Antes da Lei n. 11.719/2008, o interrogatório era realizado logo após o recebimento da denúncia, vale dizer, antes de colher-se toda a prova existente contra o acusado. A Lei n. 11.719/2008, dando nova redação ao artigo 400 do CPP, inverteu essa situação posicionando o interrogatório ao final da audiência, após inquiridas as testemunhas e colhidas as demais provas.
Esse novo procedimento viabiliza com maior eficiência a regra da ampla defesa na medida em que ao acusado é dada a oportunidade de justificar e contraditar tudo que contra ele foi apurado. O processo perdeu em inquisitoriedade e ganhou em seu significado como garantia do cidadão.
No procedimento comum, nos ritos ordinário, sumário e sumaríssimo o interrogatório é realizado ao final da audiência. O ordinário por determinação do artigo 400, o sumário em razão do artigo 533 e o sumário por ordem do artigo 81, da Lei 9.099/95. E no procedimento especial? A nova norma inserida no CPP vale para os processos especiais? Quando a lei (o CPP ou lei especial) prevê um procedimento próprio para o processamento de determinado delito, diz-se especial este procedimento. Se tem entendido que neste procedimento vale, no que diz respeito ao momento do interrogatório, o que nele estiver estatuído.
A título de exemplo, no processo penal militar, a Súmula 15 do STM regulamentou especificamente a questão ao dizer que a alteração do art. 400 do CPP, trazida pela Lei nº 11.719, de 20 de Junho de 2008, que passou a considerar o interrogatório como último ato da instrução criminal, não se aplica à Justiça Militar da União. A maior parte da legislação especial em vigor foi editada sob a influência do sistema anterior e daí a razão da posição do interrogatório nela ser logo após o recebimento da denúncia.
Cremos que seria uma questão de lógica, ou de coerência, que todas essa legislação fosse alterada na parte que diz respeito ao momento processual de realização do interrogatório. Se é essa a nova posição do legislador, o qual considera que é a que melhor atende aos interesses e a realização da Justiça Criminal, então é de se esperar que altere toda a legislação especial que ordena a realização do interrogatório antes de colhida a prova existente contra o acusado.
Mas enquanto isso não ocorre - e muito provavelmente não ocorrerá - resta elaborar uma interpretação lógica do sistema com vistas a colocar o interrogatório em seu devido lugar nos procedimentos especiais. Com a alteração do artigo 400 do CPP, foi intensificado o significado do interrogatório como meio de defesa em detrimento de sua valoração como meio de prova, pois que possibilita ao acusado conhecer de todas as provas que contra ele existe propiciando assim que possa fazer uma defesa eficaz.
A norma especial prevalece frente a norma geral quando for com ela incompatível. Já, como no caso, se a norma geral é uma manifestação de uma tendência dos rumos da ordem jurídica valorizando o significado do processo como garantia individual e não há qualquer incompatibilidade com a norma especial, não há motivo plausível para que não prevaleça a opção pela aplicação da norma geral. A ordem jurídica há de se apresentar como um tecido normativo em harmonia. Não há razões que justifiquem a convivência de duas realidades distintas (quase opostas), uma realidade geral de interrogatório ao final da instrução (acusatória) e outra ao início da instrução quando o acusado sequer dispõe do conhecimento das provas que contra ele serão produzidas (inquisitiva).
Ora, há falta de lógica, de harmonia, de congruência, conformidade, coerência, na coexistência de duas realidades processuais, uma acusatória e outra inquisitiva. A jurisprudência do STF e do STJ persiste sustentando que a regra do interrogatório ao final não se aplica aos procedimentos especiais. Todavia, localizamos uma acórdão isolado que examinou de forma distinta a questão e que vem de encontro a nosso pensamento: "O art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/2008, fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal. Sendo tal prática benéfica à defesa, deve prevalecer nas ações penais originárias perante o Supremo Tribunal Federal, em detrimento do previsto no art. 7º da Lei 8.038/90 nesse aspecto. Exceção apenas quanto às ações nas quais o interrogatório já se ultimou" (AP 528 AgR / DF Ministro Ricardo Lewandowsky).
No que diz respeito à Lei das Drogas, de forma equivocada, a jurisprudência tem entendido que o momento do interrogatório é antes da inquirição das testemunhas. Equivocada porque o artigo 57, da Lei n. 11.343/2006 dispõe que "na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz". Ora, o dispositivo não esclarece o que vem antes o que vem depois, se a inquirição de testemunhas ou se o interrogatório. Limita-se a dizer que "após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra (...)", sem obrigar o cumprimento de qualquer ordem destes atos processuais. Nessas condições encontra inteira aplicação o parágrafo 5º., do artigo 394, do CPP, pelo qual "aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário."