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O que não deveria entrar na despesa com pessoal

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Agenda 31/05/2018 às 15:00

6.A polêmica relativa ao afastamento dos ganhos financeiros do RPPS da base de cálculo (receita corrente líquida).

Respeitável linha de entendimento defende que não integra a receita corrente líquida (RCL) os geralmente elevados ganhos de aplicação financeira do regime próprio de previdência (RPPS). Para tanto, consideram que tais rendimentos não têm existência própria; derivam, provêm, se originam das receitas normais do RPPS, ou seja, as de contribuição patronal e funcional. Em suma, esses ganhos financeiros não existiriam caso não ingressassem, no caixa estatal, as entradas habituais, corriqueiras, do sistema local que paga aposentadorias e pensões.

Aqui, de considerar que a despesa de pessoal é sempre relativizada em função da receita corrente líquida (RCL); uma redução nesta base acarreta, claro, aumento percentual na despesa com o fator trabalho.

De nossa parte, ousamos discordar daquela prestigiosa interpretação. Eis as nossas razões:

1.A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) não determina a subtração daqueles rendimentos financeiros; só manda deduzir as contribuições dos segurados, bem como as receitas de compensação entre os sistemas de previdência (INSS e RPPS) e, por metodologia da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), também as perdas financeiras no jogo contábil do Fundeb; nada mais do que isso. Põem-se aqui deduções exaustivas, terminativas, não exemplificativas, que se veem na seguinte passagem daquela disciplina:

Art. 2º - Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como:

(...)

IV - receita corrente líquida: somatório das (...) , deduzidos:

(...)

c) na União, nos Estados e nos Municípios, a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira citada no § 9º do art. 201 da Constituição.

§ 1o Serão computados no cálculo da receita corrente líquida os valores pagos e recebidos em decorrência da Lei Complementar no 87, de 13 de setembro de 1996, e do fundo previsto pelo art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

2.Tanto é assim que, no Manual de Demonstrativos Fiscais (7ª. edição/2017), a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), no modelo de aferição da receita corrente líquida (RCL), enuncia apenas os três sobreditos abatimentos legais; dito de outra maneira, a STN não determina, em nenhum momento, a subtração dos tais ganhos financeiros do sistema próprio de previdência[3].

3.Na vertente polêmica, há de se analisar, em primeiro lugar, o todo da questão, ou seja, a despesa de pessoal dividida pela receita corrente líquida (DP/RCL) [4]. Nisso e no que toca aos inativos, a LRF (art. 19, § 1º, VI) quer a inserção do gasto líquido, isto é, a despesa bruta menos as contribuições (patronais e dos segurados) e, só se for preciso, as outras receitas do RPPS, inclusive os tais ganhos financeiros do sistema.

4.Então, os rendimentos financeiros do RPPS poderiam ser abatidos da despesa laboral caso amparassem, realmente, o gasto com inativos, o que, se assim fosse, justificaria, por simetria, igual dedução sobre a receita corrente líquida (RCL).

5.Ocorre que, na maior parte das vezes, as contribuições patronais e do segurados, por si só, são mais do que suficientes para honrar as aposentadorias e pensões do período, quer isso dizer, em boa parte dos entes estatais, aqueles ganhos financeiros não custeiam, no presente momento, os inativos.

6.E, desde que esses rendimentos não financiam a parte superior da equação (a despesa de pessoal), por que afastá-los do lado de baixo do cálculo (a receita corrente líquida)??

7.Em outras palavras e sob o conceito de gasto líquido com inativos, não se pode descontar, da despesa laboral, mais do que se paga aos aposentados e pensionistas. O limite, claro, é o gasto bruto com aposentadorias e pensões.

8.E, em algumas poucas hipóteses, apenas pequena fração dos tais rendimentos suporta as despesas com a inatividade. Nesse cenário, não faz sentido deduzir, da receita corrente líquida, a totalidade dos rendimentos auferidos no período de cálculo, mas, apenas, o valor efetivamente revertido ao custeio em questão.

