2 Direito de defesa como decorrência do direito à vida
O direito fundamental à vida é aquele de maior hierarquia no ordenamento constitucional.
Previsto no caput do art. 5º da Constituição Federal, o direito à vida sequer tem sua forma de exercício regulada como os demais direitos fundamentais, como por exemplo o direito de ir e vir ou a liberdade de expressão, conforme se verifica da leitura, abaixo:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
No mesmo sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos sobre este tema assim dispõe:
Artigo III
Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
O direito à vida, portanto, é inquestionável, e por óbvio abrange o direito à defesa da vida, tanto que o ser humano sempre reconheceu na legítima defesa um ato lícito, excludente de ilicitude ou aceito jurídica e socialmente.
No Brasil a legitima defesa é reconhecida desde o Código Criminal do Império, de 1830[5], passando pelo Decreto 847, de 11/10/1890[6], e sendo mantida no atual, Decreto-lei 2.848, de 07/12/1940, que assim prevê:
Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
O exercício da legítima defesa pode ser feito de diversas formas, seja com reações treinadas seja com reações instintivas, mas o certo é que não se pode negar o exercício do direito de defesa da forma mais efetiva possível para quem dela queira fazer uso.
Neste ponto, por exercerem um múnus público, é plenamente constitucional que os advogados possam exercer o seu direito de defesa pessoal por meio da utilização de armas de fogo.
É claro que há de ter em consideração que o uso de mecanismo que possa causar danos a outrem merece ser regulamentado, e não simplesmente liberado.
A defesa da vida daqueles cujo exercício de profissão os coloque em situação de risco é absolutamente constitucional, lícito e moral. Aliás, negar o direito à legítima defesa armada aos advogados é ato absolutamente inconstitucional. Demais disso, a legalidade da possibilidade de se regulamentar o porte de armas de fogo para advogados encontra respaldo na Constituição Federal, Lei 8.906 e no princípio da igualdade, posto que as categorias que exercem papel fundamental na resolução das lides em processos judiciais: Magistratura e Ministério Público, possuem porte de arma de fogo para defesa como prerrogativa.
Assim, o Projeto de Lei 704/2015 se mostra totalmente viável sob o ponto de vista constitucional e legal, não havendo óbice para sua aprovação, visto que, na atual legislação os advogados estão praticamente alijados de exercer sua defesa pessoal, conforme se verá no item seguinte.
3 Regulamentação do direito à posse e porte de armas
Em razão da omissão do direito ao porte de armas, que obviamente abarca o direito à aquisição de arma, aos advogados, que exercem um múnus público, se aplica a legislação geral, que atualmente é a Lei 10.826 - Estatuto do Desarmamento e seus regulamentos.
O Estatuto do Desarmamento, como se depreende da leitura de sua denominação é uma lei que foi criada com a finalidade de desarmar a população civil, tanto que previu a proibição de venda de armas de fogo em todo o território nacional, dispositivo condicionado ao plebiscito ocorrido em 2005 com o expressivo percentual de 63,94% contra a proibição, ou seja, favoráveis à venda controlada de armas de fogo.
Nesta senda, o Estatuto do Desarmamento proíbe o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo as exceções constantes do seu texto, que basicamente são as pessoas que utilizam armas de fogo como instrumentos de trabalho, tais como integrantes das Forças Armadas, Polícias, entre outros, e exceções previstas em leis específicas para pessoas que ocupam cargos que não utilizam armas como instrumentos de trabalho, mas cujo exercício traz riscos à vida e integridade que podem ser repelidos por meio do porte de armas de fogo.
Hoje os advogados estão na mesma situação de cidadãos comuns e mesmo que comprovem aptidão psicológica, técnica e moral, poderão ter seus pedidos de porte de arma negados caso fundamentem a efetiva necessidade no risco profissional. Aliás, esta é a realidade que se vivencia no dia-a-dia em contato com advogados e instrutores de tiro que relatam exatamente as negativas reiteradas de concessão de autorização para porte de arma para advogados por não se considerar o exercício profissional para a efetiva necessidade.
A primeira pergunta dos advogados: é justo condicionar o exercício do direito fundamental à legítima defesa da vida e integridade física ,para quem exerce um múnus público, à comprovação da efetiva necessidade?
