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O que não deveria entrar na despesa com pessoal

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Agenda 31/05/2018 às 15:00

As Administrações, de forma equivocada, têm apropriado gastos que se poderiam abater do limite da despesa de pessoal, além de incorporar pagamentos indenizatórios, não remuneratórios, o que contraria o art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

1.Apresentação

Nos dias de hoje, veem-se os governos em sérias dificuldades com os limites da despesa laboral, seja porque esta cresce de forma autônoma ante os adicionais incorporados, de quando em quando, à remuneração do funcionalismo, ou porque a base de cálculo - a receita corrente líquida (RCL) – ainda não se recuperou da queda havida na economia dos últimos anos.

Em outras palavras e mesmo que os dirigentes não tenham concedido um único centavo de majoração salarial, ainda assim verifica-se elevação da despesa de pessoal.

Disso faz prova o Portal da Transparência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), a revelar que muitas prefeituras paulistas já superaram o limite máximo para o gasto em questão (54% da RCL), sendo que várias outras administrações municipais ultrapassaram o chamado limite prudencial (51,30% da RCL).[1]

Segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), os Poderes têm dois quadrimestres para reconduzir a despesa de pessoal a seus limites.

Tal prazo é dobrado quando a economia cresce pouco (abaixo de 1%) ou registra PIB negativo; nesse caso, o prazo de recondução salta para quatro quadrimestres (art. 66, daquela disciplina fiscal).

Essa alternativa duplicada pôde ser exercida entre 2014 a 2016, períodos em que a economia pouco evoluiu (2014), apresentando, depois, taxas negativas de incremento (2015 e 2016).

Contudo, no ano passado (2017), a economia brasileira cresceu 1,0% e, agora, em 2018, deve se elevar em mais 2,0%.

Nesse cenário, terminou o prazo dobrado (de 8 para 16 meses) que se facultava aos Poderes estatais e ao Ministério Público.

Nesse quadro de dificuldades com o gasto laboral, este artigo mostrará que, no respectivo cálculo, as Administrações, de forma equivocada, têm apropriado gastos que se poderiam abater do limite em foco, além de incorporar pagamentos indenizatórios, não remuneratórios, o que contraria o art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Não bastasse isso, o § 1º daquela norma mostra-se inaplicável; eis aqui os tais contratos de terceirização da mão de obra que substituem servidores. De mais a mais, descabe reduzir a base de cálculo (RCL), dela afastando os ganhos financeiros do regime próprio de previdência (RPPS).

É o que a seguir veremos.


2.A inaplicabilidade do art. 18, § 1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal

Relativamente à mão-de-obra terceirizada, tem-se o que diz a Lei de Responsabilidade Fiscal:

Art. 18 – (....)

1o - Os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como "Outras Despesas de Pessoal".

De ilustrar que tal dispositivo não foi proposto pelo autor intelectual do projeto original, o Ministério do Planejamento, mas, sim, por emenda parlamentar antes da segunda votação na Câmara Federal. Em suma, na qualidade de maior interessado na austeridade fiscal, o Governo Central não idealizou tal novidade.

De pronto, sustentamos que essa norma é de duvidosa constitucionalidade, posto que os limites da despesa de pessoal só alcançam servidores ativos e inativos e, não, os terceirizados. É o que se vê no artigo 169 da Constituição:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

Além disso, a Administração só pode admitir pessoal por concurso, para cargo de livre provimento (em comissão) ou de forma temporária (art. 37, IX, da CF). Então, a contratação direta de mão-de-obra também não encontra amparo constitucional.

Nesse passo, quando quer mão-de-obra terceirizada, o Poder Público precisa repassar, ao particular, um determinado serviço, não podendo contratar, direta ou indiretamente, a mão-de-obra a que se refere o art. 18, § 1º, da LRF.

De fato, o Poder Público a Administração não pode se valer de empresas para contratar trabalhadores. É o que determina o Tribunal Superior do Trabalho na Súmula 331:

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

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Desde que não possa a Administração admitir mão-de-obra, nem por empresas, tampouco diretamente, eis outro forte argumento a inviabilizar a aplicação do art. 18, § 1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal, norma que objetiva, vale sempre lembrar, os “contratos de terceirização de mão-de-obra”.

