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A execução da pena sem trânsito em julgado: reflexos diante do pacto de San José da Costa Rica

Agenda 26/05/2017 às 15:21

Os impactos aos Direitos Humanos pactuados no âmbito internacional diante da execução da pena antes do trânsito em julgado segundo jurisprudência atualizada do STF.

INTRODUÇÃO

O Processo Penal no Brasil atende a requisitos irrevogáveis de observação das garantias individuais dos cidadãos provenientes principalmente de convenções internacionais que se debruçam sobre Direitos Humanos. A Convenção Interamericana de Direitos Humanos privilegia em seu arcabouço normativo à observância ao duplo grau de jurisdição e a presunção de inocência, incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro. A análise da doutrina, bem como, dos precedentes no Judiciário, servirão para a abordagem do tema e os questionamentos acerca da flexibilização atual dessas garantias.

O objetivo do presente artigo é abordar de forma crítica o cumprimento de pena antes do trânsito em julgado como óbice à plena existência dos princípios presentes no Pacto de São José da Costa Rica incorporado à legislação nacional e de caráter vinculativo, analisando os posicionamentos favoráveis e contrários. A problemática do tema será abordada de maneira fundamentada com diversos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, por meio de técnicas de pesquisa bibliográfica e documental com o fito de extrair uma conclusão diante dos pontos controversos.

{C}1        Da Incorporação dos Pactos Internacionais ao Ordenamento Jurídico Pátrio.

A construção do Estado Democrático de Direito marcha pela incorporação de termos de Tratados internacionais de Direitos Humanos nos quais o mesmo é signatário. No Brasil, desde a Emenda Constitucional 45.2004 os pactos internacionais que versem sobre Direitos Humanos e que atendam ao rito legislativo de Emenda à Constituição são incorporados à Constituição Federal com status de Emenda à Constituição

Art.5º [...]

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”.

 

Nesse sentido, o convencionado no âmbito da Organização dos Estados Americanos tem força normativa sobre a ordem legal pátria, portanto, quaisquer cláusulas pactuadas deverão ser incorporadas aos atos coativos do Estado Brasileiro, em prestígio ao Pacta Sunt Servanda.

{C}1.1  Nível Hierárquico dos Tratados Internacionais no Brasil

A incorporação do regramento presente nos tratados internacionais que versam sobre Direitos Humanos nos quais o Estado Brasileiro é signatário precisa ser subdividida para que se alcance o entendimento acerca de sua aplicabilidade no ordenamento jurídico.

A Emenda Constitucional 45.2004 institui a equiparação dos pactos sobre Direitos Humanos às emendas constitucionais desde que sua incorporação atenda ao rito de aprovação estabelecido.

O Pacto de San José da Costa Rica, por não atender ao trâmite específico de aprovação, tem status supralegal, acima da legislação interna, porém, inferior a Constituição Federal. A Súmula Vinculante 25 do Supremo Tribunal Federal que versa sobre a prisão civil de depositário infiel vem consolidar tal entendimento, visto que a determinação imposta no tratado internacional impedia tal ato coativo.  Ao sumular que “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito.” indo de encontro ao próprio texto constitucional em seu artigo 5º, LXVII que diz que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel” ascende a explicação que tem base na natureza da determinação constitucional. Tal comando representa norma de eficácia limitada, ou seja, necessita de regulamentação para sua aplicabilidade, o tratado por ocupar local hierárquico superior à legislação infraconstitucional faz com que qualquer esforço para regulamentação já surja natimorto, como narra decisão do STF: "Esse caráter supralegal do tratado devidamente ratificado e internalizado na ordem jurídica brasileira - porém não submetido ao processo legislativo estipulado pelo artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal - foi reafirmado pela edição da Súmula Vinculante 25, segundo a qual  é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito'. Tal verbete sumular consolidou o entendimento deste tribunal de que o artigo 7º, item 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos teria ingressado no sistema jurídico nacional com status supralegal, inferior à Constituição Federal, mas superior à legislação interna, a qual não mais produziria qualquer efeito naquilo que conflitasse com a sua disposição de vedar a prisão civil do depositário infiel. Tratados e convenções internacionais com conteúdo de direitos humanos, uma vez ratificados e internalizados, ao mesmo passo em que criam diretamente direitos para os indivíduos, operam a supressão de efeitos de outros atos estatais infraconstitucionais que se contrapõem à sua plena efetivação." (ADI 5240, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgamento em 20.8.2015, DJe de 1.2.2016).

