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Empresa em recuperação judicial: (im)possibilidade de recebimento dos embargos à execução fiscal sem prévia garantia do juízo

Agenda 18/07/2019 às 10:40

Examina-se a possibilidade de recebimento dos embargos à execução fiscal, sem prévia garantia, por empresa que se encontra em recuperação judicial.

INTRODUÇÃO

Dispõe o art. 16, §1º, da Lei n. 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais), que “não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução”. Todavia, seria possível admitir o recebimento dos embargos à execução fiscal, sem prévia garantia ao Juízo, por empresa que se encontra em recuperação judicial?

Tal questionamento possui enorme relevância prática, porquanto, não raro, empresas em recuperação judicial são alvo de execuções fiscais e a ela são exigidas a garantia prévia do montante integral do débito exequendo.

Portanto, em essência, o presente estudo tem por objetivo responder a essa indagação.


DESENVOLVIMENTO

Sabe-se que a recuperação judicial serve justamente para a empresa “ganhar fôlego”, ou seja, a recuperanda continua a exercer as suas atividades empresariais, embora com considerável limitação, a fim de se reorganizar estrutural e financeiramente para quitar os seus débitos, seguindo a ordem estabelecida no seu plano de recuperação judicial homologado pelo juízo competente.

Outro, aliás, não é o entendimento doutrinário, in verbis[1]:

“São finalidades a médio prazo da recuperação judicial, uma vez superada a crise econômico financeira, manter a fonte produtora, o emprego dos trabalhadores e os interesses dos credores. É claro que essas finalidades são atingidas de imediato, ao menos temporariamente, com o prosseguimento das atividades da empresa, possibilitado pelo processo de recuperação judicial. Mas o legislador quer mais: fala em superação da crise ‘a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, etc.’. Ou seja: busca-se, num primeiro momento, estancar a hemorragia, para, mais adiante, vencida a moléstia, permitir que o paciente volte à vida normal”.

Justamente por isso, o requisito contido no art. 16, §1º, da Lei n. 6.830/80, em alguns casos, vem sendo mitigado pela jurisprudência, de modo a permitir o oferecimento dos embargos sem a prévia garantia do montante integral do débito exequendo ao juízo competente.

Tal relativização apresenta-se como corolário do princípio da igualdade (ou isonomia) substancial, postulado que confere ao julgador o poder de, excepcionalmente, afastar a regra prevista ordinariamente diante de alguma peculiaridade existente na situação fática. Em outras palavras, em tais casos, o fenômeno da subsunção da situação fática à regra geral não se revela suficiente para a aplicação do direito, exsurgindo como relevante para assegurar a justiça a ponderação, a ser realizada pelo julgador no caso concreto.

Com acerto, conforme se observará a seguir, a jurisprudência brasileira (em especial, a dos Tribunais Regionais Federais da 1a, 2a e 4a Região) vem entendendo que, em circunstâncias excepcionais, a garantia para o oferecimento dos embargos à execução deve ser dispensada, sob pena de violação dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Vejamos os julgados:

DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - SEGURANÇA DO JUÍZO - DESNECESSIDADE - HIPOSSUFICIÊNCIA COMPROVADA - DECISÃO MANTIDA. 

1. A jurisprudência deste Tribunal, na esteira do entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça, consolidou a diretriz no sentido de que constitui requisito indispensável ao recebimento dos embargos à execução a segurança do juízo. Com efeito, os embargos à execução fiscal não são admissíveis antes de seguro o juízo pela penhora (Lei nº 6.830, art. 16, §1º). 

2. Entretanto, em casos excepcionais, tem-se mitigado essa regra para admitir a defesa da parte que, comprovadamente, demonstrar hipossuficiência econômica, em homenagem aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.  [...]

(TRF-1, AGA 0035396-29.2007.4.01.0000/DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL REYNALDO FONSECA, SÉTIMA TURMA, e-DJF1 p. 734 de 03/02/2012).

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. GARANTIA DO JUÍZO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA. COMPROVAÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA ANULADA. 

1. A Lei de Execução Fiscal (LEF), no parágrafo primeiro do seu art. 16, impõe a garantia do juízo como requisito de admissibilidade dos embargos à execução fiscal. Todavia, a jurisprudência pátria, em homenagem aos Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa, tem possibilitando, em casos excepcionais, a mitigação dessa regra, admitindo a insuficiência da garantia em razão da hipossuficiência econômica do devedor, desde que cabalmente comprovada. [...] 

(TRF-2, APELAÇÃO 00032572720114025118, GUILHERME DIEFENTHAELER, Data Publicação: 23/10/2014).

PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE GARANTIA DO JUÍZO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. POSSIBILIDADE. 

