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Oracle vs. Google:

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Agenda 18/01/2021 às 11:50

2. O CASO ORACLE AMERICA, INC. V. GOOGLE, INC.

A disputa de Copyright entre as empresas Oracle e Google envolvia 37 pacotes de código-fonte, os quais, conforme visto anteriormente, eram chamados de APIs. A primeira empresa moveu ação judicial em face da segunda na Corte distrital da Califórnia, alegando que o sistema operacional Android da Google infringia os Direitos de Propriedade Intelectual da Oracle na utilização desses 37 pacotes.

Essa Corte Distrital determinara que a Google teria de fato replicado esses 37 pacotes de API (incluindo sua estrutura, sequência e organização), mas considerou que esses pacotes não estariam sujeitos a proteção de Copyright. Em decorrência dessa decisão, a Oracle apelou para a Corte Federal do Nono Circuito por considerar que esses pacotes estariam sim sujeitos à proteção pelo Copyright, por serem de sua autoria e possuírem elementos criativos suficientes para determinar sua titularidade sobre a programação.

Em sua defesa, a Google argumentou que (1) haveria somente uma maneira de se escrever o método Java de modo a permanecer funcional com outros sistemas; e (2) a organização e a estrutura dos 37 pacotes API Java seria uma “estrutura de comando” excluída da proteção de Copyright de acordo com a já mencionada seção 102(b) do DMCA[7]. Assim se lê do aludido dispositivo legal:

Em caso algum a proteção por Copyright de um trabalho autoral original se estende a qualquer ideia, procedimento, processo, sistema, método de operação, conceito, princípio ou descoberta, não importando a forma em que é descrito, explicado, ilustrado ou incorporado em tal trabalho.{C}[8]{C}

O tribunal destacou, contudo, que o Copyright Act concede proteção legal a “trabalhos autorais originais fixados em qualquer meio de expressão tangível”, incluindo “trabalhos literários” (17 U.S.C. § 102a). Não se contestou que programas de computador – definidos no Copyright Act como “um grupo de declarações ou instruções para serem utilizadas direta ou indiretamente em um computador com o objetivo de trazer certo resultado” (17 U.S.C. § 101) – podem ser sujeitos a proteção por Copyright como trabalhos literários[9]. Frisou-se que tal programa deve ser expresso em um meio tangível e que ele deve ser original.

Insistindo em sua argumentação, a Google fez uso da Merger Doctrine. De acordo com essa teoria, a Corte não deveria defender um trabalho protegido por Copyright de infrações se a ideia contida nele só puder ser expressa de uma maneira. Para programas de computador isso significa que quando específicas partes do código, mesmo protegido, são a única e essencial maneira de cumprir determinada tarefa, seu uso por terceiros não será considerado como infração[10]. Essa teria sido a principal argumentação utilizada pela corte distrital da Califórnia para determinar que os 37 pacotes de API não poderiam ser protegidos por Copyright.

Em sua apelação, a Oracle admitiu não poder exigir proteção por Copyright sobre a ideia de organizar funções de um programa ou na estrutura organizacional “método-pacote-classe” enquanto entidade abstrata. Ao invés disso, a Oracle arguiu pela proteção por Copyright somente em sua maneira particular de nomear e organizar cada um dos 37 pacotes de API de Java. A Oracle reconheceu, por exemplo, que ela não pode proteger a ideia de programas que abram uma conexão à internet, mas ela poderia proteger as específicas linhas de códigos utilizadas para realizar essa operação, pelo menos enquanto existirem outras linguagens disponíveis para exercer a mesma função. [11]

Assim, a Oracle reconheceu que a Google e outras empresas poderiam se utilizar da linguagem Java – assim como qualquer um poderia aplicar a língua inglesa para escrever um parágrafo sem violar o Copyright de outros escritores da mesma língua. Na mesma linha, a Google poderia fazer uso da estrutura “método-pacote-classe”, assim como escritores podem se utilizar das mesmas regras gramaticais escolhidas por outros autores, sem medo de cometer uma infração. O que a Oracle contestou é que, além desse ponto, a Google, como qualquer outro autor, não está autorizada a empregar a precisa formulação ou estrutura escolhidas pela Oracle para implementar a substância dos seus pacotes – os detalhes e o arranjo da prosa – pelo fato de querer garantir a compatibilidade de seus programas com o sistema Java desenvolvido pela Sun[12].

