4. O CONTROLE DA PONDERAÇÃO E A RACIONALIDADE
Em análise crítica e exemplificativa de sua teoria, Alexy[34]trata do caso julgado pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, que resultou na condenação da revista Titanic por dano imaterial sofrido por um oficial da reserva que foi designado como “nascido assassino”, situando tal hipótese frente a um outro lado, de que a revista Titanic também designou o mesmo oficial como “aleijado”.
Explicou Alexy, em um passo a passo, dentro da lei de ponderação então adotada no julgamento do caso, que essa última designação viola gravemente o direito de personalidade do oficial da reserva atingido. Ao mesmo tempo em que uma indenização em dinheiro pelo dano sofrido é de intensidade grande. Alexy prossegue, asseverando sobre as razões do julgado e explicitando que, hoje, em geral, a designação de “aleijado” é “entendida como humilhação” e expressa como um desprezo. Nessa análise, depreende-se que, diante de uma intervenção grave na liberdade de opinião está uma importância alta da proteção do direito de personalidade. Ocorre que, a despeito de o recurso judicial da revista Titanic ter sido baseado na alta indenização em função da designação “nascido assassino”, o Tribunal considerou a designação “aleijado” como de intensidade grave, razão que levou o Tribunal a considerar que o recurso da revista Titanic era infundado, após operação de ponderação.
Nessa linha, Alexy conclui que houve racionalidade na aplicação do modelo de ponderação, não havendo na decisão nenhuma irracionalidade, pois “uma intervenção em um direito fundamental é desproporcional se ela não é justificada com isto, que a omissão dessa intervenção seria uma intervenção pelo menos, do mesmo modo intensiva na realização de outro princípio”.[35]
Ressalta-se que, na metodologia proposta pelo autor, a ponderação perpassa o momento inicial de uma sentença que define sobre graus de intensidade, em seguida, uma sentença sobre a proporcionalidade. A primeira sentença define-se com os fundamentos para a sentença para a sentença sobre proporcionalidade ou desproporcionalidade. Ainda, essa sentença sobre proporcionalidade promove pretensão de correção, apoiada em sentenças sobre graus de intensidade como os fundamentos da sentença final. Assim, Alexy reforça que a fundamentação de cada um dos argumentos que são construídos sob definição de intensidades garante a racionalidade, na medida em que “argumentos são a expressão pública da reflexão”. Nesses aspectos, Alexy[36]considera que não procedem ambas as objeções de Habermas, uma relacionada ao modelo de ponderação que toma dos direitos fundamentais sua força normativa (o que Alexy não reconhece como parte de sua teoria); a outra, relacionada a que o modelo de ponderação se efetiva de modo arbitrário ou irrefletido, segundo modelos acostumados, baseados em precedentes.
Ainda utilizando esse mesmo caso decidido acima referido e decidido pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, Alexy refuta as críticas e aprofunda seu entendimento com a sua Fórmula de Peso,[37]que é auxiliada pela matemática, cujo detalhamento não cabe neste trabalho, mas que demonstra o mesmo sentido tratado de atribuir pesos ou grandezas, em determinada situação de colisão de princípios “a fim de se possa estabelecer se e em que medida um deve prosperar sobre o outro, precisamente por ter um maior peso relativo, sem excluir a possibilidade de que, ao fim e ao cabo, ambos os princípios em conflito tenham pesos relativos idênticos”.[38]
Tal Fórmula de Peso de Alexy, comentada na doutrina brasileira por Marcelo Lima Guerra, reforça o mérito da proposta, que evita manipulação retórica das decisões, evidenciando sobre o que deve se discutir e onde estão as incertezas, na maioria dos casos, inelimináveis. Logo, “ao menos a precariedade das decisões judiciais sobre a preponderância de um princípio sobre o outro resta explícita, a sugerir, no espírito dos julgadores, a necessidade de uma atitude de máxima prudência e humildade”.[39]
Destaca-se, aqui, a importância da motivação das decisões e os princípios norteadores da jurisprudência, nos termos dos pilares de racionalidade jurídica prática propostos por Chaïm Perelman[40], em que a motivação deve ser capaz de: explicar às partes a decisão (a fim de que cada parte maneje ou não o recurso); dirigir-se a todos os cidadãos, em particular, aos comentaristas das decisões judiciais para que possam tirar conclusões; e, dirigir-se à população em geral.
