thousand Twelve”, “2012”, e “twenty twelve”, com as palavras “gold”, “silver”, “bronze”, “London”, “medals”, “sponsor”, e “summer, o que evitaria tentativa de menção direta aos Jogos Olímpicos.

O caso em questão iniciou-se quando uma senhora inglesa viúva, de oitenta e um anos, tricotou um pequeno suéter, com a frase “GB 2012” e o símbolo olímpico, para uma boneca com o objetivo de vendê-la no bazar de sua igreja, por ?1,00 (uma libra), o equivalente a R$ 3,40 (três reais e quarenta centavos). 

Segundo a reportagem do jornal britânico Daily Mail, ao ouvir falar das duras leis de proteção às marcas olímpicas, a idosa resolveu checar com as autoridades locais se poderia comercializar o suéter tricotado com o pequeno símbolo das olimpíadas. Para o seu espanto, foi sugerido que ela retirasse de venda a boneca, com fins de evitar eventual ação judicial. 

Esses exemplos práticos de outros países ajudam a formular o conhecimento acerca do nível de invasão a que as ordens legais estão sujeitas quando aceitam se submeter à ingerência dos grandes conglomerados esportivos. Muito embora sejam legítimos os interesses comerciais envolvidos nos grandes evento, sua capacidade de influência suplanta em muito o nível razoável de intromissão no cotidiano local, malgrado algumas exceções.


III. A SOLUÇÃO LEGAL BRASILEIRA: LEI 12.663/12 E SUAS IMPLICAÇÕES NA SEARA PENAL

No âmbito nacional, a Lei Geral da Copa (LGC), Lei 12.663/12 de 5 de junho de 2012, diploma elaborado pelo Congresso Nacional, objetiva fornecer substrato legal apto a materializar as exigências constantes do contrato de realização da Copa do Mundo 2014 e da Copa das Confederações 2013, hosting agreement firmado entre a FIFA e o governo brasileiro em 2007.

Trata-se de lei de conteúdo variado, tratando em seus setenta e um artigos de temas como Direito Processual, Administrativo, Comercial, Industrial, Penal, Responsabilidade Civil, controle aduaneiro e até mesmo a concessão de benefício previdenciário a ex-atletas que tenham participado em uma das cinco campanhas vitoriosas da seleção masculina de futebol em Copas do Mundo.

O enfoque do presente artigo cinge-se aos dispositvos penais, constantes do Capítulo VIII da Lei Geral da Copa. Cuida-se de quatro novos tipos penais: Utilização indevida de Símbolos Oficiais (em duas modalidades), Marketing de Emboscada por Associação e Marketing de Emboscada por Intrusão. Todos os tipos com intervalo de pena entre 3 (três) meses e 1 (um) ano e, portanto, da competência dos Juizados Especiais Criminais.

A estes se somam os artigos 34, 35 e 36, que prevêem, respectivamente, a representação da FIFA como condição de procedibilidade dos tipos que LGC estatui (i.e. ação penal pública condicionada a representação da ofendida), a possibilidade de majoração da pena de multa em casos específicos e a temporariedade dos tipos penais, cuja vigência se esgota em 31 de dezembro de 2014.

O fundamento para a criação dos referidos dispositivos encontra-se na Garantia 8 dada pelo Governo Federal à FIFA em 2007, por ocasião da candidatura brasileira a sede da Copa do Mundo 2014:

(...) we hereby represent and guarantee to FIFA, and will ensure, that the following measures will be implemented and operative, by specific special legislation if required, at least twelve (12) months prior to the start of the FIFA Confederations Cup 2013:

Ambush Marketing by association in relation to the Competitions and/or FIFA will be prohibited by law;

Ambush Marketing by intrusion in relation to the Competitions and/or FIFA will be  prohibited by law;

The unauthorised use of any FIFA intellectual property in relation to the Competitions will be prohibited by law;

Prohibition of any and all sets of “unfair competition” (as may be understood by the laws of the European Union) in relation to the Competitions and/or FIFA;

Inicialmente, é de se ressaltar que a Garantia em questão foi prestada pelo Governo Federal, poder Executivo. Portanto, a despeito de a redação do documento em questão adotar terminologia de certeza, ainda competiria ao Congresso Nacional editar eventual norma especial que atendesse aos quatro quesitos.

A solução adotada pelo Cogresso Nacional para atender às Garantias foi a de criação leis criminalizadoras, embora não haja obrigatoriedade desse tipo de tratamento a eventuais infrações aos interesses comerciais da FIFA e empresas parceiras, como aferível pela literalidade do documento.

Como cediço, constituem elementos basilares do Direito Penal liberal moderno os princípios da Exclusiva Proteção de Bens Jurídicos, Intervenção Mínima e Fragmentariedade, orientados pela limitação do poder punitivo estatal, tanto no momento de elaboração das leis, quando no de sua aplicação.

Sob esse eixo, o questionamento que aqui se propõe orbita em torno da legitimidade de uma tipificação penal de condutas contrárias aos interesses comerciais da FIFA e seus patrocinadores. Com isto, busca-se ampliar o horizonte de análise do problema para além da mera constitucionalidade das referidas normas.

