Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Dumping Social no Judiciário Trabalhista Brasileiro

Exibindo página 2 de 3
Agenda 13/06/2017 às 02:23

3 O DUMPING SOCIAL NA JUSTIÇA DO TRABALHO

 

A Justiça do Trabalho tem assumido seu papel social, ao passo que tem se sensibilizado quanto ao cenário de repetidas agressões aos direitos dos trabalhadores. Em diversos lugares do Brasil, vários juízes do trabalho têm demonstrado sensibilidade às questões sociais implícitas decorrentes de reincidente comportamento de desrespeito aos direitos dos trabalhadores.

Tudo aquilo que houver de repercutir juridicamente acerca da exploração do trabalho humano em sua conjuntura produtiva é atribuído à Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional 45, de 2004.[20]

Imensas empresas contribuem com o desequilíbrio universal dos meios de produção e consumo, colocando em risco a paz mundial, desprezando os valores necessários para executar os direitos previdenciários e trabalhistas.

O dano provocado pelo dumping social atravessa a esfera trabalhista, no momento em que o empregador não efetua o pagamento ou deixa de registrar as horas extraordinárias do trabalhador, e por consequência não são refletidos corretamente nos valores do FGTS e da contribuição previdenciária, posto que a arrecadação do FGTS é a fundamental fonte monetária para o cumprimento de programas do governo relativos à “habitação, saneamento básico e infraestrutura urbana”, conforme parágrafo 2º do artigo 9º da Lei 8.036/90[21].

Da mesma maneira, a falta de outros pagamentos devidos pela empresa, como, por exemplo, a contribuição do PIS, que é a principal fonte de recursos ao Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT)[22], por sua vez, interfere no custeio dos Programas de Seguro-Desemprego, Abono Salarial e ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico.

Além disso, a empresa comete crime ao ordenamento econômico quando pratica o dumping social descumprindo os direitos do trabalhador, condição que encontra respaldo no art. 36 da Lei n. 12.529/11[23], que diz:

 

Art. 36. – Constituem infração da ordem econômica, independente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços; III – aumentar arbitrariamente os lucros; e IV – exercer de forma abusiva posição dominante.

 

Assim sendo, conferir a reincidência comportamental da empresa, nas relações de trabalho, é norma valiosa para qualificar o arbitramento pelo dano social praticado por dumping social.

É reconhecida a efetiva reparação dos danos morais coletivos, através da Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, mediante punição adequada ao ofensor, equivalente a condenação em dinheiro, de forma a combater e prevenir novas lesões, nos termos dos artigos 3° e 5°, inciso I, da Lei 7.347/85[24].

O art. 129, inciso III da Constituição Federal, diz que é função institucional do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Como também, incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, de acordo com o artigo 127 do mesmo dispositivo.

Em decisão proferida em Ação Civil Pública, foi mantida, pelo TST, a condenação ao pagamento de indenização por dano social em face da terceirização por cooperativas, na medida em que disseminou a prática de conduta contrária às normas trabalhistas e violou-se a ordem econômica e social nacional. Sendo a ementa assim elaborada:[25]

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGENCIAMENTO DE MÃO DE OBRA PARA FAZENDAS POR COOPERATIVA. IRREGULARIDADE NA INTERMEDIAÇÃO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. DESPROVIMENTO.

A v. decisão recorrida encontra-se amparada na prova, que não pode ser revista em alçada recursal superior, ao descaracterizar a cooperativa, porque a atividade estava vinculada a – intermediação da contratação de trabalhadores rurais para prestação de serviços de forma pessoal, contínua e subordinada às fazendas do Município onde localizada – incidência da Súmula m. 123 do C. TST.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

 

Existem acórdãos que reconhecem a sanção da indenização por dumping social. Recentemente, a Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região proferiu acórdão condenando por dano social a empresa JBS S.A. ao pagamento de uma indenização suplementar em prol do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), com a justificativa de visível prática de dumping social trabalhista:[26]

 

