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A videoevidência como ferramenta de legitimação da polícia do futuro

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Agenda 16/11/2014 às 15:03

5. EXPERIÊNCIA NOS EUA

Com base em estudos, pesquisas e experiências da International Association of Chiefs of Police (IACP), relatório de boas práticas a respeito dos impactos da vídeo-evidência no policiamento moderno (tradução nossa)[13], revela que avanços no policiamento ao longo dos últimos 20 anos têm sido apoiados substancialmente por tecnologia.

Assim, as câmeras nas viaturas policiais se despontaram como ferramenta de gestão do policiamento ostensivo tanto quanto os terminais móveis de dados, estes já presentes na PMESP.

Os primeiros sistemas de gravação de fita de vídeo surgiram no início do ano de 1960. No entanto, a tecnologia de vídeo dos anos 60 não era propícia para a montagem de câmeras em viaturas da polícia.

No final dos anos 60, segundo a pesquisa, a revista Popular Science publicou a tentativa da Polícia do Estado de Connecticut de instalar uma câmera de vídeo e gravador em uma viatura policial. A câmera estava sobre um pequeno tripé, que exigia o lado todo do banco da frente do passageiro, com o banco de trás totalmente carregado com um gravador e cabos que ligava os dois dispositivos.

Ao mesmo tempo em que este equipamento era muito pesado para tornar prático o uso rotineiro em viaturas policiais, esta experiência mostrou que a gravação de vídeo poderia desempenhar importante papel nas ações das patrulhas.

Quase uma década passada, houve pouco progresso. Mas, pelo início dos anos 80, foi introduzido sistema de gravação que revolucionou a indústria nesta área da tecnologia.

O próximo passo na evolução do gravador de vídeo móvel era a introdução do VHS gravador e fita, seguido pela introdução de câmeras de vídeo de 8 milímetros.

Juntamente com a miniaturização veio a acessibilidade, o que projetou as gravações de áudio e vídeo para o meio policial.

Para além dos circuitos fechados de televisão instalados para monitoramento, travamento e manutenção da segurança das instalações, as agências policiais começaram a usar estes dispositivos para documentar cenas de crime, dando uma visão muito mais completa e abrangente destas situações do que a fotografia poderia proporcionar.

A portabilidade e facilidade de uso permitiram aos policiais operar esses sistemas de vigilância, interrogatórios e levantamentos em locais de crime.

Em 1980, a Mothers Against Drunk Drivers (MADD) foi formada e trouxe elevada sensibilização para o problema nacional de embriaguez ao volante de veículo automotor.

Maior ênfase foi dada para as condenações e punições, especialmente entre os promotores de justiça.

A polícia começou a instalar câmeras em veículos da polícia para documentar as infrações que levaram à parada inicial e o eventual teste de sobriedade.

Essas gravações passaram a ser vistas como o método mais eficaz para fornecer as provas necessárias para sustentar uma condenação.

A MADD reconheceu o valor da câmera na viatura policial e começou a sistematizar compras para as agências policiais envolvidas na fiscalização e apreensão de condutores sob a influência de álcool ou outras drogas (DWI/DUI).

Na década de 90, a guerra dos EUA contra as drogas avança ainda mais o uso das câmeras em viaturas policiais para justificar as abordagens.

Era difícil para os jurados acreditarem que um indivíduo transportando grandes quantidades de drogas e centenas de milhares de dólares em espécie permitia a busca em seu veículo.

No entanto, uma e outra vez, a câmera documentou a busca consentida, que mais tarde foi utilizado para obter uma condenação.

Em 1999, acusações de preconceito racial ou a discriminação racial passaram a ser apresentadas contra agências de polícia nos EUA.

As agências de polícia dos Estados, em virtude de sua principal responsabilidade no controle do tráfego nas estradas, viram-se no centro de uma controvérsia com queixas de discriminação racial.

Ao mesmo tempo, ataques a policiais aumentavam.

Em resposta a estas preocupações, os órgãos legislativos estaduais e federais começaram a promulgar leis exigindo que todos os órgãos de polícia dentro de sua jurisdição passassem a documentar detalhes de cada abordagem.

O Departamento de Justiça e o Escritório de Serviços de Policiamento Orientado para a Comunidade (COPS) reconheceu o valor da câmera nas viaturas, principalmente em relação ao tratamento das questões de segurança do policial e alegações de discriminação racial, reforçando simultaneamente a confiança do público.

