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Estupro de vulnerável diante do Estatuto da Pessoa com Deficiência

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3-CONCLUSÃO

No decorrer deste trabalho foi estudada a influência que a alteração da capacidade civil dos enfermos mentais, produzida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, pode gerar especialmente no campo penal e, mais especificamente, no que tange ao crime de “Estupro de Vulnerável”, envolvendo doente mental.

Foi possível perceber que a igualdade formal conferida pelo reconhecimento, em geral, da capacidade civil dos doentes mentais, há que ser complementada pela análise cuidadosa de cada caso concreto e do grau de prejuízo ao discernimento dos indivíduos, a fim de possibilitar a chamada igualdade material e não prejudicar o doente quando se pretende respeitar sua suposta autonomia.

Dessa forma, o crime de “Estupro de Vulnerável”, tendo como sujeito passivo um enfermo mental sem discernimento continua em vigor. As regras civis não alteram as regras penais sobre capacidade, pois que emanam de distintos sistemas. Porém, o reconhecimento da capacidade civil plena dos deficientes mentais, no campo do “Estupro de Vulnerável”, reforça a noção de que o simples critério biológico ou de constatação clínica da presença de uma anomalia mental não é suficiente para tornar uma pessoa vulnerável ou desprovida de discernimento para atos existenciais, inclusive sexuais.

Em cada caso concreto, essa capacidade, ou incapacidade efetiva, terá de ser avaliada, constatando-se a presença de uma vítima manipulada ou, simplesmente, de uma pessoa que exercita sua autonomia e dignidade no exercício de seus direitos sexuais. Da mesma forma, se está presente, no caso concreto, um abusador ou manipulador de uma pessoa sem discernimento, ou somente um parceiro sexual consentido.


4-REFERÊNCIAS

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Notas

[1] TORRES, José Henrique Rodrigues. Reflexos do Novo Código Civil no Sistema Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 44, jul./set.. 2003, p. 99.

[2] Op. Cit., p. 100 – 101.

[3] TEPEDINO, Gustavo, OLIVA, Milena Donato. Personalidade e capacidade na legalidade constitucional. In: MENEZES, Joyceane Bezerra de (org.). Direito das pessoas com deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas. Rio de Janeiro: Processo, 2016, p. 228 – 229.

[4] SEN, Amartya. A Ideia de Justiça. Trad. Denise Bottman e Ricardo Donelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 401.

[5] TEPEDINO, Gustavo, OLIVA, Milena Donato. Op. Cit., p. 237 – 238.

[6] FIUZA, César. Direito Civil. 18ª. ed. São Paulo: RT,2015, p. 169.

[7] ROSENVALD, Nelson. Curatela. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Tratado de Direito das Famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, p. 744.

[8] Op. Cit., p. 744.

[9] SILVA, Rodrigo da Guia, SOUZA, Eduardo Nunes de. Dos negócios jurídicos celebrados por pessoa com deficiência psíquica e/ou intelectual: entre a validade e a necessária proteção da pessoa vulnerável. In: MENEZES, Joyceane Bezerra de (org.). Direito das pessoas com deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas. Rio de Janeiro: Processo, 2016, p. 307.

[10] Op. Cit., p. 308.

[11] SOARES, José da Costa. O crime de estupro de vulnerável em face de deficiente mental – Análise crítica à luz das inovações do Estatuto da Pessoa com deficiência. Disponível em www.jus.com.br , acesso em 16.09.2017.

[12] Op. Cit.

[13] Op. Cit. Cf. Também a obra mencionada por Soares: ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Volume 1. Parte Geral. 10ª. ed. São Paulo: RT, 2014. Soares utilizada a 10ª. ed. de 2014. Nosso acesso foi à 5ª. ed. de 2004 onde consta que em uma “ordem normativa” (...) “não se concebe que uma norma proíba o que outra ordena ou aquela que outra fomenta. Se isso fosse admitido, não se poderia falar de ‘ordem normativa’, e sim de um amontoado caprichoso de normas arbitrariamente reunidas. (...). Daí que a tipicidade penal não se  reduz à tipicidade legal (isto é, à adequação à formulação legal), e sim que deva evidenciar uma verdadeira proibição com relevância penal, para o que é necessário que esteja proibida à luz da consideração conglobada  da norma. Isso significa que a tipicidade penal implica a tipicidade legal corrigida pela tipicidade conglobante, que pode reduzir o âmbito de proibição aparente, que surge da consideração isolada da tipicidade penal”. Em outras palavras mais simples, é imprescindível uma análise sistemática e global do ordenamento para concluir pela tipicidade material de uma conduta, para além da tipicidade formal. O estudo do tipo penal isolado, sem contato com o restante do ordenamento jurídico, é sujeito a terríveis falhas. Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Volume 1. Parte Geral. 5ª. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 522.

[14] SOARES, José da Costa. Op. Cit.

[15] PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na Legalidade Constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008 , p. 782 – 783.

[16] BARBOZA, Heloisa Helena, Almeida, Vitor. A capacidade civil à luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência. In: MENEZES, Joyceane Bezerra de (org.). Direito das pessoas com deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas. Rio de Janeiro: Processo, 2016, p. 225 – 226.

[17] GAWANDE, Atul. Mortais. Trad. Renata Telles. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015, p. 31.

[18] GRECO, Rogério. Leis Penais Especiais Comentadas. Niterói: Impetus, 2016, p. 62.

[19] FERRY, Luc. A Nova Ordem Ecológica. Trad. Luís de Barros. Porto: ASA, 1993, p. 9 – 22. O autor narra históricos processos instaurados contra porcos, sanguessugas e até mesmo árvores e coisas inanimadas!

