INTRODUÇÃO
Não é segredo que a corrupção em nosso país é algo enraizado a cultura, desde a molhada de mão para escapar de uma multa de transito até desvios milionários do dinheiro público. Mas afinal, o que significa corrupção? “A palavra corrupção deriva do latim corruptus que, numa primeira acepção, significa quebrado em pedaços e numa segunda acepção, apodrecido, pútrido.”
Segundo a ONG Transparência Internacional, em uma avaliação feita em dezembro de 2011, o Brasil ficou com um índice de 3,8, em uma escala de 0 a 10, onde quanto mais perto de 10, menos corrupto é o país, ocupando o 73º lugar entre 183 avaliados.
Onde o escândalo do mensalão entra nesse bolo de corrupção? Segundo uma reportagem sobre os 10 maiores escândalos de corrupção no Brasil, o mensalão é o 9º caso conhecido de corrupção que mais desviou dinheiro, estima-se a quantia de R$55 milhões, mas pode ter sido muito maior. O primeiro lugar ficou com o Escândalo do Banestado onde foi apurado um desvio de R$42 bilhões.
Perto de outros diversos casos vemos que o mensalão não chegou nem perto de ser o que mais prejudicou as finanças publicas. O que houve de diferente neste escândalo que o fez ser considerado por alguns o maior da historia do Brasil? A cientista política e historiadora Maria Celina d’Araújo explica. "Há casos individuais de corrupção. Agora, com um partido que está no governo foi um fato único. Não estou dizendo que outros partidos não tenham seus esquemas. Mas o caso do mensalão tem como característica que as denúncias envolvem um partido. Foi feito de forma sistemática."
É fato que o mensalão se tornou um divisor de aguas para a politica de combate a corrupção brasileira. Trata-se de uma nova era para a sociedade que vem apoiando as atitudes do Judiciário. Segundo o historiador Daniel Aarão Reis Filho, "a questão é que ‘nunca antes neste País’ se investigou e se apurou como agora. O que evidencia um amadurecimento democrático da sociedade, que resiste cada vez mais à corrupção, e também o aperfeiçoamento das instituições”.
Neste trabalho vamos focar nas ferramentas que o judiciário possui para tratar com imparcialidade e chegar à justiça garantindo todos os direitos e deveres do processado, pontos de suma importância em um caso como o mensalão onde a pressão da população sobre as decisões dos magistrados é extremamente grande.
Tendo em vista que os casos de corrupção noticiados pela grande mídia são praticados por ocupantes de altos cargos dentro dos três poderes, é gerada uma grande polemica ao redor do foro por prerrogativa de função, o certo seria elimina-lo do ordenamento jurídico? Ou quem sabe alterar a forma como é praticado?
Temos ainda o principio do juiz natural como aliado no combate aos corruptos. Este serve apenas para coibir os tribunais de exceção ou também se faz presente para que a determinação de competência seja respeitada? O principio do juiz natural é essencial para a garantia de que o juiz competente será completamente imparcial durante todo o processo até a sentença.
O ultimo tópico a ser enfocado é a logica formal utilizada pelo acusador publico. A logica formal se ocupa de analisar e demonstrar os fatos de forma adequada e de acordo com o oficio daquele que a utiliza.
Explicitado o objetivo dessa dissertação, veremos a seguir as relações que os três tópicos citados tem com a ação penal 471, também conhecida como o julgamento do “mensalão”, e a importância para o devido processo legal.
FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO
Algumas pessoas, tendo em vista a importância do cargo público que ocupam, são julgadas e processadas criminalmente por órgãos jurisdicionais superiores, distintos do foro comum previsto aos cidadãos em geral. Há pessoas que exercem cargos de especial relevância no Estado e, em atenção a esses cargos ou funções que exercem no cenário político-jurídico da nossa Pátria, gozam elas de foro especial, isto é, não serão processadas e julgadas como qualquer do povo, pelos órgãos comuns, mas, pelos órgãos superiores, de instância mais elevada. Nesse exercício jurisdicional levado a termo por órgãos diferenciados, relevando-se o cargo ou a função pública da pessoa, é que se verifica a competência pela prerrogativa de função (art. 69, VII, CPP).
