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A lógica e a argumentação jurídicas como fatores de controle e legitimação das decisões judiciais

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Agenda 03/06/2015 às 11:11

4 Argumentação jurídica

Ao tomar sua decisão, o julgador faz uma escolha e precisa de argumentos para sustentá-la. Os argumentos devem: a) permitir um controle correcional sobre a decisão, pelos órgãos judiciais superiores e por seus próprios destinatários, pois só é possível demonstrar a falibilidade de uma decisão conhecendo as razões pelas quais foi proferida; b) provocar a persuasão do destinatário, ou destinatários, da norma aplicada no caso concreto; c) garantir a correção do processo decisório, dificultando qualquer ação arbitrária ou parcial do julgador, vez que os argumentos, devidamente analisados, expõem a sustentabilidade de determinada escolha.

A tomada de decisões é um processo pelo qual são escolhidas algumas ou apenas uma entre muitas alternativas para as ações a serem realizadas. Deve ocorrer de maneira racional. Dentre os diversos métodos utilizados para a escolha racional de alternativas destaca-se a argumentação lógica, meio de garantir que o pensamento do magistrado proceda corretamente, a fim de estabelecer conhecimentos verdadeiros, ou ao menos plausíveis. Deve-se ter em mente “o fato de que a compreensão no campo do direito dá-se por intermédio da argumentação.”.[34] Por ser um processo, a tomada de decisão passa por fases distintas.

4.1 Tese e antítese

Antes da fixação de uma alternativa e de sua justificativa, faz-se necessário o devido conhecimento e análise das teses e antíteses envolvidas na lide. Ao sugerir determinada ideia, a parte interessada está propondo uma tese, a qual pode ser oposta uma antítese. Nesse cenário, correta pode ser a tese, a antítese ou ambas, o que permite uma nova forma de interpretação da questão.[35] Importante destacar que:

O mecanismo de troca entre teses opostas até que se chegue a mais provável, como verdadeira, proporciona o diálogo, imprescindível na democracia. A motivação das decisões judiciais e o confronto de idéias permite uma participação mais ampla da opinião pública e também a legitimação dos poderes Legislativo e Judiciário.[36]

Do conflito deste combate de ideias surge a necessidade de se obter uma solução, uma alternativa, através de uma síntese.

4.2 Análise e síntese

O conhecimento das teses e antíteses se desenvolve durante um contínuo e dinâmico processo de análise e síntese. Analisar é separar com critério, transformando o todo em partes. Como nossa capacidade mental é limitada, havendo restrições para o que podemos entender de uma só vez, é preciso separar em partes menores objetos de estudo mais complexos. Assim, através da análise podemos focar nossa atenção em uma parte específica de um sistema e esquecer momentaneamente as outras partes que compõe o todo, a fim de se entender mais profundamente uma questão. Identificada cada uma das partes, passamos a compreender melhor a essência do que estudamos, de forma mais clara e racional.

O oposto da análise é a síntese, ou seja, a junção das partes no todo novamente. Ao fazer isso, podemos notar a colaboração existente entre os fragmentos. A síntese procura observar o problema que tínhamos, levando em consideração a argumentação dos dois lados, tentando obter o máximo de consenso. [37] Por esse processo alternado de idas e vindas (análise e síntese das teses e antíteses) pode-se chegar a uma decisão (no caso a judicial). E é pela argumentação jurídica que esta decisão, realizada dinâmica e dialeticamente, se justifica. Antes de aduzir argumentos e de se utilizar técnicas argumentativas, é necessário que o magistrado, conscientemente, saiba distinguir e avaliar com clareza teses e antíteses, e que saiba proceder, de forma disciplinada, a processos de análise e síntese dos elementos em voga no processo judiciário.