Reconhecendo que a compra de câmeras para veículos da polícia era caro e além dos orçamentos da maioria das agências policiais, o COPS iniciou um programa de instalação de câmeras em viaturas policiais nos EUA, oferecendo os primeiros fundos para as agências dos Estados no ano 2000.

Todavia, a experiência norte-americana indica que somente 10% de todas as prisões, entrevistas de campo e outras ações realizadas por policiais, além de abordagem de veículos ocupados por suspeitos, são alcançadas com as câmeras acopladas às viaturas.

Para cobrir outros 90%, pelo menos quatro empresas têm desenvolvido sistemas de vídeo acoplados ao corpo dos agentes policiais[14], cujos modelos disponíveis atualmente no mercado serão abordados nesta pesquisa.

Eis, portanto, breve histórico sobre o início desta tecnologia como meio de prova.

Segundo reportagem de 02 de dez. 2012, exibida no Fantástico, na rede Globo de Televisão, a chamada vídeo patrulha, de fato, já é realidade nos EUA[15].

Experiência iniciada em Salt Lake City, hoje já é adotada por 200 cidades americanas.

Figura 1 - Cidades americanas que já utilizam as vídeo câmeras corporais

Fonte: Programa Fantástico. Edição de 02 de dez. 2012

Garreta, policial norte americana, durante entrevista exibida na reportagem, fala da importância da tecnologia utilizada pela sua polícia e diz que, no caso do policial esquecer-se de algum detalhe, pode assistir na gravação o que fez e ouvir o que disse durante a ação, pois as câmeras, que podem ser acopladas no policial junto à cobertura, ombreira ou em óculos, registram tudo o que o policial vê e faz.

Figura 2 - Vídeo câmera corporal acoplada  na cobertura do policial

Fonte: Programa Fantástico. Edição de 02 de dez. 2012

Figura 3 - Vídeo câmera corporal acoplada  no colarinho da farda do policial

Fonte: Programa Fantástico. Edição de 02 de dez. 2012

Figura 4 - Vídeo câmera corporal acoplada  nos óculos utilizados pelo policial

Fonte: Programa Fantástico. Edição de 02 de dez. 2012

Figura 5 - Campo de visão e imagem captada pela câmera corporal

Fonte: Programa Fantástico. Edição de 02 de dez. 2012

Rodrigo Bocardi, repórter do Fantástico, constatou na cidade de Chesapeak, nos EUA, como se processa o descarregamento das imagens captadas. Após o turno de serviço, o policial vai até a sua unidade para deixar o equipamento. Em uma base, coloca a bateria para carregar e, na mesma base, coloca a câmera para descarregar as imagens para uma rede do departamento de policia.

Na reportagem, a Sargento Regina Holcombe, esclarece que coordena a utilização das câmeras por 200 policiais na cidade de Chesapeak e que, no arquivo das imagens, aparece o nome do agente, o dia e a hora em que tudo foi gravado.

Afirma ser possível fazer alguma anotação na tela, destacar o rosto de um suspeito, mas não se pode alterar a sequência do vídeo de forma alguma.

Evidencia a importância da tecnologia inclusive na fiscalização da conduta do policial.

A reportagem exibe gravação feita por meio da tecnologia, na qual é possível verificar a ação de policial que tenta prender suspeito que ingere bebida alcoólica na via pública, o que é proibido naquela cidade, e, durante a ação, evade-se a pé, sendo acompanhado pela policial, que dispara a arma de choque (Taser) e domina o suspeito.

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Em outra ação semelhante, o suspeito foge, é alcançado pela policial que tenta dominá-lo, mas ocorre o arrebatamento da Taser e o suspeito a dispara contra a policial. Com a chegada do apoio, o suspeito foi contido.

Tudo foi filmado e a análise das imagens possibilitou a avaliação da conduta das policiais pelos seus superiores.

Mas não é só. As imagens captadas pela microcâmera servem também para avaliar o comportamento dos suspeitos. No tribunal as imagens são importantes, pois mostram para o juiz o que ocorreu de verdade, no caso de haver divergências entre o depoimento dos suspeitos e das policiais, afirma a graduada entrevistada pelo repórter da Globo.