A segunda pergunta: O que é efetiva necessidade? Se perguntadas sobre o assunto, cem pessoas responderão de forma diferente, pois o critério é subjetivo. Nos extremos estarão aqueles para os quais a efetiva necessidade deriva do exercício da advocacia e aqueles que não vislumbram no exercício profissional a efetiva necessidade, pois a segurança pública é função do Estado, que auto defesa é vedada e o porte somente pode ser concedido para “autoridades”.
Atualmente é público o notório que advogados não obtém porte de arma mediante a alegação do risco profissional, como aliás qualquer cidadão, sendo raras as pessoas que conseguem o deferimento de porte de arma, mesmo que comprovem o cumprimento de todos os requisitos objetivos da lei.
Diante desta situação, os advogados estão em desigualdade legal com membros da Magistratura e do Ministério Público, mesmo que exerçam funções essenciais à Justiça e isso deve ser resolvido mediante a supressão da omissão legislativa ao direito de porte de arma de defesa aos advogados.
4 Direito ao porte de arma de fogo por membros da Magistratura e do Ministério Público
Conforme já referido, Magistrados e Membros do Ministério Público possuem o direito ao porte de arma para defesa previsto nas respectivas legislações justamente porque se presume a necessidade em razão das funções desempenhadas, podendo inclusive portar armas de calibre restrito, conforme segue:
Lei Complementar 35, de 1979, Lei Orgânica da Magistratura:
Art. 33. São prerrogativas do magistrado:
..........................................................
V - portar arma de defesa pessoal.
Lei 8.625, de 1993, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público:
Art. 42. Os membros do Ministério Público terão carteira funcional, expedida na forma da Lei Orgânica, valendo em todo o território nacional como cédula de identidade, e porte de arma, independentemente, neste caso, de qualquer ato formal de licença ou autorização.
Lei Complementar 75, Estatuto do Ministério Público da União:
Art. 18. São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União:
I - institucionais:
..........................................................................................
e) o porte de arma, independentemente de autorização;
Por fim, a Portaria Colog 25, DOU de 26 abril de 2016.
Art. 2º Os membros do Ministério Público da União e dos Estados e os membros da Magistratura ficam autorizados a adquirir, na indústria nacional, para uso particular, até 2 (duas) armas de porte, de uso restrito, dentre os calibres.357 Magnum,.40 S&W,.45 ACP ou 9mm, em qualquer modelo.
Art. 3º Os membros do Ministério Público da União e dos Estados e os membros da Magistratura podem adquirir por transferência até 2 (duas) armas de uso restrito, para uso próprio, dentre os calibres.357 Magnum,.40 S&W,.45 ACP ou 9mm, em qualquer modelo
Como visto, as legislações citadas outorgam direito ao porte de arma aos membros da Magistratura e do Ministério Público, independente de autorização.
Este é um ponto muito importante de ser ressaltado, pois o Projeto de Lei 704/2015 não prevê o porte de arma independentemente de autorização para advogados, mas mediante a comprovação de capacidade técnica e psicológica, merecendo o assunto ser tratado em tópico próprio, a seguir.
5 Proposta legislativa
O Projeto de Lei 704/2015 tem o seguinte teor:
Art. 1º. O art. 7º da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art.7º...........................................................................................................
XXI – portar arma de fogo para defesa pessoal.
§ 10. A autorização para o porte de arma de fogo que trata o inciso XXI está condicionada à comprovação dos requisitos previstos no inciso III do art. 4º da Lei nº 10.826/2003, nas condições estabelecidas no regulamento da referida Lei.
Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.
5.1 Direito e não dever de portar arma
Ponto relevante é que não se pretende substituir a segurança pública. Advogados, até mesmo pela formação, não são justiceiros que querem armas para “fazer justiça com as próprias mãos”, muito menos substituírem o Estado na segurança pública.
Dentre os mais de um milhão de advogados regularmente inscritos na OAB, há os que não querem portar armas mesmo que o PL 704/2015 seja aprovado, assim como há membros da Magistratura e do Ministério Público que não portam armas.
Portar arma para defesa pessoal é questão de foro íntimo, cabendo a cada advogado, após a aprovação do PL 704/2015, decidir por exercer ou não este direito.
O PL 704/2015 não traz obrigatoriedade, mas sim apenas a faculdade de porte de arma para advogados, de forma que aqueles que não quiserem ou não conseguirem provar aptidão, não portarão armas para defesa.
