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A prisão preventiva à luz da doutrina e da jurisprudência

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Agenda 11/11/2017 às 15:00

Os requisitos da prisão preventiva se dividem em pressupostos, fundamentos e condições de admissibilidade. Neste trabalho abordamos todos esses aspectos, coalescendo posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais.

A prisão preventiva, instituto do processo penal, pode ser conceituada como uma medida cautelar[1], típica (com previsão expressa), pessoal (incide sobre a pessoa), privativa de liberdade (acarreta o cerceamento da liberdade de locomoção), e excepcional, pois somente deve ser utilizada quando imprescindível à finalidade a que se destina. É medida facultativa que pode ser decretada por decisão judicial fundamentada[2]-[3], de acordo com a presença dos requisitos legais[4]. Ainda, referimos, trata-se de medida agressiva (limita o direito fundamental individual à liberdade), e subsidiária, pois somente deve ser utilizada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar não restritiva da liberdade[5].

É medida decretável pela autoridade judiciária, de ofício ou mediante provocação, em qualquer fase do inquérito policial ou do processo penal, e consiste no encarceramento antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, quando devidamente preenchidos os requisitos legais[6] e restando evidenciada sua necessidade, adequação e proporcionalidade[7].

A decisão judicial que decreta prisão preventiva rege-se pelo princípio geral rebus sic stantibus (locução latina que pode ser traduzida como "estando assim as coisas"), o que significa que pode ser revogada e decretada novamente, tantas vezes quanto for necessário, de acordo com a situação fática apresentada[8].

A prisão preventiva, como qualquer outra medida cautelar pessoal, não pode (e não deve) ter um caráter de satisfatividade, ou seja, não pode se transformar em antecipação da tutela penal ou execução provisória da pena[9]. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que “a prisão preventiva, enquanto medida de natureza cautelar, não tem por objetivo infligir punição antecipada ao indiciado ou ao réu”. No mesmo acórdão, os ministros enfatizaram que “a prisão preventiva, que não deve ser confundida com a prisão penal, não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal”.[10]

Em virtude dos reflexos da sua decretação, tanto para o indivíduo quanto para o procedimento, o tema “prisão preventiva” é um dos mais decididos pelo Supremo Tribunal Federal. Nessa esteira, cumpre enfatizar trechos do HC 127.186, onde são invocados mais de 50 acórdãos, sintetizando o entendimento daquele Tribunal sobre o assunto[11]. Nesse julgado, o STF esclarece que:

A prisão preventiva supõe prova da existência do crime (materialidade) e indício suficiente de autoria; todavia, por mais grave que seja o ilícito apurado e por mais robusta que seja a prova de autoria, esses pressupostos, por si sós, são insuficientes para justificar o encarceramento preventivo (...). A tais requisitos deverá vir agregado, necessariamente, pelo menos mais um dos seguintes fundamentos, indicativos da razão determinante da medida cautelar: a) a garantia da ordem pública; b) a garantia da ordem econômica; c) a conveniência da instrução criminal ou; d) a segurança da aplicação da lei penal.

No mesmo julgado, ainda, os ministros salientaram que “essa medida cautelar somente se legitima em situações em que ela for o único meio eficiente para preservar os valores jurídicos que a lei penal visa a proteger, segundo o art. 312 do Código de Processo Penal. Ou seja, é indispensável ficar demonstrado que nenhuma das medidas alternativas indicadas no art. 319 da lei processual penal tem aptidão para, no caso concreto, atender eficazmente aos mesmos fins, nos termos do art. 282, § 6°, do Código de Processo Penal”.

Feitas essas considerações preliminares sobre o instituto em comento, passaremos agora a realizar uma análise profícua e detalhada dos seus requisitos[12], cuja compreensão é indispensável à sua correta aplicação – em harmonia com as diretrizes constitucionais e com o sistema internacional de Direitos Humanos –, à luz da doutrina e da jurisprudência nacional, buscando, assim, evitar a sua banalização. Por se tratar de um instituto que restringe a liberdade, a sua aplicação deve ser manejada com extrema técnica e cautela, pois, como bem escreveu Streck[13], “o direito não pode ser produto de desejos, paixões ou ideologias”.

A decretação da prisão preventiva exige a presença de pressupostos (fumus comissi delicti) que são cumulativos, consistentes na prova da materialidade do crime e indícios suficientes da autoria.

