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A aplicabilidade do acordo de leniência na Lei nº 8.429/92 e sua relação com o ponto nº 4 do art. 8 da Convenção das Nações Unidas contra a corrupção

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3 A MEDIDA 5 E SUA RELAÇÃO COM O PONTO Nº 4 DO ARTIGO 8 DA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO

Para a melhor compreensão do objetivo deste trabalho, é conveniente analisar a literalidade dos dispositivos em análise.

Dispõe o ponto nº 4 do Artigo 8 do Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, o qual ratificou a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção:

Artigo 8

Códigos de conduta para funcionários públicos

[...]

4. Cada Estado Parte também considerará, em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, a possibilidade de estabelecer medidas e sistemas para facilitar que os funcionários públicos denunciem todo ato de corrupção às autoridade (sic) competentes quando tenham conhecimento deles no exercício de suas funções.

Assim, compete aos Estados signatários da convenção criar métodos que possibilitem a seus funcionários públicos noticiarem aos entes competentes práticas corruptas de que tomem conhecimento.

No ordenamento jurídico brasileiro, nada melhor para ilustrar o cumprimento desse dispositivo do que a existência do acordo de leniência, nas mais distintas esferas, conforme abordado no tópico anterior.

Contudo, o sistema pátrio carece de um dispositivo específico que se aplique aos funcionários públicos. Atentando-se a essa necessidade, o Ministério Público Federal criou o projeto Dez Medidas contra a Corrupção. Destaca-se aqui a Medida 5, que visa trazer maior celeridade nas ações de improbidade administrativa.

O último ponto dessa Medida pretende acrescentar à Lei nº 8.429 o art. 17-A. O caput desse artigo teria a seguinte redação:

Art. 17-A. O Ministério Público poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas físicas e jurídicas responsáveis pela prática dos atos de improbidade administrativa previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e com o processo judicial [...]

Assim, conforme já dito anteriormente, o funcionário público que incorrer em conduta ímproba teria a faculdade de se apresentar à autoridade competente, isto é, o Ministério Público, e prestar seu depoimento. No decorrer do artigo supracitado são elencados os requisitos para a concessão dos benefícios, os quais também se encontram previstos.

O Ministério Público Federal justifica sua intenção de implantar o acordo de leniência na apuração de atos de improbidade administrativa, ao asseverar que

Uma das modernas técnicas especiais de investigação (TEI), utilizada no mundo inteiro, consiste nos acordos de colaboração premiada ou de leniência, em que o investigado se dispõe a esclarecer todo o esquema de corrupção e a apontar os demais envolvidos e os elementos de prova dos ilícitos praticados, em troca de benefício (prêmio) para reduzir o impacto de suas sanções ou, mesmo, ficar imune em relação a elas.

Tal técnica de investigação não apenas acelera a resolução do caso, como também evita injustiças, já que ninguém melhor do que um coautor da infração, tendo-a vivenciado, para esclarecer os fatos, a estrutura da organização criminosa, o modus operandi, bem como para apontar o caminho das provas.

Essa argumentação reforça o que se afirmou no capítulo acima, quando se tratou dos objetivos do acordo de leniência. Frisa-se que, ao realizar as proposições legislativas constantes do projeto Dez Medidas contra a Corrupção, o Ministério Público Federal age em conformidade com uma de suas funções institucionais, nos moldes do art. 5º, I "h" da Lei Complementar 75/93[8].

Por essa razão, ao comparar a Medida 5 com o disposto pelo ponto nº 4 do Artigo 8 da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, nota-se que a atuação do parquet federal está alinhada não apenas a normas pátrias, mas também à legislação internacional.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo demonstrar a relação entre a implantação do acordo de leniência na apuração de condutas ímprobas e o disposto pelo ponto nº 4 do Artigo 8 da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.

Destaca-se que o contexto brasileiro atual permitiu uma maior discussão acerca da aplicação desse instituto na esfera administrativa, haja vista casos de grande expressão, a exemplo do Mensalão (2013) e da Operação Lava Jato (iniciada em 2014 e ainda não encerrada na presente data).

Atentando-se a popularização de sua figura, o Ministério Público Federal editou uma série de proposições legislativas com a finalidade de melhor coerção e punição de condutas atentatórias a interesse coletivos, em um projeto conhecido como "Dez Medidas contra a Corrupção".

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Evidencia-se, dentre elas, a Medida 5, a qual propõe a extinção da defesa prévia, a criação de varas especialização e a inserção do acordo de leniência na investigação de atos de improbidade administrativa, ponto central do presente artigo.

Verifica-se que acrescer o artigo 17-A na Lei 8.429/92 está em conformidade com os ditames do Direito Administrativo, em especial com os princípios da impessoalidade, supremacia do interesse público e da consensualidade.

No âmbito do direito internacional, destaca-se o ponto nº 4 do Artigo 8 da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, o qual institui que os Estados signatários devem possibilitar a inserção, em seus ordenamentos jurídicos, de instrumento de colaboração com os funcionários públicos na apuração de atos de corrupção.

Buscou-se aqui tratar da improbidade administrativa no Direito brasileiro, para depois tratar dessa espécie de ato como reflexo administrativo do crime de corrupção, fazendo um paralelo entre o art. 317 do Código Penal, que trata da corrupção pratica por funcionário público, com o disposto pelo art. 9º, I, da Lei de Improbidade Administrativa, que determina uma das hipóteses de ato de improbidade administrativa que culmina em enriquecimento ilícito.

Ato contínuo, abordou-se o acordo de leniência nas esferas comercial e cível / administrativa, para demonstrar a pertinência de sua aplicação no diploma específico, isto é, a Lei 8.429/92.

Por meio da pesquisa bibliográfica e legislativa apresentada, verifica-se que a aplicação do acordo de leniência na apuração de condutas ímprobas é compatível com o que dispõe o ponto nº 4 do Artigo 8 da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Portanto, defendeu-se aqui que a proposição do parquet federal foi elaborada em conformidade com normas nacionais e internacionais.


REFERÊNCIAS

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Notas

[3] Disponível em: <http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-medidas> Acesso em: 19 ago. 2017.

[4] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5687.htm> Acesso em: 19 ago. 2017.

[5] Disponível em: <http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-medidas/docs/medida_5_versao-2015-06-25.pdf> Acesso em: 20 ago. 2017.

[6] Disponível em: <http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/objetivo-geral-das-propostas> Acesso em: 12 set. 2017.

[7] Disponível em: <http://www.cade.gov.br/assuntos/programa-de-leniencia> Acesso em: 14 set. 2017.

[8] Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:

I - a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos e princípios:

[...]

h) a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade, relativas à administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União;

Sobre os autores
Marcelo Fernando Quiroga Obregon

Doutor em Direitos e Garantias Fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória - FDV, Mestre em Direito Internacional e Comunitário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialista em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, Coordenador Acadêmico do curso de especialização em Direito Marítimo e Portuário da Faculdade de Direito de Vitória - FDV -, Professor de Direito Internacional e Direito Marítimo e Portuário nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Vitória - FDV.

Thalita Gomes Salles

Graduada pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OBREGON, Marcelo Fernando Quiroga; SALLES, Thalita Gomes. A aplicabilidade do acordo de leniência na Lei nº 8.429/92 e sua relação com o ponto nº 4 do art. 8 da Convenção das Nações Unidas contra a corrupção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6388, 27 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60765. Acesso em: 4 dez. 2024.

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