A reportagem demonstra inclusive a importância da filmagem para legitimar a ação de policial em ocorrência que resultou na morte de suspeito em ocorrência de violência doméstica, na qual o policial fez uso de sua arma de fogo. A gravação mostra que, antes de atirar, o policial pediu 10 vezes para o suspeito jogar a arma de fogo que portava.

Entrevistado durante a reportagem, o ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro e professor da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), Jorge da Silva, elogia a tecnologia apresentada e diz que ela aprimora os serviços de segurança pública e certamente se tornará indispensável.

Paulo Storani, ex-capitão integrante do Batalhão Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (BOPE), avalia a tecnologia exibida na reportagem, vislumbrando três dimensões positivas: i) é ferramenta de apoio ao policial em relação ao que esta sendo feito no momento da ação, servindo para avaliação do procedimento operacional, o que propicia o aperfeiçoamento da técnica empregada; ii)  é ferramenta de fiscalização da conduta do policial na ação propriamente dita; e, iii) de outro lado, também é instrumento hábil para o policial provar que sua ação foi correta, legal e legítima.

5.1. EXPERIÊNCIA DE RIALTO

Rialto, que conta com 28,5 quilômetros quadrados, com 100.000 habitantes registra interessante experiência, que a seguir será resumida, com base na palestra proferida por Willian Tony Farrar, Chefe de Polícia local.

Utilizando metodologia baseada na avaliação científica dos resultados, foram elaborados experimentos (ensaios aleatórios controlados) com todos os policiais da linha de frente, para estabelecimento de um controle de eventuais mudanças comportamentais[16].

Segundo Farrar, a pesquisa busca respostas para duas hipóteses específicas:

i) o uso de câmeras pessoais de vídeo diminuiu o número de queixas de cidadãos contra policiais, em comparação ao grupo controle?

ii) o uso de câmeras pessoais de vídeo diminui a prevalência de incidentes com o uso da força da polícia, em comparação ao grupo controle?

Para Farrar, a extensa coleta de dados e o estudo controlado propiciaram dados convincentes, os quais evidenciam que, ao longo de um ano, as reclamações ou queixas contra os policiais caíram 87,5 % no grupo experimental.

Os dados também mostram aumento das interações com o público em relação ao ano anterior, e, como dito, as queixas caíram drasticamente:

Gráfico 1 - Diminuição do número de queixas contra policiais  

 Fonte: Departamento de Polícia de Rialto – Califórnia – EUA

O experimento também revelou diminuição no uso da força em 59%:

Gráfico 2 - Redução do uso da força na policia de Rialto

Fonte: Departamento de Polícia de Rialto – Califórnia – EUA

Para o chefe de polícia, no geral, os resultados sugerem que os policiais ficaram satisfeitos com o emprego das câmeras, tiveram visão extremamente elevada de lealdade e sentido de pertencimento à organização, além de ficarem satisfeitos com o nível de responsabilidade e autoridade a eles conferida.

Apesar de não ser inédito, o uso de câmeras nos uniformes pela polícia de Rialto ganhou destaque pelo fato de a experiência ter sido monitorada e os resultados comparados e analisados.

Segundo Farrar, a ideia de testar o uso das câmeras surgiu quando ele cursava mestrado em criminologia na Universidade de Cambridge, na Grã-Bretanha.

O sucesso da empreitada ganhou ainda mais destaque depois que uma juíza federal citou a experiência de Rialto como exemplo que deveria ser seguido pela polícia de Nova York, onde a prática conhecida como stop and frisk (pare e reviste – em tradução livre) é alvo de polêmica.

A tecnologia não influenciou apenas o comportamento dos policiais.

A filmagem, sem dúvida, é ferramenta dissuasória, confirmando a premissa de Farrar no sentido de que, quando sabem que estão sendo observados, os cidadãos costumam se comportar de maneira mais relaxada e se mostram menos dispostos ao confronto.

No caso dos policiais, o experimento também mostrou que eles tendem a serem mais profissionais, a seguir as regras um pouco melhor, a prestar mais atenção na maneira como estão falando com as pessoas e como estão agindo.

Farrar rebate críticas de que o uso de câmeras poderia deixar os policiais cautelosos em demasia e prejudicar o combate ao crime. Segundo ele, durante o período de experimento, constatou-se aumento de 3.000 no número de contatos com cidadãos iniciados pelos policiais.