 

O questionamento necessário acerca da hierarquização calcificada pelo STF atinge principalmente a distinção entre Direitos Fundamentais e Direitos Humanos, este conceituado frequentemente como garantia natural do homem, independente de quaisquer circunstâncias legais ou fáticas, enquanto aquele diz respeito ao que é garantido ao homem em uma ordem legal. Sobre isso ensina Canotilho “Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta” (apud LOPES, 2005).

A partir da assinatura e assunção das obrigações estipuladas nos tratados concernentes aos Direitos Humanos no âmbito internacional, o Estado Brasileiro deve convergir esforços para modular seu funcionamento às determinações, inclusive, normas processuais que incidem nas garantias individuais do cidadão.

{C}2               Os Princípios do Duplo Grau de Jurisdição e a Presunção de Inocência.

 

Inicialmente é necessário que se faça uma análise acerca da acepção dos “Princípios”, que muito mais do que referência inicial, são essencialmente ferramentas que subsidiam a existência de um Estado de Direito, devendo, enquanto alicerce da ordem legal, estarem expostas na aplicação da lei. Sobre isso, ensina MELLO (1991):

Os princípios, como valores inquestionáveis, surgiram posteriormente aos costumes. São fundamentados basicamente no direito natural, pois sua vigência e aplicabilidade independem da existência de qualquer documento ou norma formal. O duplo grau de jurisdição, como um bom exemplo, é invocado diariamente, pelos profissionais do direito, sempre que uma decisão judiciária, a seu ver, lhes parece errônea, quer pelo procedimento utilizado ou pela fundamentação descabida, permitindo, assim, futuras discussões acerca de sua aplicabilidade ou não.[1]

 

A Doutrina explicita exatamente a obrigatoriedade da observância dos princípios na aplicação da lei, pois, inexiste possibilidade de aplicação que infrinja sua lógica. Nessa esteira, adentram ao ordenamento jurídico os Princípios do duplo Grau de Jurisdição e da Presunção de Inocência.

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2.1 Do Duplo Grau de Jurisdição

O Princípio do Duplo Grau de Jurisdição está consolidado na matéria processual brasileira, sendo garantia de todos os jurisdicionados, sua presença advém da incorporação de texto normativo do Pacto de São José da Costa Rica que determina:

2.      Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.  Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: [...]

h.      direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.

 

A Constituição Federal não traz em seus artigos a determinação expressa de tal garantia, porém, após a Emenda Constitucional 45.2004 os pactos internacionais passam a ser vinculantes ao ordenamento jurídico pátrio, dessa forma, vigora mesmo sem determinação escrita, tendo caráter materialmente constitucional e assim se insculpe como garantia individual, destarte, a própria Carta Magna determina em seu arcabouço que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”, dessa forma, indiscutível a incorporação de tal princípio ao Estado.

A natureza processual de tal princípio visa garantir a possibilidade de reavaliação de sentença proferida em primeiro grau em órgão colegiado e imediatamente superior, privilegiando dessa forma a ampla defesa e contraditório do réu. A impossibilidade de sua aplicação acarretaria uma afronta às garantias individuais elencadas na Convenção Interamericana na qual o Brasil é signatário e macularia a necessidade de incorporação dos Direitos Humanos ao Estado.

A Corte Interamericana dos Direitos Humanos em sede de decisão do caso Barreto Leiva X Venezuela, que tratava exatamente da supressão do duplo grau de Jurisdição explica que:  

“ [...] 89. A dupla apreciação judicial (ou dupla conformidade judicial), expressada por meio da revisão integral da decisão condenatória, confirma o fundamento, concede maior credibilidade ao ato jurisdicional do Estado e, ao mesmo tempo, oferece maior segurança e proteção aos direitos do condenado.[...]”[2]

 

Nos julgamentos da Corte é sabido que a vinculação aos termos acordados na Convenção são irretocáveis, tendo a luz do Pacta sunt servanda que o inobservância dos seus preceitos equivalem a ataques não só ao Pacto Internacional mas, aos Direitos Humanos ali pactuados.

107. Essa adoção de medidas funciona em duas vertentes, a saber: i) a supressão das normas e práticas de qualquer natureza que impliquem em violação às garantias previstas na Convenção ou que desconheçam os direitos ali reconhecidos ou obstaculizem seu exercício, e ii) a expedição de normas e o desenvolvimento de práticas dirigidas à efetiva observância destas garantias.

 

O posicionamento da Corte Internacional é cristalino ao ditar que o Estado signatário da Convenção deve convergir esforços legislativos que visem garantir o exercício de defesa dos Direitos constantes na pactuação, ou seja, o alinhamento das regras legais internas aos ditames acordados no acordo internacional.