1. Em circunstâncias excepcionais, admite-se a dispensa da garantia do juízo na interposição dos embargos à execução fiscal, quando verificada a insuficiência do patrimônio da parte executada, porquanto o acesso da parte ao Judiciário não pode ser obstado em razão da ausência de patrimônio, sob pena de violação à isonomia. 

[...]

(TRF-4, AG 5012642- 72.2017.404.0000, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 30/10/2017).

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Seguindo essa mesma linha de raciocínio, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.487.772/SE, decidiu, recentemente, que se a parte executada não tiver condições econômico-financeiras de garantir, integralmente, o débito exequendo, não lhe pode ser negado o direito de ter os seus embargos à execução fiscal recebidos, tão somente por haver uma disposição normativa contida na Lei de Execuções Fiscais impondo a garantia do débito, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUTADO. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA. EXAME. GARANTIA DO JUÍZO. AFASTAMENTO. POSSIBILIDADE.

[...]

2. Os embargos são o meio de defesa do executado contra a cobrança da dívida tributária ou não tributária da Fazenda Pública, mas que "não serão admissíveis ... antes de garantida a execução" (art. 16, § 1o, da Lei n. 6.830/80).

3. No julgamento do recurso especial n. 1.272.827/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, submetido ao rito dos recursos repetitivos, a Primeira Seção sedimentou orientação segunda a qual, "em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736 do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 - artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos - não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, § 1o, da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal."

4. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso ao Poder Judiciário, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5o, CF/88), tendo esta Corte Superior, com base em tais princípios constitucionais, mitigado a obrigatoriedade de garantia integral do crédito executado para o recebimento dos embargos à execução fiscal, restando o tema, mutatis mutandis, também definido na Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.127.815/SP, na sistemática dos recursos repetitivos.

5. Nessa linha de interpretação, deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo.

6. Nada impede que, no curso do processo de embargos à execução, a Fazenda Nacional diligencie à procura de bens de propriedade do embargante aptos à penhora, garantindo-se posteriormente a execução. 

[...]

8. Num raciocínio sistemático da legislação federal aplicada, pelo simples fato do executado ser amparado pela gratuidade judicial, não há previsão expressa autorizando a oposição dos embargos sem a garantia do juízo. 

9. In casu, a controvérsia deve ser resolvida não sob esse ângulo (do executado ser beneficiário, ou não, da justiça gratuita), mas sim, pelo lado da sua hipossuficiência, pois, adotando-se tese contrária, "tal implicaria em garantir o direito de defesa ao "rico", que dispõe de patrimônio suficiente para segurar o Juízo, e negar o direito de defesa ao "pobre".

[,,,]

11. Recurso especial provido, em parte, para cassar o acórdão recorrido.

(STJ, PRIMEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL No 1.487.772/SE, Rel. Min. Gurgel de Faria, data do julgamento: 28 de maio de 2019).

Assim, ao perceber a necessidade de adoção de solução jurídica distinta para a situação fática de impossibilidade de garantia do juízo, o entendimento jurisprudencial esposado, se aplicado a empresas que estão em recuperação judicial, privilegia o cumprimento do plano de recuperação judicial, haja vista que, mesmo se uma empresa executada tivesse condições de garantir o montante integral do débito objeto de execução fiscal (situação que, não poderia deixar de se registrar, se revela bastante rara nos dias atuais), em dado momento poderia acabar frustrando o plano de recuperação judicial, devidamente homologado pelo juízo universal.

Da mesma forma, o entendimento jurisprudencial assegura o efetivo exercício da ampla defesa e do contraditório, porquanto as matérias passíveis de serem arguidas em sede de exceção de pré-executividade, como consabido, são restritas, e somente através dos embargos à execução fiscal é que a parte executada tem condições de se manifestar com maior amplitude.


CONCLUSÃO

Conquanto imposta legalmente, a exigência presente no art. 16, §1º, da Lei n. 6.830/80 não deve se aplicar às empresas que estão em recuperação judicial, sob pena de frustrar o plano de recuperação judicial e de impossibilitar o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório, previstos constitucionalmente, 


REFERÊNCIAS

TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. "Recuperação Judicial, a principal inovação da lei de Recuperação de Empresas-LRE." Revista do advogado, São Paulo 83 (2005): 98-106.


Notas

[1]TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. "Recuperação Judicial, a principal inovação da lei de Recuperação de Empresas-LRE."Revista do advogado, São Paulo 83 (2005): 98-106.

Sobre o autor
Bruno Porangaba Rodrigues

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Bruno Porangaba. Empresa em recuperação judicial: (im)possibilidade de recebimento dos embargos à execução fiscal sem prévia garantia do juízo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5860, 18 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75303. Acesso em: 22 dez. 2024.

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