5.2 Requisitos adequados à razoabilidade e ao bem comum
Outro ponto de destaque é que o PL 704/2015 não traz liberação geral sem critérios, pois há de se exigir aptidão psicológica e técnica para porte de armas de fogo.
O dispositivo citado, inciso III, do art. 4º, da Lei 10.826, se refere à “comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei”.
Em síntese, o projeto de lei em análise exige dos advogados a comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento da lei 10.826.
De fato, não se trata de um projeto que implante igualdade total entre membros da Magistratura e do Ministério Público, mas de um projeto que respeita quesitos de razoabilidade e bem comum, compatíveis com o princípio da isonomia, além de suprimir discussões sobre aplicabilidade de restrições previstas na Lei 10.826 ao porte por prerrogativa de função.
Nesse ponto há de se elogiar a inciativa do autor do projeto, Deputado Rolaldo Benedet, posto que em se tratando da utilização de um equipamento que tem potencial para causar danos em caso de uso inadequado, o mínimo que se exige é que o postulante ao exercício do direito comprove que possui condições técnicas e psicológicas, assim como o operador de um veículo automotor.
Porém, mesmo reconhecendo a pertinência, constitucionalidade, legalidade e, acima de tudo, a moralidade do projeto de lei em questão, há de reconhecer a necessidade de se melhorar o Projeto de Lei 704/2015 nos pontos que seguem:
1º) limitação territorial: hoje o Estatuto do Desarmamento prevê a necessidade de comprovação da efetiva necessidade em todo o território nacional e, juntamente, a previsão de possibilidade (que se tornou regra, sendo exceção o porte válido em todo o território nacional), de limitar territorialmente o porte de arma concedido para defesa pessoal.
Os advogados regularmente inscritos em qualquer seccional da OAB podem exercer sua profissão em todo o território nacional, especialmente os advogados que residem em cidades limítrofes de estados da federação, que atende clientes em mais de um estado.
Por este motivo é importante explicitar que o advogado tem direito a porte federal em todo o território nacional, independentemente de quantas inscrições tiver e sem se limitar à seccional a qual está vinculado.
2º) direito à aquisição e registro: Considerando que muitas vezes o que não está explicitado pode gerar dúvidas, mesmo que o direito seja naturalmente decorrente ou implícito, é importante deixar claro que o direito ao porte de arma implica direito à aquisição e registro de arma de fogo sem a comprovação da tal “efetiva necessidade”, pois se não constar na lei, o acesso ao porte pode ser obstaculizado por via reversa, negando-se a aquisição.
3º) O projeto afasta um requisito importante que é a prova de idoneidade moral prevista no art. 4º, I, da Lei 10.826, embora a exigência de não estar respondendo a inquérito e processo judicial fira a razoabilidade e seja de duvidosa constitucionalidade por ferir o princípio da presunção de inocência, é razoável que se adote requisitos de idoneidade moral.
4º) O projeto não informa como se prova a qualidade de advogado, se o direito se aplica aos advogados suspensos e se o direito ao porte constará na carteira de identidade do advogado ou em documento específico de porte de arma.
5º) O projeto remete à Lei 10.826 (art. Art. 4º, III), e hoje há mais de um projeto de lei que visa revogar a Lei 10.826, de forma que, em sendo aprovado o PL 3.722/2012 ou o PL7075/2017 e revogada a lei 10.826, o PL 704 fica desconexo e perde a remissão aos requisitos.
Já que o fundamento do projeto é o direito de igualdade com Magistrados e Membros de Ministérios Públicos, é importante que seja explicitado no texto essa igualdade condicionada e todos os seus pormenores que cabem a uma lei ordinária.
Assim, apresentamos um substitutivo ao PL 704/2015, que prevê o direito ao porte de arma condicionado ao cumprimento de requisitos, não automáticos e que mantém o controle das autoridades competentes para aferição das condições de capacidade psicológica, técnica e moral, consubstanciados em aprovação em exames psicotécnicos específicos para aquisição e porte de arma de fogo, bem como exames técnicos - teóricos e práticos – para manuseio de arma de fogo, além de provar que não estão condenados por crimes dolosos. Além disso, o projeto prevê que o registro e o porte tem validade temporal e devem ser renovados sob as penas da lei, que é a perda da validade do registro e porte, com as consequências legais.