Escorado naquela decisão do Tribunal Superior do Trabalho, assim decidiu a Corte Paulista de Contas (TC 2.615/026/07):

“A Lei Fiscal não definiu precisamente o que seja “substituição de mão-de-obra”, razão pela qual o Manual próprio desta E. Corte, contribuindo para o tema, estabeleceu que “contratos de prestação de serviços, com inclusão de mão-de-obra, não se inserem, via de regra, naquele comando fiscal, uma vez que, no caso, a relação empregatícia é de responsabilidade do prestador de serviços, inexistindo aqui subordinação funcional à Administração”.

Portanto, a solução da questão se vale dos conceitos da lei trabalhista para a caracterização da figura do empregado, ou seja: contraprestação, pessoalidade, continuidade e subordinação. Desses pressupostos, o que mais chama atenção nos contratos relacionados pela Auditoria é a falta de subordinação direta à hierarquia estabelecida na Administração. Logo, não havendo qualquer desses elementos, toda contratação de pessoal é regida pela lei civil; e, no caso, não se pode conformar aos limites da lei fiscal.

Ademais, a Lei 8666/93, em princípio, também definiu que a responsabilidade pelos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não seriam transferidos à Administração Pública.

Mas, sob a ótica do órgão que padroniza a classificação da despesa pública no Brasil (STN), os contratos de terceirização de mão-de-obra relacionam-se a terceirizados empregados em atividades-fim ou em funções abrangidas pelo Plano de Cargos e Salários da entidade pública.

Essa interpretação traz inúmeras complicações jurídicas, posto que, a ver das Cortes Superiores, ações finalísticas não podem ser transferidas, nem no setor privado, tampouco na área pública; carrega também complicações operacionais, visto que os planos estatais de carreira são precários, com insuficientes descritivos funcionais. Diante disso, como saber se o Auxiliar de Serviços da Prefeitura pode desempenhar o mesmo labor do vigilante terceirizado ou se o Operador Braçal deve realizar a limpeza dos prédios públicos.

Então, o art. 18, § 1º, da LRF, parece não ter eficácia em nosso direito financeiro, nisso considerando que:

E, sob essa linha de raciocínio, descabe incluir a folha salarial das entidades do 3º setor nos limites da despesa laboral dos Executivos concedentes.

Deve ser assim, pois, quando há envolvimento das ONGs, de direito privado, fácil concluir que a Administração está repassando, parcial ou totalmente, um serviço público e, não, contratando a mão de obra referida no § 1º, art. 18, da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Com efeito, no tocante às subvenções sociais, auxílios e contribuições, a Lei 4.320, de 1964 (art. 16), estabelece, de forma clara, que, no interesse público, a Administração pode suplementar recursos privados como forma de melhor atender os serviços públicos.

Então, o intuito, o foco, o objetivo é a melhor consecução de um serviço público.

Não bastasse isso e sob o ponto de vista orçamentário, as rubricas Subvenções Sociais, Contribuições, Serviços de Terceiros (pessoa jurídica), todas elas compõem o grupo Outras Despesas Correntes (código 3.3.00.00.00) e, não, o grupo Pessoal e Encargos Sociais (código 3.1.00.00.00).


3.Decisões administrativas sobre demandas anteriores ao cálculo da despesa laboral.

A Lei de Responsabilidade Fiscal manda excluir os gastos trabalhistas gerados por decisão judicial, desde que o fato gerador anteceda os doze meses de apuração.

Então, inevitável a seguinte indagação: por simetria, seriam também retiradas despesas ensejadas por determinações administrativas, não judiciais?

