Resumo: O presente artigo discute a incidência do trabalho escravo contemporâneo na Amazônia Brasileira como uma grave violação dos direitos humanos. Propõe um resgate histórico e sociológico de como se apresenta o fenômeno na Amazônia, em especial no sudeste paraense. A pesquisa faz uma abordagem sobre o contexto histórico e social do processo de ocupação da Amazônia e a sua relação com a precarização das relações de trabalho por meio da prática de exploração de mão-de-obra escrava. Para tal, se fez necessário contextualizar o processo intenso de migração incentivado pelos governos militares para a região bem como os desenvolvimentos dos grandes projetos econômicos. Conclui que as iniciativas governamentais de ocupação somadas aos grandes projetos contribuíram para a disseminação da prática de exploração do trabalho humano em condições análogas a escravidão, a chamada escravidão moderna.
Palavras-chave: Trabalho escravo contemporâneo. Amazônia brasileira. Direitos humanos. Dignidade da pessoa humana.
INTRODUÇÃO
O Brasil foi a última nação do mundo ocidental a abolir o trabalho escravo de forma oficial, o que ocorreu no final do século XIX. No entanto, em termos práticos, esse problema continua a existir nos dias atuais. Ainda persistem a ocorrência de trabalhadores vivendo em condições análogas à escravidão no território brasileiro.
Primeiramente, cumpre observar que a escravidão moderna não vem estampada na imagem dos grilhões a qual nos acostumamos a ver, embora muitas de suas práticas ainda carregam em si as atitudes mais arcaicas de exploração do homem, principalmente no que diz respeito ao uso da violência.
É importante o estabelecimento da definição do que seja considerado, propriamente, o regime de escravidão, em termos atuais. Segundo a OIT, é considerado escravo todo o regime de trabalho degradante que prive o trabalhador de sua liberdade. Isso ocorre no Brasil, em maior parte, em espaços rurais distantes de centros urbanizados e rotas de transporte para fuga, onde os trabalhadores são geralmente coagidos a continuarem laborando sob a alegação da existência de dívidas com fazendeiros. Todavia, a prática também pode ocorrer em grandes centros urbanos, nas fábricas, ondes trabalhadores são expostos a uma jornada exaustiva e ambiente de trabalho degradante1.
Na realidade, é possível afirmar que o trabalho escravo nunca foi abolido totalmente no território nacional. No entanto, apenas em 1995 o governo reconheceu oficialmente perante a OIT a existência desse tipo de problema no país, embora este tenha sido um dos primeiros no mundo a realizar esse tipo de pronunciamento.
Atualmente a utilização de trabalho em condições análogas à de escravo é uma prática proibida ordenamento jurídico brasileiro, conforme previsto na legislação pátria e internacional. Entretanto, apesar de o Brasil ter assumido internacionalmente o compromisso de erradicar essa forma de trabalho, ainda é comum constatar a existência de pessoas sendo submetidas a trabalhos forçados, em condições degradantes e em jornadas exaustivas.
No contexto amazônico, em especial no sudeste paraense, a incidência de trabalho escravo foi impulsionada pelo Estado e principalmente com os incentivos aos grandes projetos econômicos a serem desenvolvidos na região de forma violenta.
Mesmo com todo o aparato jurídico que prevê a proibição dessas práticas, verifica-se frequente a violação a direitos básicos desses trabalhadores pelos tomadores de serviços, que buscam, a qualquer custo, obter lucros maiores, ainda que isso represente submeter seus trabalhadores a um regime de escravidão.
Apesar da existência de políticas públicas do Estado, estas não são capazes de impedir que trabalhadores ingressem ou retornem a essa forma de trabalho exploratório, configurando um ciclo contínuo de exploração. Nesse sentido, é imprescindível a implantação de políticas efetivas pelo poder público para combater a existência de trabalho escravo no País.