Visa proteger o cargo ocupado pelo indivíduo (não o próprio indivíduo); preservar a independência do agente político, no exercício de sua função, e garantir o princípio da hierarquia, não podendo ser tratado como se fosse um simples privilégio estabelecido em razão da pessoa. Há regra de conexão, que não é absoluta (ex.: julgamento do mensalão). A classificação para definir tais julgamentos consta na lei, sendo que indivíduos que ocupem cargos públicos de abrangência pública serão julgados, por assim dizer, de forma mais “severa” – não é um privilégio como algo bom. O foro por prerrogativa de função é absolutamente legítimo e está presente na CF (ex.: art. 102; 105), ou, pode também pode estar estabelecido em outro ordenamento da lei que não seja a CF.
Não se trata de um privilégio concedido à pessoa, pois isso seria contrário ao princípio da igualdade expressamente contido no caput do artigo 5° da Constituição Federal, mas de uma prerrogativa que decorre da relevância e da importância do cargo ou da função que a pessoa ocupa ou exerce.
Convém frisar, portanto, a distinção entre privilégio, que decorre de benefício à pessoa, e prerrogativa, que se alicerça na função ou no cargo que a pessoa exerce ou ocupa. No primeiro, há ofensa ao texto constitucional, no segundo, não.
As hipóteses de foro especial previstas na Constituição Federal estão separadas de acordo com os órgãos constantes na estrutura do Poder Judiciário.
Assim, pela ordem, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, “nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República (art. 102, I, b, CF/88) e “nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente” (art. 102, I, c, CF/88).
Ao Superior Tribunal de Justiça compete processar e julgar, originariamente, nos termos do art. 105, I, a, da CF:
“nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.”
Nos casos de competência por prerrogativa de função o local onde o delito foi cometido não é relevante, sendo sempre ressalvada a competência originária dos órgãos jurisdicionais. Infere-se, portanto, que se um Promotor de Justiça do Distrito Federal, por exemplo, for acusado de um crime praticado em São Paulo, deverá ser processado e julgado perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, e não perante o do locus delicti commissi. De igual forma, se um Procurador da República ou um Juiz Federal, em exercício no TRF da 1ª Região, cometer um crime em São Paulo, não responderá perante o TRF da 3ª Região, mas perante o de 1ª Região, com sede e jurisdição em Brasília.
Com bastante proficiência, Mirabete ressalta que “os dispositivos constitucionais sobre prerrogativa de função, alteraram, evidentemente, os artigos 86 e 87 do Código de Processo Penal com relação à competência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação (de Justiça, de Alçada), além de acrescentar hipóteses de competência de nova Corte, o Superior Tribunal de Justiça”.
Como a competência por prerrogativa de função relaciona-se diretamente ao cargo ou função que a pessoa ocupe ou exerça, parece óbvio afirmar que a mesma não se estende aos delitos perpetrados após a cessação definitiva do exercício funcional, conforme apregoa a Súmula 451 do STF, porém, em casos como o do “mensalão” quando há a ocorrência da conexão entre as ações, vê-se necessário o julgamento em órgão superior resguardando primeiramente a segurança do julgamento conforme estipula a lei.
Tal foro obedece à regra do Juiz Natural (constitucional), diferentemente dos tribunais de exceção, que são considerados inconstitucionais.
Artigo explicativo da questão:
STF rejeita pedido para desmembramento do processo do mensalão
Na primeira sessão de julgamento da Ação Penal 470, conhecida como mensalão, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitaram pedido dos advogados para que o processo fosse desmembrado e que somente os réus que possuem foro por prerrogativa de função fossem julgados pela Suprema Corte.