DUMPING SÓCIO-TABALHISTA - CONCEITO E APLICAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO - INDENIZAÇÃO PELO DANO SOCIAL DE NATUREZA SUPLEMENTAR EM PROL DO FAT - Dumping sócio-trabalhista é um termo utilizado para designar a prática empresarial visando à redução dos custos da mão obra, mediante o descumprimento reiterado da legislação. Segundo a doutrina de Jorge Luiz Souto Maior, a precarização completa das relações sociais, decorrentes das reiteradas agressões aos direitos trabalhistas, traduzem a prática de Dumping Social, capaz de gerar um dano à sociedade, ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. Segundo o doutrinador, os fundamentos positivistas da reparação por dano social encontram-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, e artigos 652, d, e 832, § 1º, da CLT. Nesse contexto, caracteriza-se o dumping quando a empresa obtém vantagens em decorrência da supressão ou do descumprimento total ou parcial de direitos trabalhistas, reduzindo com essa postura o custo da produção, e potencializando maior lucro, o que, no fundo e em última análise, representa, uma conduta desleal de prática comercial de preço predatório, além, é claro, da evidente violação aos direitos sociais. Esse importante tema foi objeto de estudo da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizada no final de 2007, e desaguou no Enunciado nº 4, in verbis: "DUMPING SOCIAL. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado Social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido 'dumping social', motivando a necessária reação do Judiciário Trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único, do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, 'd', e 832, § 1º, da CLT". Assim, evidenciada a prática de dumping sócio-trabalhista, impõe-se a condenação da empresa ao pagamento de uma indenização suplementar em prol do FAT.

 

Há pouco, foi proferido pelo Juiz do Trabalho José Wally Gonzaga Neto outra condenação por danos morais coletivos pela prática de dumping social em face do Banco Itaú Unibanco S.A. a efetuar o pagamento de R$ 20.000.000,00, revertida em benefício de entidades beneficentes registradas no TRT da 9ª Região, ressaltando a legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho para propor ação civil pública que coíba esse tipo de prática destrutiva.[27]   

E mesmo que o Ministério Público do Trabalho seja parte legitima para oferecer a ação coletiva, com o objetivo de pleitear as indenizações que impeçam as frequentes práticas de dumping social, não deve ser afastado do magistrado a mesma obrigação.

3.1 O juiz do trabalho frente ao dano social

 

 

A discussão sobre a probabilidade de os juízes, em demandas individuais, proferirem reparação suplementar por dumping social, mesmo sem pedido da parte, é nitidamente mais significativo do que previamente possa apresentar, em razão de o juiz não poder ser capaz de sentenciar de maneira benéfica a parte reclamante quando não possuir requerimento, nem punir a parte reclamada de modo distinto a que lhe foi pretendida, além dos limites da lide.

As transformações nas relações jurídicas, o papel do processo e do juiz do trabalho frente às macrolesões, são condições que encontram certa resistência quanto aos seus enfrentamentos.

Percebe-se, pelas ações que vem sendo tomadas pelos profissionais do Direito do Trabalho, um despertar para toda a problemática social desencadeada pelo repetido desrespeito aos direitos trabalhistas. É na concepção de dever de prevenção que a expectativa de condenação, autonomamente à solicitação da parte, ao pagamento de indenização por dano social, está inscrita.

Sustenta-se que na busca de gerenciamento da igualdade social, é encargo do Juiz, resguardar a dignidade patrimonial e moral dos cidadãos que efetivam interesses jurídicos, determinando, para essa pretensão, impedimentos e essencialidade de condutas, do mesmo modo a fixação de punições e parâmetros efetivos – civis e penais – em face de quem prejudique ou cause dano injusto a outros.[28]

Com o intuito de prevenir a reincidência comportamental em tempo vindouro, já que se trata de desrespeito à ordem social, o juiz Jorge Luiz Souto Maior salienta que a sentença proferida que objetivar a reparação do dano social deve ser fixada ex officio[29] pelo juiz da causa. Porém, são inúmeras decisões alterando a sentença para descartar a punição por “dumping social” com uma única alegação: inexistência de pleito pela parte, desprezando a própria disposição jurídica destinada ao fato detectado e evidente nos autos, o dano “social”, que indica que o dano não foi exclusivamente da parte.[30]

Além disso, o Tribunal Superior do Trabalho tem se manifestado oposto à execução de ofício dos juízes trabalhistas em condenar as empresas ao pagamento pelos danos causados pela prática de dumping social, sob argumento de que “o Reclamante não possui legitimidade para requerer indenização por dumping social, uma vez que é direcionada à tutela de interesses difusos e coletivos, ultrapassando a esfera pessoal do autor”.[31]

O dumping social acarreta lesão à sociedade, não somente ao autor do pedido individual, além do mais, o ressarcimento ai deferido nem ao menos será revertido em seu favor. Versa-se de um resultado de especificidade pedagógica que obriga o causador dos prejuízos a cumprir a decisão judicial.