Em 2015, o Ministério do Trabalho e Emprego chegou ao expressivo número de quase 50 mil trabalhadores submetidos a condições de trabalho análogas à escravidão alcançados por suas fiscalizações (ao longo de 20 anos), e, ao estabelecer novas condições institucionais para acolhê-los socialmente, amplia um processo de sensibilização social e incentivo a um ambiente institucional e cultural capaz de prevenir e constranger essas práticas, sobretudo pelo resgate da condição digna do trabalhador, retirando-o da invisibilidade e da vulnerabilidade que tantas vezes o sujeitam ou expõem a outras situações de exploração social ou trabalhista.2
Diante desses dados, a presente pesquisa questiona em que medida as iniciativas de inventivo a migração por parte, especialmente, dos nos governos militares promoveram a precarização das relações do trabalho na região do sudeste paraense. A pesquisa procura questionar também como o desenvolvimento dos grandes projetos econômicos propiciaram a exploração de trabalhadores subjugando-os a prática de trabalho escravo.
A escolha do tema se deu por conta do grande destaque negativo que o estado do Pará ganhou nas últimas décadas em relação a denúncias de trabalho escravo, razão pela qual a pesquisa se propõe a investigar o fenômeno social que ocorre na região. O recorte temporal foi feito a partir da década de 70 do século XX, quando o conceito de trabalho escravo contemporâneo ganha maior discussão.
A pesquisa se estruturou da seguinte forma: o capítulo 1 desse trabalho faz uma abordagem da escravidão moderna sob a ótica do Direito Internacional, bem como uma grave violação dos direitos humanos, visto que a luta contra o trabalho escravo e degradante, é sobretudo uma luta pela afirmação dos direitos humanos pautada no princípio da dignidade da pessoa humana. Para tal, contribuíram com essa discussão teóricos como Bobbio (2004), Comparato (2010), Piovesan (2006), e outros.
O capítulo 2 trata da abordagem do trabalho escravo contemporâneo no ordenamento jurídico brasileiro as iniciativas do estado brasileiro para o seu enfrentamento. O capítulo 3 aborda a precarização das relações do trabalho na amazônia brasileira e o processo de ocupação no sudeste paraense. Também foram valiosos para compreender esse fenômeno os pesquisadores José de Souza Martins (2009), Pereira (2015), Hébbete (2004), Sutton (1994), entre outros.
O capítulo 4 trata das denúncias de trabalho escravo no Brasil. O item seguinte foi reservado às considerações finais.
1. A ESCRAVIDÃO MODERNA SOB A ÓTICA DIREITO INTERNACIONAL
1.1. A escravidão moderna como forma de violação aos direitos humanos
A luta contra o trabalho escravo, é sobretudo, uma luta pela afirmação dos direitos humanos. Assim como as violações se transmutam no decorrer do tempo e espaço, os direitos humanos sofrem as ressignificações, para, identificar essas novas formas de violação e coibi-las. Para Hanna Arendt, o “caráter de permanente construção e reconstrução dos direitos humanos” (ARENDT, 2013:9), na medida em que as relações sociais sofrem os dinamismos dos ciclos sociais3.
A teoria dos direitos humanos se inserem a favor do reconhecimento de que nenhum homem pode afirmar-se superior aos demais. E que, portanto, nenhum homem é legitimado a explorar o outro, elevando a máxima de que o todo indivíduo tem direito a não ser oprimido, preservar sua dignidade e de desfrutar autonomamente de suas liberdades individuais e sociais.
Norberto Bobbio leciona que os direitos humanos são direitos históricos, ou seja, “nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas” (BOBBIO, 2004: 8). Refletem uma monta de valores construída a partir de um espaço simbólico de luta e ação social.
Os direitos humanos também compõem uma racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana. Invocam, neste sentido, uma plataforma emancipatória voltada à proteção da dignidade humana (FLORES, 2002:8).
Para Carlos Santiago Niño (2006), os direitos humanos são uma construção consciente vocacionada a assegurar a dignidade humana e a evitar sofrimentos, em face da persistente brutalidade humana (NIÑO apud PIOVESAN, 2006:153).