Os réus com prerrogativa de função que, pela lei, devem ser julgados pelo STF são aqueles que ocupam cargos de ministros, deputados federais, senadores e o presidente da República. No caso do mensalão, apenas três réus continuam exercendo cargos que obriguem o processo a permanecer no Supremo: os deputados federais João Paulo Cunha, Pedro Henry e Valdemar Costa Neto . Por isso, os advogados dos outros alegam que o processo deveria ser desmembrado para que os demais réus fossem julgados por juízes da primeira instância, o que permitiria que eles recorressem a tribunais superiores em caso de decisão desfavorável.
Durante a sessão, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, manifestou-se pelo não acolhimento do pedido, que foi negado por nove dos onze ministros. Ele ressaltou que a questão já foi discutida várias vezes pelo Supremo e que em todas as ocasiões a Corte entendeu não haver ofensa à competência do STF para julgar qualquer dos réus da AP 470.
Os ministros alegaram que não poderia ocorrer o desmembramento porque a acusação é de que há coautoria dos réus sem foro e que se eles fossem julgados na primeira instância, por diversos juízes, os crimes acabariam prescrevendo (quando vence o prazo para o réu ser punido).
PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL
O Princípio do Juiz natural é a entidade do poder judiciário que já está previamente definida na norma para julgar o caso, antes do fato em litígio ocorrer e está disposto na Constituição Federal, no art. 5º, inciso LIII e nas Leis de Organização Judiciária (competências) e CPP, aonde diz que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. Portanto, estabelece o direito do réu de ser julgado por um juiz previamente determinado por lei e pelas normas constitucionais, acarretando, por consequência, um julgamento imparcial, pois o indivíduo é julgado pelo seu juiz natural, que é o juiz legal, independente, imparcial, que não se curva senão à sua ciência e à sua consciência. Sobre o tema, STF: “O princípio do juiz natural reveste-se, em sua projeção político-jurídica, de dupla função instrumental, pois, enquanto garantia indisponível, tem por titular qualquer pessoa exposta, em juízo criminal, à ação persecutória do Estado, e, enquanto limitação insuperável, incide sobre órgãos do poder incumbidos de promover, judicialmente, a repressão criminal. Vê-se, desse modo, que o postulado de naturalidade do juízo, ao qualificar-se como prerrogativa individual (ex parte subjecti), tem por destinatário específico o réu, erigindo-se, em consequência, como direito público subjetivo inteiramente oponível ao próprio Estado. Esse mesmo princípio, contudo, se analisado em perspectiva diversa, ex parte principis, atua como fator de inquestionável restrição ao poder de persecução penal, submetendo, o Estado, a múltiplas limitações inibitórias de suas prerrogativas institucionais” (HC 79.865-9-RS, 2º T., rel. Celso de Mello, 14.03.2000, v.u.).
Princípio do Juiz Natural e o caso do Mensalão
No caso estudado, o caso do “Mensalão”, o juiz natural é o Supremo Tribunal Federal, por conta da prerrogativa de foro de alguns réus, no nosso ordenamento estão dispostos algumas prerrogativas de juiz natural para algumas funções, como já explicada no tópico anterior. Dessa maneira, os deputados federais como réus terão como Juiz Natural o Supremo Tribunal Federal, respeitando o princípio do juiz natural, pois essa prerrogativa está disposta no nosso ordenamento, no art. 102 da Constituição Federal que expõe no inciso I, alínea “a” que compete o STF processar e julgar, originariamente “nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice‑Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o Procurador‑Geral da República;”.
Entretanto, nesse caso não há somente membros do Congresso Nacional, também há indivíduos com outras funções, contudo, por conta da natureza dos crimes, como por exemplo, os crimes de quadrilha e lavagem de dinheiro, fazem com que haja por questão de coerência lógica e justa um julgamento num único processo, pois a conexão atrai para um único julgamento, não sendo possível o julgamento dos deputados federais no Supremo Tribunal Federal e os demais réus na primeira instância.
