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Estupro coletivo em Milão.

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Agenda 15/12/2020 às 15:35

Reflexões sobre a decisão acerca da condenação do jogador de futebol Robson de Souza, o "Robinho", na Justiça italiana, e a possiblidade da homologação da sentença penal estrangeira no Brasil.

Resumo: O presente artigo tem por finalidade principal analisar a possiblidade da homologação da sentença penal estrangeira na justiça brasileira, em especial a decisão acerca da condenação do jogador de futebol Robson de Souza, o Robinho, na Justiça Italiana, sob acusação de estupro coletivo ou violência sexual grupal. Visa, ainda, estudar as questões vinculadas às normas jurídicas brasileiras acerca da soberania e autonomia do poder jurisdicional como fundamento constitucional, a temática do instituto da extradição, da extraterritorialidade, e outros assuntos correlatos, desde a previsão constitucional, até as normas previstas na Lei de Migração, Código de Processo Civil, Código Civil e Código penal.

Palavras-chave: Direito brasileiro; estupro coletivo; Milão; sentença estrangeira; homologação; soberania.


INTRODUÇÃO

Tema jurídico de extrema relevância social e que tem causado grandes discussões no Brasil, é a condenação do jogador de futebol Robson de Souza, conhecido por Robinho, junto à justiça italiana, acusado da prática de estupro e violência sexual grupal naquele país contra uma mulher albanesa, fato registrado em 22 de janeiro de 2013. O fato gerou uma condenação a 09 anos de prisão pelo crime previsto no artigo “609 bis” do código penal italiano, que se traduz no comportamento de duas ou mais pessoas reunidas para o ato de violência sexual, forçando a vítima a manter relações, sentença prolatada pela excelsa Juíza Mariolina Panasiti, da 9ª Seção do Tribunal de Justiça de Milão.

A defesa do jogador recorreu da sentença condenatória, logicamente lançando os fundamentos que afastam as elementares do tipo penal, que, neste caso, geralmente gira em torno da desqualificação do dissenso da vítima para o ato sexual. Entrementes, a Corte de Milão negou provimento ao recurso do réu e confirmou a decisão de primeira Instância, restando agora recurso da defesa à Corte de Cassação em Roma para tentar mudar a decisão.

Sendo confirmada a decisão e transitada em julgado na Justiça italiana, o jogador poderá ser extraditado ou a justiça brasileira poderá homologar a decisão condenatória e o réu cumprir a pena por crime hediondo em prisão no Brasil? A resposta não é tão simples, exigindo estudos aprofundados na legislação pátria para uma reposta mais concreta. E assim, faz-se mister abordar, com amplitude, este assunto que tem ganhado as manchetes das redes sociais no mundo e chamado a atenção da sociedade brasileira, em especial.


Fundamento da homologação de sentença estrangeira: nenhuma sentença de caráter criminal emanada de jurisdição estrangeira pode ter eficácia num Estado sem o seu consentimento, uma vez que o Direito Penal é essencialmente territorial, devendo ser aplicado apenas dentro dos limites do país que o criou. A execução de uma sentença é ato de soberania e, portanto, necessita de homologação do Estado no qual se dará seu cumprimento, quando proferida por autoridade estrangeira. Na arguta lembrança de Frederico Marques, “somente a soberania, ensina De Vabres, comunica força executória aos julgados; ora, a execução em território diverso daquele onde a sentença foi proferida priva esta última da força que só a soberania lhe pode dar.

(Fernando Capez. Curso de Direito Penal. Pág. 120)


1. A TUTELA PENAL DA DIGNIDADE SEXUAL NA ITÁLIA

As legislações do mundo punem o crime de violência sexual com inúmeras denominações, de diversos rótulos, umas tipificam a conduta criminosa no rol dos crimes sexuais, às vezes contra os costumes, outras nos crimes contra a dignidade sexual, a exemplo do Brasil, que prevê o crime de estupro no rol dos delitos contra a dignidade sexual, com o advento da Lei nº 12.015, de 2009, efetivando a fusão dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, art. 213, seguindo tendência das legislações modernas do mundo, a exemplo do Código penal de Portugal, Argentino e do México.

Discorrendo sobre o crime de estupro, BOTELHO descreve:

Seguindo tendência internacional, sobretudo, México, Argentina e Portugal, o Brasil unificou as condutas criminosas de estupro e atentado violento ao pudor, com as elementares do tipo agora previstas no artigo 213 do Código Penal, com o nome único de estupro, consistente em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, reclusão de 06 a 10 anos.

Não obstante a unificação das duas condutas criminosas, é importante salientar que no Direito Penal Militar, Decreto-Lei nº 1001/69, as condutas de estupro e atentado violento ao pudor permanecem separadas, artigos 232 e 233 da Legislação Castrense.

