É imperativa a proteção da dignidade da pessoa humana, como atributo central e manifestação do estado democrático de direito.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DO DECRETO Nº 8858, DE 2016. 3. DA NOVÍSSIMA LEI Nº 13.434, DE 2017. 4. DAS CONCLUSÕES. DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
RESUMO: O presente ensaio tem por objetivo analisar a Lei nº 13.434, de 12 de abril de 2017, que acrescenta parágrafo único ao art. 292 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para vedar o uso de algemas em mulheres grávidas durante o parto e em mulheres durante a fase de puerpério imediato.
Palavras-Chave. Uso de Algemas. Súmula Vinculante nº 11 do STF. Decreto nº 8858/2016. Lei nº 13.434/2017. Puerpério. Proteção das Mulheres. Imprescindibilidade.
1. INTRODUÇÃO
A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, que define políticas de execução da pena, estabelece, em seu artigo 199, que “o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”.
O tempo passou e o legislador omisso, como sempre, não regulamentou o uso de algemas, fazendo com que o STF disciplinasse o tema por meio da Súmula Vinculante nº 11, com os seguintes dizeres:
“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiro, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, cível e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo de responsabilidade civil do Estado.”.
Antes desta Súmula, a doutrina se firmava no sentido de admitir o uso das algemas nos casos de resistência do preso e fundado receio de fuga do criminoso, fazendo analogia ao artigo 284 do Código de Processo Penal, segundo o qual não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.
Quanto ao uso de algemas, percebe-se, claramente, que, de um lado, a legislação brasileira protege a integridade física e moral do preso, art. 5º, XLIX, da CF/88 c/c artigo 40 da Lei nº 7.210/84, e, de outro lado, o direito fundamental da segurança, artigo 5º, caput, da CF/88, além do texto constitucional preambular, visto em diversos ângulos, inclusive no campo da segurança pública.
2. DO DECRETO Nº 8858, DE 2016
Perto dos 32 anos da LEP, o Poder Executivo brasileiro editou o tão esperado Decreto nº 8858/2016, com apenas 04 artigos, publicado em 27 de setembro de 2016.
O Decreto regulamentador prevê, no art. 1º, que o emprego de algemas observará o disposto no Decreto, observando-se três diretrizes, a saber:
I - o inciso III do caput do art. 1º e o inciso III do caput do art. 5º da Constituição, que dispõem sobre a proteção e a promoção da dignidade da pessoa humana e sobre a proibição de submissão ao tratamento desumano e degradante;
II - a Resolução no 2010/16, de 22 de julho de 2010, das Nações Unidas sobre o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok); e
III - o Pacto de San José da Costa Rica, que determina o tratamento humanitário dos presos e, em especial, das mulheres em condição de vulnerabilidade.
Destarte, apenas dois artigos disciplinam o uso do dispositivo de segurança, assim preceituando:
Art. 2º É permitido o emprego de algemas apenas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros, justificada a sua excepcionalidade por escrito.
Art. 3º É vedado emprego de algemas em mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar e após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada.
Assim, o decreto regulamentador não acrescentou conteúdo em torno do uso de algemas para o caso de resistência à prisão e tentativa de fuga, preservado aquilo que a doutrina já entendia, e tudo de acordo com o enunciado da Súmula Vinculante nº 11 do STF.
Para não dizer que tudo foi em vão, mais de três décadas depois, o Poder Executivo acrescentou, no decreto, o art. 3º, que veda o emprego de algemas em mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar, e após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada.
3. DA NOVÍSSIMA LEI Nº 13.434, DE 2017
No dia 13 de abril de 2017, entrou em vigor a Lei nº 13.434/2017, que acrescentou parágrafo único ao art. 292, do Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para vedar o uso de algemas em mulheres grávidas durante o parto e em mulheres durante a fase de puerpério imediato.
Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.
Parágrafo único. É vedado o uso de algemas em mulheres grávidas durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como em mulheres durante o período de puerpério imediato.
Pelo que se percebe, a partir deste instante, Poder Legislativo e Executivo se unem para proteger os direitos das mulheres em condições especiais.
Fazendo a junção do decreto nº 8858/2016 à Lei nº 13.434/2017, podemos condensar as seguintes vedações de uso de algumas nas mulheres:
I - mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional durante o trabalho de parto;
II - no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar;
III - após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada.