LÓGICA FORMAL UTILIZADA PELO ACUSADOR PÚBLICO
No processo penal, cabe ao acusador, publico ou privado, apresentar sua denuncia/queixa-crime para o inicio da ação penal. Cabe a ele também a apresentação de fatos e provas para a comprovação da veracidade das suas alegações e que elas estejam tipificadas como crime em nosso ordenamento para que assim o órgão julgador possa deferir a procedência da ação, condenando o réu, após o mesmo tiver apresentado defesa e está não afastar as alegações iniciais.
Entretanto, estes fatos e provas trazidos pelo acusador não podem, por si só, comprovar a total culpa do réu - eles podem trazer apenas indícios (sejam explícitos ou implícitos), podem gerar contradições ao ser confrontados com outros fatos e provas ou simplesmente podem não convencer aquele responsável por condenar (juiz, tribunal ou júri, por exemplo), sendo que é nesse momento que surge a importância da logica no Direito, em especial a logica formal, como a arte de organizar e aplicar pensamentos de uma forma correta para a procura e a demonstração da verdade – Verdade essa que é a principal busca do Direito Processual Penal.
No caso do mensalão, todo este processo não foi diferente, cabendo ao Procurador-Geral da Republica apresentar denuncia contra todos aqueles que ele acreditava envolvidos no caso, se baseando em depoimentos, quebras de sigilos bancários e telefônicos, documentos e se usando da logica formal para explicar a relação destas provas com os envolvidos e os fatos além de demonstrar qual a razão e o motivo das atitudes dos mesmos. Com a conexão de todos esses elementos, o acusador buscou o convencimento dos julgadores.
Antes de analisar a logica no caso em si, é recomendável uma breve explicação do que é logica formal em si e como se utilizar da mesma.
Lógica vem do grego “Logos” que significa “palavra”, “expressão”, “pensamento”, “conceito”, “razão”. Para Aristóteles é a ciência da demonstração, é mostrar uma verdade a partir da observação de regras, portanto, podendo ser definida como a ciência da conseqüência e da verdade da argumentação. Ela sempre foi de grande importância no Direito, afinal é no convencimento que advogados e promotores buscam a aceitação de suas teses além de decisões judiciais que necessitam de motivação.
Ela é dividida entre “Logica Material” e “Lógica Formal”. Enquanto a primeira é o conjunto de regras que devemos seguir para ordenar bem a matéria dos atos de inteligência, a fim de obter um conhecimento verdadeiramente científico que nos permita chegar à verdade, a Logica formal, por sua vez, estuda as formas do pensamento no que estas tenham de geral e de comum, se baseando em argumentos, premissas e conclusões.
Na Logica formal, aquele que a utiliza cria argumentos para que se demonstre uma verdade, estes argumentos possuem premissas e da observância da relação das premissas se chega a uma conclusão. Se a conclusão estiver correta, logo, o pensamento e os argumentos também estarão, porém, se a conclusão estiver errada haverá um caso de falácia, que são argumentos logicamente errados.
A argumentação, por sua vez, é dividida entre dedução, indução, silogismo e analogia.
Na dedução, há uma proposição geral, um principio, uma verdade indubitável e a partir da mesma se chega a uma proposição especifica.
Já a indução trata-se de se analisar proposições especificas distintas e das suas semelhanças e particularidades extrair uma regra geral para que possa definir uma proposição geral.
O silogismo, por sua vez, é a conclusão resultante de um antecedente que liga dois termos distintos, surgindo a proposição.
Por fim, a analogia é um raciocínio baseado nas relações de semelhança entre duas proposições.
O acusador, ao entender que haja o mínimo de indícios do acontecimento do ilícito e da responsabilidade daqueles que o cometeram, poderá propor ação penal, antes mesmo do fim das investigações policiais. Foi esta a posição tomada pelo Procurador-Geral da República Fernando Gurgel, e acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, em face dos acusados de desvio de verbas publicas para campanhas politicas, políticos, funcionários públicos e empresários no chamado “Mensalão”.
