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O code share frente a questões concorrenciais e ao direito do consumidor

Agenda 21/08/2016 às 11:23

A prática do code share é definida pela ANAC como um acordo empresarial pelo qual duas ou mais empresas aéreas participam de um mesmo voo, dividindo entre si a comercialização dos assentos.

I. Introdução

O presente trabalho se propõe a estudar o code share, prática realizada pelas empresas aéreas em escala global e que aparece como solução para as companhias que querem aumentar seus lucros ou expandir suas malhas de voos. Sobre este tema, mostra-se relevante analisar como esses contratos podem beneficiar as empresas e o setor aéreo em geral. Da mesma forma, é importante levar em conta os impactos desta prática no plano econômico quanto à defesa da concorrência e quanto aos seus reflexos para o consumidor. Assim, este trabalho tem por objetivo conceituar o code share, mostrar porque as empresas aéreas se utilizam dele e quais os seus impactos no contexto concorrencial e para o consumidor.


II. O que é o code share?

O termo code share significa compartilhamento de código. Cada empresa aérea é identificada por um código de dois algarismos aprovados pela IATA (International Air Transportation Association), que é complementado pelo número do voo. Estes códigos podem ser encontrados tanto nos dados da compra como no bilhete de passagem (ex: JJ-1772, AV-4085, G3-7651).

A prática do code share é definida pela ANAC como um acordo empresarial pelo qual duas ou mais empresas aéreas participam de um mesmo voo, dividindo entre si a comercialização dos assentos. Deste modo, todas as empresas participantes do acordo vendem os bilhetes, mas apenas uma opera diretamente a aeronave.

Verifica-se o code share quando o passageiro compra o bilhete por uma companhia aérea e voa na aeronave da outra, ou seja, alguns voos vendidos por uma empresa “A” são operados por uma empresa “B” com o código da empresa “A”.


III. Por que as empresas aéreas se utilizam deste acordo?

O setor aéreo brasileiro teve sua política regulatória marcada por diversas formas de intervenção, desde uma regulação estrita até sua flexibilização, chegando à instituição de uma agência reguladora destinada a fiscalizar as atividades da aviação civil e a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária.

Dada esta evolução histórica, como as intervenções estatais não visavam diminuir custos ou aumentar a eficiência do setor, muitas empresas aéreas faliram ou, para se manter, precisaram optar por processos de concentração, como fusões e aquisições, ou por acordos de cooperação, dos quais o code share é um exemplo.

Assim, as companhias que se valeram do acordo do code share estavam visando o fortalecimento de suas economias pela expansão de suas malhas aéreas e pela redução de seus custos para, assim, melhorarem sua competitividade no setor.


IV. Quais os impactos dessa prática no contexto concorrencial?

A primeira vez em que se permitiu este tipo de acordo foi com o objetivo de este ser uma forma provisória de permitir temporariamente a sobrevivência de duas companhias aéreas. O CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), no entanto, assinou com as empresas em questão um Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação (APRO) para regular o funcionamento do code share, especificando os voos em que poderia ser empregado e listando obrigações recíprocas a serem observadas.

Posteriormente, em 2005, em razão de uma análise da SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda), o CADE suspendeu o uso do code share por entender que esta prática estava sendo usada como uma tática de cartelização, como uma forma de manutenção de capacidade ociosa. Constatou-se, ainda, a diminuição artificial da oferta disponibilizada ao consumidor que, consequentemente, teve efeito na formação de tarifas, permitindo que as companhias aumentassem suas margens de lucro.

Atualmente, a política antitruste tem se intensificado para coibir os abusos do poder de mercado por parte de algumas empresas do setor aéreo. Um problema enfrentado pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBCD) é a redução considerável do valor das tarifas em períodos promocionais e que tem dado causa a acusações de práticas de cartel e de preços predatórios ou excessivos.

Esta discussão a respeito de preços predatórios só se iniciou a partir da desregulamentação. Com a introdução de um novo ambiente competitivo, houve a inserção de novos atores de mercado, com destaque para empresas de custo baixo, também chamadas 'low cost carriers', que cobram tarifas bem inferiores em relação às tradicionais empresas do setor, as 'full service carriers'.

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Para a constatação de uma estratégia de preços predatórios é necessário provar, além da venda abaixo do custo, a existência de condições para que esta estratégia seja lucrativa, o que a longo prazo levará a uma redução de concorrência – possibilitando um maior poder de mercado a firma predadora. Tais condições são: significativa participação de mercado da firma predadora, elevadas barreiras à entrada, capacidade produtiva para atender o incremento da demanda a curto prazo e capacidade de financiamento devido às perdas nesta estratégia. É necessária, assim, uma regulação para a manutenção  da livre concorrência.

As razões para intervenção nos mercados estão relacionadas à existência de chamadas falhas de mercado, as quais se manifestam predominantemente de três formas: externalidades, informação imperfeita e poder de mercado.

1. As externalidades ocorrem quando a eficiência ou o bem-estar econômico de um agente (empresas ou consumidores) é afetado pela ação de outro agente. Em outras palavras, decorre do fato de que, nas atividades econômicas, nem todos os custos e benefícios estão sob o controle do agente individual. Desta forma a decisão individual não conduz o agente e o sistema à situação de máxima eficiência, sendo necessária a regulação para reduzir as externalidades e solucionar divergências entre os agentes afetados, garantindo a eficiência econômica dos mercados.

2. A inexistência de informações corretas e suficientes para orientar a decisão do agente limita sua capacidade de agir eficientemente. A assimetria de informações implica que os vendedores desconhecem o verdadeiro risco de cada comprador e, com isso, o mercado funciona de maneira ineficiente, sendo incapaz de estabelecer preços e demais condições de oferta aceitáveis.

