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Direitos humanos e implementação de políticas públicas

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Agenda 19/08/2019 às 17:10

IX – O MINISTÉRIO PÚBLICO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO SOCIAL

Acentua-se, numa sociedade regida por um estado democrático de direito, que os direitos humanos e a soberania do povo encarnam a dimensão da legitimidade do corpo jurídico, vendo-a de forma a que tal legitimidade apoia-se num arranjo comunicativo, visto na visão de Habermas,[96] à luz dos participantes dos discursos racionais, os parceiros do direito devem poder examinar se uma norma controvertida encontra ou poderia encontrar o assentimento de todos os possíveis atingidos.

Nessa visão, o ordenamento jurídico é visto como fruto de uma legislação que os sujeitos de direitos se dão a si mesmos, sendo, por seu turno, os direitos humanos o substrato que é inserido nas condições formais para institucionalização jurídica desse tipo de procedimento.

Os direitos humanos, fulcrados na Constituição, nos direitos fundamentais, resultam imediatamente da possibilidade de postulação judicial de direitos e da configuração politicamente autônoma da proteção jurídica individual.

Valemo-nos das cogitações de Habermas acerca da validade do Direito, que deve ser vista sob 2(dois) aspectos: o primeiro é a validade social ou fático e o segundo é o aspecto compreendido por sua legitimidade. A validade fática das normas jurídicas mede-se pela referência à sua eficácia, pela adesão fática às suas prescrições.

Os direitos humanos enquanto normas constitucionais positivamente válidas distinguem-se dos direitos humanos enquanto normas de ação justificadas moralmente.

Constituem os direitos humanos, juntamente com a soberania popular, a encarnação da legitimidade do corpo jurídico.

Aliás, esses direitos humanos, vistos como direitos fundamentais, podem ser vistos numa configuração autônoma da possibilidade de postulação judicial de direitos.

Partindo, data venia, da ótica de direitos humanos positivado na Constituição, reconhecido por ela, Luíza Cristina Fonseca Frischeisen[97] alude que a possibilidade de responsabilizar a administração pela não implementação de política pública decorre dos seguintes pontos:

  1. as normas constitucionais que estabelecem os direitos sociais são eficazes e vinculam a administração para sua implementação;
  2. por serem os direitos sociais dotados de eficácia, o seu não reconhecimento possibilita aos interessados/legitimados demandarem judicialmente sua implementação;
  1. a ausência de políticas públicas voltadas para a implementação de direitos sociais constituem atos omissivos da administração e são passíveis de controle pelo Judiciário, pois existe o juízo de inconstitucionalidade e ilegalidade na omissão pela administração.   Numa linha mais precisa, data venia, João Batista de Almeida[98] lembra José dos Santos Carvalho Filho[99] considera a ação judicial passível quando preordenada a determinada situação concreta, comissiva ou omissiva causada pelo Estado.

Já vimos que na não implementação de políticas públicas não há falar em usurpação ou intromissão indevida.

Surgem, pois, em matéria de direitos humanos, numa visão que atrela regras e princípios, a discussão com relação a intervenção judicial para implementação ode políticas de discriminação compensatória e de políticas de inclusão social para minorias discriminadas sexualmente.

No caso da admissão preferencial de negros, tal implementação diminuiria a diferença de riqueza e poder que existe atualmente entre os diferentes grupos raciais, tornando a sociedade mais igualitária em termos gerais. Estudando, nessa ótica o caso De-Funis,[100] Ronald Dworkin considera que a desvantagem para candidatos nessa situação é um preço que deve ser pago para se obter um ganho maior, equivalendo a desvantagem de estudantes menos preparados, respeitados os padrões de meritocracia.                       

 Nos Estados Unidos, e será o caso do Brasil, têm sido vistos como eficazes programas de ação social que dão uma vantagem competitiva aos grupos raciais. Na sua falta, sua implementação pode ser conduzida processualmente pelo Parquet.