Na denuncia, o acusador se utiliza principalmente de induções ao reunir diferentes provas para demonstrar a veracidade da existência da quadrilha e que esta agia através de um único e complexo esquema criminoso, embora também se encontre os outros tipos de argumentos.
Para ele, parlamentares recebiam ganhos mensais ou cargos públicos para apoiarem o Governo, sendo este esquema dirigido pelo ministro do casa civil na época e por um empresário do setor de publicidade e beneficiário de contas de publicidade governamental. O dinheiro arrecadado era então, lavado ou remetido ao exterior, tudo com a ajuda de empresário ou órgãos públicos com influencia dos denunciados – todas estas acusações estão muito bem fundamentadas na denuncia, a começar pelas alegações que integrantes do esquema deram em sessões de CPI’s ou veículos da mídia, pelos documentos obtidos através da quebra de sigilos bancários e pela investigação que deu origem a própria denuncia além do cruzamento com contas e documentos públicos, todas incluindo valores, datas e outros detalhes essenciais para a comprovação destas acusações.
Após a apresentação dos fatos e das provas, o acusador passa a juntar todos a fim de mostrar como era a organização da quadrilha, como ela operava, qual era o papel de cada envolvido e qual era a sua relação com os outros acusados além das razões de todas essas ações.
Com todo o exposto, fica clara a logica formal empregada pelo acusador público que, apesar de ter oferecido denuncia antes da conclusão das investigações, procurou não apenas persuadir os julgadores (no caso, os ministros do STF) com indícios de irregularidades (embora eles bastem para o inicio da ação penal) e argumentos emotivos inflamados pela mídia (que podem acabar em falácia), mas sim buscou a verdade real dos fatos, detalhando cada acontecimento e imputando a cada um o seu delito. Esta conexão entre os acontecimentos e a acusação foi fundamentada com inúmeras provas, tudo para que o seu ponto de vista seja aceito como verdadeiro.
EMENTA DA DENÚNCIA NO INQUÉRITO nº 2245
Nos últimos meses, o Supremo Tribunal Federal, esteve mais do que nunca sob os holofotes da mídia e por consequência, da população brasileira. O julgamento da ação penal nº 470, trata de um dos maiores escândalos já vistos na politica nacional.
O caso ocorreu durante o governo do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e foi divulgada ao publico em 14 de maio de 2005 através de uma gravação na qual o ex-chefe do DECAM/ECT, Mauricio Marinho, pedia e recebia vantagem para beneficiar, de forma ilícita, um empresário, na verdade o “empresário” era o advogado Joel Santos Filho que realizou a gravação com a intenção de denunciar o crime.
Em 06 de junho de 2005, o ex-deputado federal Roberto Jefferson deu detalhes a respeito de um esquema de corrupção de parlamentares que recebiam quantias em dinheiro em troca de apoio politico ao Governo e ao Partido dos Trabalhadores com a finalidade de garantir o poder adquirido em 2002 e custear futuras campanhas eleitorais.
As provas evidenciam os crimes de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, corrupção e evasão de divisas.
Foram aceitos 40 nomes como réus, um destes faleceu e outro fez acordo e deixou de ser réu, o julgamento teve inicio com 38 réus, entre estes estavam parlamentares, empresários e bancários. Os principais nomes da denuncia são Marcos Valério, Jose Genoíno Neto, José Dirceu, Silvio Pereira e Delúbio Soares.
Marcos Valério aproxima-se do núcleo da organização (formado por Jose Genoíno Neto, José Dirceu, Silvio Pereira e Delúbio Soares) para oferecer auxilio em troca de vantagens patrimoniais no Governo Federal.
