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O exame criminológico deve ser realizado por médico

Agenda 09/07/2017 às 10:30

Analisaremos o posicionamento jurisprudencial sobre a realização de exame criminológico por profissionais da saúde, salientando os motivos de o teste dever ser realizado por médico, sob pena de nulidade.

O Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que o exame criminológico não é obrigatório para que o preso tenha direito à progressão de regime prisional.

Inobstante isto, cabe ao juiz, fundamentadamente, quando julgar necessário, determinar a realização do exame criminológico para avaliação da personalidade do preso que aspira progressão ao regime menos rigoroso.

O exame criminológico é feito para avaliar a personalidade do criminoso, sua periculosidade, eventual arrependimento e a possibilidade de voltar a cometer crimes. Ele deixou de ser obrigatório para a progressão de regime com a entrada em vigor da Lei 10.792, em dezembro de 2003, que alterou a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84).

Em Mato Grosso do Sul, em administrações anteriores do sistema prisional, existia o C.O.C – CENTRO DE OBSERVAÇÃO CRIMINOLÓGICO, onde os custodiados eram avaliados por uma Equipe de Profissionais, formada por médico psiquiatra, assistente social, advogado e psicólogo, onde o preso era submetido aos testes para aferição de sua capacidade de retorno a vida em liberdade. Infelizmente o Centro de Observação foi desativado.

O exame criminológico, realizado apenas pelo profissional da psicologia, tem sido alvo de recurso junto ao Tribunal de Justiça, pois esta é uma função do médico, preferencialmente médico psiquiatra, e assim entende parte do Tribunal.

Vejamos parte do voto divergente:

“Todavia, ainda que traga indícios de que o reeducando não possa ser agraciado com a progressão de regime, certo é que o exame padece de vício na sua elaboração, tendo em vista que a perícia para esse fim é ato médico.

A atuação do psicólogo no sistema prisional é regulamentada pelo Conselho Federal de Psicologia, que editou a Resolução n. 012/2011, a qual, em seu artigo 4º, determina o seguinte:

Art. 4º. Em relação à elaboração de documentos escritos para subsidiar a decisão judicial na execução das penas e das medidas de segurança:

a) A produção de documentos escritos com a finalidade exposta no caput deste artigo não poderá ser realizada pela(o) psicóloga(o) que atua como profissional de referência para o acompanhamento da pessoa em cumprimento da pena ou medida de segurança, em quaisquer modalidades como atenção psicossocial, atenção à saúde integral, projetos de reintegração social, entre outros.

b) A partir da decisão judicial fundamentada que determina a elaboração do exame criminológico ou outros documentos escritos com a finalidade de instruir processo de execução penal, excetuadas as situações previstas na alínea 'a', caberá à(ao) psicóloga(o) somente realizar a perícia psicológica, a partir dos quesitos elaborados pelo demandante e dentro dos parâmetros técnico-científicos e éticos da profissão.

§ 1º. Na perícia psicológica realizada no contexto da execução penal ficam vedadas a elaboração de prognóstico criminológico de reincidência, a aferição de periculosidade e o estabelecimento de nexo causal a partir do binômio delito-delinqüente.

§ 2º. Cabe à(ao) psicóloga(o) que atuará como perita(o) respeitar o direito ao contraditório da pessoa em cumprimento de pena ou medida de segurança.".

Assim, segundo a referida Resolução, é expressamente vedado ao profissional da Psicologia elaborar prognóstico criminológico de reincidência, aferição de periculosidade e o estabelecimento de nexo causal a partir do binômio delitodelinquente. A propósito, a própria confecção de "exame criminológico" já havia sido vedada aos psicólogos pela pretérita Resolução n. 009/2010, também editada pelo CFP.

O normativo alhures reproduzido não foi editado ao acaso. Ao revés, é fruto de intenso debate entre profissionais da categoria, membros dos Poderes constituídos e sociedade civil, e foi aprovada amplamente em maio/2011 pelo órgão deliberativo da Psicologia Brasileira.

A propósito, ainda sob a égide da Resolução n. 009/2010 do CFP (que vedava a elaboração de "exames criminológicos" por psicólogos), o Promotor de Justiça Haroldo Caetano da Silva autor, dentre outros, dos livros Execução Penal (Magister, 2006) e Ensaio sobre a pena de prisão (Juruá, 2009), teceu pertinentes observações sobre o tema, a seguir transcritas:

"(...) A reincidência criminal tem muitos fatores, dentre os quais se destaca a situação de vulnerabilidade social a que são jogados os homens e mulheres que, após o cumprimento da pena de prisão, obtêm a liberdade, não sendo lícita a negativa dessa liberdade com base em previsões futurológicas profundamente subjetivas e que não levam em consideração outros aspectos distintos, porém inseparáveis, da situação do homem encarcerado. Quem ainda não viu, assista ao filme Um sonho de liberdade, indicado ao Oscar em 1994, e observe como se dá a avaliação criminológica do personagem representado pelo ator Morgan Freeman, para ter uma idéia de como se realiza e a que se destina tal exame. Vejamos:

“A atuação do psicólogo no sistema prisional é de suma importância para a garantia da dignidade da população carcerária, mas não na condição de laudista ou de agente disciplinador.".

