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Orçamento participativo: para uma cidade mais democrática e pela efetivação da dignidade humana

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A EFETIVAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA

Qual seria a finalidade do Estado senão atender às necessidades da população? Sendo o Estado uma criação da vontade humana, e levando em conta que ele não tem um fim em si mesmo, pois o fim do Estado é o bem público, como bem coloca Azambuja (2005, p. 123). Há diferentes sociedades e países, consequentemente, Estados com características diferentes. Mas, o fim do Estado é sempre o mesmo (ou deveria ser): o bem público (ibidem, loc. cit.).

Desta feita, tamanha a importância das pessoas que, no Brasil, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Quer-se dizer que o Estado deve, obrigatoriamente, sempre visar a dignidade humana[25] quando das suas ações. Porém, ele também nunca pode usar meios que agridam a dignidade humana (os direitos humanos e nem os direitos fundamentais).

Nessa perspectiva, pode-se inferir que “la dignidad humana es el referente qua marca los objetivos de la ética pública y a su vez, en la dinámica de ésta, el contenido de la condición humana a desarrollar” (MARTÍNEZ, 2003, p. 41). Ou seja, “nuestra dignidad es un referente moral y no una realidad sin el esfuerzo de todos y sin la acción del Derecho en la sociedad política” (ibidem, p. 48)[26].

A doutrina, os Tribunais pátrios e mesmo o Tribunal Constitucional Alemão consideram a dignidade humana como um meta-princípio, que orienta a interpretação de todo o ordenamento jurídico, funcionando como um vetor hermenêutico. É um princípio absoluto, que sempre deve ser observado pelo Estado e pelos particulares. Esclarece Dias (2010, p. 191) que “a ordem estatal e a ordem jurídica são elementos improrrogáveis à realização da dignidade humana. A dignidade humana é conteúdo axiológico justificador do Direito, pois os direitos humanos têm sua origem no valor do ser humano”.

Ante o exposto, verifica-se que, para uma vida digna, a pessoa humana necessita de condições ideais (mesmo que mínimas). Assim, é preciso ter garantidos educação, saúde, saneamento básico, segurança, moradia, entre outros direitos. Nesse sentido,

O conteúdo básico, o núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana, é composto pelo mínimo existencial, que consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade. [...] uma proposta de concretização do mínimo existencial, tendo em conta a ordem constitucional brasileira, deverá incluir os direitos à educação fundamental, à saúde básica, à assistência no caso de necessidade e ao acesso à justiça. (BARCELOS, 2002, p. 305).

Aqui, após todos esses esclarecimentos (necessários), emerge a discussão sobre como o Orçamento Participativo ajuda na efetivação da dignidade da pessoa humana.

Destaca-se que a própria democracia, além de transformadora por propiciar a igualdade, bem como ajuda na efetivação da dignidade humana, qualifica e define as estruturas, funções, atribuições, sendo que, no fim, ela é a base do Estado Democrático de Direito (DIAS, 2012, p. 63). Daí já se extrai a importância do Orçamento Participativo, vez que ele é um mecanismo de participação popular pautado na ideia de democracia.

Inicialmente, destaca-se que “a autonomia está diretamente relacionada à dignidade, como possibilidade de ser e de agir no mundo” (idem, 2010, p. 191). Ou seja, a autonomia é expressão da dignidade, e está relacionada à possibilidade que as pessoas têm de criar, produzir, de se comunicar na sociedade e produzir no âmbito social, isto é, no fim, de poder escolher e moldar o seu projeto de vida (ibid., loc. cit.).

Portanto, trazendo para o contexto social-participativo, pode-se afirmar que os indivíduos devem ter autonomia para deliberar em âmbito social sobre os assuntos de interesse geral. Nesse sentido se insere o orçamento participativo, como canal em que a população (em visível ato de cidadania) debate sobre os temas de interesse geral da comunidade, escolhendo as prioridades a serem atendidas pela Administração Pública.

