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Súmula 418 do TST viola princípio do acesso à Justiça

O texto busca analisar o desacerto da Súmula 418 do TST, que se aplicada irrestritamente, pode implicar em grave violação ao princípios constitucionais.

O Tribunal Superior do Trabalho, através da Resolução 137/2005, editou a Súmula 418, afirmando que a concessão de liminar ou a homologação de acordo constituem faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do Mandado de Segurança.

A finalidade, ao que tudo indica, foi impossibilitar a revisão, por meio de ação autônoma, da decisão que indefere pedido liminar ou tutela antecipada.

No entanto, o prejuízo que a adoção deste entendimento causa às partes é por demais evidente. Basta imaginar, por exemplo, ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) versando sobre um ambiente de trabalho que engendra grave e iminente risco à vida de milhares de trabalhadores, através das quais se postula a paralisação do maquinário de indústria ou o embargo de obra. Outro exemplo, muito comum, diz respeito ao indeferimento do pedido liminar em ação cautelar para bloqueio de contas bancárias do empregador escravocrata para quitação prévia de despesas de hospedagem e transporte dos trabalhadores resgatados, após flagrante do Grupo de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego. Nessas hipóteses, a prevalecer o entendimento contido na Súmula, nada mais poderia ser feito do ponto de vista jurídico.

Sucede que o ponto fundamental que a súmula do TST desconsidera é que o Mandado de Segurança é uma ação, e não um recurso. Repetimos: o Mandado de Segurança é uma ação, e não um recurso. Isso precisou ser repetido porque, apesar de todos sabermos que o Mandado de Segurança tem natureza jurídica de ação, os operadores do processo do trabalho insistem em tratá-lo como um recurso, e daí a tendência do TST em barrá-lo tal como o faz para outros recursos trabalhistas.

Conclui-se que o conteúdo da Súmula 418 não pode ser aplicado porquanto viola, frontalmente, o princípio constitucional de acesso à Justiça. O acesso à Justiça não exige tão somente o acesso das partes ao juiz de primeiro grau, mas também ao tribunal que tem competência legal para rever a decisão proferida por aquele, ainda que por meio de uma ação autônoma. O acesso deve ser à toda Justiça e não apenas à Justiça de primeiro grau.

No caso do Mandado de Segurança, essa aplicação do princípio fundamental do acesso à Justiça se faz ainda mais evidente, já que o writ é ação em seu sentido estrito, ou seja, não se constitui em recurso (ainda que aparente ser). Assim, qualquer interessado tem o direito de propor uma ação junto ao Poder Judiciário, ainda que essa ação por força de lei seja originariamente proposta no tribunal. O impedimento, a priori, do conhecimento desta ação somente poderia se dar por obediência a requisitos da lei, jamais por consequência de uma súmula regimental.

Se nem mesmo a lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, não se pode imaginar uma súmula praticando esta exclusão. Não importa se a tutela antecipada foi deferida ou indeferida: importa tão somente que a decisão que a apreciou foi ilegal ou praticada com abuso de poder, violando por consequência direito líquido e certo da parte.

Aos litigantes em processo judicial são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Se é certo que o processo do trabalho não admite recurso contra decisões interlocutórias, a via mandamental corresponde ao meio inerente ao exercício dessa ampla defesa, posto que essa defesa deve ser exercida de alguma maneira.

Não se está aqui defendendo a admissibilidade irrestrita do Mandado de Segurança como sucedâneo de recurso. Somente será cabível quando preenchidos os requisitos do artigo 1º da Lei 12.016/09, ou seja, quando forem praticadas por autoridades públicas violações patentes a direitos líquidos e certos.

O que não se pode negar é que a Lei do Mandado de Segurança em momento algum previu a pré-condição que o TST estabeleceu através da Súmula 418.

Nesse ponto, é preciso destacar que, malgrado a Constituição Federal não faça restrições ao cabimento do Mandado de Segurança, a doutrina tradicionalmente tolera que a lei regulamentadora desse remédio constitucional estabeleça hipóteses de não cabimento. É o que se depreende do teor do art. 5º da Lei nº 12.016/09:

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Art. 5o  Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;III - de decisão judicial transitada em julgado.

Dentre essas hipóteses de não cabimento, encontra-se, como visto, a decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo. Sendo assim, valendo-se da interpretação “a contrario sensu”, percebe-se, com facilidade, que a vontade da lei é no sentido de que, inexistindo recurso cabível contra a decisão judicial (como ocorre no processo do trabalho com a decisão que indefere liminar ou tutela antecipada), é cabível a impetração de Mandado de Segurança.