A justificativa do princípio da dignidade humana na centralidade da teoria dos direitos humanos repousa na ideia sistemática de que a essência do ser humano é a mesma e uma só, embora coexistam a multiplicidade de diferenças, individuais e sociais, biológicas e culturais, na humanidade.
A exigência de condições sociais aptas a propiciar a realização de todas as virtualidades do ser humano é, assim, intensificada no tempo, e traduz-se, necessariamente, pela formulação de novos direitos humanos (COMPARATO, 2010:36).
Daí a necessidade da reformulação conceitual da exploração escravizadora. Assim como as práticas humanas exploradoras se assentam às novas realidades, formando “novos” fenômenos mesmo que sejam a partir de práticas primitivas, os novos direitos humanos também se insurgem como forma de contrapor essas violações com novas roupagens.
Na linha do tempo da historicidade dos direitos, destaca-se o marco da concepção contemporânea de direitos humanos, vindo a ser introduzida pela Declaração Universal de 1948 e posteriormente reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993.
Esta concepção é fruto do movimento de internacionalização dos direitos humanos - na configuração tal qual conhecemos-, que constitui um movimento bem recente na história, surgindo, no contexto do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazi-fascismo, o que na ótica positivista, se deu sob o império do positivismo legalista.
A premissa do nacionalismo nazista foi condicionar a titularidade de direitos, ou seja, a condição de sujeito de direito, a pertença à determinada raça — a “ pura Ariana”. A barbárie do totalitarismo nazista gerou a ruptura do paradigma da proteção nacional dos direitos humanos, cuja insuficiência levou à negação do valor do ser humano como fonte essencial do Direito (RAMOS, 2014:1).
Com efeito, no momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável. A barbárie do totalitarismo significou a ruptura do paradigma dos direitos humanos através da negação do valor da pessoa humana como valor fonte do Direito (PIOVESAN, 2006:153).
No mesmo sentido, Thomas Burgenthal:
O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-guerra. Seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte destas violações poderiam ser prevenidas se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse (BURGENTHAL apud PIOVESAN, 2006:153).
Os direitos humanos se colocam em oposição crítica e de repúdio à concepção positivista de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos, presos ao mero formalismo jurídico — vez que, como prova histórica, o nazismo e o fascismo ascenderam ao poder dentro dos ditames da legalidade e agiram com o respaldo da lei ao promover a barbárie humana. Há, portanto, uma releitura do pensamento filosófico kantiano, principalmente no que diz respeito às ideias de moralidade e dignidade.
A afirmação por Kant do valor relativo das coisas, em contraposição ao valor absoluto da dignidade humana, já prenunciava a quarta etapa histórica na elaboração do conceito de pessoa, a saber, a descoberta do mundo dos valores, com a consequente transformação dos fundamentos da ética. O homem é o único ser, no mundo, dotado de vontade, isto é, da capacidade de agir livremente, sem ser conduzido pela inelutabilidade do instinto. (COMPARATO, 2010: 37).
Para Kant as pessoas e, em geral qualquer espécie racional, devem existir como um fim em si mesmo e jamais como um meio, a ser arbitrariamente usado para este ou aquele propósito. Os objetos têm, por sua vez, um valor condicional, enquanto irracionais, por isso, são chamados “coisas”, substituíveis que são por outras equivalentes. Os seres racionais, ao revés, são chamados “pessoas”, porque constituem um fim em si mesmo, têm um valor intrínseco absoluto, são insubstituíveis e únicos, não devendo ser tomados meramente como meios. As pessoas são dotadas de dignidade, na medida em que têm um valor intrínseco. Deste modo, ressalta Kant, trate a humanidade, na pessoa de cada ser, sempre com um fim mesmo, nunca como um meio. Adiciona Kant que a autonomia é a base da dignidade humana e de qualquer criatura racional. Lembra que a ideia de liberdade é intimamente conectada com a concepção de autonomia, por meio de um princípio universal da moralidade, que, idealmente, é o fundamento de todas as ações de seres racionais. Para Kant, o imperativo categórico universal dispõe: “Aja apenas de forma a que a sua máxima possa converter-se ao mesmo tempo em uma lei universal (PIOVESAN, 2006: 154)
Todo esse esforço de ressignificação da dignidade humana, reconfigurou a dinâmica do direito internacional em torno dos direitos humanos influenciando um novo movimento internacionalista e constitucionalista em cadeia, plural, com abertura a princípios e a valores que respeitam a primazia da dignidade humana.