Ademais, os indivíduos precisam ter a possibilidade de escolher o seu modo de vida, ou seja, ter autonomia para criar e colocar em prática seus projetos de vida, desde que não sejam ilícitos ou agridam direito de terceiro. Assim, com uma cidade adequada, construída através do diálogo e da boa alocação de recursos públicos, é possível garantir que todos possam efetivar seus projetos de vida, assegurando-se, portanto, sua autonomia, em dois sentidos: a) autonomia para, como visto, deliberar no seio da comunidade sobre o destino das verbas orçamentárias, elegendo as prioridades; b) autonomia para construir o seu projeto de vida munido de toda a estrutura necessária (escolas, centros de lazer, saneamento básico, hospitais, etc.).

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Após essas longas considerações, conclui-se que o Orçamento Participativo ajuda na efetivação e promoção da dignidade humana de duas formas: a) direta, em que, internamente, o referido mecanismo de participação engloba direitos fundamentais; b) indireta, em que, sob um olhar externo, tem-se que ele é um meio para a efetivação dos direitos sociais.

Analisando a característica direta, tem-se que o primeiro direito verificado no contexto do Orçamento Participativo é o direito fundamental à liberdade, reconhecido na Constituição da República de 1988, em várias normas (a exemplo do art. 5º, caput). Aí pode-se inserir a livre manifestação do pensamento, a liberdade de expressão, etc. Porém, certo é que o orçamento participativo propicia a liberdade de os cidadãos deliberarem sobre temáticas de relevância social. Aliás, esse é um dos pilares do OP, pois este deve ser livre de qualquer vício, tais como o clientelismo, etc., propiciando um espaço aberto e democrático em que todos são livres para manifestarem suas opiniões. Afinal, é a participação que se busca.

Além da liberdade, outro pilar fundamental no que se refere ao OP é a própria igualdade (prevista, dentre outras normas, no art. 5º, caput[27]). Na deliberação, cria-se um espaço horizontal, onde todos têm voz e vez e podem opinar igualmente, ou seja, todos são ouvidos e são iguais, tendo as mesmas oportunidades, sob pena de estar-se incorrendo em uma falácia. Em síntese: a todos é dado a mesma oportunidade (igual) para se manifestar acerca das temáticas orçamentárias.

Desta feita, o Orçamento Participativo se insere no contexto de uma igualdade procedimental, “orientando-se para garantia da igual condição (opção) de participação do cidadão em todas as práticas estatais, [...] que viabiliza um número cada vez mais crescente de cidadãos na simétrica participação da produção de políticas públicas” (FENANDES, op. cit., p. 399).

Em verdade, há um grande abismo entre a Constituição da República de 1988 e a realidade brasileira[28]. E mais: não só quanto à Constituição, mas também normas infraconstitucionais. Na lei verifica-se o direito à moradia (expressamente no art. 6º da Carta Magna), porém o que há, de fato, são pessoas residindo nas ruas, sob condições literalmente desumanas. Consta da Constituição que todos têm direito à saúde, mas somente os mais abastados podem ter um acompanhamento médico de qualidade. Enfim, esses e outros problemas se apresenta no cotidiano brasileiro. Para Streck (2007, p. 37), corroborando com esse entendimento, “[...] de um lado temos uma sociedade carente de realização de direitos e, de outro, uma Constituição Federal que garante estes direitos da forma mais ampla possível”.

Nessa conjuntura, já na perspectiva indireta, o Orçamento Participativo surge como um mecanismo mesmo de justiça social, em que as pessoas podem decidir sobre o que é mais relevante no momento a fim de investir o dinheiro público. Assim, através dele se poderá alcançar as diretrizes previstas no Plano Diretor da Cidade, por exemplo, bem como os direitos constitucionais. Segundo Silva (2006, p. 30):

A cidade, nesse aspecto, apresenta-se como o locus ideal para a democracia, porquanto, ao permitir a colaboração, a interação e o diálogo entre os que nela habitam, favorece a concretização dos direitos humanos fundamentais – com relevo, neste estudo, para o direito à moradia e à cidade sustentável -, a participação cidadã efetiva, e, ato contínuo, respaldo o princípio da dignidade humana.