Barak Ariel (informação verbal)[17], Doutor e Professor em Policiamento Baseado em Evidências do Instituto de Criminologia da Universidade de Cambridge, ratifica os resultados do ensaio controlado realizado pela polícia de Rialto, salientando que, em 12 meses, foram 500 turnos de serviço de policiamento avaliados, sendo comparado um grupo de controle utilizando as câmeras e outro não utilizando, metodologia utilizada em experimentos da área médica, conforme esquema ilustrado na figura abaixo:

Esquema 1 - Estágios de experimentos controlados na área médica

 Fonte: Dr Barak Ariel

É enfático em afirmar que a tecnologia aqui estudada é ferramenta essencial na defesa da vida e da verdade. Para ele, a segurança do policial e o controle do uso da força devem ser as mestras para a implantação de um sistema que ele chama de “vídeos corporais”, vez que não existe qualquer outro aparelho ou tecnologia para medir o uso da força. Salienta ainda a importância que o sistema de vídeo evidência tem como ferramenta capaz de propiciar a auto-crítica e o auto-aprendizado. Assim, elenca os seguintes itens que os vídeos corporais visam alcançar: i) reduzir o uso da força policial, ii) reduzir queixas contra policiais, iii) melhorar a legitimidade e transparência na polícia, iv) aumentar as taxas de acusação, v) melhorar a captura de evidências pela polícia, vi) assegurar que o processo da evidência não seja  comprometido, vii) compartilhamento de dados entre agências, viii) apuração de culpados sem demoras, ix) economia de tempo e x)  segurança do policial.

Apesar da grande promessa, o professor afirmou que existem provas irrefutáveis sobre o efeito da vídeo evidência em apenas três áreas: i) uso da força, ii) queixas contra a polícia e iii) auto-legitimidade dos policiais que utilizam os vídeos corporais. Todas as outras áreas estão sendo atualmente estudadas pela Universidade de Cambridge.

O professor Barak Ariel compartilha do pensamento de que em uma democracia há bom equilíbrio entre os poderes, buscando com sua afirmação tratar do chamado mandato policial: cidadãos concedem aos policiais o direito, o poder e a responsabilidade de usar a força; da parte da polícia, por outro lado, é esperado o exercício do uso da força apenas quando necessário e mesmo assim, apenas uma quantidade de força "razoável", "proporcional" e "necessária" para cada situação.  

Entretanto, segundo o professor, como não existe um aparelho de medição do uso da força, qualquer nível de força pode gerar efeitos prejudiciais nas relações entre polícia e cidadão, especialmente quando as três partes  – o policial, o suspeito e o cidadão  –  divergem sobre a necessidade, razoabilidade e quantidade de força que a polícia deve aplicar.

Desta forma, entende que as câmeras são estímulo para o gerenciamento do uso da força policial e para a redução de reclamações, sendo elas capazes de  reduzir o  descumprimento das regras, pois a violação das regras é menos provável se a pessoa está sendo filmada.

5.2. EXPERIÊNCIA DA POLÍCIA INGLESA

Tradicionalmente, a polícia inglesa trabalha desarmada e, mesmo diante de alguns casos graves que culminaram na morte de policiais, a instituição resiste em armar seus homens.

Em pesquisa interna feita com policiais britânicos, 82% deles disseram que não querem passar a portar arma de fogo durante seu serviço, apesar de 50% desses mesmos policiais afirmarem já ter passado por situações que consideram de  sério risco.

A população britânica, por sua vez, divide-se e 47% são a favor de que todos os policiais trabalhem armados e 48% são contra. Atualmente, porém, cerca de 5% do efetivo está autorizado a portar armas de fogo, distribuídos proporcionalmente nas unidades policiais[18].

Todavia, conforme reportagem exibida no Jornal Nacional do dia 10 de jan. 2014, na Rede Globo de Televisão, o policial na Inglaterra só trabalhará armado se utilizar a microcâmera acoplada a ele, conforme ilustra a figura abaixo [19]:

Figura 6 - Policial britânico utilizando a vídeo câmera corporal

Fonte: G1 – Globo – Jornal Nacional

Na reportagem de Roberto Kovalick, constata-se que, na Inglaterra, a intenção é vigiar a conduta dos policiais. Para sair à rua armado, o policial britânico terá que levar junto um vigia eletrônico – a câmera – localizada na altura dos olhos, que grava tudo o que ele enxergar e fizer.

