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A influência de organismos internacionais na política ambiental brasileira em face da soberania nacional

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Agenda 18/07/2020 às 09:45

5. DA SOBERANIA NACIONAL E O DIREITO INTERNACIONAL

Em primeira análise, é importante que se trate do conceito de soberania, muito discutido e debatido entre os juristas, que lhe atribuíram, inclusive, diversos vieses.

Para Paulo e Alexandrino (2016, p. 89-90),

A soberania significa que o poder do Estado brasileiro, na ordem interna, é superior a todas as demais manifestações de poder, não é superado por nenhuma outra forma de poder, ao passo que, em âmbito internacional, encontra-se em igualdade com os demais Estados independentes.

Já na perspectiva de Caetano (apud MORAES, 2016, p. 73-74), a soberania é:

[...] um poder político supremo e independente, entendendo-se por poder supremo aquele que não está limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que, na sociedade internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceites e está em pé de igualdade com os poderes supremos dos outros povos.

A partir destes conceitos, observa-se que a soberania se difere quanto ao plano interno e externo. No plano interno, soberania pode ser entendida como o poder de se autogerir e criar suas próprias leis, e, no plano externo, como a independência em relação aos demais Estados.

O constitucionalista Uadi Lammêgo Bulos, discorrendo acerca da soberania, esclarece que ela

[...] revela a qualidade máxima de poder. Trata-se de um conceito que inadmite gradações. É impróprio falar em semissoberania. O Estado é soberano ou não é. Nos termos da Carta de 1 988, a soberania apresenta dupla feição: uma externa e outra interna. Do pomo de vista externo, impede que a República Federativa do Brasil fique à mercê de quaisquer injunções internacionais ou estrangeiras, cerceadoras ou subjugadoras do Direito Interno do País. Liga-se, pois, ao princípio da independência nacional (CF, art. 3º-, I). Daí o pórtico da soberania também ser chamado de princípio do governo independente. Mas do ângulo interno, o vetor em estudo confere ao Estado brasileiro autoridade máxima - summa potestas - dentro do seu território, não se submetendo a qualquer outro poder (BULOS, 2014, p. 510)

Diante disso, Luciano dos Santos Diniz também traz lições importantes. Veja-se:

Suplantada a organização política medieval pelo advento do Estado-nação, a soberania passa a manifestar-se de duas formas distintas: (a) internamente, como o poder que tem o Estado de construir seu governo e sua legislação, de organizar sua administração e seus serviços públicos, de acordo com seus desígnios e sem sofrer quaisquer intervenções externas; e, (b) externamente, como sendo o poder que o Estado detém para celebrar pactos e tratados internacionais (DINIZ, 2012, p. 103).  

Sendo assim, verifica-se que a soberania no âmbito externo é essencial para ajustar acordos e regular convenções sobre tratados internacionais em matéria ambiental, pois põe-se em evidência o reconhecimento que os Estados detêm para somarem esforços e elaborarem estratégias com vistas ao desenvolvimento sustentável de seus recursos naturais, bem como para adotar medidas solucionadora de problemas advindos das frequentes crises ambientais.

A soberania interna demonstra que, em um país com tamanha abundância de recursos naturais como o Brasil, o Estado pode gerir seus próprios recursos por meio de sua própria legislação, e, assim, pode criá-las através do parlamento legislativo devidamente eleito pelo povo.

Em âmbito externo, configura-se como necessária à materialização de instrumentos internacionais capazes de contribuir para a manutenção da vida na terra, unindo propósitos para o desenvolvimento sustentável, a conservação dos recursos naturais e a solução de crises ambientais.

O que se questiona, na atualidade, e em meio a tantos acordos ambientais já firmados, é a interferência da soberania dos Estados, e organizações internacionais, na política ambiental brasileira. Isso porque, mesmo que um país seja soberano e tenha a liberdade de firmar acordos que venham a traçar medidas benéficas à comunidade natural, artificial, cultural ou social, desde que respeitados os princípios dos direitos humanos, a soberania desse país será relativizada para adequar-se às novas realidades.

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Isso significa que os Estados continuam com o poder e a autonomia para gerir seus recursos naturais e criar sua legislação, mas que necessitam de mecanismos externos para proteger determinados bens. É importante dizer que a própria Constituição da República traz como um princípio a independência nacional, disposta no art. 4º da Carta Magna.

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I - independência nacional;

II - prevalência dos direitos humanos;

III - autodeterminação dos povos;

IV - não-intervenção;

V - igualdade entre os Estados;

VI - defesa da paz;

VII - solução pacífica dos conflitos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X - concessão de asilo político.

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, a Declaração de Estocolmo de 1972, também dispôs sobre a soberania nacional dos Estados em seu princípio 21:

Em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de direito internacional, os Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos em aplicação de sua própria política ambiental e a obrigação de assegurar-se de que as atividades que se levem a cabo, dentro de sua jurisdição, ou sob seu controle, não prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas fora de toda jurisdição nacional (BRASIL, 1972).

Contudo, vale dizer que o poder que os Estados detêm para gerir e explorar seus próprios recursos não pode ser efetivado sem considerar o respeito aos direitos fundamentais do ser humano ou, ainda, de forma a afetar negativamente outras vidas no plano internacional.

Em linhas gerais, os Estados criam suas normas internas de política ambiental, respeitando princípios basilares nacionais e internacionais, cujo exercício de sua soberania fica condicionada aos atos firmados em cooperação entre países sobre regulação, estratégias e metas direcionadas à tutela e proteção do meio ambiente.