4.3 Definição e estrutura da argumentação

Tomada a decisão, é hora dos argumentos. Mas afinal, o que é um argumento? É componente imprescindível e central da argumentação. É proposição sustentada por outras proposições, também denominadas de razões, que conduzem a uma conclusão.[38] As proposições, base de sustentação de um argumento são, por sua vez, construções linguísticas que têm o caráter de alegar ou de propor uma ideia ou conceito. Assim, é pertinente definir argumento como um conjunto de proposições que usamos para promover suporte na veracidade ou plausibilidade de uma conclusão, nada mais do que outra proposição.

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As proposições aduzidas para sustentar uma conclusão são denominadas premissas, que podem ser classificadas como premissa maior (ideia mais geral) e premissa menor (caso particular), conforme a importância que desempenham na configuração da conclusão. As premissas e a conclusão de um argumento são sempre proposições, significados ou ideias expressáveis por sentenças declarativas. As proposições são espécies de ideias verdadeiras ou falsas. Interrogações, comandos, opiniões, fatos - esta distinção é consagrada, aliás, pelo brocardo "contra os fatos não há argumentos"-, descrições, histórias, expressões emotivas, e explicações (cuja conclusão independe das premissas), não são consideradas premissas, embora algumas vezes as possam remeter, indiretamente.

4.4 Fins gerais da argumentação

O tipo de discurso que enseja a argumentação tem duas finalidades básicas: persuadir e ampliar o conhecimento.[39] Utilizando a argumentação para a finalidade exclusivamente persuasiva, o argumentador não estabelece compromisso com a veracidade de suas alegações. Este discurso meramente persuasivo pode levar a uma consequência impopular, fazendo com que uma mentira ou a pior alternativa possa predominar. É uma possibilidade que, por diversas vezes, desacredita a argumentação como forma de raciocínio válida, ao confundir o meio, a argumentação, com a responsabilidade pela finalidade que lhe conferem.

A argumentação, interpretada como forma de ampliar o conhecimento, forma de aprendizagem, por sua vez, enfoca a interação de ideias. Ao colocar as ideias em contato, às vezes em conflito, é possível que surja uma convergência para um ponto superior, mais refinado, melhor. A argumentação, neste aspecto, é uma tática que serve para ampliar o conhecimento entre os debatedores, a princípio não importando quem ganha ou quem perde. É uma importante forma de se chegar mais perto de pontos de vista razoáveis, através da troca de exposições e críticas mútuas. Há uma vantagem acentuada quando submetemos determinado pensamento a uma análise crítica, com a participação de diferentes pontos de vista sobre determinado problema ou questão, facilitando nosso entendimento.[40]

4.4 Conceitos acessórios

Em termos de argumentação, faz-se necessário estabelecer alguns conceitos de termos associados a este tipo de raciocínio. Insta definir o que é: verdade, validade e plausibilidade.

O conceito de verdade se distingue em verdade formal e verdade material. O primeiro é sinônimo de validade, enquanto que o último é a adequação entre o que é e o que é dito, a correspondência entre a existência inconteste de um fato e o seu relato. O vernáculo relata verdade como sendo a conformidade com o real, a exatidão, a realidade, a coisa verdadeira ou certa e, ainda, a representação fiel de alguma coisa da natureza.[41] A validade diz respeito, no contexto argumentativo, à necessária implicação das premissas na conclusão. Se as premissas são aceitáveis a conclusão que delas se extrai é válida, independente de ser ou não verdadeira. Por exemplo, é possível considerar a validade do seguinte argumento: “todos os presos são culpados”, “todos os culpados são perigosos” e, portanto, “todos os presos são perigosos”. O argumento é válido, mas suas premissas e sua conclusão não são verdadeiras. O simples fato de aceitarmos argumentos como válidos não quer dizer que concordamos com a veracidade de sua conclusão. [42] Premissas podem receber interpretação falsa ou verdadeira. Argumentos não. Estão sujeitos apenas à validade. Obter uma conclusão verdadeira exige ter premissas verdadeiras, e também válidas.