Conforme alerta Luís Greco, restringir os debates jurídicos ao âmbito da jurisprudência constitucional implica em três problemas:

A[O] primeira[o] delas[es] é uma redução da base argumentativa, já que questões eventualmente relevantes acabam deixando de ser analisadas apenas em razão de não terem sido discutidas pelas cortes constitucionais. A segunda desvantagem é a trivialização do debate, pois suposições antes controvertidas deixam de sê-lo tão logo recebam a bênção do tribunal. Finalmente, o excessivo constitucionalismo leva a uma provincialização do debate, que não poderá mais ser levado em conta em países onde o respectivo tribunal não possui mais autoridade, o que contradiz o ideal de construção de uma ciência jurídico-penal internacional ou, mais precisamente, universal.

Nesse sentido, o que se busca com o presente estudo é responder à indagação: os tipos penais criados pela Lei Geral da Copa se coadunam com os princípios do Direito Penal?

Primeiramente, é de se firmar que o Direito Penal é um ramo do Direito Público. Não obstante as pertinentes considerações doutrinárias a respeito da acuidade (ou mesmo da utilidade) da divisão entre os ramos jurídicos Privado e Público, filiamo-nos à corrente, sustentada por Bianchini, de que o Direito Penal pertence ao campo publicista tendo em vista “(...) atender a finalidades públicas; seu titular único [ser] o Estado; seu exercício se concretiza[r] prioritariamente por meio de órgãos públicos e porque suas consequências são públicas e inexoráveis”.

Tal entendimento se vê reforçado pela constatação histórica de que o Direito Penal surge como definidor de deveres e limites do ius puniendi do Estado, o qual avoca para si o monopólio do poder de punir comportamentos desviantes e ameaçadores da coesão social.

Decerto, em razão dos meios notadamente gravosos utilizados para o seu exercício, o Direito Penal restringe-se a classificar como delito as condutas que ofendam os valores (lato senso) mais caros a determinada sociedade, que, se violados, agridam sobremaneira a coexistência entre os cidadãos.

Portanto, o Direito Penal existe como mecanismo dos mais enérgicos de repressão, ao ameaçar com a privação da liberdade aqueles que infringirem seus preceitos. Contudo, metaforicamente, o remédio mais amargo deve ser o último a ser tentado.

O princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos surge como parâmetro delimitador do Direito Penal, vez que estabelece como missão deste a proteção dos bens jurídicos mais relevantes à pessoa humana, que possibilitem o desenvolvimento de sua personalidade e a vida em comunidade.

Não deverá ser toda conduta humana negativa alvo de intervenção penal, senão aquelas que, por sua gravidade, mereçam atenção de política criminal. Conjuntamente, os princípios da proporcionalidade-necessidade informam ser legítima a interferência do Direito Penal no ius libertatis se configuradas a presença de bens muito relevantes para a convivência humana e não se mostrem eficazes outros meios de coibir-se a infração.

Tomando-se o esboço de teoria do bem jurídico acima exposta, nota-se que os tipos penais previstos na Lei Geral da Copa enfrentam uma série de obstáculos na doutrina penal.

Os quatro tipos penais foram criados por encomenda de um contrato de realização (hosting agreement) de evento, celebrado entre o Governo Federal e a FIFA, entidade suíça de direito privado. Ao contrário do modelo de bem jurídico delineado, o consenso legislativo acerca da necessidade de criação desses tipos não se deu por um debate da sociedade, democrático e republicano, mas a partir de um contrato firmado pelo Poder Executivo Federal.

A origem da tipificação e a forma com que esta foi elaborada esvaziam de legitimidade o uso do Direito Penal. Não por acaso, manifestações populares contrárias à FIFA e à maneira fechada de organização da Copa do Mundo de 2014 eclodiram nos meses de junho e julho de 2013 em todo o Brasil. Emerge a percepção de que a Copa, vendida a todo tempo como o sonho do chamado País do Futebol, é em verdade um mega-evento de natureza comercial mais do que esportiva, realizado de maneira pouco transparente e de limitada participação popular. A constatação, embora não seja novidade na academia, agora ganha força na sociedade brasileira.

Os tipos penais trazidos pela Lei Geral da Copa, conquanto não tenham ganhado grande atenção da população, evidenciam os motivos de grande parte da insatisfação da sociedade brasileira com a realização da Copa do Mundo de 2014. Há uma clara submissão das instituições estatais aos interesses econômicos da FIFA e de suas parceiras.

O suposto bem jurídico tutelado é o patrimônio da FIFA e patrocinadores, havendo mesmo elementos objetivos do tipo de norma penal em branco que são complementados pela mesma organização, tais como os chamados Símbolos Oficiais e Eventos.

A existência de tipos penais desenhados para defender o patrimônio de entidade e empresas específicas, em um período determinado, por conta de um hosting agreement firmado entre governo e FIFA, afronta o caráter eminentemente público do Direito Penal. Não se reveste de generalidade (requisito de qualquer lei em sentido estrito), a par de inexistir qualquer bem jurídico materialmente tutelável, senão a mera qualidade de normal penal formal.

Dessa forma, afigura-se de frágil legitimidade – e, certamente, constitucionalidade – os dispositivos criminais contidos na Lei Geral da Copa, por, conforme exposto, tratarem-se de tipos penais desprovidos de interesse público que os forneça fundamentação.

Sobre os autores
Gabriel Mota Maldonado

Acadêmico na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB)

Susana Botár Mendonça

Acadêmica na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MALDONADO, Gabriel Mota; MENDONÇA, Susana Botár. Aspectos penais da Lei Geral da Copa.: Um estudo sobre os tipos penais criados a partir dos interesses da FIFA e de seus parceiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4182, 13 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31235. Acesso em: 22 nov. 2024.

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