O MPT, por dever constitucional, costuma promover ações em situações emergenciais com repercussão para milhares de trabalhadores (violações ao meio ambiente do trabalho ou flagrantes de trabalho escravo), de forma que o enclausuramento do poder decisório no juiz de primeiro grau mostrar-se-ia violador de preceitos fundamentais, como o direito à vida, à segurança, à liberdade e ao princípio da dignidade da pessoa humana.

De mais a mais, o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias não é absoluto no processo do trabalho. Como sabido, as regras do processo do trabalho foram criadas pensando-se no plano individual; no entanto, a sociedade evoluiu e desde 1985, através da Lei n. 7.347, já é possível a responsabilização por danos morais e patrimoniais causados a interesses difusos ou coletivos.

Não se pode perder de vista que, atualmente, sob o embalo do neoprocessualismo, a doutrina e a jurisprudência pátrias concebem o processo como instrumento de realização dos direitos fundamentais, ou seja, o processo e seu desenrolar também sofrem reflexos da máxima eficácia conferida aos direitos fundamentais.

Com efeito, dentre os direitos fundamentais consagrados na CRFB, destaca-se o direito à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII), direito esse que, por coerência, contempla o direito da parte à prestação da tutela antecipada da forma mais célere possível, isto é, assim que presentes os seus requisitos legais.

Sendo assim, a Súmula 418, ao tratar a concessão da antecipação de tutela como faculdade do juiz, impedindo o controle do uso abusivo ou não dessa “faculdade”, tem o condão de ofender o direito à razoável duração da tutela jurisdicional, na medida em que ignora o aludido direito da parte à prestação da tutela antecipada da forma mais célere possível.

A violação a direito líquido e certo praticado por autoridade pública pode ser materializado através tanto da concessão quanto da não-concessão da tutela antecipada. Ir além do quanto previsto na legislação, sem que haja uma norma em branco para tanto, mostra-se, além de inconstitucional, também ilegal.

Tudo leva a crer que o entendimento do TST baseou-se numa suposta discricionariedade inerente aos juízes de primeiro grau no que tange à concessão (ou não) da liminar. Não se trata disso. Presentes os requisitos ensejadores da antecipação de tutela (seja por força do artigo 273 do CPC, seja por conta do artigo 84 do CDC) não há qualquer margem de discricionariedade ao magistrado.

Compete ao juiz de primeiro grau deferir a antecipação de tutela face ao preenchimento dos requisitos legais. Se há o preenchimento dos requisitos legais, mas a tutela antecipada não é deferida, consubstancia-se a violação ao direito líquido e certo da parte.

Tipificar como ato discricionário do magistrado a concessão (ou não) desta medida é olvidar que este conceito advém do Direito Administrativo e naquela seara ele somente envolve um poder de decisão diante de duas ou mais alternativas possíveis, ambas lícitas, a bem do interesse público. Mas, como visto, se há preenchimento dos requisitos, a liminar deve ser deferida. Se não há, não deve ser deferida. Simples assim. Deferir ou indeferir quando os requisitos estão ausentes ou presentes, respectivamente, não se mostra como uma alternativa lícita ao Judiciário.

Duas medidas

Para aprofundar ainda mais o desacerto da Súmula 418, cabe resgatarmos ainda a Súmula 414, também do TST. Referida súmula, de forma irrefletida e contrariando qualquer sentimento de justiça, afirma que nas mesmas hipóteses vistas acima é cabível o Mandado de Segurança desde que referida tutela antecipada (ou liminar) tenha sido concedida. Trata-se da velha máxima da desigualdade: um peso, duas medidas.

Para contextualizar, via de regra quem postula na Justiça do Trabalho é o trabalhador demitido ou o sindicato ou o MPT. Pois bem, se a liminar é deferida contra o empregador, este poderá utilizar-se da ação mandamental. Caso contrário, se a liminar pleiteada na ação principal for indeferida, trabalhadores, sindicatos e MPT, estes autores da demanda deverão conformar-se e não poderão impetrar qualquer medida contra a decisão. Salta aos olhos o tamanho da violação ao princípio da igualdade, afinal de contas somente se está oportunizando à reclamada a chance de impugnar, por ação autônoma, uma decisão judicial que seria irrecorrível conforme parágrafo 1º do artigo 893 da CLT. Eis aqui uma contradição insuperável entre os critérios utilizados para a edição das Súmulas 414 e 418.

Essa desigualdade processual desrespeita o princípio processual da paridade de armas e representa desvirtuamento do norte do processo do trabalho. Como é cediço, este não é um fim em si mesmo, mas mero instrumento prático de realização do direito material. Essa tônica obriga a que o processo do trabalho contenha peculiaridades que não comprometam o propósito máximo do direito material de conferir uma relativa superioridade jurídica ao trabalhador hipossuficiente como forma de compensar a superioridade econômica do empregador. Em outras palavras, o princípio da proteção também se reflete no processo do trabalho, através de regras, princípios e presunções que assegurem posições jurídico-processuais de vantagem ao trabalhador – e nunca o contrário.