Por fim, salienta-se que existem determinadas situações que não decorrem da lógica, aqui considerada como formal, mas que nem por isso podem desmerecer tratamento jurídico. Imaginemos a seguinte hipótese: policiais abordam um suspeito, próximo a uma área de venda de drogas; nada encontram de ilícito com o indivíduo, mas, a um metro de distância, acham uma sacola abandonada, com determinada quantidade de substância entorpecente; o suspeito, embora não assuma a propriedade da sacola, se demonstra nervoso, não justificando a presença naquele local. Ora, pela situação apresentada não é possível extrair uma conclusão lógica, que afirme que as premissas “ter posse de drogas é ilícito” e “um homem, sem justificativa, visto perto de uma sacola com drogas a possui” resulta na conclusão “o homem é criminoso”. Assim, percebe-se que, no Direito, a lógica nem sempre funciona. Na situação ilustrada é bastante provável que o suspeito tivesse a posse da droga, o que, corroborado com outros elementos de prova, ensejaria a condenação penal.

É possível e legítima a aplicação do direito com base em raciocínios de plausibilidade, nos quais a situação fática não tem um enquadramento jurídico perfeito, mas cujas evidencias são tão fortes que se torna impossível lhes ignorar sentido jurídico. Em casos como o descrito a utilização de raciocínio lógico, demonstrativo, certeiro, não é possível. Entretanto não se deve descurar da apresentação de elementos que sustentem, de forma sólida, a plausibilidade do que se defende.

4.5 Análise dos argumentos

O principal propósito de um argumento é demonstrar que uma conclusão é provável ou verdadeira. Assim, os argumentos podem ser melhores ou piores, na medida em que realizam ou falham ao executar esse propósito.

Os principais passos para a construção ou análise de bons argumentos são: a) montagem de um formato padrão, obtendo-se destacadamente, e de forma clara, as premissas e a conclusão; b) verificação da estrutura lógica ou validade, observando se a aceitação das premissas implica ou não na conclusão; c) avaliação das premissas, sopesando se são todas aceitáveis, e se conferem suporte suficiente à conclusão; d) identificação de potenciais falácias (as falácias, ou sofismas, são raciocínio enganosos, carentes de lógica ou de aceitação), o que depende do resultado das duas etapas anteriores.

4.6 Qualidade dos argumentos

Existem critérios que podem informar se um argumento é bom ou não, o que interessa sobremaneira à legitimidade da decisão judicial. Uma decisão legítima necessariamente deve oferecer bons argumentos. Quatro critérios principais devem ser averiguados na busca da decisão legítima, portanto alicerçada em bons argumentos, quais sejam: aceitabilidade, suficiência, relevância e refutabilidade.[43]

O critério da aceitabilidade é o mais importante, até porque se identifica com a concepção de democracia, no sentido de se colocar ao alcance do povo as razões da decisão. Consiste o critério na ideia de que as premissas propostas em suporte ao argumento têm que ser aceitáveis. As premissas devem ser consideradas razoáveis tanto para o seu criador quanto para o seu auditório.[44]

Importa ressaltar que aceitável não se confunde com verdadeiro. A verdade é, inclusive, uma característica questionável em argumentação, como já explanado. Assim resta encontrar premissas razoáveis, que possam ser aceitas por não haver nenhuma razão especial para serem rejeitadas. A concordância com a conclusão só pode ser obtida caso o auditório aceite a premissa, daí a importância da aceitabilidade para a adequação da resposta, da conclusão que o argumento encerra. Lógica e aceitabilidade também não se confundem. Têm-se argumentos que são lógicos, mas inaceitáveis. Por exemplo, pode-se dizer que “Maria matou um homem” e que “matar um homem é crime”, logo, “Maria cometeu um crime”. O argumento é lógico, mas inaceitável, pois a segunda premissa nem sempre é aceitável, uma vez que a autora poderia estar agindo em legítima defesa, o que descaracterizaria o crime.