Começa a ser delineado uma nova estrutura de sistema normativo internacional de proteção aos direitos humanos: a ótica da proteção universal, garantida subsidiariamente e na falha do Estado, pelo próprio Direito Internacional. Cresce o papel dos organismos internacionais a favor da manutenção da paz mundial.
Os Estados se deram conta de que a proteção dos direitos humanos não pode ser tida como parte do domínio reservado de um Estado, pois as falhas na proteção interna tinham dado abertura ao terror nazista e colocaram em cheque a estabilidade da convivência humana no mundo todo.
A soberania dos Estados teve que ser, lentamente, reconfigurada, aceitando-se a lógica de que a proteção de direitos humanos deveria ser um tema de abordagem e observância internacional e não meramente de jurisdição local.
Piovesan (2006) apoiada nas ideias de Canotilho (2002) analisa a interferência dos diplomas internacionais sobre direitos humanos como uma espécie de “constitucionalismo global”, estes “vocacionado a proteger direitos fundamentais e a limitar o poder do Estado, mediante a criação de um aparato internacional de proteção de direitos” (PIOVESAN, 2006: 155).
A pesquisadora analisa que no Direito Constitucional ocidental, observa-se um movimento de elaboração de textos constitucionais abertos a princípios, dotados de elevada carga axiológica, com destaque ao valor da dignidade humana - como é o caso da Constituição Brasileira de 1988, que tem como fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana.
Como corolário do princípio da dignidade humana está a proibição ao trabalho escravo. Os diplomas internacionais de proteção dos direitos humanos são incisivos em afirmar o trabalho escravo e degradante como grave forma de violação de direitos humanos. A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, em seu artigo IV, estabelece que “ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”.
Por sua vez, a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas da Escravatura, da ONU, em 1956, proibiu a escravidão por dívida definindo esta como o estado e a condição resultante do fato de que um devedor tenha se comprometido a fornecer em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação da dívida ou se a duração desses serviços não for limitada, nem sua natureza definida.
O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, em seu artigo 8º, reitera que ninguém poderá ser submetido à escravidão, adicionando que a escravidão e o tráfico de escravos, em todas as suas formas, ficam proibidos. Ressalta, ainda, que ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios.
Integra o núcleo inderrogável de direitos do aludido Pacto, a proibição do trabalho escravo (espécie de cláusula pétrea), conforme exegese do artigo 4º. Isto é, tal dispositivo estabelece a possibilidade de adoção pelos Estados de medidas excepcionais restritivas de direitos, quando situações excepcionais ameacem a existência da nação e sejam proclamadas oficialmente.
Os Estados Partes do presente Pacto podem adotar, na estrita medida exigida pela situação, medidas que suspendam as obrigações decorrentes do presente Pacto, desde que tais medidas não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhes sejam impostas pelo Direito Internacional e não acarretem discriminação alguma apenas por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião ou origem social. Contudo, o mesmo dispositivo é claro ao alertar que não autoriza qualquer derrogação dos artigos 6º, 7º, 8º (parágrafos 1º e 2º), 11, 15, 16 e 18 do Pacto 24.