Estupro

Art. 232. Constranger mulher a conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:

Pena - reclusão, de três a oito anos, sem prejuízo da correspondente à violência.

Atentado violento ao pudor

Art. 233. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a presenciar, a praticar ou permitir que com êle pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, sem prejuízo da correspondente à violência1.

O Código penal italiano, conhecido por Alfredo Rocco, prevê o crime de violência sexual no artigo 609. De acordo com ensinamentos dos professores Paulo César Corrêa Borges e Gil Ramos de Carvalho Neto, em artigo denominado Estudo Comparado da Tutela Penal da Liberdade Sexual no Brasil e na Itália, o artigo 609-A tratou da violência sexual ou estupro:

Art. 609-bis (violenza sessuale) - Chiunque, con violenza o minaccia o mediante abuso di autorità, costringe taluno a compiere o subire atti sessuali é punito con la reclusione da cinque a dieci anni. Alla stessa pena soggiace chi induce taluno a compiere o subire atti sessuali: 1. abusando delle condizioni di inferiorità fisica o psichica della persona offesa al momento del fatto; 2. traendo in inganno la persona offesa per essersi il colpevole sostituito ad altra persona. Nei casi di minore gravità la pena é diminuita in misura non eccedente i due terzi.2

E ainda prosseguem:

Diz o artigo que qualquer pessoa que, por violência ou ameaça, ou ainda por abuso de autoridade, forçar alguém a realizar atos sexuais, é punida com prisão, de 5 a 10 anos. A mesma pena será aplicada a quem induzir alguém a realizar ato sexual com abuso da condição de inferioridade física ou mental da pessoa ofendida, no momento do fato, e causando engano à pessoa ofendida, que pensava tratar-se de outrem.

No Brasil, a legislação previu recentemente a tipificação do estupro coletivo. Isso somente foi possível depois da divulgação de um caso de estupro coletivo no Rio de Janeiro, quando o legislador brasileiro editou a Lei nº 13.718, de 2018, criando uma causa de aumento de pena no crime de estupro quando praticado mediante o concurso de 2(dois) ou mais agentes, majorando a pena de 1/3 a 2/3, consoante artigo 226, IV, alínea a) do Código Penal. No caso concreto, uma adolescente de 16 anos foi dopada e brutalmente violentada sexualmente por aproximadamente 30 homens na Zona Oeste do Rio de Janeiro, fato registrado em maio de 2016. Diante da repercussão nacional do fato, com exposição das investigações nas redes sociais, o legislador então criou a majorante do estupro coletivo.

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2. AS NORMAS BRASILEIRAS E SUA SOBERANIA

Logo, no artigo 1º da Constituição Federal de 1988, a Carta Política informa que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

Assim, claramente perceptível que o Brasil tem poder de decidir acerca de seus rumos, caminhar com seus próprios pés, seguir seu destino, exercendo poder sobre seu território e sobre as suas normas de comando, seja na criação de leis ou aplicação jurisdicional no âmbito interno.

Aliás, a expressão soberania provém do latim “supremitas + potestas” e significa “poder supremo”. Nesse sentido, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 3º preceitua:

O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.3

Nesse mesmo sentido (AZAMBUJA, pag. 62):

A soberania designa, não o poder, mas uma qualidade do poder do Estado. A soberania é o grau máximo que pode atingir este poder, supremo no sentido de não reconhecer outro juridicamente superior a ele, nem igual no mesmo território.4

Não obstante a grandeza da soberania, refutando qualquer tentativa de interferência no sistema jurídico interno, na sua autonomia, independência nas suas decisões, não se pode fechar os olhos para uma nova realidade que atormenta o ambiente globalizado, que é a chamada criminalidade transnacional. É certo que existem Tratados e Convenções Internacionais de combate à criminalidade organizada, a exemplo da Convenção de Budapeste, que visa a estabelecer a cooperação das Nações no enfrentamento aos crimes cibernéticos, Declaração cujo processo de adesão em andamento no Brasil.

Mas, em especial, destaca-se a Convenção de Palermo, ratificada pelo Brasil, por meio do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, que promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, estabelecendo mecanismos de cooperação e indicando meios de provas no combate incisivo ao crime organizado, a exemplo das remessas vigiadas, colaboração premiada, infiltração de agentes de polícia em organizações criminosas como meio de obtenção de provas, além de tantas outras finalidades.

Quanto às normas de tratamento do tema envolvendo o alcance de sentenças penais condenatórias estrangeiras com eficácia no Brasil, torna-se imperioso a citação de comentários de procedimentos multifocais previstos na Constituição Federal de 1988.