Segundo a reportagem, a novidade foi anunciada depois que um júri concluiu que não houve ilegalidade na ação de policiais que mataram um suspeito, em Londres, há dois anos e meio.

 Na época, manifestações provocaram quebra-quebra na cidade e cinco mortes.

Ainda, segundo a reportagem, algumas cidades britânicas já usam essas câmeras com bons resultados. Confirmando o que acima já foi dito, cita experiência da cidade de Rialto, na Califórnia, EUA, revelando que pesquisas mostraram que as queixas contra policiais foram reduzidas em 88% e o uso da força caiu 60% depois que as câmeras foram implantadas, há dois anos. Segundo os pesquisadores, todo mundo tende a se comportar melhor e a seguir as regras quando é observado. Não seria diferente com os policiais.

5.3. EXPERIÊNCIA NO BRASIL

A busca da transparência é necessária para fortalecer a imagem Institucional e legitimar suas ações.

Percebe-se que a utilização de tecnologias que permitem a captação de imagem da ação policial no local dos fatos é realidade e tem aspectos positivos nas três dimensões citadas acima por Paulo Storani.

 No Estado do Rio de Janeiro, o Poder Legislativo editou a Lei 5.588, de 07 de dez. 2009, obrigando a instalação de câmeras nas viaturas:

DETERMINA A IMPLANTAÇÃO DE SISTEMA DE VÍDEO E ÁUDIO NAS VIATURAS AUTOMOTIVAS QUE MENCIONA

Art. 1º Deverá o Poder Executivo instalar câmaras de vídeo e de áudio nas viaturas automotivas que vierem a ser adquiridas para servir as áreas de Segurança Pública e Defesa Civil.

Parágrafo único. Nas viaturas já existentes, a instalação do referido sistema deverá ser implantada de forma gradativa.

Art. 2º As câmeras ou microcâmeras deverão ser integradas ao sistema de comunicação central dos órgãos de Segurança Pública e Defesa Civil, para geração e transmissão de imagens e som do interior das viaturas em formato digital.

Art. 3º As imagens devem ser arquivadas por um período mínimo de 2 (dois) anos e poderão ser utilizadas para atender a demanda judicial e administrativa.

Art. 4º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação. (Lei nº 5588, de 7 de dezembro de 2009).

Conforme reportagem veiculada no Jornal da Band em 03 de out. 2013, o que se busca com o a instalação das câmeras nas viaturas é a inibição de má conduta por parte de policiais, sua proteção no caso de falsas acusações e, operacionalmente, o fornecimento de indícios nas ocorrências criminais atendidas[20].

A pesquisadora Jacqueline de Oliveira Muniz, Doutora e Professora do Mestrado em Direito da Universidade Candido Mendes, Diretora Científica do Instituto Brasileiro de Combate ao Crime (IBCC) e Consultora da Rede de Policiais e Sociedade Civil na América Latina, defensora da accountability, por isso já citada nesta pesquisa, comenta que as câmeras constituem importante instrumento de transparência dos procedimentos policiais[21].

Casos como o desaparecimento do pedreiro Amarildo e da tragédia ocorrida em Madureira/RJ por ocasião do socorro de Claudia Silva Ferreira, trouxe à tona a discussão e a constatação de que, dos 2.000 equipamentos adquiridos pela Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro por ocasião da edição da lei, apenas 953 estão em operação.

Tal constatação sinaliza para a complexidade da implantação de projetos semelhantes que tem como escopo a institucionalização de determinada tecnologia, razão pela qual alguns estudiosos na área de planejamento indicam que um projeto empreendedor deve seguir a seguinte trilogia: começar pequeno, pensar grande e desenvolver-se rápido[22].

O Estado do Rio de Janeiro, como visto, optou pela tecnologia acoplada à viatura policial, embora exista notícia de que a câmera acoplada ao policial já está em teste naquela Corporação, conforme matéria divulgada no  programa Fantástico da Rede Globo de Televisão, em 30 de mar. 2014, e também pela Agência Brasil[23].

Segundo a matéria da Agência Brasil, policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) que participaram da ocupação do Complexo da Maré, na cidade Rio de Janeiro, no dia 30 de mar. 2014, contaram com um novo acessório tecnológico em sua indumentária.