2.2 Da Presunção de Inocência.

Os princípios que norteiam o processo penal devem ser vistos com a rigidez que o próprio estudo jurídico lhes proporcionou, entre os mais comentados que urgem como essenciais para o respeito do Devido Processo Legal, está o da Presunção de Inocência, que não obstante sua existência no ordenamento pátrio encontra-se como cláusula jus cogens no ambiente internacional.

A Presunção de Inocência pode ser conceituada como ferramenta de garantia do acusado para que se mantenha no status de suspeito durante toda a persecução penal, não podendo ser considerado culpado antes do trânsito em julgado alcançado após o estrito cumprimento do devido processo legal.

A Constituição Federal prestigia em seu arcabouço o Estado de Inocência em seu Artigo 5º que diz que

Art. 5º [...]

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

A garantia constitucional que incide no desenvolvimento processual é instituída no Pacto de San José da Costa Rica em seu Artigo 8º que determina que

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: [...]

Não se pode confundir a calcificada ideia da Presunção de Inocência com a presunção de não culpabilidade, visto que a primeira não precisa sequer estar positivada em um Estado que adotou a Democracia para reger sua existência, pois os avanços relacionados às garantias individuais por si só tornam clarividente tal condição. Por outro lado a ideia reduzida de não culpabilidade coloca em questão a própria limitação do Estado sobre os Jurisdicionados, fazendo com que os alicerces dos Direitos Humanos sejam abalados.

Sobre isso se faz oportuno e atual o posicionamento de Julio Fabbrini Mirabete (2003), o que se entende hoje, como diz Florian, é que existe apenas uma tendência à presunção de inocência, ou mais precisamente, um estado de inocência, um estado jurídico no qual o acusado é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença transitado em julgado. Assim, melhor é dizer-se que se trata do “princípio de não-culpabilidade”. Por isso, nossa Constituição Federal não “presume’ a inocência, mas declara que “ninguém será considerado culpado ate o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art.5º, LVII), ou seja, que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e seu estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado. Pode-se ate dizer, como faz Carlos J. Rubianes, que existe até uma presunção de culpabilidade ou de responsabilidade quando se instaura a ação penal, que é um ataque à inocência do acusado e se não a destrói, a põe em incerteza até a prolatação da sentença definitiva(...).[3]

No Estado Democrático de Direito Brasileiro há que se falar na declaração de inocência durante a instrução penal, pois, esta é inviolável até que se haja o trânsito em julgado, tanto de maneira legal quanto no sentido da existência material do próprio processo.

3. Do Cumprimento Antecipado da Pena

3.1 Dos esclarecimentos iniciais

A prisão no Estado Democrático Brasileiro segundo a Constituição Federal dar-se-á da seguinte forma

Art. 5º [...] LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

Seguindo as determinações da Carta da República convém replicar texto normativo que exara a seguinte indicação que engloba a restrição de liberdade do indivíduo

Art.5º [...]LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

A interpretação acerca do ato coativo para privação da liberdade nasce da necessidade do atendimento ao devido processo legal, que representa uma série de procedimentos que observam garantias individuais e afastam a presença de um Estado inquisitório, que cassará o direito de ir, vir e ficar dos jurisdicionados. Sobre o devido processo legal, ensina Novelino (2008), o devido processo legal substantivo se dirige, em primeiro momento ao legislador, que constituindo-se em um limite à sua atuação, que deverá pautar-se pelos critérios de justiça, razoabilidade e racionalidade. Como decorrência deste princípio surgem o postulado da proporcionalidade e algumas garantias constitucionais processuais, como o acesso a justiça, o juiz natural, a ampla defesa o contraditório, a igualdade entre as partes e a exigência de imparcialidade do magistrado.

O esclarecedor entendimento acima deixa claro que existem garantias implícitas no seguimento do devido processo legal e que sem elas não há regularidade no processo e consequentemente a liberdade não pode ser sequer ameaçada nesses moldes.

As garantias dispostas ao cidadão são irrenunciáveis e visam tutelar a prevalência do indivíduo ante o Estado, sobre isso Alexandre de Morais explica que: “O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado – persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).”

