Capa da publicação Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021) e o princípio do crédito responsável
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Comentários à Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021) e o princípio do crédito responsável.

Uma primeira análise

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Resumo:


  • O Brasil adotou um marco legal para prevenir e tratar o superendividamento de consumidores, visando proteger aqueles que se encontram incapazes de honrar suas dívidas sem comprometer o mínimo existencial.

  • O princípio do crédito responsável é uma norma implícita na Constituição e foi concretizado pela Lei do Superendividamento, que promove práticas negociais saudáveis e busca evitar o superendividamento.

  • A Lei do Superendividamento estabelece procedimentos específicos para a renegociação de dívidas, privilegiando soluções consensuais, mas prevendo a possibilidade de um plano judicial compulsório em caso de insucesso na conciliação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

14. Idoso e superendividamento (art. 96, § 3º, do Estatuto do Idoso)

Art. 96. ...............................

§ 3º Não constitui crime a negativa de crédito motivada por superendividamento do idoso.

Como forma de afastar o receio do mercado em negar crédito a idosos sem capacidade financeira suficiente, a supracitada alteração no Estatuto do Idoso deixa clara a ausência de crime nessa hipótese.


15. Vigência e retroatividade (art. 3º e art. 4º da Lei do Superendividamento)

Art. 3º A validade dos negócios e dos demais atos jurídicos de crédito em curso constituídos antes da entrada em vigor desta Lei obedece ao disposto em lei anterior, mas os efeitos produzidos após a entrada em vigor desta Lei subordinam-se aos seus preceitos.

Art. 4º O disposto no caput do art. 54-E da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), não se aplica às operações de crédito consignado e de cartão de crédito com reserva de margem celebradas ou repactuadas antes da entrada em vigor desta Lei com amparo em normas específicas ou de vigência temporária que admitam percentuais distintos de margem e de taxas e encargos, podendo ser mantidas as margens estipuladas à época da contratação até o término do prazo inicialmente acordado. VETADO

O art. 3º do CC espelha-se no art. 2.035 do CC.

“Se, por um lado”, escreve Pablo Stolze Gagliano, “não pode a lei nova atingir a ‘validade’ dos negócios jurídicos já constituídos, por outro, se os ‘efeitos’ do ato penetrarem o âmbito de vigência” da nova Lei, “deverão se subordinar aos seus preceitos”.[13]

Isso quer dizer que aspectos referentes, por exemplo, à validade (nulidade) de um contrato de concessão de crédito obedecerá à lei do tempo da sua celebração, mas no que se refere, não à validade, mas à própria executoriedade (eficácia) do contrato, normas da nova Lei poderão ser aplicadas, a exemplo daquelas constantes no art. 54-F que trata da coligação de contratos.

Acrescente-se que as normas referentes à conciliação no superendividamento (arts. 104-A a 104-C), por terem natureza processual têm aplicação imediata.

A Lei do Superendividamento, em muitos pontos, apenas positiva o princípio do crédito responsável, já admitido no ordenamento pela Constituição Federal e pelo CDC conforme exposto no item 2 deste artigo. Aplicar o referido princípio a atos jurídicos perfeitos anteriores à Lei do Superendividamento não é propriamente uma retroatividade[14].


Sem dúvida, temos uma grande lei.

E esperamos que a sua aplicação marque uma nova fase na história do Direito do Consumidor brasileiro.


Notas

[1] LIMA, Clarissa Costa De. O tratamento do superendividamento e o direito de recomeçar dos consumidores. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

[2] SILVA E SAMPAIO, Marília de Ávila e. Justiça e Superendivamento: um estudo de caso sobre decisões judiciais no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. A obra foi objeto deste artigo da Professora Cláudia Lima Marques: MARQUES, Claudia Lima. Justiça e superendividamento: um estudo de caso sobre decisões judiciais no Brasil, de Marília de Ávila e Silva Sampaio. In: Revista de Direito do Consumidor. vol. 107. ano 25. p. 635-648. São Paulo: Ed. RT, set.-out. 2016 (Disponível em: https://revistadedireitodoconsumidor.emnuvens.com.br/rdc/article/view/743)(. No panorama do tema, merece também referência a obra de PELLEGRINO, Fabiana Andrea de Almeida Oliveira. Tutela Jurídcia do Superendividamento. Salvador: JusPodivm.