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Em sua decisão, a Corte comentou que, dado o fato de a capacidade de proteção por Copyright estar focada nas escolhas disponíveis ao requerente no período de criação do programa de computador, a questão da compatibilidade se centra em uma pergunta: se as escolhas do requerente seriam ditadas por uma necessidade de assegurar que o programa funcionaria com programas de terceiros à época. Se o réu, posteriormente à criação do programa pelo requerente, buscou fazer seu programa interoperável com o programa desse não tem relação com a potencial limitação de design que o programa do requerente teria em decorrência de fatores externos[13].

Dito de outra maneira: o foco estaria na necessidade de compatibilidade e escolhas de programação da parte que requer proteção por Copyright, e não nas escolhas feitas pelo réu para alcançar a compatibilidade com o programa do requerente. Consistente com essa argumentação, a corte reconheceu que uma vez que o requerente desenvolveu um trabalho passível de proteção (sua própria maneira de escrever os APIs) o desejo do réu de ‘atingir a compatibilidade total’ é um desejo competitivo e comercial, o qual não entra na questão de determinadas ideias e expressões terem se fundido, excluindo a aplicação da Merger Doctrine[14].

A Google poderia ter estruturado o Android de maneira diferente, tendo a opção de escolher diferentes caminhos de expressar e implementar a funcionalidade que ela copiou. Especificamente, a corte chegou à conclusão de que a mesma funcionalidade poderia ter sido oferecida no Android sem duplicar o exato mesmo comando utilizado no Java. As provas mostraram, inclusive, que a Google desenvolveu vários dos seus próprios pacotes API do zero e, assim, seria plausível que ela desenvolvesse os 37 pacotes API copiados da Oracle, caso ela quisesse fazê-lo[15].

A Google estava livre para desenvolver seus próprios pacotes API e a fazer um “lobby” para convencer programadores a os adotarem. Ao invés disso, ela escolheu copiar a estrutura, sequência e organização do código da Oracle para capitalizar na comunidade já existente de programadores que estavam acostumados a utilizar os pacotes API Java. Esse desejo não tinha qualquer relação com a possibilidade de proteção desses pacotes Java por Copyright ou não[16].

A corte descobriu que para o código Java funcionar com autômatos que utilizassem Android, a Google precisaria fornecer o mesmo sistema de comando pacote-classe-método-Java utilizando os mesmos nomes com a mesma taxonomia e especificações técnicas similares. Ademais, a corte concluiu que a Google replicou o que era necessário para atingir um grau aceitável de interoperabilidade, mas nada mais, deixando de fornecer seu próprio código[17].

Por essas razões, a corte federal do nono circuito, em 09 de maio de 2014, chegou à conclusão de que os 37 pacotes API Java seriam passíveis sim de proteção por Copyright. Do mesmo modo, ela concluiu que o argumento da Google de que esses pacotes seriam “padrões da indústria” necessários para a “conversa” entre diferentes sistemas não seria válido e que haveria diferentes maneiras de a Google implementar as mesmas soluções que ela copiara da Oracle.


3. ANÁLISE DO CASO ORACLE V. GOOGLE SOB A ÓTICA DE WITTGENSTEIN

Da análise do caso, percebe-se que a questão principal é se as linhas de código copiadas pelo Google poderiam ou não ser protegidas por Copyright. A Google não contesta ter utilizado os 37 pacotes API Java desenvolvidos pela antecessora da Oracle. Porém ela argumenta que eles não deveriam poder ser protegidos de qualquer maneira, por constituírem linguagem de programação necessária para que diferentes autômatos fossem compatíveis entre si.

Viu-se que o conceito de linguagem de Wittgenstein passa pela comparação desse com um jogo de linguagem, o qual determina a relação entre uma pessoa e seu objeto só ser possível se essa pessoa entendesse “o jogo”, ou seja, o sistema de regras que regula a relação entre os objetos e quem os percebe. Do mesmo modo, a partir do conceito de “regras do jogo”, Wittgenstein (2000, § 202) fundamenta seu conceito de ser impossível a existência de uma linguagem privada, pois:

...‘seguir a regra’ é uma práxis. E acreditar seguir a regra não é seguir a regra. E daí não podermos seguir a regra ‘privadamente’; porque, senão, acreditar seguir a regra seria o mesmo que seguir a regra.

Assim, visualizar linguagens pertencente a uma só entidade seria algo impossível para a teoria de Wittgesntein – tendo em vista que, de acordo com seu pensamento, as linguagens seriam compostas de regras, só fazendo sentido se pudessem ser compreendidas por todos. Pode-se dizer, com confiança, que uma linguagem é uma sequência de regras que descrevem procedimentos, processos, sistemas ou métodos de operação de determinada língua.