No que concerne a uma maior integração dos direitos dos homossexuais na sociedade, penso que se trata de implementação de políticas não formuladas ou deficientemente formuladas, em todos os campos de atuação da sociedade, seja no trabalho, na família, na temática previdenciária. Já vimos interessante decisão do Colendo Tribunal Regional Federal da 4.ª  Região, na matéria. Isso extrapola ao mero repúdio do homem comum e uma questão de gosto, pois se trata de um consenso social de convicção independente, de índole moral.

Legitimado está o Ministério Público, instituição que garante o acesso à Justiça, em se tratando de defesa de interesses individuais homogêneos, que tenham expressão para a coletividade, tal a dispersão de lesados, onde se torna evidente a judicialização da questão[101].

As normas jurídicas são, como obviamente são, emanação do povo, pois todo poder emana do povo, e a sua não adesão fática transformação em ineficaz. A ineficácia das normas de política pública perante a administração, em se traduz em justicialidade a declarar o patamar de cunho ético da norma de justificação.

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A linha que propomos, já é objeto da própria afirmação histórica dos direitos humanos. Em sede internacional, se nos debruçarmos com relação aos excertos do Protocolo  Adicional à Convenção Americana Sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais, e Culturais (Protocolo de São Salvador, de 27.11.1988), senão vejamos: 

ART. 7.°  (POLÍTICA DE EMPREGO) – Condições justas, equitativas e satisfatórias do trabalho

Estabilidade dos trabalhadores em seus empregos, estabelecida a possibilidade de direito à indenização ou a readmissão no emprego, de acordo com a característica da profissão e a causa da dispensa;

Proibição de trabalho noturno ou em atividades insalubres ou perigosas para os menores de 18 anos, ou, em geral, todo o trabalho que possa pôr em perigo sua saúde, segurança ou moral.

Limitação razoável de horas de trabalho.

ART. 9.°  (POLÍTICA DE PREVIDÊNCIA SOCIAL)2.1. Políticas de proteção às consequências da velhice e da incapacidade e garantia de sustento, via amparo previdenciário, a beneficiários;2.2. Assistência médica aos trabalhadores e pensão, em caso de acidente do trabalho ou doença profissional;  

ART. 10.°  (POLÍTICA DE SAÚDE)3.1. O combate a doenças infecciosas;3.2. Do estabelecimento de políticas de educação à população com referência à prevenção e o tratamento dos problemas da saúde;3.3. Satisfação de necessidades de saúde de grupos de risco e, que, por situação de pobreza, sejam mais vulneráveis;

ART. 12.°  (POLÍTICA DE ALIMENTAÇÃO)4.1. Políticas de combate à fome, objetivando a eliminação total da desnutrição, no País. 


X – AS POLÍTICAS PÚBLICAS, PLANO E PLANEJAMENTO ECONÔMICO

Aduz Maria Paula Dallari Bucci[102] que as políticas públicas, na medida em que coordenam meios à disposição do Estado, harmonizando as atividades estatais e privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados, são um problema de direito público, envolvendo ilações no direito administrativo, segundo Garcia de Enterria[103], direito constitucional concretizado.

Como tal, e não apenas como serviço público, a gestão de política pública deve ser vista mais do que plano, mas como programa de ação do governo para a realização de determinados objetivos. Ao desenvolver atividade de interesse social o Estado desenvolve serviço público, atividade indispensável à consecução da coesão social.

No Brasil, tivemos os Planos Nacionais de Desenvolvimento, durante os governos militares, o Plano Nacional de Educação, o Plano Nacional de Saúde. Em geral, esses planos foram elaborados por tecnocratas distanciados do povo.

No orçamento, como ato-condição, a teor do art. 165 da Constituição, são fixados, fruto desses planos, diretrizes, metas, projetos e prioridades da Administração, já disciplinando meios (contratação de pessoal, construções, etc.), e fins, voltada para a realização de valores no campo social.