Em livro do qual fui coautor[2], assim defendemos:

“Filiamo-nos ao princípio da interpretação razoável da lei e, sob tal visão, há nesse trecho duas maneiras de não inclusão na despesa de pessoal. Independem elas entre si, quer isso dizer, tanto gastos trabalhistas advindos de decisões judiciais quanto demandas administrativas de pessoal incorridas há mais de doze meses, uns e outros não se somam ao gasto de pessoal em verificação. É bem isso o que decidiu o e. Tribunal de Contas do Distrito Federal: “não devem ser consideradas para efeito da apuração dos limites estabelecidos nos arts. 19, 20, 22, parágrafo único, e 71 da Lei Complementar n.º 101/00 – Lei de Responsabilidade Fiscal – as despesas de pessoal decorrentes de direito reconhecido pela via administrativa, cujo fato gerador seja anterior ao período de apuração da despesa total de pessoal estabelecido no § 2.º do art. 18 desse diploma legal” (in resposta à pergunta formulada pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, Processo n.º 267/02; grifamos)”.

A propósito, na fórmula que afere a despesa com pessoal, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) exclui todos os gastos da competência de exercícios anteriores.

Em assim sendo e desde que precedentes aos doze meses de apuração da despesa com pessoal, todas as decisões trabalhistas, judiciais ou administrativas, serão abatidas do cômputo em questão.


4.Repasses atuariais ao regime próprio de previdência social (RPPS)

No cômputo de pessoal, a Lei de Responsabilidade Fiscal exclui as contribuições dos segurados, a compensação financeira junto ao INSS, bem assim as demais receitas do sistema local de previdência, nesta incluídas o específico superávit financeiro (art. 19, § 1º, VI, “c”).

Sob tal prisma, também são abatidas as contribuições patronais àquele sistema, conquanto antes integram a despesa bruta de pessoal, possuindo tais encargos, claro, a natureza de receitas vinculadas ao sistema previdenciário.

Então, na despesa de pessoal, só entra, de fato, o gasto descoberto da inatividade, aquele não financiado pelas receitas atreladas ao sistema próprio ou, o que dá no mesmo, o déficit financeiro de exercício, amparado que é pelo Tesouro.

No entanto, o RPPS apresenta outro tipo de déficit, o atuarial, a demonstrar que, ao longo de 35 anos, tal sistema abrirá falência, caso não se aumente as alíquotas de contribuição ou haja repasses suplementares do ente patrocinador, onerando estes últimos a rubrica 97 – Aportes para Cobertura do Déficit Atuarial do RPPS.

Segue assim o alerta: na condição de receita marcadamente previdenciária, aqueles repasses atuariais se afastam do cômputo em questão.

Do contrário, o aporte atuarial ingressa na despesa bruta de pessoal (1ª linha da fórmula), mas não se reduz, depois, no campo subtrativo desse gasto.

Contudo, em tal procedimento, “deve-se observar as regras contidas na Portaria MPS 746 de 2011, que determina que os recursos provenientes desses aportes atuariais devem ser controlados separadamente dos demais recursos, de forma a evidenciar a vinculação para a qual foram instituídos e devem permanecer devidamente aplicados em conformidade com as normas vigentes, no mínimo, por 5 (cinco) anos. É isso o que determina a Secretaria do Tesouro Nacional, na 6ª. Edição do Manual de Demonstrativos Fiscais.


5.As verbas indenizatórias

A Lei de Responsabilidade Fiscal, no art. 18, bem detalha os itens que ingressam no cômputo da despesa com pessoal:

Art. 18. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.

Tal como grifado no transcrito artigo, o cálculo abrange todas as espécies remuneratórias de pessoal, não se fazendo contudo menção a qualquer tipo indenizatório.

Então, na aferição dos limites do gasto laboral, perfilam os itens remuneratórios, mas, não, as chamadas verbas indenizatórias.

Bem por isso, a Lei de Responsabilidade Fiscal, no art. 19, § 1º, I e II, exclui, de forma textual, os pagamentos indenizatórios aos demitidos de forma voluntária ou involuntária.

Doutrina e jurisprudência logo compreenderam que são indenizatórios, não remuneratórios, os desembolsos alusivos a diárias, ajuda de custo, auxílio-alimentação, auxílio-transporte, auxílio-natalidade, auxílio-creche, auxílio-funeral. É porque tais verbas não pagam diretamente o trabalho; além disso, sobre elas não incidem as contribuições previdenciárias, tampouco o Imposto de Renda na Fonte.

