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Marketing jurídico: a hipocrisia da ética sobre a propaganda advocatícia no Brasil

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Agenda 23/03/2017 às 14:38

Fazemos um convite à reflexão acerca da tônica excessiva sobre a propaganda no mundo da advocatícia e até onde vai a lógica das proibições. Como se comportar diante da realidade?

1. Introdução

O poder de convencimento e a capacidade de persuasão são características símiles e de importância indescritível para o salutar desenvolvimento das relações sociais rotineiras; fazem-se imanentes ao ser humano. Partindo deste pressuposto, a visibilidade de um serviço que se pretenda cada vez mais ampliado ao público em geral necessita ser estimulada com uma frequência reiterada. É sabido de todo empreendedor atinado para o prosperar de seu negócio que tornar cada vez mais pública a sua atividade, desempenhada no mercado, é de vital importância para que a perpetuação de seu espaço se concretize, gradativamente, sedimentando-se, assim, sua imagem. A seu turno, a imagem de um empreendedor, por menor que seja, está, inarredavelmente, atrelada ao conjunto de elementos dos quais esse visionário em potencial lança mão todos os dias com o intuito pacífico e legítimo de catapultar-se a um nível de empreendimento mais respeitável, que goze de um reconhecimento cada vez mais notório.

Notoriedade, por sua vez, só se conquista se for acirradamente incentivada e tolerada com equilíbrio no meio social. Ser notório, independentemente do negócio engendrado, é indispensável para atrair ainda mais trabalho, não importa em qual grau aconteça essa notoriedade, ela precisa acontecer, isso significa mais responsabilidade, mais devoção ao interesse particular e, também, ao interesse coletivo quando se atenta para a função social do trabalho desempenhado. Significa dizer, também, que o marketing de um serviço alimenta a economia de uma forma que praticamente todos que se relacionam com ela podem se beneficiar. Tornar um serviço conhecido das massas, do público, é tão basilar quanto o setor administrativo de uma empresa ou o financeiro. Na verdade, ousa-se, exaltar, aqui, a atividade de publicidade e marketing de uma empresa, como a mais digna de reverência e estima. Um empresário que não ame propagandear seu produto não ama sua empresa, logo, não ama sua carreira e, por conseguinte, não respeita o espaço que o público numericamente pífio que possui lhe confere.

O empresário necessita divulgar seu trabalho com intrepidez, com ousadia, desimpedidamente e sem reservas. Não significa tratar os clientes como números e unicamente isso, mas, significa honrá-los ao ponto de, quando indagados por seus semelhantes, levem ares de boas novas aos tais que surgirão, certamente, com seus iguais em companhia, em quantidade maciça. Observe-se que, no serviço do sapateiro, do alfaiate ou do padeiro, por exemplo, o que se nota é a estrutura mais rudimentar e necessária para que a relação aconteça, a saber, fornecedor e usufruidores. Assim sendo, não há como imaginar uma relação de consumo, um contrato bilateral, um acordo entre partes, em que não se flagre a referida relação. E, pela forca dos interesses em jogo, faz-se quase desnecessário dizer que a posição de hierarquia nessa relação não faz jus àquela que o senso comum tende a presumir.

Quem está hierarquicamente melhor posicionado no âmbito dessa afinidade negocial em crescimento é, sem sombra de dúvidas, o contratante. O fornecedor come na mão do usuário de seu serviço e não o contrário. Quanto mais for possível tornar afável para o cliente a relação de consumo, maior as probabilidades de a reciprocidade no trato entre ambos acontecer. E, não obstante, para que o empreendedor tenha uma vasta gama de contatos assíduos com os quais interagir, é necessária a publicidade ferrenha e agressiva de seu produto. A publicidade de forma repetitiva, a propaganda de forma insistente e reiterada, tem o efeito que todo dono de negócio aguarda; marca o campo exato do cérebro dos espectadores de maneira apropriada, sadia, fecunda. Uma vez que a ideia, então, esteja implementada, basta que se aguarde para colher os frutos. A mente dos clientes é a terra fértil, a semente é o marketing e o lavrador, o advogado astuto e perspicaz, que também faz as vezes de administrador e empreendedor quando

Da direção de seus negócios diários. Sobre este último, destarte, é que se debruçará o olhar mais específico desta tratativa, afinal, é chegada a hora de o advogado despojar-se do abominável espectro da baixa autoestima que por décadas o assombra e imiscuir-se na arte de conquistar alguns hequitares invejáveis, infinitos que há nessa imensa terra fértil que é a mente dos clientes em potencial. Há que se cativá-los. Há que se falar em prendê-los. Há que se incitar a forjar um exército deles. Há que se falar em miríades de miríades de clientes. Há que se ao estimular ao milagre da multiplicação jurídica (de um cliente se pode fazer dez). Há que se falar em prosperidade jurídica aqui, longe de arrogância ou pretensão, sempre com um olhar analítico, sóbrio e fundamentado no realismo dos tempos atuais.