Certo é que, “no que tange à questão econômica, a eficácia dos direitos sociais depende de prestações materiais, isto é, da existência de recursos públicos disponíveis como forma de atenuar ou diminuir as desigualdades [...]” (DIAS, 2010, p. 146), sejam elas socioeconômicas, políticas, jurídicas, etc. Porém, além da necessidade de recursos, deve-se notar que a eficácia dos direitos sociais se dará através da boa aplicação destes, atendendo às necessidades e clamores dos cidadãos. Desta feita, frisa-se que a boa aplicação é fundamental.

A própria igualdade também se faz presente na perspectiva indireta. A partir do OP pode-se chegar à chamada igualdade material, alcançando a “justiça social”, ou seja, direitos sociais através de uma atuação positiva, no sentido de atenuar e mesmo extinguir a desigualdades. No Brasil, pode-se dizer, generalizando (e assumindo o risco) que só há uma igualdade formal.[29]

Assim, pode-se observar que o Orçamento Participativo não é um fim em si mesmo, mas sim um meio pelo qual os cidadãos podem pleitear a aplicação dos recursos públicos, interferindo em um assunto de suma importância no âmbito da Administração Pública, que é o Orçamento, peça chave na aplicação de dinheiro público[30], proporcionando, portanto, uma complementaridade entre a democracia direta e indireta. Quer-se dizer que o orçamento é o meio cujo fim é a participação popular[31], e, em uma visão mais abrangente, a efetivação dos direitos positivados e da própria dignidade humana. É uma forma indireta (porém, não menos importante) de se efetivar os direitos sociais, fundamentais, e a própria dignidade da pessoa humana!


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como já dito alhures, não há como se falar em direitos fundamentais sem que haja as mínimas garantias para sua efetivação. Não adianta positivar um direito sem garanti-lo de fato. Assim sendo, numa tentativa de executar essas garantias de maneira digna e igualitária, pode-se citar o orçamento participativo como forma de fazer com que as minorias e os socialmente excluídos possam participar das decisões público-políticas.

O orçamento, como se pode perceber, é o coração financeiro do Estado, regulando toda as suas finanças. Ou seja, uma boa destinação dos recursos públicos se dará através da peça orçamentária. Assim, os cidadãos devem participar da elaboração do orçamento, pois eles sabem quais as necessidades do momento, a serem atendidas com o dispêndio de recursos públicos.

No que se refere ao orçamento participativo, a visão aqui adotada está em consonância com a chamada democracia deliberativa, inclusive com as ideias de Habermas. Não se pode deixar de reafirmar que a democracia não pode ser vista como vontade da maioria, sob pena de se estar excluindo as minorias, as quais não possuem voz perante as decisões da maioria. Por isso que todos devem ter oportunidade para deliberar sobre as decisões e assuntos estatais, a fim de que ela seja a mais legítima e racional possível, fruto do melhor argumento.

Assim, reaproxima-se os cidadãos do Estado e se concretiza o Estado Democrático de Direito em uma verdadeira democracia, com uma participação do cidadão, que não se resume em eleger representantes, indo além: é uma participação máxima, em que se tem uma complementaridade entre a democracia representativa e a democracia deliberativa.

No município de Marabá sudeste do Pará, não se tem um orçamento efetivamente democrático. Em que pese a Administração Pública ter tentado criar um espaço de participação e de interação entre a Prefeitura e a população quando da elaboração do Plano Plurianual analisado (2014-2017), o próprio PPA evidenciou que os cidadãos não participaram do processo de elaboração do Plano. Houve tão-somente a participação de representantes da comunidade, ou seja, uma democracia que, mais uma vez, se resume à representação.

O orçamento participativo é uma importante forma de incentivo à cidadania ativa, contribuindo para uma educação orçamentária, um planejamento orçamentário e um controle social da Administração Pública, pois a sociedade, além de ser a maior beneficiada com o orçamento, também tem seu dinheiro (tributos e taxas pagas ao governo) bem investido.

Sobre os autores
Marizete Corteze Romio

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.

Jonas Pereira Bezerras Júnior

Graduando do curso de Bacharelado em Direito (IEDS/FADIR/Unifesspa).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMIO, Marizete Corteze; JÚNIOR, Jonas Pereira Bezerras. Orçamento participativo: para uma cidade mais democrática e pela efetivação da dignidade humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5691, 30 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71251. Acesso em: 17 nov. 2024.

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