Os policiais usaram óculos que possuem uma câmera acoplada em uma de suas laterais, capaz de capturar imagens tanto durante o dia quanto a noite.

O objetivo da iniciativa é registrar as operações e, se necessário, averiguar e comprovar as ações efetuadas em confrontos.

Em nota, a assessoria da PMERJ disse que “o objetivo é garantir a isenção nas abordagens policiais e ter arquivos de imagens que possam contribuir posteriormente.”

O dispositivo escolhido é o modelo Axon Flex, fabricado pela Taser, que tem autonomia de até 12 horas e é comercializado por aproximadamente US$ 500, algo em torno de R$ 1.135, 00.

Ainda, em entrevista com pesquisadores do Instituto Sou da Paz, em São Paulo, constatou-se que, no Rio de Janeiro, há experiência piloto desenvolvida pelo Instituto Igarapé, que tem realizado filmagem de operações em Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) por meio do emprego de smartphones. A tecnologia empregada é conhecida como smart policing.

Trata-se de aplicativo para smartphones que fornece, em tempo real, a localização do policial e envia vídeos e áudios para uma central administrativa.

A tecnologia está sendo testada nas UPP Santa Marta e de São Carlos, no Rio de Janeiro, além de áreas de cidades da África do Sul[24].

O projeto é uma parceria entre o Instituto Igarapé, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) e instituições do país africano.

De acordo com o desenvolvedor de sistemas no Instituto Igarapé, Bruno Siqueira[25], o diferencial da tecnologia em relação aos óculos já em uso pelo Batalhão de Operações Especiais (BOPE) é que o equipamento do BOPE armazena as informações, enquanto que o aplicativo envia os dados automaticamente:

Ele é um aplicativo para celular, que cada policial vai carregar no bolso ou no colete, que vai enviar a localização dele, vídeo e áudio do que está acontecendo. Com isso, a gente consegue aumentar a transparência da Polícia Militar e o capitão, ou quem estiver no comando, consegue consultar, por uma interface administrativa, todo o histórico do efetivo policial dele. Pode voltar no tempo para procurar ocorrências que tenham sido relatadas, tanto por policias quanto por moradores, pode averiguar os fatos como eles aconteceram, por meio de todos os vídeos, todo o histórico e todos os traços do policial. (SIQUEIRA).

O Capitão Márcio Rocha, comandante da UPP Santa Marta, diz que a unidade está muito satisfeita com os testes e espera que a tecnologia melhore o trabalho da polícia nas comunidades pacificadas, conforme informações colhidas nos sites mencionados:

Isso vai garantir não só uma credibilidade da ação policial, mas vai dar  confiança maior ao policial, como também vai servir de meio de prova para contestação de qualquer ação. O policial que age correto, que age dentro da regularidade, ele só tem a ganhar com isso, ele só tem a se motivar. E, consequentemente, aquele morador que pensar em desestabilizar o projeto, em tentar desmotivar o policial com ofensas, com palavras mais baixas, ao perceber que está sendo filmado, ele automaticamente vai mudar a sua postura. (ROCHA).

O diretor de pesquisa do Instituto Igarapé, Robert Muggah[26], diz que o novo recurso tem a tripla função de “impedir que policiais abusem do poder ou sejam corruptos, melhorar a relação das autoridades com a comunidade e também melhorar a proteção dada aos oficiais – tudo depende de como o programa for usado.” Ainda, segundo ele, “as imagens gravadas são mandadas para uma central de dados e depois para a nuvem e, em casos de emergência, os registros podem ser mandados de forma direta e ao vivo para a base policial, resultando em um melhor controle de situação.”

Para o pesquisador sênior do Instituto Igarapé, Robson Rodrigues, que já foi coordenador das UPPs, a tecnologia também tem a ideia de legitimação da ação policial com a comunidade, invertendo a ideia geral de que a força policial serve apenas para combater o crime.

A chamada câmera de lapela também já se tornou aliada da segurança pública do Distrito Federal.

Desde 26 de Nov. de 2012, policiais militares das Rondas Ostensivas Táticas Motorizadas (Rotam) utilizam microcâmeras de vigilância instaladas nos uniformes, para gravar o que ocorre nas apreensões de alto risco, conforme divulgada na Agência Brasília – Portal de Notícias do Governo do Distrito Federal[27].