Essas descrições de procedimentos constituiriam justamente uma das exceções à aplicação da proteção por Copyright do DMCA americano, contido na seção 102(b) do já citado dispositivo legal:

Em caso algum a proteção por Copyright de um trabalho autoral original se estende a qualquer ideia, procedimento, processo, sistema, método de operação, conceito, princípio ou descoberta, não importando a forma em que é descrito, explicado, ilustrado ou incorporado em tal trabalho.

Isso permite a conclusão de que uma linguagem não poderia ser protegida pelo sistema de Copyright, pois suas regras, de caráter público, são constituídas de métodos de operação que recaem nas exceções da lei americana.

Já no que se refere às linguagens de programação, viu-se que os estudos e investigações realizados pelos lógicos-matemáticos com relação às linguagens artificiais formalizadas teriam a mesma origem dos estudos realizados por linguistas contemporâneos em torno da linguagem natural, conforme destacara Warat (1995, p. 11). Isso significa que para uma linguagem de programação como o Java poder ser difundida e utilizada por vários programadores, ela também precisaria se sujeitar a um sistema de regras e procedimentos semelhantes aos de uma linguagem como o português e o inglês.

Em termos práticos, isso quer dizer que aplicando a teoria de Wittgenstein uma linguagem de computação não poderia ser protegida por Copyright, assim como uma linguagem natural. Ela também é constituída de um sistema de regras que demanda a compreensão dos seus usuários para permitir a interação entre homem e máquina/autômato ou entre autômatos.

Por isso, em um primeiro momento, poderia se vislumbrar a possibilidade de a Google ter aplicado a teoria de Wittgenstein em sua defesa à ação judicial movida pela Oracle, pois conforme consta no início do acórdão da Corte Federal do Nono Circuito “muitos desenvolvedores de programas de computador usam a linguagem Java, assim como os pacotes API da Oracle, para programar aplicativos (usualmente referidos como apps) para computadores, tablets, smartphones e outros aparelhos”.[18] Esse sistema de regras seria, então, essencial para programadores que utilizam Java.

A Google, inclusive, utilizou em sua defesa argumentos condizentes com a teoria de Wittgenstein, ao afirmar que haveria somente uma maneira de se escrever o método Java de modo a permanecer funcional com outros sistemas. Alegou, ainda, que a organização e a estrutura dos 37 pacotes API Java seria uma “estrutura de comando” excluída da proteção de Copyright de acordo com a seção 102(b) do DMCA.

A própria Oracle reconheceu que não poderia exigir proteção sobre a estrutura organizacional de uma linguagem de computação e admitiu que outras empresas poderiam se utilizar da linguagem Java, desenvolvida pela sua antecessora Sun Microsystems.

Porém, a fundamentação da Google começava a ruir quando se analisam mais a fundo os 37 pacotes API Java que ela teria copiado da Oracle. Os APIs seriam programas Java pré-programados para realizar funções de computação comuns, organizados em grupos chamados de ‘pacotes’. Relembra-se, aqui, da analogia da corte de que a coleção de pacotes de API da Oracle é como uma livraria, cada pacote é como uma estante na livraria, cada classe é como um livro na estante e cada método como um capítulo de instruções em um livro.

O que a Oracle alegou, e que foi eventualmente aceito pela corte, é que apesar de não poder proteger a linguagem Java, ela poderia pedir proteção por Copyright das específicas linhas de códigos utilizadas para realizar as funções de programação comuns. Foi levantada, ainda, a argumentação de que a Google teria desenvolvido seus próprios APIs para realizar outras funções em seu programa Android, mas não teria tornado esses APIs públicos por conta de uma escolha de mercado.

Isso levou à conclusão da corte de que o que a Google copiou da Oracle não foi uma linguagem de programação em si, mas sim a sua aplicação. Utilizando-se de uma analogia, a Google não se apropriado da língua inglesa, mas sim de uma série de livros escritos nessa língua para criar seu sistema Android.

Assim, em uma análise mais aprofundada do caso, percebe-se que a teoria de Wittgenstein não poderia ser aplicada a esse caso, pois o que a Google copiou da Oracle não foi um sistema de regras – que são públicas de acordo com sua teoria -, mas sim aplicações dessa regra que cumprem os requisitos de proteção da seção 102(a) do DMCA, de ser um trabalho autoral original fixado em qualquer meio tangível de expressão. A Google poderia ter desenvolvido seus próprios APIs, portanto, mas não o fez por uma estratégia comercial.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Lukas Ruthes. Oracle vs. Google:: Uma leitura a partir de Wittgenstein. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6410, 18 jan. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61385. Acesso em: 22 dez. 2024.

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