A iniciativa das políticas públicas é primordialmente do Poder Executivo, dentro de diretrizes e limites aprovados pelo Legislativo, por iniciativa deste ou daquele Poder, para políticas de curto, médio e longo prazo.

É dos Poderes Legislativo e Executivo o mister de formular tal política pública, que se não concretizada, cabe ao Judiciário independente e imparcial implementar, dentro do contexto de uma verdadeira democracia participativa em que o Ministério Público é o advogado da sociedade.

A eleição de políticas públicas deve ser conformada aos seguintes princípios:

  1. dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1.° , III) e como fim da ordem econômica (art. 170, caput);
  2. erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais como um dos objetivos fundamentais da República;
  3. valores sociais do trabalho (art. 1.°  , IV da CRFB);
  4. o pleno emprego. 

Nossa Constituição não é formal, é democrática, que supõe acesso de um número cada vez maior de cidadãos aos bens sociais, diverso da racionalidade econômica neoliberal, ideologia que defende o dinheiro dobrando-se por si mesmo, na reprodução de riqueza, mas sem levar em conta o acesso a direitos e garantias sociais além de direitos e garantias individuais.

Entenda-se que a norma constitucional, na medida em que recepciona esses princípios conformadores, impositivos, passa a ser instrumento de governo, visando a implementação de políticas públicas, políticas referidas e fins múltiplos e específicos.                       

 Na correta visão de Eros Roberto Grau[104], estamos diante de normas-objetivo, que explicitam resultados e fins em relação a cuja realização estão comprometidas outras normas de conduta ou de organização[105]. Será, pois, necessário estabelecer correspondência entre diretrizes e normas-objetivo, dentro de um complexo sistêmico, em que a unidade é a tônica.                       

Exemplo de norma-objetivo encontra-se no artigo 174 da Constituição, que determina a função do planejamento, determinante para o setor público, que consideramos não uma planificação (planejamento da economia), mas planejamento técnico de ação racional, com definição de objetivos.

O planejamento de que trata o art. 174, § 1.°, da Constituição, é planejamento do desenvolvimento econômico, indicativo para o setor privado e determinante para o setor público.

Os planos, normas-objetivo, normas que definem fins a alcançar, que de modo algum, em nossa Constituição, se constitui dirigismo econômico, mas intervencionismo a bem do mercado, a bem da economia capitalista[106] . A União (Executivo) elaborará planos nacionais e regionais de desenvolvimento econômico e social, planos que deverão ser aprovados pelo Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República; os planos nacionais serão executados pela União e deverão compreender os planos regionais a serem executados por organismos nacionais.

Busca-se, pois, com a necessária implementação de políticas públicas, a eficácia social das normas adotadas pela Constituição do Brasil que se adequam a um modelo de bem estar social.

Quando há a nefasta relação de desconformidade da atuação do Estado com o modelo dessas normas, urge a ida ao Judiciário para exigir a correta aplicação do direito, já que há problemática falta de efetividade de política pública.

A eleição de políticas públicas é conformada por normas constitucionais, imbuídas de princípios, a que o Judiciário deve conferir efetividade jurídica, que se manifesta quando realizada a conformidade de uma situação jurídica concreta ao modelo que constitui a norma. Ouso divergir dos que pensam que a Constituição não garante que as decisões do Poder Judiciário sejam executadas, pela imposição de sua pronta efetivação. Os meios de indução, como prisão civil do administrador recalcitrante, na linha dos ordenamentos alienígenas (anglo-saxônico e germânico), devem ser aplicados para garantia dos resultados buscados por essas normas.

O direito ao procedimento[107] corresponde, na teoria das posições jurídicas asseguradas pelos direitos fundamentais, ao “status ativus processualis”, na sistemática brilhante de Jellinek, recebendo o Ministério Público, na tutela do interesse da sociedade, a atribuição de pedir a correta formação da vontade estatal.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Direitos humanos e implementação de políticas públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5892, 19 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70274. Acesso em: 23 nov. 2024.

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