Entrementes, há que se fazer menção do sucesso profissional através da propaganda, os advogados necessitam e merecem uma legião de clientes e um negócio de milhares de sócios, funcionários, administradores, secretários e, sobretudo, no topo dessa pirâmide, o setor de marketing da empresa, altaneiramente exaltado. A mágica só é possível com a publicidade exaltada nesse nível. Ver-se-á, todavia, que a tolice da hipocrisia brasileira, nesse quesito, constitui-se, não um espectro, mas, sim, o próprio diabo de um inferno de obstáculos a se transpor.

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2. O contraste entre a ética brasileira e a norte-americana

O renomado Dr. Thomas D. Morgan, um dos autores do Código de Ética dos advogados norte-americanos, defende a ideia de publicidade no ramo advocatício veementemente. Isso se deve ao fato de uma mudança de paradigma ter ocorrido em relação a essa temática no país. Outrora, em tempos de menor compreensão da relevância da propaganda, o marketing era realmente visto como algo antiprofissional a ser exercitado no meio advocatício. Hoje, porém, em nome da coerência e da sensibilidade, advogados contam com a prerrogativa de ter o nome de suas firmas em outdoors, em propagandas na televisão e folhetos também, tudo para promover seus serviços. Nada mais justo. Louvável a mudança de perspectiva. Não poderia ter sido mais acertada a ideia. Um país que se pretenda de primeiro mundo, um ambiente que estimula o crescimento econômico de seus cidadãos quando do desenvolvimento de suas atividades, deve, em favor deles, ser o mínimo possível intervencionista no que diz respeito a normas que delimitem em excesso os parâmetros dessas atividades.

O governo deve tolerar e estimular os empresários em sua luta para avançar no mercado. Nos EUA, portanto, não é incomum deparar-se com anúncios ao estilo de "Better Call Saul", ou, "Melhor chamar o Saulo", caso se prefira. À parte a saudação ao spin-off de uma das séries mais conclamadas, o momento de descontração deste texto se dissolve imediata e irremediavelmente aqui: no Brasil, segundo o Código de Ética do país das nádegas rechonchudas e do ritmo asco dos pandeiros insuportavelmente mefistofélicos, determina-se, seguindo a lógica dos artigos que vão desde o 28 ao 34, lamentavelmente, que os advogados não podem, simplesmente, lançar mão de publicidade considerada não discreta e não moderada. Mais abjeto impossível.

No Brasil as coisas tem de ser mais incoerentes mesmo, sempre. É impressionante. Dizer que "discrição"e "moderação" são conceitos tão soltos e vagos na frase do artigo 28 é tão vergonhoso quanto possível. E não é incomum. Há tipos de leis no país tropical que são uma verdadeira afronta ao direitos dos cidadãos e, nesse caso, eis ai um tipo de regulamentação que fere os interesses da categoria e advoga em desfavor dos advogados. O mais curioso é que o Código de Ética é redigido por personalidades peculiares, pessoas pretensamente conhecedoras dos entraves de uma atividade advocatícia no cenário frenético e instável que é o brasileiro. É quase como se fosse uma traição. Suponha-se, ilustrativamente, uma convenção hipotética de vampiros, e, nela, a alta cúpula dos idólatras de glóbulos brancos e vermelhos decide reger uma regra na qual todos tivessem de, sem

Exceção, tomar uma quantidade "discreta" e "moderada" de sangue e, não fosse o suficiente, apreciar alho e tirar um cochilo numa cama forrada de estacas. Simplesmente absurdo. Isso pra não mencionar os artigos subsequentes do capítulo intitulado "Da Publicidade" cujo nome mais apropriado talvez fosse "Da Forma como Decidiu-se Acabar com a Alegria de Vossas Senhorias e Minar Todas As Suas Chances De Prosperar No Mercado de Advogados". O Código, ao olhar-se de passagem o tal título e, num relance esperançoso, presumir-se o melhor possível dele, provoca um engano lastimável. O título induz à algo bom. E quando se vai ler o que dispõem os artigos, a decepção é inevitável.

