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Filadélfia: quando a justiça supera o preconceito

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3. Liberdades individuais no Direito do Trabalho

O Direito do Trabalho tem sua missão fundada na compensação das diferenças históricas existentes entre empregado e empregador no tocante às relações de trabalho e emprego, que normalmente já possuem um desequilíbrio estrutural e, atreladas a um fator discriminatório, podem se tornar aviltantes ao extremo[22].

A discussão de questões relativas à inclusão das minorias, como homossexuais, no mercado de trabalho, faz-se hoje mais do que necessária. Do contrário, seriam os esforços empregados na edição de normas protetivas dos trabalhadores em situação de desigualdade totalmente vãos.

Todavia, mais do que regras e sanções impostas por lei, a conscientização e o respeito pelo ser humano são primordiais para termos uma sociedade justa. A Jurisprudência, cada vez mais, tem verificado, em situações de dispensa sem justa causa, discriminação velada durante o contrato de trabalho.

Os artigos 1º, III e IV; 3º, IV; 5º, caput e XLI; 170 e 193, todos da Constituição Federal[23], são garantidores da dignidade do ser humano, do seu direito ao trabalho e vida sem discriminação em razão de sua origem, cor, orientação sexual, gênero, entre outras situações que podem lhe excluir de um convívio respeitável por preconceito. Tais artigos contém o que a doutrina denomina de liberdades individuais, que são explicadas por Maria Luiza Pinheiro Coutinho[24]:

As liberdades individuais reúnem todos os direitos e poderes assegurados à pessoa humana, para que possa realizar suas potencialidades, respeitados os princípios e restrições impostas na lei. Essas liberdades expressam aquela parcela dos direitos fundamentais a garantir o indivíduo contra a intromissão de qualquer poder externo (Estado ou sociedade) na sua esfera pessoal. Por meio de tais liberdades “pretende-se reservar a pessoa uma área de atuação imune à intervenção do poder”.

Contudo, há limites ao exercício das liberdades. Estes, porém, não poderão impedir a conduta homossexual, que também se encontra protegida pelo direito à intimidade, considerado inviolável pela Constituição, e o direito à igualdade que vai garantir tratamento jurídico igual a todas as pessoas, não importando para a sua fruição o conteúdo de suas preferências sexuais.

Passemos a verificar a dignidade da pessoa humana como uma das liberdades individuais.

3.1. Dignidade da Pessoa Humana

Os princípios Constitucionais clamam por um tratamento isonômico para todos os destinatários de normas jurídicas, além de exigirem, também, que as desigualdades que não são autorizadas pela lei não sejam implantadas. Os homossexuais, todavia, ainda sofrem com a discriminação presente na sociedade, o que se reflete no mercado de trabalho. O respeito à vida privada de cada indivíduo também se refere à sua condição sexual. O trabalho, conforme o artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos[25], deve garantir condições justas e favoráveis, sem qualquer distinção.

O caminho percorrido pelo homem em busca de seus direitos foi árduo. Os princípios fundamentais foram elencados pela primeira vez na atual Constituição Federal[26], promulgada em 1988 e por isto conhecida como Constituição Cidadã. O Estado democrático é anunciado logo no preâmbulo, conforme se pode observar nas seguintes linhas:

PREÂMBULO. Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

O artigo 1º[27] traz princípios essenciais para a convivência social do ser humano.  Dignidade, atributo desse ser, não contém um significado muito simples de ser extraído. Num sentido macro, dignidade diz respeito ao elemento fundador de todos os outros direitos do homem, que possui dignidade simplesmente por ser humano. Todo o ordenamento jurídico coaduna nesse princípio, posto que a aplicação e interpretação das normas se baseiam nele.

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Dessa forma, promover o desrespeito ou exclusão de um cidadão em razão de sua sexualidade consiste numa afronta a todo o ordenamento jurídico, que tem por base o tratamento digno de seus indivíduos, sem distinção.

3.2. Igualdade ou não-discriminação

A igualdade ou não-discriminação, essência da democracia, vem no texto constitucional em seu artigo 5º[28]. Todavia, embora seja a missão de uma ordem jurídica isonômica o tratamento igualitário a todos os cidadãos, essa tarefa não é muito simples numa realidade fática como se observa na atualidade.

O referido artigo constitucional é, sem dúvida, o pilar mais importante da igualdade jurídica e nos faz entender, através de sua interpretação, que: toda norma que implique características tidas como essenciais, mas que gere discriminação por preceitos não contidos na Constituição, são violadoras do princípio da igualdade.

