Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

O Processo Judicial Eletrônico - PJe e o princípio do amplo acesso ao Poder Judiciário

Exibindo página 2 de 3
Agenda 01/01/2015 às 09:00

4 - Postura do Supremo Tribunal Federal (STF) frente à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU)

Os Ministros da Magna Corte[25] hodiernamente têm obtemperado:

“A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente, também louvo o belíssimo voto do eminente Relator e destaco que essa Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência é a única aprovada nos termos do art. 5º, § 3º, pela maioria de dois terços, nas duas Casas do Congresso. Até me sentido emocionada de participar desse julgamento, porque já fiz um estudo sobre o texto dessa Convenção e, de fato, temos que marchar para a sua implementação na nossa sociedade”.

“O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) – Eu também gostaria de acompanhar o eminente Relator e talvez até destacar que essa é realmente a função de uma suprema Corte em contrapartida a essa gama de habeas corpus que acodem ao Supremo Tribunal Federal. Nossa função é essa de proteger a nossa Carta Maior, que inicia o art. 1º dispondo que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é exatamente a dignidade da pessoa humana. No plano internacional - aqui foi lembrado - a Convenção de Nova Iorque, internalizada com um status de emenda constitucional, porque trata de direitos humanos, e, no plano interno, a Constituição, prenhe de abordagens consectárias da proteção da dignidade da pessoa humana. Recordo-me que em recente congresso, onde se debatia exatamente esse tema, aludiu-se às lições da Professora e jusfilósofa Hannah Arendt no sentido de que a dignidade humana foi uma conquista pós-guerra obtida através de lutas e barricadas porque venceram-se aqueles valores nefastos do nazi-fascismo. E, talvez até por uma questão de modéstia natural, o Ministro Luís Roberto Barroso não tenha citado um recentíssimo trabalho sobre a dignidade da pessoa humana, no que também é coadjuvado pela Professora Ana Paula de Barcellos, da nossa Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que também dispôs sobre o outro ângulo da eficácia dos princípios constitucionais onde aborda exatamente isso que o Ministro Marco Aurélio acaba de esclarecer, de maneira lúcida e profunda, que, na verdade, este é um direito fundamental relativo aos deficientes físicos, e, como direito fundamental, ele tem o seu regime próprio de aplicação imediata, de eficácia irradiante, e de gozar dos deveres de proteção notadamente através de políticas públicas, legislativas e executivas, que levem à consecução desses direitos fundamentais. E nesse campo é absolutamente inaplicável essa construção, no meu modo de ver muito infeliz, do Tribunal Constitucional alemão, da reserva do possível. Não há nem que se cogitar da possibilidade (...)”.

“O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – A reserva do possível, Presidente, se me permite, passa a ser cláusula polivalente. Levada às últimas consequências (...)”.

“O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Mil e uma utilidades. Se estivesse aqui nessa tribuna o Professor Barbosa Moreira, ele diria que a reserva do possível passou a ser o Bombril do sistema constitucional quando o Estado recalcitra dos seus deveres, porque tem mil e uma utilidades: para tudo se usa a reserva do possível. Destaquei aqui, enquanto Vossa Excelência lia o seu voto, que o resultado desse processo é merecedor de aclamação e ele é digno, exatamente, de uma Corte Suprema (...)”.

“O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – A forte sinalização do Supremo quanto à necessidade de se observar os direitos fundamentais diz respeito a apenas uma escola, mas a decisão vai se irradiar alcançando inúmeros prédios públicos”.

“O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Sim. Então queria parabenizar Vossa Excelência pela iniciativa”.

            Por isso, ousamos conceber que a questão da acessibilidade no PJe, envereda-se pela senda dos direitos difusos, como se vislumbra da definição na página do Ministério da Justiça[26]:

“Direitos Difusos

Direitos difusos são todos aqueles direitos que não podem ser atribuídos a um grupo específico de pessoas, pois dizem respeito a toda a sociedade.

Assim, por exemplo, os direitos ligados à área do meio ambiente têm reflexo sobre toda a população, pois se ocorrer qualquer dano ou mesmo um benefício ao meio ambiente, este afetará, direta ou indiretamente, a qualidade de vida de toda a população.

O mesmo ocorre com os direitos do consumidor, com os direitos ligados à preservação do patrimônio sociocultural e com os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica”.

A justificativa do nosso raciocínio não requer maiores teorizações, visto que, não só os advogados deficientes, como o causídico idoso, sentem-se inábeis e manietados pela hostilidade do PJe. Tal ofensividade espraia da pessoa acometida pela agrura para seus familiares e tantos quantos com ele convivam, aparecendo aí, o caráter difuso que reveste a matéria.

Por tal motivo, o temário enfeixa-se na angulação multidisciplinar: tratados internacionais, normas domésticas, conteúdo psicológico, seguimentos de microssistemas jurídicos, dentre outros.

Penhoramos nossa confiança na construção jurisprudencial humanística que vem sendo sedimentada, dia-a-dia, pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, deveras a sentinela maior do cumprimento rigoroso da Constituição Federal. Bem capitaneado pelo seu emérito Presidente Min. Ricardo Lewandoski, cujo conhecimento jurídico e sensibilidade, tanto para a causa dos deficientes quanto para os reclamos da OAB em sede de PJe, anima o mundo jurídico, desaguando na confiança de que colocará servidores com quilate humanístico no CNJ para o trato dessa matéria.


5 – Imaturidade temporal do CNJ ao obrigar a unicidade do PJe

            Em brilhante relatório, datado de 1º de julho de 2013[27], o Conselheiro Federal Luiz Cláudio Silva Allemand (Espírito Santo) deixa claro que somente quando o PJe já estava praticamente concluído - inclusive já operava em algumas localidades do TRF 5ª Região -, é que o CFOAB passou a integrar o Comitê Gestor do CNJ (Portaria 68/2011 publicada em 14/7/2011). Assim, a advocacia pouco ou nada colaborou no desenvolvimento da plataforma do PJe no CNJ. (g.n.)

            Entretanto, o CNJ na Resolução nº 185, de 18 de dezembro de 2013, fechando os olhos aos clamores dos usuários, coercitivamente, adumbrou:

“Art. 34. (...)

§ 4º No ano de 2014, o PJe deve ser implantado em, no mínimo, 10% (dez por cento) dos órgãos julgadores de 1ª e 2ª Graus. (...)

Art. 36. A partir da implantação do PJe, o recebimento de petição inicial ou de prosseguimento, relativas aos processos que nele tramitam, somente pode ocorrer no meio eletrônico próprio do sistema, sendo vedada, nesta hipótese, a utilização de qualquer outro sistema de peticionamento eletrônico, exceto nas situações especiais previstas nesta Resolução. (...)

Art. 41. A partir da data de implantação do PJe, os Tribunais manterão, no âmbito de suas atribuições, estruturas de atendimento e suporte aos usuários.” (reticências não compõem o original)

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

            Sabe-se que há no país 46 (quarenta e seis) modalidades de processo judicial eletrônico, o que, na verdade, recomenda a unificação, para não se voltar à vetusta legislação processual, onde cada estado possuía um código.[28] Mas, essa unicidade não pode ser apressada, recomenda-se uma maturação temporal.

            Não me parece democrático, republicano, federativo, moral criar um PJe, como se fora isento de problemas, pô-lo em prática forçadamente e, à medida que os defeitos vão aparecendo, aí sim procura-se corrigi-los. Não é constitucional fazer-se experimentos com os direitos dos jurisdicionados, já que se cuidam de valores fundamentais. Com todo respeito, o PJe não há de se fazer congênere a montagem de um “lego”!

            Novamente, socorre-se do voto suso mencionado do Conselheiro Federal[29]:

“...se o peticionamento eletrônico vier para dar acesso à Justiça, terá o aplauso da advocacia, mas se vier para excluir, teremos que apontar os erros e exigir soluções, ...” (as reticências são nossas)

            Não consigo entender, por maior esforço que faça, como compatibilizar o direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário[30] com um PJe açodado e excludente. [31]


6 - Questões pontuais que entremostram a imprescindível revisão estrutural no PJe e negativa de acesso ao Poder Judiciário

Antecedendo uma hermenêutica constitucional, busco uma singela operação de lógica, assim vasada: O PJe para ser jurídico, saudável, e prazeroso, deve fomentar otimização real de seus usuários. Do contrário, será uma malévola ferramenta tão a gosto da mercadologia consumista. Exemplifico: servidores e advogados cegos, munidos de leitores de tela que os colocavam de modo seguro no mercado de trabalho, imaginaram um PJe totalmente acessível. Ledo engano!

Além das inúmeras falhas lançadas no voto do mencionado Conselheiro Federal[32], algumas já sanadas, tomo a liberdade de elencar outras, que ferem de morte o direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário. Ei-las:

a) por fatalidade do destino, minha esposa ingressou com demanda na Justiça do Trabalho e, após negativa da subida do Recurso de Revista, manejou Agravo de Instrumento, cuja numeração única do CNJ é 0000732.34.2012.5.23.0021.

Entrementes, consultando essa numeração junto ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), verificou-se que de pessoa natural que é passou a ser um frigorífico (mutação gênica impensável aos humanos). Indagando à ouvidoria daquela Corte, obteve estas teratológicas respostas[33]:

“Senhora CRISTIANE ANGELICO DUARTE

Data vênia, V. Sª. esta equivocada. Vejamos:

a) referido processo foi distribuído em 20/3/2014;

b) decidido por decisão monocrática, que foi publicada em 14/4/2014;

c) foi certificado seu transito em julgado em 9/5/2014 e

d) remetido - e recebido - ao TRT em 20/5/2014.

Logo, referido preceito constitucional foi devidamente resguardado nesta Corte Superior.