É inevitável sentir-se iludido como uma criança à qual prometeu-se uma visita ao papai-noel e depois se levou ao dentista. As exigências dos artigos são as mais esdrúxulas possíveis: "O anúncio sob a forma de placas, na sede profissional ou na residência do advogado, deve observar discrição quanto ao conteúdo, forma e dimensões, sem qualquer aspecto mercantilista, vedada a utilização de outdoor ou equivalente", "O anúncio não deve conter fotografias, ilustrações, cores, figuras, desenhos, logotipos, marcas ou símbolos incompatíveis com a sobriedade da advocacia, sendo proibido o uso dos símbolos oficiais e dos que sejam utilizados pela Ordem dos Advogados do Brasil". Quem define o que é sobriedade e discrição nesses casos? E, não obstante, veja-se, agora, uma das piores restrições, senão a pior delas:

"O advogado que eventualmente participar de programa de televisão ou de rádio, de entrevista na imprensa, de reportagem televisionada ou de qualquer outro meio, para manifestação profissional, deve visar a objetivos exclusivamente ilustrativos, educacionais e instrutivos, sem propósito de promoção pessoal ou profissional, vedados pronunciamentos sobre métodos de trabalho usados por seus colegas de profissão.

Parágrafo único. Quando convidado para manifestação pública, por qualquer modo e forma, visando ao esclarecimento de tema jurídico de interesse geral, deve o advogado evitar insinuações a promoção pessoal ou profissional, bem como o debate de caráter sensacionalista".


3. A força motriz de toda atividade próspera é a publicidade

Dado isto, perceba-se: uma vez que a publicidade é o único e necessário caminho para o sucesso e amplitude do trabalho, ao que se depreende dos dispositivos mencionados, o profissional da advocacia no Brasil está tristemente fadado à um insucesso descomunal, sombrio e injusto. Isso já foi observado em outras nações e já foi objeto de deliberação e, consequentemente, de modificação. Todavia, na terra do camisa 10 alguma coisa, definitivamente, não vai bem. E ninguém parece se importar com isso. Mas os números não mentem. As estatísticas dão prova de que as grandes empresas e setores da economia de valiosíssima importância só se tornaram o que são graças ao marketing. A propaganda é o que impulsiona o serviço para um nível cada vez mais refinado e gratificante.

Nos lugares onde se preza pela evolução e onde se honra a seriedade os advogados possuem, sim, a prerrogativa de divulgar seu serviço para que possam contar com a oportunidade de ampliar seu leque de clientes. Assim, também, aumentam suas experiências, advogados mais experientes geram no mercado profissionais mais sábios, melhores experimentados, mais resilientes e robustecidos de uma camada de comprometimento e circunspeção inexpugnável. Ao passo que o advogado sem muitos clientes, aquele que iniciou a atividade muito dificultosamente e, por não poder se divulgar, fica à mercê da sorte esperando ser conhecido e ser procurado a partir do nada, é o que, por óbvio, nunca prosperará num meio tão competitivo e, com o perdão da expressão, com absoluto respeito aos profissionais, mercenária e darwinista.

E, no entanto, eis aí duas expressões que não são privilégio dos profissionais do Direito. Todo o mercado, de forma geral, é darwinista e cruel, não só os juristas. A única forma de proporcionar isonomia na expressão mais estrita e aristotélica que este termo pode receber como tradução é garantindo aos advogados o seu direito de publicar, divulgar, de propagandear seu serviço. Todos podem fazê-lo, exceto os profissionais que buscam a justiça e são embaixadores da compreensão e da diplomacia entre iguais, justamente eles, que defendem honras e salvam direitos do fogo eterno da indiferença, eles, tão dignos e dedicados, tratam a si mesmos com uma discricionariedade famigerada e hipócrita, como se quisessem, em nome do moralismo, evitar evoluir "passando por cima de valores", quando, na verdade, a Apple, a Microsoft o Walmart e o diabo a quatro só chegaram onde estão por causa da insistência em merchandising. Isso é sério e é real. Não há imoralismo ou algum tipo de concorrência desleal ou o que quer que seja em advogados se promoverem. Outros países já reconheceram e afirmam e desfrutam a eficácia da tese deste material. O Código de Ética censurar a captação de clientela é o mesmo que dizer para os advogados não irem até os clientes e esperarem-nos sentados surgirem de algum lugar misterioso. Entenda-se: a forca motriz de todo o negócio bem sucedido é a publicidade. Compreenda-se: a forca motriz de toda a atividade próspera é a publicidade.