Segundo a notícia, os 200 policiais da Rotam têm à disposição 18 equipamentos, cada um incluindo microcâmeras, assessórios e um smartphone.

A tecnologia é revezada pelos policiais durante as apreensões de alto risco, e conta também com um sistema de gerenciamento de imagens.

O Coronel Leonardo Sant'anna, da PMDF, diz que “em muitos casos, os criminosos são reincidentes e sabem como manipular a Justiça. A tecnologia permite comprovar que as ações policiais foram legais e legítimas.”

Segundo o oficial, foi necessário um ano e meio de pesquisas até o material ser trazido dos EUA para Brasília.

Foram realizados treinamentos nos Estados Unidos para serem multiplicados na sua polícia.

Embora tenha sido destinado inicialmente ao grupo tático e operações de risco, até mesmo pela pouca quantidade de equipamentos, a PMDF já direciona o emprego da tecnologia para operações de trânsito, como uma nova forma de evidenciar provas contra condutores alcoolizados.

Na avaliação do subcomandante do BPTran, Major Wagner Freitas, da PMDF, as imagens dos infratores cambaleantes e com a voz pastosa fundamentam ainda mais a prisão dos condutores[28].

A PMDF já faz estudos para ampliação do projeto.

Figura 7 - Policial da ROTAM da PMDF utilizando a Axon flex

Fonte: Agência Brasília – Portal de notícias do governo do DF 

A premissa de que a forma como policiais abordam cidadãos, às vezes, vai parar nos tribunais, onde acaba se tornando espécie de duelo de versões, levou a Polícia Rodoviária Federal, no Rio Grande do Sul, a testar a utilização das câmeras acopladas ao policial[29].

Conforme reportagem exibida no Jornal Nacional do dia 16 dez. 2013, na Rede Globo de Televisão, durante teste na BR-290, os policiais tentaram abordar uma motocicleta, mas o condutor acelerou. Teve início o acompanhamento e a motocicleta foi alcançada, sendo esclarecido o motivo da fuga: uma arma, dentro da mochila. O motoqueiro foi preso em flagrante.

Tudo foi filmado por uma câmera presa ao corpo do policial rodoviário e o vídeo servirá de prova no inquérito contra o rapaz.

A tecnologia é a mesma em teste na PMDF. Trata-se de equipamento pequeno e versátil, acoplado aos óculos ou preso no colete, grava até nove horas seguidas e tudo que é gravado pela câmera pode ser visto na hora, em um telefone celular.

O policial pode revisar as provas que tem, mas isso não permite que ele copie o vídeo. Somente a Central de Controle da Polícia Rodoviária Federal tem acesso ao arquivo, conforme noticiou a reportagem.

O vídeo não pode ser modificado, nem sofrer cortes ou edições.

Entrevistado pela reportagem da Rede Globo, Alessandro Castro, Chefe de Comunicação da Polícia Rodoviária Federal, afirma que a tecnologia “vai permitir que o motorista saiba que tudo que ele disser e que o policial disser está sendo gravado e pode usar em seu favor, ou contra ele.”

A expectativa é a de que a gravação garanta transparência nas abordagens nas estradas, destaca o Agente da PRF Ernesto Franzem, afirmando que “isso vai fazer com que o policial também se policie e trate o condutor de maneira correta.” 

A reportagem também destaca que o uso das câmeras será mais uma ferramenta no combate a embriaguez ao volante.

Durante edição da reportagem, gravação feita com a tecnologia registrou a conversa com um homem que, segundo a polícia, dirigia em zigue-zague.Ele concordou em fazer o teste do bafômetro. Mas, diante de uma recusa, o vídeo poderia ser usado para mostrar o que aconteceu na rodovia.

Com custo de cerca de R$ 1,8 mil por unidade, o uso da tecnologia teve início em jan. 2014[30]

Figura 8- Abordagem do Agente da PRF no Rio Grande do Sul

Fonte Rede Globo de Televisão – Jornal Nacional

Sobre o autor
Vanderlei Ramos

Major da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Oficial-aluno do curso de Doutorado Profissional em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública do Centro de Altos Estudos de Segurança “Cel PM Terra”.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Vanderlei. A videoevidência como ferramenta de legitimação da polícia do futuro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4155, 16 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32233. Acesso em: 15 nov. 2024.

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