A Convenção Americana (Pacto de São José da Costa Rica) e a Convenção Europeia de Direitos Humanos, seguem a mesma diretriz dos demais diplomas internacionais que versam sobre direitos humanos, ao permitirem a suspensão de garantias, vedam a derrogação da proibição da escravidão, ainda que em caso de guerra, perigo público ou outra situação emergencial, nos termos do artigo 27, parágrafo 1º da Convenção Americana e do artigo 15 da Convenção Europeia de Direitos Humanos.
A proibição do trabalho escravo é absoluta no Direito Internacional dos Direitos Humanos, não contemplando qualquer exceção. Vale dizer, em nenhum caso poderão invocar-se circunstâncias excepcionais, como ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, como justificativa para o trabalho escravo. Tal proibição integra o núcleo do jus cogens, que é o direito cogente e inderrogável no âmbito internacional, compondo verdadeira cláusula pétrea internacional. Tal como o direito a não ser submetido à tortura, o direito a não ser submetido à escravidão é um direito absoluto, insuscetível de qualquer relativização ou flexibilização, a não permitir qualquer juízo de ponderação. (PIOVESAN, 2006: 158)
Por sua vez, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em seu artigo 6º, reconhece o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de um trabalho livremente escolhido ou aceito, cabendo aos Estados-partes tomar todas as medidas apropriadas para salvaguardar esse direito. Frisa, ademais, que os
Estados-partes reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis.
A proteção dos direitos humanos a proibição do trabalho escravo é expressa nos sistemas regionais em praticamente todas as Convenções, como nas já citadas Convenção Europeia e Convenção Americana, como também na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Com efeito, nos termos do artigo 4º da Convenção Europeia, ninguém pode ser mantido em escravidão ou servidão e nem tampouco pode ser constrangido a realizar um trabalho forçado ou obrigatório.
Já o artigo 6º da Convenção Americana, no mesmo sentido, determina que ninguém pode ser submetido à escravidão ou à servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas. Acrescenta que ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório.
Para a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, todo indivíduo tem direito ao respeito da dignidade inerente à pessoa humana e ao reconhecimento da sua personalidade jurídica. Todas as formas de exploração e de aviltamento da pessoa humana, nomeadamente a escravatura, o tráfico de pessoas, a tortura física ou moral e as penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes são proibidos.
Somam-se ao sistema de normas global e regional de proteção dos direitos humanos, normas específicas adotadas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho - OIT, destacando-se a Convenção n.29 da OIT sobre trabalho forçado de 1930 (dispõe sobre a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório em todas as suas formas) e a Convenção n.105 da OIT de 1957, para abolição do trabalho forçado (que proíbe o uso de toda forma de trabalho forçado ou obrigatório).
A estes tratados, há que se realçar a Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, que consagra, dentre os princípios fundamentais a serem observados pelos Estados, a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório.
No campo pragmático, conforme o professor Edson Beas Rodrigues Jr. (2014) em relação aos direitos trabalhistas fundamentais, os Estados-membros da OIT devem cumprir três tipos de obrigações: 1) obrigações de respeitá-los, 2) protege-los e 3) aplicá-los.
A obrigação de respeitar exige que os estados contratantes se abstenham de interferir direta e indiretamente no desfrute destes direitos, ou seja, os Estados não têm discricionariedade de adotar medidas, de qualquer natureza, que possam ameaçar, prejudicar a fruição desses direitos laborais.
A obrigação de proteger exige que os Estados-partes adotem medidas que impeçam terceiros de interferir no desfrute desses direitos. Logo, na eventualidade de uma pessoa física ou jurídica, que se encontre em seu território, adotar uma política de exploração, coisificação de mão de obra, mediante por exemplo, trabalho escravo, o Estado poderá ser responsabilizado4 por omitir-se no combate dessas práticas violadoras de direitos humanos.
Por fim, a obrigação de aplicar contempla as obrigações de proporcionar, facilitar e promover os direitos. Significa dizer que os estados devem adotar medidas legislativas, administrativas, orçamentárias, judiciais e de outra natureza, adequadas a velar pela sua plena realização (RODRIGUES JR, 2014).