2.1. As normas previstas na Constituição Federal de 1988

De início, é importante ressaltar que, além dos princípios fundamentais estampados no artigo 1º da CF/88, dentre os quais sobressai a soberania como tutela da autonomia de suas decisões, importa acrescentar em matéria de relação internacional os princípios da independência nacional, prevalência dos direitos humanos, autodeterminação dos povos, não-intervenção, igualdade entre os Estados, a defesa da paz, a solução pacífica dos conflitos, o repúdio ao terrorismo e ao racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e a concessão de asilo político.

O devido processo legal e a questão relacionada à prisão têm tratamento constitucional como direito e garantia, previstos no artigo 5º, incisos LIV e LXI, CF/88, sendo certo que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

Outro tema de suma importância neste contexto, é o da extradição, que implica num processo regular de cooperação entre países, levando em considerando que um país auxilia o outro com a entrega de determinado indivíduo que tenha sido acusado ou condenado em razão do cometimento de crime.

Segundo comando normativo previsto no artigo 102 da Constituição Federal, cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre a extradição solicitada por Estado estrangeiro, podendo a extradição ser classificada em ativa ou passiva: a ativa é quela que ocorre quando o governo do Brasil solicita a extradição de foragido da justiça brasileira a outro país, enquanto que a passiva, ocorre quando o governo de outro país requer a extradição de um foragido que se encontra no Brasil.

Vale lembrar que a mesma Constituição, em seu art. 5º, incisos LI e LII, prevê que nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei, e que não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião.

Outra cláusula legal importante é aquela que assegura que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. E, nesse sentido, encontra-se em vigor a Lei de Migração (Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017), sendo a matéria de extradição tratada no artigo 81, que fornece conceito autêntico contextual, como sendo a medida de cooperação internacional entre o Estado brasileiro e outro Estado pela qual se concede ou solicita a entrega de pessoa sobre quem recaia condenação criminal definitiva ou para fins de instrução de processo penal em curso.

A extradição será requerida por via diplomática ou pelas autoridades centrais designadas para esse fim. Não se concederá a extradição quando o indivíduo cuja extradição é solicitada ao Brasil for brasileiro nato, o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente, o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando, a lei brasileira impuser ao crime pena de prisão inferior a 2 (dois) anos, o extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido, a punibilidade estiver extinta pela prescrição, segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente e o fato constituir crime político ou de opinião.

Ainda nessa mesma percepção, relevante mencionar o artigo 105 da CF/88, que define a competência do Superior Tribunal de Justiça, dentre as quais de a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias.

2.2. Das normas contidas no Código de Processo Civil

O novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105 de 2015, logo no artigo 13, prevê que a jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte.

No título II, há a previsão dos limites da jurisdição nacional e da cooperação internacional, artigo 21 a 41 do CPC, estabelecendo a competência da autoridade judiciária brasileira para o processo e julgamento de diversas ações, por exemplo, quando o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil, no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação ou, o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.

Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra, conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil, em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional, em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional.

A ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil.

2.3. Das normas previstas no Código Civil

O Código Civil, Lei nº 10.406, de 2002, prevê instrumentos jurídicos relevantes na vida da sociedade brasileira, e, nesse sentido, importantes disposições são aquelas previstas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que, no artigo 15, estabelece que será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, desde que reúna os seguintes requisitos:

a) haver sido proferida por juiz competente;

b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;

c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;

d) estar traduzida por intérprete autorizado;

e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

2.4. Das normas de Direito Penal

Para atender o desenho do real objetivo deste estudo, é imperativo tecer comentários sobre o texto penal atinente à aplicação da lei brasileira, notadamente acerca do princípio da territorialidade previsto no artigo 5º do Código penal, segundo o qual, aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.

Assim, a fatos praticados no território brasileiro, deve ser aplicada a lei penal brasileira, salvo exceções ligadas a tratados e regras de direito internacional. O próprio Código penal prevê algumas situações de aplicabilidade da lei penal brasileira a fatos criminosos cometidos no estrangeiro, o que se chama de extraterritorialidade da lei penal, a teor do artigo 7º do CP, podendo essa aplicação ser ligada a algumas condições, ou não, de procedibilidade da ação penal. Por exemplo, aplica-se a lei penal brasileira a crimes cometidos no estrangeiro, independentemente de qualquer condição, em casos de delito contra a vida ou a liberdade do Presidente da República ou contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público.

Por sua vez, tem-se a extraterritorialidade condicionada, por exemplo, nos crimes praticados no estrangeiro, que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir, ou praticados por brasileiro, desde que haja a entrada do agente no território nacional; ser o fato punível também no país em que foi praticado; estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena e não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. Quanto ao cumprimento da pena, o artigo 8º do Código penal estatui que a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.

