Com o advento da Lei 13.104 de 9 de março de 2015, o art. 121, § 2°, do Código Penal passou a ter o inciso VI que trata do Feminicídio:
Art. 121. Matar alguém:
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
E o que é o Feminicídio? É o homicídio doloso (consumado ou tentado) qualificado praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino.
Para que possamos entender bem o que o novo dispositivo tem a dizer temos que, antes de qualquer coisa, atentar para o que o legislador quis estabelecer com “razões da condição do sexo feminino”.
O art. 121, § 2°-A, do Código Penal estabelece duas situações de “condição do sexo feminino”. Vamos a elas:
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
I - violência doméstica e familiar; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
Para a aplicação desta nova lei, quando o legislador fala em violência doméstica e familiar, temos que buscar a explicação no art. 5° da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06).
Sendo assim, a Lei Maria da Penha, em seu art. 5°, incisos I, II e III, estabelece que:
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015)
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Pois bem, dessa forma podemos concluir que, se o agente ativo comete um homicídio consumado ou tentado na forma dolosa (quando tem a vontade e consciência de produzir o resultado) contra a mulher em uma das situações previstas nos incisos acima, incorre no crime de Feminicídio.
A grosso modo, podemos afirmar, então, que, de acordo com o inciso I do dispositivo, o Feminicídio ocorre por “relações de proximidade”.
Muito importante ressaltar que não é só o homem que pode ser o sujeito ativo do crime aqui estudado, pois a mulher também pode cometer um Feminicídio se incorrer nas hipóteses dos incisos I e II do art, 121, VI, § 2-A.
Sendo assim, o Feminicídio pode ser cometido pelo marido, ex-marido, esposa, ex-esposa, companheiro(a), ex-companheiro(a), pai, mãe, sogro(a), enteado(a), irmão(a) (inclusive a (o) de criação), namorado(a), ex-namorado(a)...
E a condição do transexual, como fica? Basicamente, há dois entendimentos:
a) não há Feminicídio contra transexual, pois é geneticamente homem (conceito biológico);
b) adota-se o “conceito jurídico”, pois, se a Justiça autorizou a modificação do documento, pode ser vítima de Feminicídio.
Ainda que pese inúmeras discussões acerca do tema, prevalece o segundo entendimento na corrente majoritária.
Já o inciso II trata do menosprezo ou discriminação à condição da mulher. Aqui o Feminicídio ocorre com a morte (ou sua tentativa) da mulher por ela ser mulher.
Trata-se de um atentado contra a vida da mulher causada por, supostamente, possuir uma condição inferior; por pertencer ao gênero feminino.
É a colocar em prática a teoria da famosa (e nefasta) frase: “só podia ser mulher mesmo”.
Então temos que tomar cuidado quando ouvirmos por ai que matar mulher é Feminicídio. Nem sempre.
Por exemplo, se há a morte de uma mulher, ainda que por um homem, numa briga originada de um desentendimento no trânsito, temos um crime de homicídio qualificado por motivo fútil (artigo 121, § 2º., II,CP) e não o Feminicídio, previsto no artigo 121, § 2º., VI, CP. Ou seja, não é todo homicídio de mulher que configura um Feminicídio, mas apenas aqueles em que se revele a chamada “violência de gênero”.
Muito importante esclarecer que os requisitos dos inciso I e II do § 2°-A são alternativos e não cumulativos, ou seja, basta a incidência de um deles no caso concreto para que o crime seja tipificado.
Um ponto que merece atenção e também deve ser observado neste crime, são as causas de aumento de pena que nele incidem. Vejamos o § 7° do art. 121 do Código Penal:
§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima. (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
O dispositivo é bem esclarecedor em sua redação e não demanda maiores explicações para seu entendimento.
Incontestável que o novo tipo penal criado é mais uma forma de combate à violência contra a mulher, inclusive tendo sido incluído no rol dos crimes hediondos (Lei 8.072/90), porém, enquanto precisarmos criar mais leis para o autocontrole coletivo, estaremos reconhecendo que ainda não estamos prontos para uma evolução social e humana, pois de nada adiantará alterar a legislação se o ser humano permanecer o mesmo.