[20] Originalmente: “Our relations to one another are not animal but personal and our rights and duties are those which only a person could have”. SCRUTON, Roger. Animal Rights and Wrongs.2ª.ed. London: Metro Books, 2000, p. 27.

[21] Um exemplo é Peter Singer, que considera a especial condição humana como o que denomina, com fulcro na terminologia originalmente cunhada por Richard Ryder, de “especismo”, ou seja, algo equiparado ao racismo, ao sexismo ou coisas do gênero. Tratar os seres humanos de forma diferenciada e privilegiada seria um preconceito inaceitável! Cf. SINGER, Peter. Libertação Animal. Trad. Marly Winckler. Porto Alegre: Lugano, 2004, “passim”.

[22] Originalmente: “There is no doubt in my mind that animals do not form moral communities of the kind I have been describing”. SCRUTON, Roger. Op. Cit., p. 30.

[23] Originalmente: “The ideas of freedom, responsibility, right and duty contain a tacit assumption that every player in the moral game counts for one and no player for more than one. By thinking in these terms, we acknowledge all persons as irreplaceable and self – sufficient members of the moral order. Their rights, duties and responsibilities are their own personal possessions”. Op. cit., p. 30.

[24] ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Trad. Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. 8ª.ed.Rio de Janeiro: Graal, 1985, p. 103 – 104.

[25] TOOLEY, Michael. Abortion and Infanticide.Philosophy and Public Affairs.Vol. 2. n. 1. Oxford: BlackwellPublishing, 1972, p. 47.  Observe-se que em publicação posterior o próprio Tooley abandona a ideia ilógica e absurda de que direitos derivam de desejos. Cf. TOOLEY, Michael. Abortion and Infanticide.Oxford: Oxford University Press, 1983, p. 109 – 112.

[26] Apud, KACZOR, Cristopher. A ética do aborto. Trad. Antonio José Maria de Abreu. São Paulo: Loyola, 2014, p. 28. Frise-se que Kaczor não é um seguidor das ideias de Tooley. Ao reverso, faz percuciente e irrespondível crítica às suas concepções tresloucadas.

[27] JONAS, Hans. Philosophical  reflections on experimenting with human subjects. In: ENGLEWOOK, Cliff. Philosophical essays. New Jersey: Prentice – Hall, 1974, p. 126. Hans Jonas opera especialmente na área da bioética. Imagine-se um caso de uma pessoa mentalmente insana que assine um termo de responsabilidade para ser cobaia de experimentos em seres humanos. Considerar essa manifestação de vontade válida, sem maiores perquirições porque o Código Civil, mediante alteração do Estatuto da Pessoa com Deficiência, estabelece que o deficiente é plenamente capaz como regra, seria não somente uma aberração jurídica, mas também moral. O mesmo ocorre no caso de atos sexuais, de transmissão de bens, de negócios etc.

[28] Apud, NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 34.

[29] MARTINS, Bruna Lyrio. O recrudescimento penal como arma das minorias: uma resposta ineficiente para um problema de fato. Boletim IBCCrim. n. 287, out., 2016, p. 19.

[30] SARMENTO, Daniel. A igualdade étnico – racial no direito constitucional brasileiro: discriminação “de fato”, teoria do impacto desproporcional e ação afirmativa. In: CAMARGO, Marcelo Novelino (org.). Leituras complementares de Direito Constitucional: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. 2ª. ed. Salvador: JusPodvm, 2007, p. 190.

[31] CRUET, Jean. A Vida do Direito e a Inutilidade das Leis. Trad. Francisco Carlos Desideri. 3ª. ed. Leme: Edijur, 2008, p. 204.

[32] DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Tomo I. São Paulo: RT, 2007, p. 483 – 484.

[33] Op. Cit., p. 484.

[34] SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia Clínica e Psicologia Criminal. São Paulo: RT, 2007, p. 44.

[35] DIAS, Jorge de Figueiredo. Op. Cit., p. 569.

[36] Op. Cit., p. 580.

[37] Op. Cit., p. 583.

[38] CRUET, Jean. A vida do direito e a inutilidade das leis. Trad. Francisco Carlos Desideri. 3ª. ed. Leme: Edijur, 2008, p. 196.

[39] ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte General. Trad. Diego – Manuel Luzón Peña, Miguel Diaz y Garcia Conlledo, Javier de Vicente Remesal. Madrid: Thomsom – Civitas, 2003, p. 808.

[40]SILVA, Rodrigo da Guia, SOUZA, Eduardo Nunes de. Dos negócios jurídicos celebrados por pessoa com deficiência psíquica e/ou intelectual: entre a validade e a necessária proteção da pessoa vulnerável. In: MENEZES, Joyceane Bezerra de (org.). Direito das pessoas com deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas. Rio de Janeiro: Processo, 2016, p. 291.

[41] PESSI, Diego, SOUZA, Leonardo Giardin de. Bandidolatria e Democídio. São Luís: Resistência Cultural, 2017, p. 39 – 41.

[42] RUSHDOONY, Rousas John. Esquizofrenia Intelectual. Trad. Fabrício Tavares de Moraes. Brasília: Monergismo, 2016, p. 144. 

Sobre os autores
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Bianca Cristine Pires dos Santos Cabette

Advogada, Pós – graduada em Direito Público, Direito Civil e Direito Processual Civil e Bacharelanda em Psicanálise.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos; CABETTE, Bianca Cristine Pires Santos. Estupro de vulnerável diante do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5511, 3 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62348. Acesso em: 22 nov. 2024.

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