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E mais:

... mas, sim, como realçado na Resolução nº 9 do CFP, trabalhando no acompanhamento terapêutico do preso, buscando compreender os sujeitos na sua totalidade histórica, social, cultural, humana e emocional, na promoção da saúde mental, visando a criação ou o fortalecimento dos laços sociais e comunitários etc.

Vale lembrar que a prisão constitui-se em ato de violência, embora legítima, praticada pelo Estado contra o autor de um crime, mas que tem efeitos colaterais danosos, sobre o condenado e sobre toda a sociedade, inclusive como fator que incrementa os índices de criminalidade. Daí a necessidade de se repensar a utilização desse espaço desumanizador que é o cárcere, reservando-o estritamente para os casos em que não seja viável outro tipo de punição.

Mas voltando ao tema proposto, se por um lado algumas patologias (como no exemplo citado do câncer) podem ser prevenidas por exames clínicos ou laboratoriais, por outro, o crime não é doença, de sorte que o exame criminológico (talvez fosse mais adequado falar-se em exame lombrosiano) não é apto para a identificação de comportamentos futuros do homem. (...)".

Segue o Desembargador em seu voto:

Há a necessidade do exame físico e outros procedimentos médicos.

O magistrado singular nomeou psicólogo para a realização do exame criminológico com suposto arrimo no art. 4º, parágrafo único, do provimento n. 5, de 3 de março de 2006, que tem a seguinte redação:

"Art. 4º O perito médico, preferencialmente com formação em psiquiatria, desempenhará suas funções conforme indicação e designação dos Juízes de Direito, incumbindo-lhe realizar:

a) exames de sanidade mental;

b) exames de dependência ou de cessação de dependência toxicológica;

c) exames de cessação de periculosidade;

d) avaliação psiquiátrica, criminológica;

e) lavrar laudos periciais; e prestar outras informações necessárias ao pleno atendimento das perícias solicitadas pelo Juiz de Direito.

Parágrafo único. Os exames psicológicos, quando indispensáveis à instrução criminal, poderão ser realizados por psicólogos, nos limites estabelecidos na legislação pertinente à sua atividade profissional.

Ocorre que o referido provimento é claro sobre a possibilidade de realização de exames psicológicos apenas nos limites estabelecidos na legislação pertinente à sua atividade profissional, a qual, como já visto, veda a realização do exame criminológico por psicólogo.

(Agravo de Execução Penal nº 0037624-17.2016.8.12.0001- Campo Grande/MS)

Assim, conclui o Dr. Ruy Celso Barbosa Florence, divergindo do entendimento majoritário da 2ª Câmara Criminal do TJMS.

teste de Rorschach (popularmente conhecido como "teste do borrão de tinta") é uma técnica de avaliação psicológica pictórica, comumente denominada de teste projetivo, ou mais recentemente de método de autoexpressão. Foi desenvolvido pelo psiquiatra e Psicanalista suíço Hermann Rorschach. O teste consiste em dar respostas sobre com o que se parecem as dez pranchas com manchas de tinta simétricas. A partir das respostas, procura-se obter um quadro amplo da dinâmica psicológica do indivíduo.

O teste de Rorschach é amplamente utilizado em vários países, alguns profissionais que realizam o exame criminológico fazem uso do referido teste. Acreditamos que o referido teste deve ser interpretado de acordo com a condição social do examinado, escolaridade, percepção do meio que viveu e das condições da prisão onde cumpre pena. Ou seja: o teste deve ser adaptado para as condições dos presos de cada estado, verificando sua cultura e principalmente o seu núcleo familiar e a realidade de vida do examinado, considerando que estes testes foram apresentados no ano de 1920, na Europa, onde a realidade era, e ainda é, bem diferente da brasileira, onde existe uma população de baixa renda, sem formação escolar, e sem informação, muitas vezes recrutadas pelo crime organizado, ou sem qualquer oportunidade de vida, de trabalho, sendo facilmente inclinados ao cometimento de crimes.

Sobre o autor
Mauro D'Eli Veiga

Natural de Campo Grande, Estado de Mato Grosso do Sul. Formado em Ciêncais Juridicas (Direito) pela UCDB, teve como professores, entre outros, Dr. Horácio Vanderlei Pithan, Fábio Trad, Marquinhos Trad, Julio César Souza Rodrigues (EX-PRESIDENTE DA OAB/MS), foi seu orientador de monografia na Graduação o Dr. Ulisses Duarte Neto ( ex-diretor da AGEPEN) e na Pós-Graduação a Doutora em Direito Penal Andréa Flores. É Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela UNIDERP – ANHANGUERA, Servidor Público do Estado há 22 anos. Trabalhou no Colégio Dom Bosco de 1989 até 1994, quando se demitiu para ocupar o cargo público. Foi Diretor do Centro de Triagem de Campo Grande (2007). Exerceu a função de Procurador de Justiça Desportiva do Tribunal de Justiça Desportiva junto a FFMS – Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul em 2.009, sob presidência do Advogado Riad Emilio Saddi. Idealizador da Central de Alvarás da AGEPEN,criada através de convênio TJMS/AGEPEN.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VEIGA, Mauro D'Eli. O exame criminológico deve ser realizado por médico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5121, 9 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58170. Acesso em: 24 nov. 2024.

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