Os esclarecimentos acerca da necessidade do respeito às garantias individuais incidentes no processo penal são essenciais para a percepção da posição dos Direitos Humanos no ordenamento jurídico pátrio e da crítica à atual Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

3.2 Supremo Tribunal Federal e a controvérsia do início cumprimento da Pena.

A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em decisão do Habeas Corpus 126.292{C}[4] alterou sua própria Jurisprudência no que atenta ao cumprimento antecipado da pena, ora combatido e declarado inconstitucional pela Suprema Corte Brasileira. Sob a prerrogativa de ferir frontalmente a dignidade do indivíduo que só poderia ser exposto à uma exclusão social após a minuciosa análise de sua culpabilidade, que ocorreria após o trânsito em julgado. A decisão do relator do HC 84078[5], ministro Eros Grau destrinchava entendimento até então solidificado:

EMENTA: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

[...]3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. [...] 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual.

A jurisprudência consolidada pelo STF garantia o reconhecimento de culpa e posterior responsabilização com privação da liberdade apenas nos casos onde havia o trânsito em julgado, por entender que não havia definição de matéria até serem esgotadas as ferramentas processuais advindas de garantias individuais indissolúveis, principalmente a presunção de inocência e o duplo grau de jurisdição.

Em decisão contemporânea o douto juízo alterou seu entendimento no sentido de declarar que não há impedimento para o início de cumprimento da pena após julgamento por órgão colegiado de recurso de apelação, lastreada principalmente no fundamento de que a matéria fática necessária para a imputação de crime e em decorrência deste a aplicação da pena, já fora analisado e rediscutido, a decisão do HC 126292[6] de relatoria do saudoso ministro Teori Zavascki traz a lume tal entendimento, vejamo-la:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado.

Em análise superficial é possível vislumbrar, com a devida vênia, o contrassenso da decisão ante a lógica do sistema penal e o respeito às garantias individuais tuteladas pelos Direitos Humanos, pois, partindo dessa permissa é possível afirmar a culpabilidade do réu mesmo antes de esgotadas suas fontes recursais, introduzidas na acepção do devido processo legal e calcificadas nos princípios de direito internacional da Presunção de Inocência e o Duplo grau de Jurisdição presentes no Pacto de San José da Costa Rica.

No sentido contrário, mostra-se sólido o posicionamento do iminente ministro Celso de Mello que em sua frase inaugural do voto sustenta que “a presunção de inocência representa uma notável conquista histórica dos cidadãos em sua permanente luta contra a opressão do Estado e o abuso de poder”, ora, tal reflexão traz a lume a importância de tal princípio e sua incidência para a consolidação dos Direitos Humanos ao arcabouço normativo. Em outra importante passagem do seu voto diz Mello: “A necessária observância da cláusula constitucional consagradora da presunção de inocência (que só deixa de prevalecer após o trânsito em julgado da condenação criminal) representa, de um lado, como já assinalado, fator de proteção aos direitos de quem sofre a persecução penal e traduz, de outro, requisito de legitimação da própria execução de sanções privativas de liberdade ou de penas restritivas de direitos.”

A Ordem Democrática lastreada em garantias individuais e a incorporação de termos internacionais que advém de princípios progressistas e de avanços civilizatórios corrobora a própria função dos Direitos Humanos, a prevalência das garantias ante o exercício do Poder, onde legitimado é o Estado.

A presunção de inocência e o duplo grau de jurisdição são princípios essenciais para a existência de uma Democracia plena, pois, trata-se de ferramentas garantísticas na persecução penal que limitam a ação desarrazoada do Estado e a política do encarceramento sem fundamento e ainda permitem que seja mantida a possibilidade do status de inocente até o trânsito em julgado.

3.3 A Mutação Constitucional e o princípio da Irretroatividade das normas de Direitos Humanos.

A decisão emanada nos autos do HC 126292 tem como base a possibilidade da mutação constitucional, que diz respeito a alterações de aplicabilidade diante do mesmo mandamento que pode decorrer de mudança na realidade fática ou de percepção do Direito.

Sobre isso escreve Barroso (2015)

(...) A mutação constitucional em razão de uma nova percepção do Direito ocorrerá quando se alterarem os valores de uma determinada sociedade. A ideia do bem, do justo, do ético varia com o tempo. Um exemplo: a discriminação em razão da idade, que antes era tolerada, deixou de ser. (...) A mutação constitucional se dará, também, em razão do impacto de alterações da realidade sobre o sentido, o alcance ou a validade de uma norma. O que antes era legítimo pode deixar de ser. E vice-versa. Um exemplo: a ação afirmativa em favor de determinado grupo social poderá justificar-se em um determinado momento histórico e perder o seu fundamento de validade em outro”.

A sensibilidade de tal tema é substancial, pois, a pretexto de uma suposta ruptura da percepção legal sobre os fatos há o iminente risco de desrespeito à um princípio basilar dos Direitos Humanos pactuados em nível internacional, que é o da Irretroatividade.