Portanto, é preciso que os Estados dotados de soberania se submetam a princípios e regras gerais consolidadas em acordos internacionais e entendam que suas ações refletem no bem coletivo e comum a todas as pessoas e seres vivos. Seria um completo caos ter um Estado com soberania absoluta, que agisse indiscriminadamente, sem respeitar direitos universais, fato que geraria conflitos mundiais difíceis de solucionar.

Nesta perspectiva, Flávia Piovesan (2000) anota que “[...] a soberania hoje consiste, sim, numa cooperação internacional em prol de finalidades comuns”. Portanto, há uma relativização da soberania para que, as ações de país não comprometam a normalidade de outros, cujo órgão regulador é as Nações Unidas, criada, inicialmente, por cinquenta representantes de governos, que estabeleceram um tratado reconhecendo a igualdade entre as nações.

A ONU (Organização das Nações Unidas) é tida como interventora porque tem como propósito “desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos” e ainda, “conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário” conforme art. 1º, alíneas 2 e 3, respectivamente, do capítulo 1 da Carta das Nações Unidas (BRASIL, 2017. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2017/11/A-Carta-das-Na%C3%A7%C3%B5es-Unidas.pdf. Acesso em: 03 de jun. De 2020.

De acordo com Gustavo de Souza Amaral, o sistema estabelecido pela ONU não representa uma ameaça à soberania do Estados, salvo se este atentasse contra as garantias de proteção internacional estabelecidas.

Em suma, o sistema de proteção internacional dos direitos humanos da ONU, neles incluso o direito ao meio ambiente equilibrado, não representaria uma ameaça à soberania nacional dos Estados, tendo em vista que seu caráter de proteção é de natureza subsidiária e/ou complementar, atribuindo essencialmente aos Estados a efetiva proteção desses direitos. Somente no caso de o Estado não garantir a proteção dos mesmos é que o sistema da ONU entraria em ação, como forma de se efetivar a proteção internacional dos direitos humanos (AMARAL, 2014, p. 69).

A própria Carta da ONU, inclusive, tem como princípio a igualdade soberana de todos os membros, consoante art. 2º, alínea 1 (BRASIL, 2017).

Tal princípio também se encontra na Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), especificamente, em seu art. 3º, alínea “b”.

Os Estados americanos reafirmam os seguintes princípios:

b) A ordem internacional é constituída essencialmente pelo respeito à personalidade, soberania e independência dos Estados e pelo cumprimento fiel das obrigações emanadas dos tratados e de outras fontes do direito internacional (BRASIL, 2011).

Diante do exposto, entende-se que a soberania dos Estados é fundamental para o reconhecimento de seus direitos e fortalecimento das relações internacionais. É necessário, pois, que a soberania e as relações internacionais caminhem juntas, uma vez que uma sem a outra não sobrevive no plano internacional e na tomada de decisões, gerando conflitos e definhando a proteção dos bens da coletividade.  


CONSIDERAÇÕES FINAIS  

A vida humana está totalmente condicionada ao meio ambiente, seja ele natural, artificial, cultural, social etc, cujas mudanças positivas e/ou negativas nele ocorridas, advindas de ação antrópicas ou naturais, impactam de forma direta ou indireta, no equilíbrio ambiental e na saúde pública.

Sucessões de acontecimentos marcantes, tais como diversos desastres industriais de grandes proporções, fizeram com que a sociedade passasse a enxergar as questões ambientais como influenciadoras da qualidade de suas vidas. Iniciou-se, assim, debates acerca de medidas mais sustentáveis que deveriam ser seguidas por todos os setores da economia e sociedade, a fim de prevenir e mitigar impactos ambientais adversos.

Ainda, governos começaram a criar diretrizes que previam responsabilidades àqueles que danificassem o equilíbrio ecológico-ambiental e colocassem a vida humana em risco. Desta forma, passou-se a entender o meio ambiente como um direito da coletividade. Foi somente com a perspectiva de que as crises e conflitos relacionados ao meio ambiente ultrapassam fronteiras e demarcações geográficas, que os Estados Internacionais se uniram, por meio de relações internacionais, a fim de travarem acordos sobre medidas para a contenção de tais problemáticas. E, o fato de o Brasil ser o detentor da Amazônia Legal e de outros biomas especialmente raros e importantes, explica o motivo dos elevados números de tratados internacionais sobre o meio ambiente de que é signatário.

Vale dizer que é nesse contexto de relações internacionais que a soberania nacional dos países, que é o poder maior de um Estado, se torna relativizada. Isso porque o antigo conceito de soberania absoluta entrou em desuso em algumas situações, como em tratados internacionais relacionados à temática ambiental.

Deve-se observar, pois, que a soberania permite aos Estados autonomia em relação aos demais Estados soberanos, obrigando-se a se submeter aos princípios e regras gerais dos direitos humanos e fundamentais da pessoa humana. E, é nesse contexto que a soberania sofre relativização.

Assim, considerando que o meio ambiente pertencente a todos e que as ações de um país podem, igualmente, afetar outros países, tem-se, portanto, a relativização do poder soberano de um país em face do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A atualidade revela que o respeito aos direitos fundamentais e das gerações vindouras é, sobretudo, a força motriz para o progresso das relações internacionais ambientais.      

Sobre a autora
Gabriela dos Santos Reginato

Acadêmica do 9° período de Direito no Centro Universitário São Lucas Ji-Paraná - UniSL – 2020.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REGINATO, Gabriela Santos. A influência de organismos internacionais na política ambiental brasileira em face da soberania nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6226, 18 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83774. Acesso em: 5 nov. 2024.

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