O esquema criminoso em tela consistia na transferência periódica de vultosas quantias das contas titularizadas pelo denunciado Marcos Valério e por seus sócios Ramon, Cristiano e Rogério, e principalmente pelas empresas DNA Propaganda Ltda. e SMP&B Comunicação Ltda., para parlamentares, diretamente ou por interpostas pessoas, e pessoas físicas e jurídicas indicadas pelo Tesoureiro do PT, Delúbio Soares, sem qualquer contabilização por parte dos responsáveis pelo repasse ou pelos beneficiários. Os dados coligidos pela CPMI “dos Correios” e no presente inquérito, inclusive com base em declarações espontâneas do próprio Marcos Valério, demonstram que, no mínimo, R$55 milhões, repassados pelos Bancos Rural e BMG, foram entregues à administração do grupo de Marcos Valério, sob o fundamento de pseudos empréstimos ao publicitário, empresas e sócios, e foram efetivamente utilizados nessa engrenagem de pagamento de dívidas de partido, compra de apoio político e enriquecimento de agentes públicos. Também foram repassados diretamente pelos Bancos Rural e BMG vultosas quantias ao Partido dos Trabalhadores, comandado formal e materialmente pelo núcleo central da quadrilha, sob o falso manto de empréstimos bancários.
Os dirigentes do Banco Rural (José Augusto Dumont (falecido), Vinícius Samarane, Ayanna Tenório, José Roberto Salgado e Kátia Rabello) estruturaram um sofisticado mecanismo de branqueamento de capitais que foi utilizado de forma eficiente pelo núcleo Marcos Valério (Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias).
Alguns beneficiários apenas foram identificados porque, valendo-se do elemento surpresa, a Polícia Federal efetuou busca e apreensão nas agências do Banco Rural, logrando apreender documentos internos, não oficiais (fac-símiles e e-mails), com indicação das pessoas que efetivamente receberam os valores sacados por meio de cheques endossados pelos próprios emitentes.
Para a implementação dos repasses de dinheiro, Marcos Valério era informado, por Delúbio Soares, do destinatário e do respectivo montante. A partir daí, o próprio Marcos Valério, Simone Vasconcelos ou Geiza Dias entravam em contato com o beneficiário da quantia. Com o objetivo de não deixar qualquer rastro da sua participação, esses beneficiários indicavam um terceiro, apresentando o seu nome e qualificação para o recebimento dos valores em espécie.
As apurações desenvolvidas no âmbito do presente inquérito, envolvendo a análise de documentação bancária e dos processos e procedimentos internos das instituições financeiras, especialmente sob o enfoque dos supostos empréstimos às empresas do grupo de Marcos Valério e ao Partido dos Trabalhadores, descortinaram uma série de ilicitudes que evidenciam que o Banco Rural foi gerido de forma fraudulenta.
No primeiro momento, os repasses foram viabilizados pelo esquema de lavagem de dinheiro engendrado pelo Banco Rural. Com efeito, em fevereiro de 2003, a denunciada Zilmar Fernandes sacou três parcelas de R$ 300.000,00 em espécie na agência do Banco Rural em São Paulo208. Posteriormente (abril de 2003) e adotando idêntico procedimento, recebeu em espécie duas parcelas de R$ 250.000,00. Entretanto, buscando sofisticar a forma de pagamento para evitar qualquer registro formal, ainda que rudimentar, das operações, os denunciados Zilmar Fernandes e Duda Mendonça informaram ao núcleo publicitário-financeiro que o restante dos repasses deveria ser efetuado no exterior na conta titularizada pela offshore DUSSELDORF COMPANY LTD.
As apurações realizadas no exterior demonstraram que o publicitário e sua sócia são acostumados a remeter dinheiro não declarado para contas mantidas em paraísos fiscais.
Essa operação trouxe a tona o lado mais obscuro da politica brasileira. Pela primeira vez a corrupção tinha como objetivo fortalecer o poder de um partido e não enriquecer um individual, graças a isso o escândalo do mensalão é conhecido como o maior caso de corrupção da historia brasileira.