A prova da materialidade é a certeza da ocorrência da infração penal. Geralmente é demonstrada por meio do exame de corpo de delito quando se tratar de crime não transeunte, que são aqueles que deixam vestígios. Se tratar-se de crime que não deixar vestígio (transeunte) ou estes tiverem desaparecido, a prova testemunhal pode suprir a sua falta, nos termos do artigo 167 do Código de Processo Penal[14]. Conforme lembra Nucci[15]:

Essa prova, no entanto, não precisa ser feita, mormente na fase probatória, de modo definitivo e fundada em laudos periciais. Admite-se que haja a certeza da morte de alguém (no caso de homicídio, por exemplo), porque as testemunhas ouvidas no inquérito assim afirmaram, bem como houve a juntada da certidão de óbito nos autos.

Os indícios suficientes de autoria são indícios convincentes que levem a uma suspeita fundada[16]. Não se trata de prova plena da autoria, mas de um juízo de probabilidade[17] de ser o imputado o autor do crime. A lei processual penal, assim, exige indícios suficientes[18] de autoria e não a sua prova cabal, a qual somente poderá ser verificada em eventual decisão condenatória, após a instrução no processo penal.

A decretação da prisão preventiva exige, também, a presença de fundamentos (periculum libertatis), que são requisitos alternativos[19], consistentes na garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e garantia de aplicação da lei penal.

A garantia da ordem pública é um dos fundamentos mais utilizados pelos Tribunais Superiores para decretação da prisão preventiva. Trata-se de “um conceito vago, impreciso, indeterminado e despido de qualquer referencial semântico. Sua origem remonta a Alemanha na década de 30, período em que o nazifascismo buscava exatamente isso: uma autorização geral e aberta para prender”[20].

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Diante desta constatação, é imprescindível à sobrevivência do Estado Democrático de Direito que a utilização de um conceito aberto para fundamentar o cerceamento da liberdade individual seja interpretado à luz da Constituição Federal, traçando contornos que possam se adequar ao regime político-jurídico adotado.

A garantia da ordem pública, assim, não resta caracterizada somente pela comoção social causada pelo crime, ou pela sua gravidade abstrata. A justificativa em garantir a ordem pública ocorre, por exemplo, quando ficar demonstrada, com base nos elementos concretos: a) a periculosidade do imputado; b) a particular execução do crime (v.g., crueldade, revelada pelo seu modus operandi); c) envolvimento com organização criminosa; d) a habitualidade da conduta; e) a necessidade de fazer cessar a reiteração criminosa. O que importa é que existam elementos concretos, não meramente abstratos. Como leciona Nucci[21]:

A garantia da ordem pública é a hipótese de interpretação mais ampla e flexível na avaliação da necessidade da prisão preventiva. Entende-se pela expressão a indispensabilidade de se manter a ordem na sociedade, que, como regra, é abalada pela pratica de um delito. Se este for grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e traumáticos na vida de muitos, propiciando àqueles que tomam conhecimento da sua realização um forte sentimento de impunidade e de insegurança, cabe ao Judiciário determinar o recolhimento do agente.
A garantia da ordem pública pode ser visualizada por vários fatores, dentre os quais: gravidade concreta da infração + repercussão social + periculosidade do agente (...).
Note-se, ainda, que a afetação da ordem pública constitui importante ponto para a própria credibilidade do Judiciário, como vêm decidindo os tribunais pátrios (...).

No entanto, completa o referido autor[22]:

(...) não se pode pensar nessa medida exclusivamente com a união necessária do trinômio aventado. Por vezes, pessoa primaria, sem qualquer antecedente, pode ter sua preventiva decretada porque cometeu delito muito grave, chocando a opinião pública (ex.: planejar meticulosamente e executar o assassinato dos pais). Logo, a despeito de não apresentar periculosidade (nunca cometeu crime e, com grande probabilidade, não tornará a praticar outras infrações penais), gerou enorme sentimento de repulsa por ferir as regras éticas mínimas de convivência, atentando contra os próprios genitores. A não decretação da prisão pode representar a malfadada sensação de impunidade, incentivadora da violência, e da pratica de crimes em geral, razão pela qual a medida cautelar pode tornar-se indispensável.

Saliente-se que, conforme orientação doutrinária e jurisprudencial pacífica, não é fundamento suficiente para decretação de prisão preventiva o simples clamor público ou a credibilidade da justiça[23], nem a repercussão nacional de certo episódio, nem o sentimento de indignação da sociedade[24]. Entretanto, quando essas circunstâncias estiverem conciliadas ao fumus comissi delicti e ao periculum libertatis, não há de se ter dúvida na decretação da prisão preventiva.