Atenciosamente,

REJANE LIMA FORTUNA PIMENTA

Ouvidoria do TST”

[34]Senhora CRISTIANE ANGELICO DUARTE

Sob o numero informado, foi consultado o processo no Sistema de Informações Processuais do TST e o resultado foi-lhe fornecido.

Sugiro que confirme a exatidão da numeração com sua advogada, ou, ainda, junto a Vara do Trabalho onde teve inicio sua reclamatória trabalhista.

Atenciosamente,

REJANE LIMA FORTUNA PIMENTA

Ouvidoria do TST”

Minha esposa, não analfabeta, retirou o número do próprio site do Tribunal Regional do Trabalho de origem. Será que a ouvidoria, insensível neste caso, teve a mínima presteza em ajudar? Claro que não. Aí vem a resolução nº 185/2013 do CNJ, demagogicamente, anotando:

“Art. 41. A partir da data de implantação do PJe, os Tribunais manterão, no âmbito de suas atribuições, estruturas de atendimento e suporte aos usuários.” (g.n.)

O retratado dantes pode ser considerado suporte? Talvez seja um suportar do usuário, isto é, um ato de piedosa paciência que deve exercitar em cenário tal.

O que o advogado da minha esposa poderá fazer se simplesmente o processo digital sumiu? Acesso do poder judiciário do invisível? Adeus publicidade, eficiência e outros predicamentos que deveria ornar os direitos fundamentais em tela.           

b) qualquer parte do PJe não pode visualizar na inteireza os seus próprios autos digitais, seja em Tribunais Superiores, Cortes locais e primeiro grau de jurisdição. Isso fere, vez outra, a publicidade processual estampada no art. 155 do Código de Processo Civil e, por sua vez o cânone lançado no caput do art. 37 da Lei Ápice. Bastaria um mero cadastramento do litigante, como é feito em sites de compra na web, e a consulta pública estaria resolvida. Não se deslembrando que é o jurisdicionado que fornece ao advogado fatos favoráveis ao seu pleito. Negativa frontal à acessibilidade ao Poder Judiciário.

c) o art. 12[35] da resolução 94 do CSJT ainda não liberou o recebimento de arquivos nos formatos áudio, áudio e vídeo e imagem. Então, gravações e fotografias não podem ser anexadas no PJe como provas, malgastando o art. 332 do Código de Processo Civil, cujo fundamento de validade é o art. 5º, LV da Constituição Federal? Como comprovar assédio moral e sexual, por exemplo? A faculdade de juntar tais documentos em secretaria não condiz com a ideia do PJe. Um advogado no Oiapoque deverá ia ao Chuí para encartar tais peças?

d) Quando se há de usar documentos antigos[36], os quais não são bem capturados por scanner, na mesma linha de princípio, como deles se valer nos moldes em que está posto o PJe hodiernamente? Manieta-se, pois, o acesso ao Poder Judiciário em busca de uma decisão justa e, também, o livre manejo de provas lícitas, visto que só as ilegítimas é que encontram óbice no art. 5º, LVI da Norma Mater.


7 – Considerações Finais

Dogmaticamente tenho que, seja o CNJ ou o CSJT , não possuem competência para normatizar o PJe, porque a matéria é nitidamente processual ou, na pior das hipóteses, procedimental. Explico: a Constituição Federal, em seu art. 103 – B, define que o CNJ tem como mira  “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário”, isto é, não pode normatizar matéria de caráter processual (competência exclusiva da União – art. 21, I da Carta Magna) e, muito menos, de feitio procedimentalístico, que caberia  aos Tribunais, consoante ressai do art. 95, I, da Lei das Leis. De conseguinte, as resoluções 185/2014 do CNJ e 136/2014 do CSJT, no tanto que versam matéria processual ou de procedimento são claramente inconstitucionais.

Seriam tantas as hipóteses que malferem o acesso ao Poder Judiciário pelo PJe, que, lamentavelmente extravasariam o objetivo deste artigo.  Mas, merece realce que a Justiça do Trabalho, como vanguardista que é, abraçou seu uso e está pagando caro por isso. Porém, tanto seu Comitê Gestor quanto a Comissão de Acessibilidade tiveram – e continuarão tendo – a responsabilidade de manter franco diálogo com todos os seguimentos de usuários, visando um processo eletrônico que contempla - não por favor, mas por respeito a tratados internacionais e as regras constitucionais - o signo da acessibilidade plena.

Sobre o autor
Emerson Odilon Sandim

Procurador Federal aposentado e Doutor em psicanalise

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANDIM, Emerson Odilon. O Processo Judicial Eletrônico - PJe e o princípio do amplo acesso ao Poder Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4201, 1 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35287. Acesso em: 25 dez. 2024.

Mais informações

Texto originalmente publicado na coletânea "Processo Judicial Eletrônico", coord. Marcus Vinícius Furtado Coêlho e Luiz Cláudio Allemand, editado pelo Conselho Federal da OAB.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!