O terceiro critério é o da suficiência. Premissas aceitáveis e relevantes são boas, mas pode ocorrer que não ofereçam sustentação suficiente à conclusão. Para obter suficiência é possível adicionar novas premissas as já existentes, ou ainda, modificar premissas fracas. O quarto e último critério confere excelência ao argumento. Preza pela adoção de premissas que consigam refutar, invalidar, argumentos que possam levam à conclusão do oposto ao que propusemos. A refutabilidade é conquistada quando as premissas constituem conclusão válida e razoável de outro argumento.


5 CONCLUSÃO

O direito não é lugar do irracional, como também não é do racionalismo científico. As estruturas dedutivas, oriundas de um modelo kelseniano de direito puro, e as fórmulas deônticas não conseguem explicar a linguagem real do direito, nem a tomada de decisão. O lugar do direito é o do razoável, suscitado por uma dialética equilibrada entre formalismo e pragmatismo, entre legislador e juiz. A solução ou resposta adequada a determinado conflito, nasce da adaptação do estatismo da prescrição legal ao dinamismo da decisão judiciária.

Essa adaptação decorre da necessidade de se aplicar prescrições gerais e abstratas a situações específicas e reais. Entre a planificação de condutas (normas) e a solução efetiva de conflitos (decisão) se encontra um espaço de contornos bastante complexos, influenciado pelo contexto social. A questão de como aplicar o direito ao caso concreto não encontra resposta certeira, inequívoca, inquestionável. Não é possível afirmar um critério definitivo e universal para esta indagação. Porém, é permitido afirmar que os fatos, as leis lato sensu e mesmo os conceitos de Direito, em geral maleáveis ou de conteúdo variável, se curvam ante a argumentação jurídica.

A doutrina, especialmente com a teoria da argumentação, revela uma investigação prática de padrões lógicos para a tomada de decisão e para a configuração dos conflitos. À luz da teoria da argumentação, o Direito, em sua aplicação jurisdicional contenciosa, não se exaure num ato puramente técnico, neutro e mecânico, como também não se esgota no racional nem prescinde de valorações e de estimativas. O Direito se forma com a implicação e exigência recíproca dos fatos, dos valores e das normas.

Em um Estado Democrático de Direito não é possível ficar indiferente às razões pelas quais ou ao modo através do qual um juiz toma suas decisões. A necessidade de fundamentação eficiente, desse modo, tanto interna quanto externa, assume status jurídico constitucional. Ante tal relevo conferido à necessidade de fundamentação, não se pode admitir que a simples menção das premissas, normativas e fáticas, cumpra a exigência de fundamentação das decisões judiciais.

A adoção, pelo magistrado, de argumentos fortes e razoáveis nas decisões judiciais que profere, construídos através de raciocínios lógico-jurídicos, não é o único passo a ser dado rumo ao constante aperfeiçoamento da democracia. No entanto, é um dos mais importantes, sensivelmente no âmbito do Judiciário, pois permite o controle de eventuais arbitrariedades, facilitando a organização metódica de uma comunicação clara e efetiva, voltada para a aprendizagem, para a persuasão e para o convencimento, especialmente em tempos de instantaneidade e grande alcance das comunicações. Daí a relevância e atualidade do tema.

Sobre o autor
Rafael Ribeiro Alves Júnior

Especialista em Direito Público pelo programa de Pós-Graduação lato sensu Universidade Gama Filho. Especialista em Direito Tributário pelo programa de Pós-Graduação lato sensu Faculdade Anhanguera-Uniderp. Analista Judiciário do Tribunal Regional Federal da Quarta Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JÚNIOR, Rafael Ribeiro. A lógica e a argumentação jurídicas como fatores de controle e legitimação das decisões judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4354, 3 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39670. Acesso em: 5 nov. 2024.

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