É o que se verifica, por exemplo, no voto do desembargador Canguçi de Almeida, relativamente ao “Caso Nardoni”, no julgamento do HC 993.08.044.581-8, de onde se extrai o seguinte trecho:

Trata-se de acontecimento que alcançou altíssima repercussão, até mesmo no âmbito internacional, não apenas da hediondez absurda do delito, como pelo fato de envolver membros de uma mesma família de boa condição social, que teriam dado trágico fim à vida de uma doce menina de cinco anos. Em razão de tudo isso, revoltou-se a população de toda uma cidade, que em manifestação coletiva [de] quase histerismo determinante até de interdições de ruas ou quarteirões, apenas não alcançou atingir fisicamente os pacientes porque oportunamente impedida pela eficiente atuação policial. A justiça penal, por isso, não pode ficar indiferente na prestação que lhe cobra o reclamo de toda uma nação.

Na mesma linha, tem-se a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, relativamente ao “Caso Bernardo”, no julgamento do RHC 53020, quando o relator, desembargador convidado, Newton Trisotto, afirmou que, aliado ao clamor público e à repercussão do fato, a necessidade da preventiva se dava pela gravidade concreta dos crimes (homicídio e ocultação de cadáver)[25]. Na mesma ocasião, o ministro Jorge Mussi salientou a necessidade de garantir a instrução criminal.

A garantia de ordem econômica é uma espécie do gênero anterior (garantia de ordem pública), mas que se direciona especificamente aos chamados crimes do colarinho branco, na medida em que o desfalque em uma instituição financeira pode gerar maior repercussão na vida das pessoas, coletivamente falando, do que, por exemplo, um roubo praticado contra um indivíduo qualquer.

Diante dessa inferência lógica, a legislação processual penal autoriza a segregação cautelar nesses casos, pois não é justo permitir-se a liberdade daquele que, em detrimento da coletividade, desviou (e poderá continuar desviando) enorme quantia dos cofres públicos para a satisfação de suas necessidades e ganâncias pessoais. Embora esses crimes não sejam praticados mediante violência ou grave ameaça, causam severos danos à coletividade, maltratando a própria existência do corpo social.

A conveniência da instrução criminal é o motivo resultante da garantia de se preservar o devido processo legal, no seu aspecto procedimental. Dessa forma, transtornos provocados pela atuação do imputado, visando à perturbação do desenvolvimento da instrução, que compreende a colheita de provas de um modo geral, tanto na fase investigativa quanto judicial, é motivo a ensejar a sua prisão[26].

Sob esse fundamento, tem-se razoável, por exemplo, o enquadramento de condutas tendentes a: a) ameaçar testemunhas; b) investir contra provas e elementos de informações; c) ameaçar a autoridade investigadora, o órgão acusatório, o juiz do feito ou a própria vítima. A decretação da prisão preventiva, neste caso, por tanto, é justificada pela necessidade de acautelar o conjunto probatório, evitando-se obstáculos ou dificuldades no estabelecimento da verdade. Segundo assevera Messa[27]:

É possível arrolar as seguintes justificativas na conveniência da instrução criminal: a) proteger a integridade da testemunha ou vítima; b) impedir a adulteração ou ocultação ou destruição ou alteração ou falsidade ou remoção ou supressão de provas; c) impedir intimidação, ameaça, suborno ou conluio com testemunha ou perito; d) impedir influência sobre coacusados, testemunhas ou peritos.

A garantia de aplicação da lei penal significa assegurar a finalidade útil do processo penal, isto é, proporcionar ao Estado o exercício do seu direito de punir, aplicando a devida sanção penal[28]. Essa garantia visa impedir, principalmente, a fuga do imputado do distrito da culpa. Nesse ponto, Nucci elenca atitudes que poderiam ensejar a sua configuração[29]:

a) sumir logo após a prática do crime, sem retornar, nem dar o seu paradeiro; b) dispor de seus bens e desligar-se de seu emprego; c) despedir-se de familiares e amigos, buscando a transferência de valores ou bens a outro Estado ou ao exterior; d) viajar a local ignorado, sem dar qualquer satisfação do seu paradeiro (...); e) ocultar sua residência e manter-se em lugar inatingível pela Justiça.