A crítica que se faz à mutação constitucional no caso do cumprimento antecipado da pena não se dá pela existência do instituto jurídico, mas pelo objeto de sua alteração, pois, a partir do momento em que se flexibiliza garantias perde sustentação o Estado Democrático de Direito. A reforma do entendimento jurisprudencial sobre matéria de Direitos Humanos que tornam a aplicabilidade da norma constitucional como mais gravosa faz com que haja um retrocesso na incorporação de normas internacionais e nos marcos civilizatórios.

CONCLUSÃO

Por todo o exposto conclui-se que o Estado Democrático de Direito não pode se desvencilhar do reconhecimento dos Direitos Humanos, tanto na seara material quanto na esfera processual. As garantias individuais prestigiadas nos acordos internacionais precisam ser aplicadas nos atos processuais, principalmente quando tiverem influência na liberdade do indivíduo.

A mutação constitucional, instituto jurídico consolidado, pode ser utilizada quando ocorrer brusca alteração da percepção jurídica ante o quadro social instaurado, sendo que não se deve confundir comoções pontuais com rupturas significativas. A decisão do Supremo Tribunal Federal, com a devida vênia, desvincula não só seu próprio posicionamento recente, como também toda a estrutura e segurança jurídica sobre as garantias individuais. Ao permitir o cumprimento antecipado da pena são desprestigiados totalmente os princípios da presunção de inocência e duplo grau de jurisdição. A situação delicada corrobora o total esquecimento ao próprio comando constitucional já consolidado, o devido processo legal.

Por fim, cabe ressaltar que não se deve buscar uma imutabilidade da aplicação das normas ou do reconhecimento de direitos, porém, objetivada uma sociedade irrestritamente progressiva não se deve sacrificar conquistas históricas de prevalência individual sobre o Estado com o fito de agradar a multidão de indignados. O Direito é uma construção que precisa fincar amarras sólidas no desenvolvimento humano e em seus progressos, qualquer movimento de flexibilização levantará indagações e preocupações, não se pode reformar aquilo que é basilar, pois, o alicerce é que sustenta toda a estrutura. A história ensinou que foi do caos que nasceram os Direitos Humanos consolidados nos pactos internacionais e não é disponível a nenhum signatário tornar maleável sua aplicação, pelo bem do povo e do Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Editora Saraiva, São Paulo, 2015.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Emenda constitucional nº45 de 2004. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm> Acesso em: 20 de maio de 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante 25, publicada em dezembro de 2009. Disponível em : < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1268 > Acesso em: 19 de maio de 2017.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Julgamento do Caso Barreto Leiva VS Venezuela em 17 de novembro de 2009. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/04/5523cf3ae7f45bc966b18b150e1378d8.pdf > Acesso em: 17 de maio de 2017.

LOPES, Anselmo Henrique Cordeiro. A força normativa dos tratados internacionais de direitos humanos e a Emenda Constitucional nº 45/2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6157 > Acesso em: 20 de maio de 2017.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 1991.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. Editora Atlas, 14 edição. São Paulo, 2003.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Editora Atlas, 10ed. São Paulo, 2001.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. Editora Método, São Paulo, 20


[1]{C} Pág.230

[2]{C} CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

CASO BARRETO LEIVA VS. VENEZUELA

SENTENÇA DE 17 DE NOVEMBRO DE 2009

[3]{C} p.41-42.          

[4]{C} Origem:               SP - SÃO PAULO

Relator atual        MIN. TEORI ZAVASCKI

PACTE.(S)            MARCIO RODRIGUES DANTAS

IMPTE.(S)            MARIA CLAUDIA DE SEIXAS (88552/SP, 88552/SP)

COATOR(A/S)(ES)RELATOR DO HC Nº 313.021 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

[5]{C} Origem:               MG - MINAS GERAIS

Relator atual        MIN. LUIZ FUX

PACTE.(S)            OMAR COELHO VITOR

IMPTE.(S)            OMAR COELHO VITOR

ADV.(A/S)            JOÃO EDUARDO DE DRUMOND VERANO

ADV.(A/S)            LUÍS ALEXANDRE RASSI

COATOR(A/S)(ES)SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

[6]{C}

Origem: SP - SÃO PAULO

Relator atual        MIN. TEORI ZAVASCKI

PACTE.(S)            MARCIO RODRIGUES DANTAS

IMPTE.(S)            MARIA CLAUDIA DE SEIXAS (88552/SP, 88552/SP)

COATOR(A/S)(ES)RELATOR DO HC Nº 313.021 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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