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A não configuração do liame empregatício do trabalho prisional extramuros em prol da iniciativa privada diante do Tribunal Superior do Trabalho.

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Agenda 20/02/2017 às 13:42

Os direitos trabalhistas e a sentença penal condenatória

Poder-se-ia pensar que o preso ao ser segregado e deslocado para o estabelecimento prisional perderia a sua condição de empregado e, consequentemente, os direitos trabalhistas. Parte-se para o curioso entendimento extraído do Código Penal, assim como na própria LEP, conforme leitura abaixo a respeito da possível perda dos direitos trabalhistas:

Art. 38 CP. O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.

Art. 40 CP. A legislação especial regulará a matéria prevista nos arts. 38 e 39 deste Código, bem como especificará os deveres e direitos do preso, os critérios para revogação e transferência dos regimes e estabelecerá as infrações disciplinares e correspondentes sanções.

Art. 3º LEP. Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Ou seja, o preso permanecerá com todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, pois não há a previsão para perda dos direitos trabalhistas. A única exceção encontrada é quanto à cassação de direitos políticos, os quais serão suspensos no caso da condenação criminal enquanto durarem seus efeitos, consoante o art. 15, III CRFB.[43]

O Código Penal de 1940 e a própria LEP alegam que ao preso serão conservados todos os direitos que não guardam relação com a perda da liberdade. Assim, se o trabalho ocorre para a iniciativa privada de acordo com os moldes da doutrina trabalhista, chega-se à conclusão de que não há razão para a restrição dos direitos trabalhistas. A exceção havida, conforme demonstrado, foi explicitamente trazida no texto da Constituição de 1988, não mantendo relação alguma com o direito do trabalho.

Outrossim, ainda no Código Penal, no capítulo VI, a respeito dos efeitos genéricos e específicos da condenação, encontra-se o artigo 91 e 92, que em nenhum momento afirmam a restrição dos direitos laborais.[44]                 E o Código de Processo Penal no artigo 377 traz que: "Transitando em julgado a sentença condenatória, serão executadas somente as interdições nela aplicadas ou que derivarem da imposição da pena principal". Ou seja, nos citados artigos continua-se a não visualizar a perda dos direitos trabalhistas.

Amaro Barreto, em manifestação prolatada em 1943, na vigência do atual Código Penal, exara a manutenção dos direitos trabalhistas após a condenação:

A opinio communis dos tratadistas é que a condenação não suprime a personalidade jurídica do condenado, que conserva direitos e interesses protegidos pela lei e tutelados pela administração do estabelecimento penal e pelo juiz das execuções criminais.

Logo, quando o sentenciado aceita o serviço em determinada empresa, ajusta com esta um contrato de trabalho, pactuado com a intervenção tuteladora do diretor do presídio. […] Convém notar que os presos não são obrigados a irem trabalhar nas empresas, com percepção de salário, o que é reservado àqueles que o desejam e o aceitam se prende somente aos serviços do presídio ou do Estado, isto é, aos serviços públicos.

Nas empresas, conseguintemente os presos estão sob os liames do contrato de trabalho, firmado coletivamente pelo diretor do presídio, ficando, em consequência subordinados aos efeitos jurídicos e sociais desse contrato.[45]

O doutrinador declara que o preso mantém a sua personalidade jurídica e, aliado a esse fato, não é obrigado a laborar para a iniciativa privada. Assim, o autor, na década de 40, já defendia o mesmo entendimento do artigo: a possibilidade do liame empregatício com a iniciativa privada no trabalho externo.

Guilherme José Purvin de Figueiredo ao defender o tema afirma que: "Não se pode, por consequência, sustentar com seriedade que uma condenação penal traz em seu bojo, implicitamente, a perda do direito do condenado de contratar sob o regime da CLT".[46]

Sendo assim, continua-se não visualizando a perda dos direitos trabalhistas no texto acima demonstrado. A perda da liberdade do indivíduo não poderia restringi-lo dos preceitos laborais, não há razão para tanto no trabalho realizado externamente em prol da iniciativa privada. A medida coativa está restringida à perda da liberdade de ir e vir, e não da liberdade contratual. São duas liberdades que, guardando as peculiaridades de cada regime prisional, não possuem pontos de encontro.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

São louváveis os preceitos dispostos ao longo da Lei de Execução Penal brasileira, porém, eles estão distanciados e separados por um grande abismo da atualidade nacional, o que tem transformado a LEP, em muitos aspectos, em letra morta pela falta de estrutura e conjuntura do ali disposto. No atual contexto prisional brasileiro, no qual presídios são chamados de a "Masmorra do Século XXI", uma nova política prisional tem sido pensada. É sabido que muitos condenados saem da prisão de uma forma muito pior do que entraram, que as condições carcerárias do Brasil estão longe das ideais. Pode e deve ser pensada, dentro dessa nova política, a questão do trabalho prisional, justamente com o fim de reabilitação do condenado para a futura vida em sociedade.