Outro tema de extrema relevância são os efeitos da sentença estrangeira. Destarte, a sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências, pode ser homologada no Brasil para obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis ou sujeitá-lo a medida de segurança. Esta homologação depende, para os efeitos previstos no inciso I, do CP, de pedido da parte interessada ou, para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.

Sobre o tema, DELMANTO faz importantes abordagens sobre a atuação do Tribunal Penal Internacional.

Sentença do Tribunal Penal Internacional: Como a atuação do Tribunal Penal Internacional é sempre complementar à jurisdição nacional, ou seja, caso os crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão cometidos por brasileiro não tenham sido punidos e tampouco devidamente apurados em nosso país (art. 17), não há falar em ofensa à soberania brasileira, mesmo porque o Brasil, soberanamente, reconheceu a sua jurisdição, comprometendo-se a acatar as suas decisões (arts. 12. e 17 do Estatuto de Roma — Decreto n e 4.388/2002).5

E neste quesito surgem as diferenças entre a extradição e a entrega de cidadão de um estado para outro para ser julgado no Tribunal Penal Internacional. CAPEZ discorre sobre o tema com singular autoridade.

Tribunal Penal Internacional: incluído em nosso ordenamento constitucional pela EC n. 45, de 8 de dezembro de 2004, a qual acrescentou o § 4º ao art. 5º da Carta Magna, cujo teor é o seguinte: “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”. Referido tribunal foi criado pelo Estatuto de Roma em 17 de julho de 1998, o qual foi subscrito pelo Brasil. Trata-se de instituição permanente, com jurisdição para julgar genocídio, crimes de guerra, contra a humanidade e agressão, e cuja sede se encontra em Haia, na Holanda. Os crimes de competência desse Tribunal são imprescritíveis, dado que atentam contra a humanidade. O Tratado foi aprovado pelo Decreto Legislativo n. 112, de 6 de junho de 2002, antes, portanto, de sua entrada em vigor, que ocorreu em 1º de julho de 2002. O Tribunal Penal Internacional somente exerce sua jurisdição sobre os Estados que tomaram parte de sua criação, ficando excluídos os países que não aderiram a ele, como, por exemplo, os Estados Unidos. A jurisdição internacional é residual e somente se instaura depois de esgotada a via procedimental interna do país vinculado. Sua criação observou os princípios da anterioridade e da irretroatividade da lei penal, pois sua competência não retroagirá para alcançar crimes cometidos antes de sua entrada em vigor (art. 11. do Estatuto de Roma). A decisão do Tribunal Internacional faz coisa julgada, não podendo ser revista pela jurisdição interna do Estado participante. O contrário também ocorrerá, salvo se ficar demonstrada fraude ou favorecimento do acusado no julgamento. Convém notar que a jurisdição do Tribunal Penal Internacional é complementar, conforme consta de seu preâmbulo, de forma que, conforme ensinamento de Valerio de Oliveira Mazzuoli, “sua jurisdição, obviamente, incidirá apenas em casos raros, quando as medidas internas dos países se mostrarem insuficientes ou omissas no que respeita ao processo e julgamento dos acusados, bem como quando desrespeitarem as legislações penal e processual internas”. O Brasil poderá promover a entrega de cidadão brasileiro para ser julgado pelo Tribunal Internacional, sem violar o disposto no art. 5º, LI, de nossa CF, que proíbe a extradição de brasileiro nato e naturalizado (salvo se este último estiver envolvido em tráfico ilícito de entorpecentes ou tiver praticado crime comum antes da naturalização). Não se pode confundir extradição com entrega. O art. 102. do Estatuto de Roma deixa clara a diferença: “Por entrega, entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado ao Tribunal, nos termos do presente Estatuto; por extradição, entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado a outro Estado, conforme previsto em um tratado, em uma convenção ou no direito interno”. Na extradição, há dois Estados em situação de igualdade cooperando reciprocamente um com o outro, ao passo que, na entrega, um Estado se submete à jurisdição transnacional e soberana, estando obrigado a fazê-lo ante sua adesão ao tratado de sua criação. Não há relação bilateral de cooperação, mas submissão a uma jurisdição que se sobrepõe aos países subscritores. Finalmente, convém consignar que o Brasil não pode se recusar a entregar um brasileiro ao Tribunal Internacional, sob a alegação de que sua Constituição interna proíbe a prisão perpétua (CF, art. 5º, XLVII, b), porque o âmbito de aplicação dessas normas se circunscreve ao território nacional, pois não teria lógica o Brasil submeter-se a uma jurisdição internacional querendo impor a ela seu ordenamento interno.6

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. Estupro coletivo em Milão.: As pedaladas do futebol da Justiça brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6376, 15 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87420. Acesso em: 5 nov. 2024.

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