Mas, mesmo sob o ponto de vista do próprio TST, não há qualquer lógica na redação das duas súmulas. Se a discricionariedade é atributo inerente da decisão acerca da tutela antecipada (ou liminar), e esta discricionaridade impede o exame da legalidade da decisão, esse poder da vontade (discricionário) deveria imunizar a decisão em seu duplo aspecto: o negativo (indeferimento) e o positivo (concessão). No entanto, a Súmula 414 não imuniza a decisão judicial de primeiro grau que concede a tutela antecipada ou liminar (aspecto positivo) contra Mandados de Segurança.

A manutenção da Súmula 418 do TST gera, ainda, um conflito aparente entre a suposta efetividade do Processo Trabalhista – buscada através do não-conhecimento a priori de ações de impugnação para impingir uma maior celeridade ao feito – e a efetividade do Direito do Trabalho – que está sendo buscada através de uma antecipação de tutela. Somente o caso concreto é que permitirá a análise acerca de qual efetividade deve se sobrepor, realizando o tribunal uma ponderação dos valores envolvidos.

A confusão perpetrada pelo TST parecer ter origem no entendimento que prevalecia na doutrina anteriormente à Reforma do CPC – reforma esta que previu a antecipação de tutela de forma generalizada – em substituição às ações cautelares com fins satisfativos, utilizadas em larga escala por falta de previsão teórico-legal, mas por absoluta necessidade empírica.

Quando observados os precedentes do TST que embasaram a Súmula em questão[i], verifica-se que a quase totalidade destes precedentes decorreu de ações cautelares inominadas. Cabe rememorar que a doutrina apontava no sentido de que a concessão de medida liminar, em cautelar, pelos magistrados tinha natureza discricionária, levando em conta critérios de oportunidade e conveniência. Entre eles, citamos Moniz de Aragão, in "Medidas Cautelares Inominadas", Revista Brasileira de Direito Processual, 57/33, que dispõe: “costuma-se referir a atuação discricionária do juiz no desempenho do chamado poder cautelar geral, em cujo exercício lhe é permitido autorizar a prática, ou impor a abstenção, de determinados atos, não previstos em lei ou nesta indicados apenas exemplificativamente".

No entanto, José Joaquim Calmon de Passos já alertava, mesmo para as cautelares, que não havia discricionariedade quanto à sua concessão ou não-concessão, mas tão somente quanto à natureza da medida mais eficaz para o atingimento da finalidade (Comentários ao Código de Processo Civil, vol III, 8ª edição, Edt. Forense, pág.22).

No entanto, essa interpretação já não mais prevalece: se inexiste discricionariedade para o magistrado conceder ou não a tutela antecipada, o cabimento do writ, quando preenchidos estes pressupostos, deve ser tolerado.

Pelo exposto, o que restou demonstrado através deste artigo é que a manutenção do conteúdo da Súmula 418 do TST viola preceitos de natureza constitucional e legal, devendo a mesma ser afastada pelos operadores do direito. Somente o caso concreto permite a conclusão acerca do preenchimento dos requisitos legais para a impetração do mandado de segurança. O não conhecimento a priori do writ, levando em conta, como critério determinante, tão somente o sinal negativo da decisão que apreciou o pleito de tutela antecipada (indeferimento) representa uma séria violação aos princípios republicanos e democráticos, mas em especial uma violação à efetividade do direito do trabalho[ii].


Notas

[i] ROMS 61528/2002-900-02-00.8, ROMS 645012/2000, ROMS 644434/2000,ROMS 436005/1998, ROMS 426697/1998, ROMS 239903/1996, ROMS 277294/1996, ROMS 270633/1996, ROMS 241272/1996,  ROMS 97004/1993.

[ii] No entanto, ainda que se pretenda sustentar a constitucionalidade da Súmula 418 do TST, devemos lembrar que a mesma não tem caráter vinculante. Somente as súmulas editadas pelo STF em consonância com o artigo 103-A é que detém este atributo. Assim, a não-aplicação da Súmula 418 por parte dos Tribunais do Trabalho não representam qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade. A depender do caso concreto, a aplicação irrestrita da Súmula 418 é que corresponderia a uma ilegalidade ou inconstitucionalidade.

Sobre os autores
Vitor Borges da Silva

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo. Aanlista Judiciário da 17ª Região.

Ilan Fonseca de Souza

Procurador do Trabalho na 5ª Região (Bahia), Especialista em Processo Civil, Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Doutor em Estado e Sociedade pela Universidade Federal do Sul da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Vitor Borges; SOUZA, Ilan Fonseca. Súmula 418 do TST viola princípio do acesso à Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4133, 25 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32534. Acesso em: 21 nov. 2024.

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