A propaganda, por mais pequena que seja, é a essência, é a vida de um serviço bem orquestrado. O marketing é sagrado e indispensável. Qual o advogado que, mesmo no finalzinho de um almoço de família no domingo pela tarde, depois de um acalorado debate sobre uma determinada tratativa jurídica não mencionou seu escritório e não aproveitou o incidente para distribuir alguns cartões seus? Com o perdão da alusão, mas a ilustração aqui é necessária e chamativa mesmo: saberá você, leitor, quais os intentos de um surdo-mudo que se encontre estatizado qual um poste em um canto de uma sala sem esboçar um mínimo de expressividade? Perscrutará você, leitor, o íntimo desse personagem hipotético que está privado de emoção e de expressão e saberá dizer quais os desígnios que ele pretende ou suas paixões, medos, vontades e sonhos? Pois bem, esse personagem é você, advogado. Esse personagem é todo aquele que não pode manifestar o que faz ou o que quer porque a expressão da vida é marketing, manifestar vontade é torná-la pública, isto é, conhecida dos demais e, uma vez que um código equivocado o priva disso, ei-lo aí qual um mudo amordaçado.

Sinta-se convidado, agora, leitor, a se imaginar na seguinte situação: vossa senhoria acaba de deixar a graduação com louvor e esperança em um futuro formidável. Decide formar uma associação de advogados com dois ou três colegas de sua proximidade afetiva. Dividem as atividades a serem desempenhadas, despendem de tempo, fazem empréstimos, nos primeiros meses provavelmente até tenham de alugar um espaço mais modesto, talvez longe da região central da cidade ou da área de maior movimento, enfim, algo de acordo com as barreiras impostas pelo realismo dos limites financeiros. Neste ínterim, concluem que há algo de obscuro lhes importunando: necessitam alavancar a imagem do seu negócio.

E, infelizmente, não podem fazê-lo. Afinal de contas, o Código não permite que você e seus colegas incipientes utilizem-se de artifícios de merchandising, todavia, podem contemplar o ilustre Dr. Podval, ou, talvez, o Dr. Elias Assad através do televisor ainda de tubo de seu escritório modesto dando entrevistas na mídia sobre algum caso de amplitude hiperbólica. Mas não é tudo. Passam-se alguns meses e a quantidade de clientes de seu pequeno negócio não aumenta, talvez até arrefeça, dependendo do contexto como o de uma crise econômica, por exemplo, que tenha acometido a nação. E, ainda, pior, passam-se mais alguns meses e você esbarra com cartazes de vereadores, de prefeitos, de políticos em geral espalhados por todos os lados, como se não houvesse o amanhã. Na televisão e no rádio, lá estão os políticos promovendo a si mesmos, alguns, inclusive, fazem jus à frase de um personagem famoso de um filme famoso de Spielberg "Não poupei despesas", e eles, de fato, quando se trata de publicidade, não poupam. Essa é só mais uma prova: se propagandear não fosse a certeza cabal de conquista do que se quer, os políticos não gastariam milhões com isso, muitas vezes, financiados por empresas privadas ou com o dinheiro público mesmo.

Os políticos podem divulgar a si mesmos, os advogados, todavia, nem em sonho. A propaganda, o marketing, de forma geral, é permita à todos os demais ramos de atividade que se possa imaginar, aos advogados, todavia, é veementemente restrita. Portanto, há a cabal e inegável presença de uma conflagração jurídica fomentada e nutrida no cerne da próprio universo jurídico; um confronto entre iguais, uma luta entre jogadores do mesmo lado, um combate entre membros da mesma corporação cujo prêmio do vencedor é a prosperidade no mercado jurídico. Ver-se-á, sem demora, que o segredo para a vitória nesse embate é lançar mão de artifícios sutis e venturosamente operativos.

Sobre o autor
Saulo Oliveira Silva

Acadêmico de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Contato: (41) 98736-1265.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Saulo Oliveira. Marketing jurídico: a hipocrisia da ética sobre a propaganda advocatícia no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5013, 23 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56578. Acesso em: 24 nov. 2024.

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