Sobre o periculum libertatis (fundamentos para a decretação da prisão preventiva), ainda, cumpre transcrever a lição de Messa[30], quando, em termos gerais, relata situações que costumeiramente são aceitas pelos tribunais superiores como fundamentação adequada[31] a justificar a prisão preventiva:

Na análise de diversos casos concretos, podemos destacar os seguintes parâmetros da decretação da prisão preventiva: o réu responder a vários processos em comarcas diversas; ser líder de organização criminosa; a fuga do réu do distrito da culpa ou sua oposição ao chamamento processual; possuir antecedentes criminais com real possibilidade de reiteração criminosa; reiteração de violências domésticas; gravidade concreta do crime; periculosidade do agente revelada no modus operandi do crime; indícios concretos de que o acusado faz do crime seu meio de vida; participação efetiva em organização criminosa.

O Supremo Tribunal Federal possui sólidas decisões jurisprudenciais enfatizando, contrario sensu, situações em que a custódia cautelar em comento não possui razão de ser, tendo reconhecido como ilegais as prisões preventivas decretadas, por exemplo[32]:

(...) com base na gravidade abstrata do delito (HC 90.858/SP, 1ª Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 21/06/2007; HC 90.162/RJ, 1ª Turma, rel. Min. Carlos Britto, DJU de 28/06/2007); na periculosidade presumida do agente (HC 90.471/PA, 2ª Turma, rel. Min. Cezar Peluso, DJU de 13/09/2007); no clamor social decorrente da prática da conduta delituosa (HC 84.311/SP, 2ª Turma, rel. Min. Cezar Peluso, DJU de 06/06/2007) ou, ainda, na afirmação genérica de que a prisão é necessária para acautelar o meio social (HC 86.748/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Cezar Peluso, DJU de 06/06/2007); na falta de comprovação de residência fixa e de ocupação licita (STF, HC 80.805/SP, 1ª Turma, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 19/10/01).

O Superior Tribunal de Justiça, da mesma forma, possui ampla orientação jurisprudencial sobre o assunto, tendo pacificado, por exemplo, que “a fuga do distrito da culpa é fundamentação idônea a justificar o decreto da custódia preventiva para a conveniência da instrução criminal e como garantia da aplicação da lei penal”[33], bem como que “as condições pessoais favoráveis não garantem a revogação da prisão preventiva quando há nos autos elementos hábeis a recomendar a manutenção da custódia”[34].

Faz parte do acervo jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, também, o entendimento de que “a alusão genérica sobre a gravidade do delito, o clamor público ou a comoção social não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão preventiva”[35]; e que “a prisão cautelar pode ser decretada para garantia da ordem pública potencialmente ofendida, especialmente nos casos de: reiteração delitiva, participação em organizações criminosas, gravidade em concreto da conduta, periculosidade social do agente, ou pelas circunstâncias em que praticado o delito (modus operandi)”[36]. Constata-se, no mesmo acervo jurisprudencial, inclusive, que “inquéritos policiais e processos em andamento, embora não tenham o condão de exasperar a pena-base no momento da dosimetria da pena, são elementos aptos a demonstrar eventual reiteração delitiva, fundamento suficiente para a decretação da prisão preventiva”[37].  

A mesma Corte tem entendimento fixado no sentido de que “a prisão cautelar deve ser fundamentada em elementos concretos que justifiquem, efetivamente, sua necessidade”[38], bem como que “os fatos que justificam a prisão preventiva devem ser contemporâneos à decisão que a decreta”[39]-[40].  

A prisão preventiva pode ser considerada “um mal necessário, uma dolorosa necessidade social perante a qual todos devem se inclinar, mas como ato de coação processual e, portanto, medida extremada de exceção, só se justifica em situações específicas, em casos especiais onde a segregação preventiva, embora um mal, seja indispensável”[41]. Dessa forma, tal medida deve ser efetiva e idoneamente fundamentada[42], razão pela qual a jurisprudência é taxativa em afirmar que não basta mera referência quanto à gravidade genérica do delito ou à aplicação da lei penal,  devendo ser lastreada em motivos concretos, com razões fáticas e jurídicas que justifiquem a restrição da liberdade.

Todas essas diretrizes resultantes da hermenêutica realizada pelos Tribunais Superiores, como fundamentação adequada e imprescindível – derivadas de um sistema fundado em direitos e garantias individuais –, devem ser rigorosamente observadas, sob pena do sepultamento do Estado Democrático de Direito.

Não se nega que a sociedade tem razões de sobra para se indignar com notícias de cometimento de crimes praticados por segmentos sociais economicamente privilegiados, os quais se julgam acima da Lei. Também não se nega que, diante do atual cenário nacional, de total descrédito no sistema de justiça criminal, o Estado deve dar uma resposta adequada à cifra dourada da criminalidade, no sentido de identificar e punir rigorosamente os responsáveis.