Interessante ainda ressaltar, na teoria de Alexy, o entendimento que o resultado de um caso concreto que envolve direitos fundamentais definido por sopesamento não é generalizável e que gera no respectivo caso uma regra, à qual o caso pode ser subsumido. A essa regra que surge na aplicação da proporcionalidade em sentido estrito, em determinado caso de colisão de princípios fundamentais, o autor denomina norma de direito fundamental atribuído.[41]
Na compreensão da proposta de Alexy, deve-se considerar ainda que a Teoria da Argumentação Jurídica e a Teoria dos Direitos Fundamentais desse autor são teorias procedimentais de correção jurídica, baseadas em uma teoria ética congnitivista. Nesse sentido, decisões jurídicas podem sofrer correção normativa análoga à verdade empírica e que resultam de um processo argumentativo.[42]
Dessa forma, na linha do que propôs Alexy, reforça-se a aplicação do Princípio da Proporcionalidade e sua metodologia com o amparo da tese exposta na Teoria da Argumentação Jurídica, no aspecto de que esse autor defende a conexão do discurso jurídico com o discurso prático geral.[43]
Nessa linha, Alexy entende que “a argumentação jurídica depende normalmente da argumentação prática geral e que, por isso, pode-se falar que a argumentação prática geral constitui o fundamento da argumentação jurídica”.[44]Na condução e controle da racionalidade prática jurídica, lança o autor, há limites e a necessidade da Teoria do Discurso Jurídico Racional. Assim, na contraposição do Direito com as Ciências Naturais, “não é a produção de segurança o que constitui o caráter racional da Ciência do Direito, mas o cumprimento de condições, critérios ou regras(...)”. Dessa forma, pode-se afirmar que se interligam a argumentação jurídica racional com os procedimentos metódicos de Alexy relativos à proporcionalidade.
Dentro da posição de Robert Alexy, mesmo que não se possa ter uma solução única ideal, tais idéias de racionalidade são reforçadas e sempre interligadas ao procedimento, já que para o autor “não se deve subestimar a função da teoria do discurso racional como definição de um ideal.(...) os juristas podem certamente contribuir para a realização da razão e da justiça, mas não podem fazer isso sozinhos. Isto pressupõe uma ordem social racional e justa.”[45]
5. CONCLUSÕES
Merecem destaque como positivos diversos pontos da proposta de Robert Alexy relacionada à aplicação de princípios jurídicos fundamentais na forma metodológica do Princípio da Proporcionalidade.
O autor, a partir da proposta de Dworkin, avança em uma teoria dos princípios de modo a considerá-los normas e dar a esses princípios uma dimensão de peso, que é de particular relevância para a solução de casos de colisão de princípios fundamentais por meio do Princípio da Proporcionalidade, cuja aplicação demanda uma argumentação racional como forma de motivação da decisão.
Tais atividades teórico-metódicas propostas, nesses casos, são de grande relevo para as atividades administrativas, e, principalmente, para o legislador e o julgador, no controle de constitucionalidade de medidas que envolvam, sobretudo, colisão de direitos fundamentais.
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Notas
[1]FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Notas sobre o Direito Constitucional Pós-Moderno, em particular sobre certo constitucionalismo à brasileira. Systemas – Revista de Ciências Jurídicas e Econômicas, v.2, n.1, 2010, p.111.
[2]STRECK, Lenio. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 10ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p.375.
[3]DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a sério. Tradução: Nelson Boeira, 3ª ed., São Paulo: Editora WMF Martins Fortes, 2010, p.35.