Assim, a controvérsia assentou-se no terço constitucional de férias.

E várias foram as decisões dos tribunais superiores (STF, STJ, TST), concluindo que aquele terço adicional possui natureza indenizatória, não remuneratória. Assim pensam os magistrados porque tal parcela:

A interpretação de tal matéria, contudo, ainda era bem instável, aguardando-se que a Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de repercussão geral (RE 593.068), decidisse se caberia, ou não, contribuição previdenciária e Imposto de Renda sobre o terço constitucional de férias, solvendo, de vez, o entendimento de sua natureza: remuneratória ou indenizatória.

No entanto, a esperada harmonização não proveio do Judiciário, e, sim, pela Lei 13.485, de 2017; em verdade, nos trechos em que o Congresso derrubou os vetos presidenciais, culminando na promulgação feita em 2 de outubro de 2017:

Art. 11. - O Poder Executivo federal fará a revisão da dívida previdenciária dos Municípios, com a implementação do efetivo encontro de contas entre débitos e créditos previdenciários dos Municípios e do Regime Geral de Previdência Social decorrentes, entre outros, de: (Promulgação)

(......)

IV - valores referentes às verbas de natureza indenizatória, indevidamente incluídas na base de cálculo para incidência das contribuições previdenciárias, tais como:

a) terço constitucional de férias;

b) horário extraordinário;

c) horário extraordinário incorporado;

d) primeiros quinze dias do auxílio-doença;

e) auxílio-acidente e aviso prévio indenizado;

Desse modo, a lei, agora, determina restituição da contribuição previdenciária indevidamente recolhida sobre o terço de férias, as horas extras e aquelas outras verbas; isso porque todas elas, conforme bem expressa o texto legal, têm natureza indenizatória, não remuneratória.

Na qualidade de indenizatórios, tais pagamentos, a princípio, não deveriam integrar os limites da despesa de pessoal, vez que, assim como já se disse, a Lei de Responsabilidade Fiscal só quer a agregação das espécies remuneratórias no cálculo em debate.

E, o que é para o regime geral de previdência (INSS), torna-se conceito estendido aos servidores vinculados a sistemas próprios de previdência. Tal se ampara nos princípios da razoabilidade, igualdade e simetria.

Portanto, o terço de férias e as algumas elencadas outras verbas indenizatórias, todas elas deveriam afastar-se da despesa com pessoal, quer para os celetistas, quer para os estatutários.

De todo modo, já surge aqui uma polêmica no tocante às horas extras; é porque a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, as têm como remuneratórias, enquanto são indenizatórias sob a Lei 13.485, de 2017.

Sob a interpretação de que a Constituição, no art. 169, delegou à lei complementar (no caso, a LRF) e, não, à lei ordinária (no caso, a L. 13.485, de 2017) a disciplina dos freios à despesa de pessoal, nesse cenário entendemos que as horas extras continuam nos limites em questão, posto que, expressamente, se incluem no mencionado art. 18, da LRF.

Por outro lado, sobredita norma referência não faz ao terço de férias; ao menos de forma expressa.

De todo e qualquer modo, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), enquanto órgão padronizador das contas públicas, deveria apresentar códigos que identificassem o terço de férias, as horas extras e os outros pagamentos indenizatórios da Lei 13.485, os quais, na folha mensal de pagamentos, estariam livres da contribuição previdenciária e do Imposto de Renda, sendo que, na aferição das barreiras de pessoal, seriam abatidos no campo subtrativo da fórmula.

Ao demais, bom lembrar que a comentada derrubada do veto presidencial culminará em mais uma grande perda na receita previdenciária (INSS e RPPS); isso num momento cujo déficit do setor é tido como sério entrave às políticas nacionais de investimento e redução da dívida pública.

Sobre o autor
Flavio Corrêa de Toledo Junior

Professor de orçamento público e responsabilidade fiscal. Autor de livros e artigos técnicos. Ex-Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLEDO JUNIOR, Flavio Corrêa. O que não deveria entrar na despesa com pessoal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5447, 31 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66611. Acesso em: 22 dez. 2024.

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