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Se o trabalho dentro do sistema capitalista em que se vive atualmente possui tanta relevância, este, portanto, deverá ser tratado com adequada importância, inclusive, e ainda com maior vulto para as pessoas que mais precisam desse incentivo. Para isso, o trabalho, apontado, unanimemente, pela doutrina como fator de ressocialização do preso, deverá trilhar ações concretas ou ações bem encaminhadas e projetadas, e sair do discurso ideológico doutrinário. Para que isso ocorra, primeiramente é necessário o reconhecimento do tratamento diferenciado a respeito do trabalho diante de cada regime e de cada beneficiário do trabalho. Feito isso, regulamentações específicas visando ao tratamento do preso deverão ser realizadas, contemplando as finalidades almejadas por cada situação. Não é admissível que uma relação de trabalho realizada entre particulares seja tratada perante o Estado como uma relação de índole administrativa, unicamente pelo fato do apenado encontrar-se sob a custódia do Estado. Pensamentos como esse viciam todo o sistema do trabalho prisional, equipando relações realizadas entre particulares (que deveriam ser tratadas em consonância com o direito privado) como situações de direito público.

O direito do trabalho possui uma razão em existir, e a sua finalidade é, principalmente, a proteção dos trabalhadores. O preso também é um trabalhador e, consequentemente, merece atenção legislativa com os cuidados atinentes à pessoa humana na execução laboral. Políticas, planos, projetos devem ser muito bem aplicados, pois no momento em que o trabalho surge como uma alternativa de reinserção social, os cuidados devem ser redobrados. Atualmente, o trabalho, diversas vezes, acaba por ter um fim de uma sanção ainda maior, como se a pena privativa de liberdade já não fosse suficiente por si só e, por fim, não caracteriza a almejada ressocialização.

O preso não verá o trabalho com o intuito de crescimento pessoal, como uma relação recíproca de direitos e deveres, encarando-se cada vez mais abusado e inferiorizado pelo Estado e pela sociedade, apenas sendo utilizada sua mão de obra com o objetivo de produtividade e lucro. O seu labor não possui o mesmo valor que o realizado fora da prisão, simplesmente pelo fato de encontrar-se preso, porém a sua condição de preso, em regra, não deveria intervir na sua condição de trabalhador.

Não se pode continuar penalizando a pessoa que cometeu um crime, por mais grave que esse delito seja, privando-o de direitos que podem ser estendidos a ele mesmo durante o cumprimento de sua pena. O Estado, ao proibir a pena de morte e a pena em caráter perpétuo, deverá preparar o futuro egresso para que tenha condições de viver com os demais.

Cai-se na premissa de como ressocializar o preso, sendo que essa pessoa talvez nunca possa ter sido socializada. Muitas vezes é afirmado que os presos saem da prisão de uma forma pior do que entraram, esta é chamada de "a escola do crime". O trabalho devidamente regulado poderá mudar, e muito, a situação. O apenado deverá ser reeducado, ou em casos mais graves, educado, visto que a educação pode nunca ter sido passada a ele, recebendo pela primeira vez os ditames de uma vida regrada, com uma política social, com direitos e deveres. Isso deverá ser ensinado, passado e repassado ao apenado, e, com o advento da sua liberdade, este poderá ser um cidadão efetivamente apto para colaborar com a sociedade da qual foi retirado.

Por fim, a contínua desvalorização do trabalho carcerário continua a fomentar a descrença no sistema prisional brasileiro, que deveria servir de reabilitação, mas está por realizar o inverso, com a falta de observância aos preceitos trabalhistas. Punir o condenado não basta. São necessárias providências além da punição para que esse indivíduo tenha uma verdadeira reintegração pós-cárcere. É esse o objetivo do presente trabalho, sem o intuito de esgotar o tema. Bem pelo contrário, o escopo desta pesquisa é apenas iniciar o debate a essa matéria tão esquecida e mal interpretada pelo Estado, pela sociedade e pelos operadores do direito, fomentando a construção dos direitos trabalhistas aos presos.


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Sobre a autora
Laura Machado de Oliveira

Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Mestra pela UFRGS em Direito do Trabalho. Advogada especialista em Direito e Processo do Trabalho. Autora de diversos artigos trabalhistas. Citada reiteradamente em acórdãos do TST. Autora do livro "O direito do trabalho penitenciário" pela Lumen Juris.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Laura Machado. A não configuração do liame empregatício do trabalho prisional extramuros em prol da iniciativa privada diante do Tribunal Superior do Trabalho.: A obrigatoriedade do trabalho prisional e a ressocialização através da laborterapia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4982, 20 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55664. Acesso em: 13 mai. 2024.

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