A vulnerabilidade de algumas pessoas ou de grupos sociais é a razão de ser desse princípio, que, no caso específico dos homossexuais, nas relações de trabalho, foco desse artigo científico, faz-se fundamental para a estabilização de um mercado de trabalho que deve ser pautado pelo respeito à diversidade. Sobre o princípio ora discutido, Maria Luiza Pinheiro Coutinho[29] diz que:

Não obstante protegida pela ordem jurídica, que garante a liberdade sexual, a homossexualidade provoca discriminação notadamente no âmbito das relações de trabalho, o que se configura em flagrante violação ao princípio da igualdade. Não há dúvida de que o tratamento desigual conferido ao trabalhador homossexual encontra vedação no princípio da igualdade, uma vez que esse princípio é a garantia da igualdade de direitos que é devido a todos.

A legislação brasileira compreende duas vertentes quando da análise do princípio da igualdade, quais sejam: a formal e a informal. A igualdade formal diz respeito à obrigatoriedade do legislador editar normas que tratem a todos de uma só maneira, enquanto que a igualdade informal exige do aplicador da lei postura condigna com a do momento de sua edição, isto é, a promoção da igualdade.

A discriminação em razão da orientação sexual não está prevista em nenhuma das linhas constitucionais, o que a torna motivo injustificável para que pessoas que possuam orientação sexual diversa da preterida pelo empregador em sua convicção particular sejam segregadas, posto que tal preferência do contratante não tem pertinência racional para justificar a inclusão ou exclusão de alguém do mercado de trabalho.

3.3. A Súmula 111 da OIT e a proibição à práticas discriminatórias no ambiente de trabalho

A discriminação nas relações de emprego surge pela preferência de um tipo de empregado ‘ideal’, que aparentemente foi moldado, segundo critérios sociais ou mesmo pessoais do empregador, para determinada função. Maria Luiza Pinheiro Coutinho[30] descreve um roteiro histórico do preconceito contra homossexuais na sociedade global em sua obra “Discriminação no Trabalho: Mecanismos de combate à discriminação e promoção da igualdade de oportunidades”. Vejamos:

O preconceito contra a homossexualidade, isto é, contra a atração afetiva e sexual por uma pessoa do mesmo sexo, é ancestral. No mundo grego, o amor dedicado aos rapazes pelos sábios e filósofos na antiguidade clássica era reprovável, não obstante, fosse justificado pela supervalorização do mundo masculino. Aos romanos do Século VI, era prescrita à admoestação para aqueles que praticassem o homossexualismo, mas se persistissem no vício, deveriam sofrer penas (Edito 77, ano 538). Mais tarde, a Igreja passou a considerá-lo um pecado contra a natureza, pois excluía qualquer possibilidade de procriação. Até bem pouco tempo atrás, as leis de alguns países consideravam o homossexualismo uma conduta criminosa (Alemanha e Inglaterra).

Maria Luiza Pinheiro Coutinho[31] segue demonstrando a evolução da discriminação contra os homossexuais, como podemos observar:

Em épocas mais recentes, ao fim do Século XIX, o discurso psiquiátrico considerava a homossexualidade como uma degeneração da espécie humana, que caracterizava uma espécie ou raça sempre maldita, sempre reprovada. Já no Século XX, a homossexualidade é vista pela psiquiatria como uma “inversão sexual, isto é, uma anomalia psíquica, mental ou de natureza constitucional, um distúrbio da identidade ou da personalidade”.

E conclui apresentando as concepções atuais a respeito das questões relacionadas com a sexualidade e gênero, trazidas pelos movimentos reivindicativos de liberdade sexual surgidos na década de 1970[32]:

Somente a partir da década de 1970, na qual foi desencadeado o movimento reivindicativo de liberdade sexual, a homossexualidade deixa de ser vista como uma anomalia psíquica ou de natureza constitucional e ressurge como um comportamento sexual distinto, componente da sexualidade humana, dotada de uma pluralidade de comportamentos.

Essa nova concepção origina-se em Freud que diz ser a homossexualidade uma escolha inconsciente, derivada da bissexualidade inerente ao Homem.

A Convenção n.º 111[33]de 1958, da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil em 1968, por meio do Decreto n.º 62.150[34], traz um conceito de discriminação em seu artigo 1º:

1. Para fins da presente convenção, o termo "discriminação" compreende:

a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;

b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Membro Interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.

Vale salientar que, desde que utilize os critérios igualitários e baseados em situações que não impliquem discriminação, é lícito ao empregador contratar quem deseja, nos termos da mesma Convenção da Organização Internacional do Trabalho[35], in litteris:

2. As distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como discriminação.

Desta maneira, fica evidente que o apoio aos profissionais homossexuais e portadores do HIV e da AIDS é constitucional e reafirmado pelos direitos advindos e estabelecidos em cunho internacional. Devemos assegurar a aplicação desta conquista na intenção de diminuir os preconceitos sociais.

Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

Erick da Silva Matias

Bacharel em Direito pela FACESF e Especialista em Direito do Trabalho pela UCAMPROMINAS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMINHO, Leonardo Barreto Ferraz; MATIAS, Erick Silva. Filadélfia: quando a justiça supera o preconceito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4786, 8 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51073. Acesso em: 26 dez. 2024.

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