IV - mulheres durante a fase de puerpério imediato.
Sabendo que o estado puerperal é elementar do crime de infanticídio, artigo 123 do Código Penal, a inovação tem causado acirradas discussões doutrinárias para a sua caracterização, notadamente acerca do tempo de estado puerperal.
Há quem afirme que o estado puerperal é o período pós-parto ocorrido entre a expulsão da placenta e a volta do organismo da mãe para o estado anterior a gravidez.
Parte da doutrina entende que o estado puerperal dura algo em torno de 3 a 7 dias após o parto, mas também há quem entenda que poderia perdurar por um mês ou por algumas horas.
Em seu ensaio jurídico denominado “Limites temporais do estado puerperal nos crimes de infanticídio”, o professor Antônio Sólon ensina que:
"...Parte da comunidade científica tem por puerpério o período em que ocorre a psicose puerperal que é uma espécie de transtorno psicológico independente, pois é restrito às mulheres e ocorre durante, ou logo após o parto, e recebe tal nomenclatura por ocorrer dentro do período do puerpério. De outra banda, temos que relevar o fato de que a maior parte da literatura médica considera que o puerpério é o período compreendido entre a dequitação placentária e o retorno do organismo materno às condições pré-gravídicas, tendo duração média de 6 semanas e não a psicose puerperal, que é o momento em que ocorre a crise. A este, a doutrina dá o nome de estado puerperal, que seria justamente quando acontece o trauma psicótico mencionado acima, ou seja, a alteração temporária em mulher sã, com colapso do senso moral e diminuição da capacidade de entendimento seguida de liberação de instintos, culminando com a agressão ao próprio filho…".
4. DAS CONCLUSÕES
Como se verifica, o Poder Executivo deixou transcorrer mais de trinta anos para editar um decreto regulamentar a fim de disciplinar o uso de algemas.
Ainda, depois desse tempo todo, foi editado um Decreto com apenas 04 artigos, sendo que, irrisoriamente, dois artigos discorrem sobre o assunto.
Por último, foi a vez do legislador criar um parágrafo no artigo 292 do Código de Processo Penal, para praticamente repetir o enunciado do Decreto nº 8858/2016, e criar um grande problema de ordem jurídica para o sistema de defesa social ao proibir o uso de algemas nas mulheres durante a fase de puerpério imediato.
Assim, será preciso ter um médico de plantão para aferir e depois emitir laudo psicopatológico conclusivo para saber se a mulher está, ou não, no quadro de puerpério.
E, depois, saber se este puerpério é imediato ou não, qual o tempo de confusão psicológica, hábil a suprimir sua capacidade intelectiva ou volitiva, durante ou logo após o parto, para afastar ou não a tão necessária e imprescindível proteção das mulheres.
Ninguém tem dúvidas de que grande parte dos integrantes do Congresso Nacional tem especialidade e mestrado em atuar com crimes de corrupção, crime organizado, lavagem de dinheiro, tráfico de influência, evasão de divisas, além de outras práticas nojentas.
Agora, saber que a maioria dos congressistas se mostra incompetente para criar leis que visem proteger com eficiência o povo brasileiro, também é outra situação pacífica.
É muita incompetência acumulada. Assim, como o servidor público estável poderá perder o seu cargo mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa, artigo 41, III, da CF/88, deveria também o congressista perder o seu mandato nas mesmas condições, ou para facilitar e abreviar as coisas, quem sabe o povo brasileiro, tão cansado e impaciente, não expurgava esses malfeitores e sanguessugas sociais já nas próximas eleições?
Por fim, não se discute a necessidade premente de cada vez mais urgente e tecnicamente proteger os direitos das mulheres, sobretudo com a construção da cultura da igualdade e da paz entre as pessoas.
E, tanto isso é verdade, que, recentemente, a Lei nº 13.421, de 27 de março de 2017, instituiu a Semana Nacional pela Não Violência contra a Mulher, que será comemorada na última semana do mês de novembro.
Proteção de direitos, proibição do retrocesso social, essa é uma necessidade constante!
DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Lei nº 13.434, de 12 de abril de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13434.htm. Acesso em 14 de abril de 2017, às 10h53min.
RUDÁ, Antonio Sólon. Limites temporáis do estado puerperal nos crimes de infanticídio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, nº 2635, 18 set 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/17433>. Acesso em: 14 abr. 2017.