10. É ou não cabível ação revisional de acordo celebrado com o consumidor superendividado no caso de superveniente enriquecimento ou empobrecimento deste?
Entendemos que, no caso de acordo celebrado entre o consumidor superendividado e os credores, a situação exige uma análise diferenciada. A solução é diferente da que estabelecemos para os casos de ações revisionais de planos judiciais compulsórios.
Assim é que, na hipótese de enriquecimento superveniente do consumidor, não é cabível ação revisional, salvo pacto expresso em contrário.
No caso de empobrecimento superveniente do consumidor, é cabível ação revisional. É nula cláusula contratual em contrário por abusividade.
A condição de vulnerabilidade do consumidor justifica essa interpretação.
Alertamos para a circunstância de que o acordo de que estamos cuidando pode ter sido celebrado na fase conciliatória do procedimento judicial compulsório (art. 104-A, CDC), na conciliação feita perante os Procons (art. 104-C, CDC) ou em tratativas extrajudiciais sem a intermediação do Poder Público.
Notas
[1] GAGLIANO, Pablo Stolze; OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Comentários à Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021) e o princípio do crédito responsável. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91675/comentarios-a-lei-do-superendividamento-lei-n-14-181-de-1-de-julho-de-2021-e-o-principio-do-credito-responsavel/4. Publicado em julho de 2021. Recomendamos também: MIRAGEM, Bruno, A Lei do Crédito Responsável Altera o Código de Defesa do Consumidor (Migalhas Contratuais, publicado em julho de 2021, disponível no https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/348157/a-lei-do-credito-responsavel-altera-o-codigo-de-defesa-do-consumidor).
[2] Como já dito, o princípio do crédito responsável exige do devedor um comportamento prudente e em consonância com a boa-fé objetiva ao assumir dívidas para evitar futura inadimplência.
Para tal efeito, a avaliação do que seja boa-fé não é singela. O mero fato de um devedor ter contraído uma dívida além de sua capacidade de pagamento não pode ser considerado uma conduta de má-fé.
O fato de o consumidor haver contraído dívida em situação de vulnerabilidade econômica não significa, por óbvio, de per si, haver atuado em violação à boa-fé.
Contrariamente, se o devedor efetivamente agiu (dolosamente) para praticar um golpe, o Direito não deve amparar esse tipo de comportamento.
Tudo dependerá da apurada análise do caso concreto. (Gagliano e Oliveira, op. cit.)
[3] Vigora no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da proteção simplificada do luxo 8 , segundo o qual o Direito protege situações de luxo sem o mesmo prestígio de situações essenciais ou úteis. Esse conceito está atrelado ao conceito de paradigma da essencialidade, revelado pela Professora Teresa Negreiros. Segundo a jurista carioca, os direitos devem ser classificados quanto à essencialidade em direitos essenciais, direitos úteis e direitos supérfluos. Quanto menor for o grau de essencialidade do direito, menor deve ser a intervenção do Direito.
Esse princípio guia também a proteção dada aos casos de superendividamento. O intervencionismo estatal em favor de quem está em situação de superendividamento não deve alcançar casos oriundos de aquisição de produtos de luxo de alto valor, mesmo no caso de consumo. Quem, por exemplo, endivida-se por adquirir um veículo luxuoso de altíssimo valor não pode, posteriormente, invocar as ferramentas interventivas da Lei do Superendividamento. Sobram-lhe, apenas, as proteções gerais do Direito, sem prestígios interventivos. A própria Lei de Superendividamento é expressa nesse sentido (art. 54-A, § 3º, CDC). (Gagliano e Oliveira, op. cit.)
[4] Sobre o tema, escrevemos:
Vale salientar: frustrado o processo de repactuação de dívidas (art. 104-A), instaura-se o processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes (art. 104-B), caso em que será apresentado um plano judicial compulsório.
Apesar de os referidos preceitos fazerem menção a processos, parece-nos mais adequado que há apenas um processo, com duas fases procedimentais: uma de repactuação de dívidas e outra de revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes, da qual resultará um plano judicial compulsório. Essa última iniciar-se-á com mera petição do consumidor no bojo do feito após a frustração, total ou parcial, das tentativas de autocomposição. O próprio caput do art. 104-B do CDC dá suporte a essa interpretação, pois sua redação dá noção da existência de uma linha de continuidade processual.
O processo por superendividamento será instaurado a pedido do consumidor, ou seja, não há espaço legal para a atuação judicial de ofício. As peculiaridades de todo esse procedimento, que envolve, inclusive, vetores metajurídicos (carga emocional derivada do strepitus fori, o abalo psicológico vivenciado pelo consumidor superendividado, os complexos aspectos econômicos em jogo) recomendam, em nosso sentir, que as respectivas Leis de Organização Judiciária Estaduais criem unidades especializadas na matéria atinente ao superendividamento. Sem dúvida, é a melhor solução. (Gagliano e Oliveira, 2021)