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9.De lembrar que, mediante as aplicações financeiras, a capitalização dos sistemas previdenciários é essencial na futura garantia de aposentadorias e pensões. Prova disso, o Conselho Monetário Nacional (CMN) dispõe rígidas normas para aplicação das sobras monetárias do sistema próprio [5].

10.Além disso, argumenta-se que os rendimentos financeiros do RPPS constituem uma duplicidade contábil, posto que apenas derivam de uma receita originária: a das contribuições ao sistema próprio; por isso, deveriam ser afastados da receita corrente líquida. Ousamos discordar; os tais ganhos geram, sim, acréscimo patrimonial à entidade, na medida em que aumentam o valor inicialmente aplicado, tipificando um “plus”, um engrandecimento no capital investido.

11.Ao demais, tem-se o Imposto de Renda descontado dos salários e proventos, que, este sim, não é uma nova receita e só provém de entradas primárias, como a de impostos próprios e transferências constitucionais, “retornando”, após o desconto sobre a folha de pagamento, ao caixa governamental (art. 157, I e 158, I, da CF).

12.E, mesmo o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), sem gerar qualquer aumento patrimonial, mesmo ele não é abatido no cálculo em questão; nem da despesa laboral; tampouco da receita corrente líquida. Veja-se o que diz a Secretaria do Tesouro Nacional, na 7ª. edição do Manual de Demonstrativos Fiscais (2017):O Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF deverá ser incluído pelo ente que efetuou a retenção na fonte, não se admitindo deduções a qualquer título para efeito de cômputo da RCL”.

13.Em suma, se não há abatimento de rubrica sem qualquer interferência patrimonial positiva, por que então deduzir um item que aumenta, sim, o patrimônio líquido da entidade: os ganhos financeiros do regime próprio de previdência?

14.Tendo em vista que as aplicações financeiras incidem sobre um capital que, no tempo, tende a se elevar, a debatida subtração da receita corrente líquida aumentará progressivamente, com desnecessários efeitos negativos sobre o percentual da despesa de pessoal.


7.Conclusão

No cálculo do debatido gasto público, há rubricas do grupo Pessoal (3.1.00.00.00), que são depois afastadas; perfilam-se no campo subtrativo da fórmula de cômputo (entram e saem); também existe os itens que sequer comparecem naquele conjunto; integram categoria diferenciada, a da Outras Despesas Correntes (3.3.00.00.00).

Sendo assim, e com base nas considerações antes apresentadas, assim resumimos:

7.1 – Rubricas empenhadas em Despesa de Pessoal, mas depois abatidas no campo subtrativo da fórmula de cálculo:

7.2 – Rubricas empenhadas em Outras Despesas Correntes


nOTAS

[1] Vide http://transparencia.tce.sp.gov.br/receita-corrente-liquida-despesa-pessoal

[2] “Lei de Responsabilidade Comentada Artigo por Artigo” – 3ª. Edição, 2005, Editora NDJ; em coautoria com Sérgio Ciquera Rossi.

[3] De lembrar que, na qualidade de receita intraorçamentária, a contribuição patronal ao RPPS não ingressa na receita corrente líquida; nem como inclusão; tampouco como dedução.

[4] Levando-se sempre em conta um conjunto de 12 meses; a despesa laboral realizada no mês de referência mais as dos onze meses imediatamente anteriores (art. 18, § 2º, LRF).

[5] Resolução do Conselho Monetário Nacional – CMN nº 4.604, de 19 de outubro de 2017, publicada em 20 de outubro de 2017.

Sobre o autor
Flavio Corrêa de Toledo Junior

Professor de orçamento público e responsabilidade fiscal. Autor de livros e artigos técnicos. Ex-Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLEDO JUNIOR, Flavio Corrêa. O que não deveria entrar na despesa com pessoal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5447, 31 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66611. Acesso em: 22 dez. 2024.

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