Todavia, em respeito às regras do Estado Democrático de Direito, deve-se atentar para o fato de que “a credibilidade das instituições, especialmente do Poder Judiciário, somente se fortalecerá na exata medida em que for capaz de manter o regime de estrito cumprimento da lei, seja na apuração e no julgamento desses graves delitos, seja na preservação dos princípios constitucionais da presunção de inocência, do direito a ampla defesa e do devido processo legal, no âmbito dos quais se insere também o da vedação de prisões provisórias fora dos estritos casos autorizados pelo legislador”[43]. Afinal, sem observância das regras legais vigentes não há legitimação do Direito e sem Direito legítimo não há Democracia.

Dito isso, cumpre transcrever as condições de admissibilidade da prisão preventiva, as quais estão elencadas no artigo 313 do Código de Processo Penal, tratando-se, a exemplo dos fundamentos, de requisitos alternativos. Assim, a medida cautelar em tela poderá ser decretada nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos (inciso I) [44]; se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o prazo depurador do inciso I do art. 64 do Código Penal (inciso II); se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (inciso III)[45]; e quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la (parágrafo único).

Por fim, frisamos nós, é importante atentar para o fato de que, com a alteração legislativa implementada pela Lei 12.403/2011, o legislador fez surgir um novo requisito para a decretação da prisão preventiva, um requisito negativo, qual seja, o descabimento de qualquer das medidas cautelares diversas, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal[46]. Nesse sentido, Silvio Maciel leciona que[47]:

É claríssima, nesse sentido, a letra do art. 310, II. A prisão preventiva, como se verá mais detalhadamente, é a ultima ratio das medidas cautelares. Ela somente deve ser decretada quando todas as demais medidas cautelares se revelarem inadequadas e insuficientes para o caso concreto. Em outras palavras, a insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão passou a ser mais um requisito para o cabimento da prisão preventiva.

Diante dessa conjuntura, Messa lembra que “a decretação da prisão preventiva é justificada pelo descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força das medidas cautelares diversas da prisão”[48]. Salientamos que, nessa hipótese (descumprimento das medidas cautelares diversas da prisão), a decretação da prisão preventiva pode ocorrer em qualquer crime, ou seja, mesmo que não se trate, por exemplo, de crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos[49].

Trata-se, assim, de uma condição de admissibilidade implícita que, a exemplo das condições elencadas no artigo 313 do Código de Processo Penal, autoriza a decretação da prisão preventiva. A razão é lógica. Não fosse assim, autores de ameaças, lesões corporais e furtos simples, por exemplo, poderiam fazer de tudo, desde ameaçar testemunhas até destruir provas, que teriam sua liberdade intocável até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o que seria além de um absurdo, uma fatal incoerência. Conforme leciona Nucci[50]:

(...) o processo penal não pode prescindir do rigor do Estado para controlar quem abusa do direito à liberdade, colocando em risco a investigação ou a instrução, bem como a sociedade como um todo. Do mesmo modo que se cultua a presunção de inocência, louva-se a segurança pública, como direitos de todo o individuo.

A prisão cautelar é a ultima ratio, não se discute. Para tanto, criaram-se medidas alternativas ao cárcere; porém, a garantia de que as medidas cautelares diversas serão efetivamente cumpridas é a possibilidade de o Estado, em último caso, impor a prisão cautelar. Do contrário as medidas menos drásticas não teriam efeito. Ademais, é sempre bom lembrar que o Direito nada mais é do que o bom senso e o bom senso não pode dar aval a interpretações que conduzam ao absurdo.

Sobre o autor
William Garcez

Delegado de Polícia (PCRS). Pós-graduado com Especialização em Direito Penal e Direito Processual Penal. Professor de Direito Criminal da Graduação e da Pós-graduação da Fundação Educacional Machado de Assis (FEMA) e de cursos preparatórios para concursos públicos: Ad Verum/CERS (2018), Casa do Concurseiro (2019), CPC Concursos (2020), Mizuno Cursos (2021) e Fatto Concursos (2023). Professor de Legislação Criminal Especial do curso de Pós-graduação do IEJUR - Instituto de Estudos Jurídicos (2022) e da Pós-graduação da Verbo Jurídico (2023). Organizador e autor de artigos e obras jurídicas. Palestrante. Instagram: @prof.williamgarcez

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCEZ, William. A prisão preventiva à luz da doutrina e da jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5246, 11 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47301. Acesso em: 21 nov. 2024.

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