[3] Sobre o tema, confira-se: CARQUI, Vagner Bruno Caparelli. Princípio do crédito responsável: evitabilidade do superendividamento e promoção da pessoa humana na sociedade de consumo. Dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Gradução em Direito na Universidade Federal de Uberlândia (orientadora Profa. Keila Pacheco Ferreira), 2016 (Disponível em: https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/18854/1/PrincipioCreditoReponsavel.pdf

[4] Convém citar, por exemplo, este excerto do voto da Desembargadora Simone Lucindo: “Quanto à alegação de superendividamento, é certo que as empresas, ao concederem o crédito, devem adotar as cautelas necessárias ao efetivo recebimento do retorno financeiro e, ao lado disso, devem tomar medidas visando coibir a superveniência do superendividamento dos devedores, preservando, assim, o patrimônio mínimo a garantir a dignidade humana. Trata-se da aplicação da teoria do crédito responsável.” (TJDFT, Acórdão 1095565, 20180110080656APC, 1ª Turma, Rel. Desembargadora Simone Lucindo, DJE: 15/5/2018)

[5] Art. 54-A, § 1º, do CDC: “Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”.

[6] OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de Oliveira. O princípio da proteção simplificada do luxo, o princípio da proteção simplificada do agraciado e a responsabilidade civil do generoso. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Dezembro/2018 (Texto para Discussão nº 254). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos.   

[7] OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de Oliveira. O princípio da proteção simplificada do luxo, o princípio da proteção simplificada do agraciado e a responsabilidade civil do generoso. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Dezembro/2018 (Texto para Discussão nº 254).    

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[8] FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2001.

[9] A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) é órgão do Ministério da Justiça que detém a competência para coordenar a política nacional de proteção e defesa do consumidor (Anexo I do Decreto nº 9.662/2019). Ela coordena o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (art. 3º, Decreto nº 2.181/1997).

[10] O Conselho Nacional de Defesa do Consumidor é órgão que, na essência, serve de apoio consultivo, propondo recomendações aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (Decreto nº 10.417/2020).

[11] GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Contratos – vol. 04. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 189.

[12] Reportamo-nos a estes trabalhos: PEREIRA, Andressa; ZAGANELLI, Margareth Vetis. Superendividamento do consumidor: prevenção e tratamento sob o prisma da dignidade da pessoa humana. Disponível em: https://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/download/6864/3397/. Acesso em 18 de junho de 2021; WODTKE, Guilherme Domingos Gonçalves. O superendividamento do consumidor: as possíveis previsões legais para seu tratamento. Disponível em: https://www.pucrs.br/direito/wp-content/uploads/sites/11/2018/09/guilherme_wodtke_2014_2.pdf. Acesso em 18 de junho de 2021; SILVA, Daniela Borges. Regulação para o tratamento do superendividamento: diretrizes para a construção de um modelo de falência da pessoa natural no Brasil. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/27342/2019_02_22%20Disserta%c3%a7%c3%a3o_Gabriela%20Borges%20%28web%29.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Elaborado em 2019.

[13] GAGLIANO, Pablo Stolze. Comentários ao Código Civil Brasileiro – Do Direito das Sucessões – Arts. 1.912 a 2.046, Vol. XVII (Henrique de Mello, Maria Isabel do Prado e Pablo Stolze Gagliano, coord. Arruda Alvim e Thereza Alvim). Rio de Janeiro: 2008, Gen/Forense, p. 606.

[14] Para aprofundamento, reportamo-nos a este artigo: OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de Oliveira. Retroatividade das leis: a situação das leis emergenciais em tempos de pandemia. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/335960/retroatividade-das-leis--a-situacao-das-leis-emergenciais-em-tempos-de-pandemia. Publicado em 5 de novembro de 2019.No mesmo sentido, tratando da inaplicabilidade da Lei do Distrato para “distratos” relativos a contratos anteriores, o STJ reafirmou o descabimento da retroatividade mínima (STJ, Questão de Ordem no REsp 1.498.484/DF, 2ª Seção, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 25/06/2019). O STF seguiu a mesma linha de proibir a retroatividade mínima diante de atos jurídicos perfeitos ao proibir a aplicação da Lei dos Planos de Saúde - LPS (Lei nº 9.565/1998) a contratos anteriores (STF, ADI 1931, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 08-06-2018).

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Pablo Stolze Gagliano

Juiz de Direito. Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil, do Instituto Brasileiro de Direito Contratual e da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Professor da Universidade Federal da Bahia. Co-autor do Manual de Direito Civil e do Novo Curso de Direito Civil (Ed. Saraiva).

Carlos Eduardo Elias de Oliveira

Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Advogado, ex-Advogado da União e ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil, Notarial e de Registros Públicos na Universidade de Brasília – UnB. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil, do Instituto Brasileiro de Direito Contratual, do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário e do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GAGLIANO, Pablo Stolze ; OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias. Comentários à Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021) e o princípio do crédito responsável.: Uma primeira análise. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6575, 2 jul. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91675. Acesso em: 22 dez. 2024.

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