3. O poder de mercado pode ser definido como habilidade de uma firma precificar acima do seu custo marginal. Esta habilidade depende, portanto, do grau de concentração da oferta, quanto maior a sensibilidade a preço do consumidor (ou quanto maior a quantidade de substitutos de um produto), menor a capacidade da firma para precificar acima do seu custo marginal.

Se, por um lado, as referências teóricas levam a um mercado perfeitamente competitivo, no qual a concorrência se manifesta plenamente com várias empresas atuando no marcado e produzindo o melhor resultado possível ao bem-estar econômico e social (com uma pressão constante sobre as empresas para a redução dos custos de produção, dos preços, melhoria da qualidade, aumento da oferta e da variedade de produtos), por outro, levam a um monopólio natural, com apenas uma empresa no setor e com a impossibilidade de outra entrar no mercado em função de significativas economias de escala ou de escopo (levando à redução da produção, aumento dos preços, desestímulo ao lançamento de novos e melhores produtos).

Assim, a criação ou o reforço de poder de mercado estão vinculados ao aumento do grau de concentração da oferta e, por força da Lei Antitruste Brasileira (Lei 8.884/94), atos concentradores de mercado devem ser submetidos à apreciação do CADE. Então, aquisição, fusão ou qualquer acordo ou associação entre concorrentes envolvendo empresas detentoras de mais de 20% de participação de mercado, necessitam passar por esta apreciação para ratificar ou não sua validade.

Por este motivo, os acordos entre firmas do setor de transporte aéreo são encarados como atos concentradores de mercado, com efeitos sobre o bem-estar econômico e social imprevisíveis. Afinal, podem aumentar a eficiência empresarial elevando o bem-estar da coletividade, mas também podem resultar em elevação de preços, redução da oferta e diminuição no lançamento de novos e melhores produtos, os quais devem ser reprimidos pelo poder público.


V. Quais os impactos dessa prática para o consumidor?

Além dos impactos já apresentados anteriormente, que refletem a melhoria do serviço e dos preços do transporte aéreo, a prática do code share também reflete ao consumidor efeitos como a integração dos programas frequent flyer (programas de fidelidade de companhias aéreas) e a responsabilidade solidária das empresas perante os passageiros.

O primeiro é autoexplicativo, com o code share, aos consumidores, também é possível o uso dos programas de fidelidade das companhias aéreas para o acúmulo e a utilização de milhas indistintamente entre as empresas parceiras.

Quanto à responsabilidade solidária das empresas perante o consumidor, é importante lembrar que, com o aumento do benefício das companhias pelo compartilhamento de voos, também há o aumento de suas responsabilidades.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece a responsabilidade solidária em defesa dos passageiros, que podem fazer valer seus direitos contra qualquer dos fornecedores do serviço. Em outras palavras, ambas as empresas que se valem deste acordo (a que promove a venda e a que opera o voo) respondem solidariamente perante a execução do contrato de transporte, pois o consumidor de boa-fé, em geral, não tem conhecimento do acordo estabelecido entre as empresas.

Um caso de responsabilidade solidária envolvendo uma empresa brasileira, a TAM, e uma uruguaia, a Pluna, ocorreu em 2012. Desde 2008, as companhias tinham um acordo de compartilhamento de voos. Então, no dia 6 de julho de 2012, a Pluna anunciou a suspensão de todas as suas atividades por tempo indeterminado.

Com a suspensão dos voos da empresa uruguaia, os bilhetes comprados em code-share com a companhia estrangeira, também eram de responsabilidade da TAM, como declarou o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). O Idec afirmou, ainda, que a empresa brasileira era responsável pelos atrasos e cancelamentos, e o consumidor poderia pedir a alteração ou o cancelamento do voo pela companhia brasileira sem qualquer incidência de multa. A TAM, de fato, informou, no mesmo dia da interrupção dos serviços da Pluna, que prestaria atendimento aos clientes que viajariam em code share com a outra empresa. Mas, caso julgasse necessário, o passageiro também poderia procurar os meios jurídicos para resolver a questão.


VI. Conclusão

O code share se caracteriza, então, como um acordo empresarial reconhecido pela ANAC e regulado pelo CADE para que seus efeitos negativos, referentes à concentração de mercado, sejam contidos e ele possibilite melhorias ao setor aéreo, quais sejam a expansão das malhas de voos, a diminuição dos custos e o aumento da eficiência do setor. Além de seus impactar as companhias aéreas e a livre concorrência, ele impacta, também, os consumidores no que se refere à melhoria do serviço e dos preços, à integração no uso dos programas de fidelidade das companhias aéreas e à responsabilidade solidária das empresas perante o passageiro.


Referências bibliográficas:

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SIQUEIRA JR., Flávio. Voos em &quot;code-share&quot; e a responsabilidade das empresas aéreas. <http://www.idec.org.br/em-acao/artigo/voos- em-code- share-e-a- responsabilidade-das- empresas-aereas> (acessado em 14/05/2015)

Época Negócios. TAM atende clientes em code share com Pluna, Pluna anunciou a suspensão de todos os seus voos por tempo indeterminado. <http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Dilemas/noticia/2012/07/tam-atende-clientes- em-code- share-com- pluna.html> (acessado em 29/06/2015)

Idec. Falência da Pluna: o que passageiro lesado deve fazer? <http://www.idec.org.br/consultas/dicas-e- direitos/falencia-da- pluna-o- que-passageiro-lesado- deve-fazer> (acessado em 29/06/2015)

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SERRA, Nathália Conde. O code share frente a questões concorrenciais e ao direito do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4799, 21 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51433. Acesso em: 22 dez. 2024.

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