Nota-se dos julgados que os motivos aplicados pelos juízes para uma sanção de reparação por danos sociais resultantes de práticas de dumping social de ofício têm como fulcro o Enunciado número 4 da Primeira Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, basicamente na parte que diz que deve existir uma necessária reação do Judiciário Trabalhista para corrigi-la, da mesma maneira que o artigo 114, inciso VI, da Constituição Federal que afirma ser de competência da Justiça do Trabalho as ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho e o artigo 404, parágrafo único, do Código Civil de 2002, que possibilita o magistrado conferir indenização suplementar de ofício.

Questiona-se que quando se fala em condenação por “dumping social” de ofício, exige-se que o juiz que conheça, numa perspectiva ampla, os tipos de conflitos que lhe são direcionados, que reconheça os litigantes contumazes, diferenciando-os de outros que possuem conflitos esporádicos.[32] Porém, não há, no ordenamento jurídico, pautas ou tarifas previamente estabelecidas, a vincular o juiz no arbitramento do valor da reparação do dano moral coletivo.[33]

Os Tribunais constatam, também, que ao sentenciar de ofício uma empresa a reparar os danos sociais praticados pelo dumping social, ou seja, sem haver solicitação da parte pautada nos autos, o ato infringe o princípio do contraditório e da ampla defesa, reconhecida como preceito constitucional e que vai também de encontro com princípio do devido processo legal, nos termos do artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal.

O Tribunal Superior do Trabalho tem recomendado que devam ser levados em conta como critérios para fixação do valor da indenização, aspectos como a “natureza, a gravidade e a repercussão da lesão, a situação econômica do ofensor, eventual proveito obtido com a conduta ilícita, o grau de culpa ou dolo, a verificação de reincidência e a intensidade maior ou menor, do juízo de reprovabilidade social da conduta adotada”.[34]

Seja qual for a conduta antijurídica geradora de lesão à categoria de interesses de outras pessoas, provido de direito, retrata uma rachadura no quadro social, possibilitando a conduta do sistema jurídico, com objetivo de reparar o dano causado ao lesado e retomar a ordem na harmonia social, desviando novas ofensivas que acarretem a reiteração de condutas danosas.

O Procurador Regional do Trabalho, Xisto Tiago de Medeiros Neto, destaca como exemplos dessas condutas ilícitas, no âmbito trabalhista, a ensejar a reparação pelo dano moral coletivo: o abuso do trabalho de crianças e adolescentes, em desrespeito aos elementos constitucionais da dignidade humana; a sujeição de trabalhadores a condições humilhantes, a trabalhos forçados, em situações comparadas à de escravo, ou mediante regime de servidão por dívida; a manutenção de meio ambiente de trabalho inadequado e descumprimento de normas trabalhistas básicas de segurança e saúde, em prejuízo à integridade psicofísica dos trabalhadores; as práticas de discriminação, abusos de poder e assédio moral ou sexual em detrimento dos trabalhadores.[35]

No mais, pode-se almejar a compensação por dumping social, a obediência de trabalhadores a condições desmerecedoras, degradantes e desonrosas, como modo de induzimento para cumprir o objetivo lucro; as terceirizações ilícitas de mão de obra, por meio de empresas interpostas, cooperativas, associações, organizações não governamentais ou outras entidades públicas ou privadas, em violação ao ordenamento jurídico-laboral, no objetivo de diminuição de custos ou mesmo de burlar o cumprimento de direitos trabalhistas; bem como, contratações irregulares de trabalhadores pela administração pública direta ou indireta, sem submissão a concurso público, em violação ao estatuto constitucional.

 

Sobre o autor
Kleverton Bezerra

Ex-estagiário Jurídico do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!