[4]O autor esclarece que o que denomina “princípio” pode indicar tanto princípios, quanto políticas ou outros tipos de padrões, diversos de regras. Ibidem, p.36.
[5]Ibidem, p.39.
[6]Ibidem, p.41-42.
[7]Ibidem, p.43.
[8]ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução da 5ª edição alemã (2006):Virgilio Afonso da Silva, 2ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2011, pp.87-90.
[9]HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1. 2ª ed. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2010, p.141.
[10]Ibidem, p.316-317.
[11]CUNHA. Paulo Ferreira da. Filosofia do Direito. Coimbra: Almedina, 2006, p.622.
[12]Apud PEDRON, Flávio Quinaud. A ponderação de princípios pelo STF: balanço crítico. Revista CEJ, Ano XII, n.40, jan./mar. 2008, pp.20-30.
[13]Apud CEZNE, Andrea Nárriman. A teoria dos direitos fundamentais: uma análise comparativa das perspectivas de Ronald Dworkin e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Volume 52. Ano 13. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.55.
[14]NEVES, Castanheira. Metodologia Jurídica. Problemas Fundamentais. Coimbra: Coimbra editora, 1993, p.189.
[15]Ibidem, pp.195-196.
[16] Apud CEZNE, Andrea Nárriman, Op. cit., p.56.
[17] Apud CEZNE, Andrea Nárriman, Op. cit., p.57-61.
[18]Sobre a questão da necessidade de existir resposta correta em Direito, veja-se Dworkin, Op cit, p.507.
[19]QUEIROZ, Cristina. Direitos Fundamentais. Teoria Geral. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p.171-172.
[20]Apud QUEIROZ, Cristina, Op. cit., p.172.
[21]ALEXY, Robert. Direito, razão e discurso: estudos para a filosofia do direito. Tradução: Luís Afonso Heck, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p.173.
[22]CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.1163.
[23]Ibidem, p.1165.
[24]ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Or./trad. Luís Afonso Heck, 3ª ed. rev., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p.62.
[25]Ibidem, p.63
[26]Apud ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Princípio da Proporcionalidade. Significado e Aplicação Prática. Campinas: Copola, 2002, p.47.
[27]GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999, pp.59-60.
[28]Neste trabalho, apresenta-se a proposta de Alexy constante do seu artigo “Direitos Fundamentais, ponderação e racionalidade”[28], que compõe sua obra Constitucionalismo Discursivo, coletânea de artigos traduzidos para o português por Luis Afonso Heck, publicada em 2006, e que o autor procura, principalmente, rebater as últimas críticas sofridas em suas teses, principalmente, por Habermas sobre o tema da Proporcionalidade.
[29]Op cit, p.110.
[30]Apud PEDRON, Flávio Quinaud, Op. cit., p.25.
[31]Apud PEDRON, Flávio Quinaud, Op. cit., p.26.
[32] Op. cit., p.110.
[33] Op. cit., p.111.
[34] Op.cit., p.113.
[35]Op.cit., p.114.
[36]Op.cit., p.108-116.
[37]Op. cit., p.131-152.
[38]GUERRA, Marcelo Lima. A proporcionalidade em sentido estrito e a “fórmula do peso” de Robert Alexy: significância e algumas implicações. Revista de Processo. Volume 141. Ano 31. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.58.
[39]Ibidem, p.68.
[40]Apud CALHEIROS, Maria Clara. Verdade, prova e narração. Revista do CEJ. 2º semestre, nº 10. Coimbra: Almedida, 2008, p.295.
[41]ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução da 5ª edição alemã (2006):Virgilio Afonso da Silva, 2ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p.99.
[42]CARDOSO, Henrique Ribeiro. Proporcionalidade e Argumentação. A teoria de Robert Alexy e seus pressupostos filosóficos. Curitiba: Juruá, 2009, p.244.
[43]ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Fundamentação Jurídica. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.281.
[44]Ibidem, p.284.
[45]Ibidem, p.286.