Ação Penal – Corrupção de agentes públicos – Enriquecimento ilícito – Loteamento de cargos públicos e distribuição de uma ‘’mesada’’ aos parlamentares, configurando o escândalo MENSALÃO – Compra de votos – Corrupção e Lavagem de dinheiro – Desvio de erário – Esquemas de evasão de dívidas e sonegação fiscal – Off shores – Paraíso Fiscal – Formação de quadrilha – Aplicação dos artigos 288 e 299 do Código Penal - Peculato – Corrupção ativa – Gestão Fraudulenta – Utilização do dinheiro público para custear campanhas eleitorais milionárias – Falsidade Ideológica – Desvio de Recursos Públicos – Câmara dos Deputados – Aplicação do artigo 317, 312 e 333 do CP – Transferência de recursos do Banco do Brasil para a Empresa DNA propaganda LTDA por meio da Companhia Brasileira de meios de pagamento VISANET – Gestão Fraudulenta de Instituição Financeira ; Artigo 4º da Lei nº 7.492/86 – Partido Progressista (PP) – Partido trabalhista Brasileiro – Partido movimento democrático brasileiro (PMDB).
CONCLUSÃO
O julgamento da Ação Penal 470, diariamente noticiado pela mídia em jornais por todo o território nacional, estabeleceu parâmetros de importância transcendental para o Direito e para o país.
Temos que, a sociedade brasileira tem em mãos um belo regulamento a seguir daqui por diante, até porque a decisão do STF abriu precedente perigoso a políticos interessados em colocar seus interesses pessoais acima do bem público. Se antes a certeza da impunidade era visível e risível, hoje é possível sonhar com um país mais justo quando o assunto é o chamado crime do colarinho branco.
Certo é que agora, talvez porque o próprio Supremo Tribunal Federal incumbiu-se da investigação (princípio do foro por prerrogativa de função), não tendo quem lhe opusesse qualquer censura, tivemos a oportunidade de presenciar um momento histórico no Brasil: não apenas o fato de um julgamento, finalmente, chegar ao seu termo com a superação de todas as armadilhas e óbices de índole formal; não apenas o fato de um julgamento avaliar o mérito e condenar os investigados; mas, sobretudo, o momento de se ver mandatários do povo brasileiro; como bem disse o ministro Celso de Mello, “não políticos corruptos, mas corruptos políticos”, responderem cabalmente por suas ações de modo eficiente e nos conformes da lei.
Nesse mesmo caminho, o Supremo, mais uma vez – já o tinha feito, em alguma medida, por ocasião do julgamento da Lei da Ficha Limpa – enalteceu o conceito de Democracia. Afinal, a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito: todo o Poder vem do Povo e é exercido em seu favor, devendo as leis ser editadas conforme o princípio democrático e não conforme o interesse de uma minoria elitizada.
E, diante de todo o exposto, repontou-se um marco divisor: o Supremo reconciliou-se com o conceito seminal de República e fez por merecer o reconhecimento de ser o mais alto Tribunal do país, porque a ele cabe, mais do que a ninguém, defender as garantias e princípios da Constituição. Neste julgamento, é certo que o fez magistralmente. Fez, a um só tempo, Justiça e História.
De qualquer forma, o mensalão deixa ensinamentos profundos ao cidadão, desde que este esteja disposto a aprender a importância em fiscalizar os políticos e, especialmente, suas ações enquanto ocupantes de cargos públicos.
O caso do mensalão foi importante também para aproximar os ministros do STF da sociedade. Se antes estes senhores e senhoras eram vistos quase como seres de outros planetas, hoje se mostram seres humanos, falíveis, mas ainda assim capazes de sacudir com as estruturas do país por inteiro. O mensalão tem data e hora para acabar, entretanto, o processo de maturidade democrático brasileiro está apenas começando.
BIBLIOGRAFIA
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 11. ed. Revista dos Tribunais, 2012.
PERELMAN, Chaim. A Lógica Jurídica.
POLTRONIERI, Renato. Lições Preliminares de Lógica Formal e Jurídica.