Certa feita escrevi um texto acerca da falta de revisão crítica de posicionamentos jurídicos e jurisprudenciais, ocasionado por uma tendência à formação de técnicos ou, como usualmente se diz, meros operadores do direito pelas universidades. [1]
Em especial, uma passagem desse antigo texto me veio à mente quando agora a Delegada Federal encarregada, sob a batuta do Ministro Alexandre de Moraes, do denominado Inquérito das Fake News, oferta mais um relatório parcial ao afastar-se do caso devido a uma licença.
É que escrever a respeito desses relatórios, manifestações e decisões tomadas no bojo desse inquérito está se tornando algo extremamente maçante devido à repetição das mesmas ladainhas expostas com pretensão de fundamentação.
Mais uma vez, a Delegada apresenta um texto, agora de 6 (seis) laudas, onde trata de tudo que compõe uma narrativa tomada como hipótese de trabalho e não aponta sequer uma única conduta efetivamente criminosa. [2] Essa característica é exatamente a mesma de todos os despachos e decisões tomadas pelo Ministro envolvido reiteradamente, geralmente acatando e repetindo as narrativas e hipóteses como se fossem grandes descobertas e razões para a tomada de medidas e seguimento das apurações.
O que se conclui dessas peças é que se trata apenas de fazer o que se quer, independentemente dos fatos. A manifestação crua de um império da vontade, do capricho e do arbítrio. A teoria orquestrada se sobrepõe aos fatos e se os fatos a desmentem, pior para eles. Parece que inquéritos como esse se eternizarão e se sucederão sem solução de continuidade, pairando sempre como uma ameaça a determinados setores e certas ideias.
Parece pior. Parece que somente se está a aguardar um momento propício para indiciamentos, decretos de prisão, acusações e condenações, tudo sem efetivo Processo Legal, já que a coordenação, investigação e decisão final em qualquer caso cabe a uma mesma entidade e às mesmas pessoas que perseguem criminalmente, prendem e condenam quem quiserem. Eventuais recursos são dirigidos aos mesmos sequazes, quando não ao próprio prolator da decisão, o que torna a possibilidade recursal algo meramente formal, sem qualquer efeito prático. E já se sabe que os fundamentos (sic) de qualquer decisão serão sempre os mesmos repetidos até o paroxismo.
Enfim, o que me fez lembrar do texto antigo a que fiz referência no início deste trabalho foi exatamente essa repetição atordoante de supostos fundamentos (sic) infundados. Na ocasião, trazia à baila a expressão irônica cunhada pelo Desembargador Amílton Bueno de Carvalho, o chamado Teletubismo Jurídico. O tema era então lembrado por Andrei Zenkner Schmidt, o qual definia essa espécie de patologia do mundo jurídico como um transtorno de personalidade argumentativa neutra que, em termos semelhantes àqueles ETs gordinhos do programa infantil, leva o doente ao método do de novo dedutivo. [3]
Pois então, é exatamente a isso que estamos sendo submetidos numa espiral estonteante, de novo, de novo, de nooovooo... ad infinitum. E não são os simpáticos, coloridos, gordinhos e engraçadinhos ETs do programa infantil. Não há fofura alguma nessa brincadeira, não há inocência e muito menos inocentes.
REFERÊNCIAS
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Em Tempos de Súmula Vinculante, um apelo a um Direito dinâmico e crítico. Disponível em https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/142020695/em-tempos-de-sumula-vinculante-um-apelo-a-um-direito-dinamico-e-critico , acesso em 12.02.2022.
RAMALHO, Renan. Delegada que investiga milícias digitais não aponta crime em relatório e se afasta. Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/republica/delegada-que-investiga-milicias-digitais-nao-aponta-crime-em-relatorio-e-se-afasta/ , acesso em 12.02.2022.
SCHMIDT, Andrei Zenkner. Violência simbólica e precedentes jurisprudenciais, São Paulo: Boletim IBCCrim, nº 146, jan., p. 16 17, 2005.
Notas
- CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Em Tempos de Súmula Vinculante, um apelo a um Direito dinâmico e crítico. Disponível em https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/142020695/em-tempos-de-sumula-vinculante-um-apelo-a-um-direito-dinamico-e-critico , acesso em 12.02.2022.
- RAMALHO, Renan. Delegada que investiga milícias digitais não aponta crime em relatório e se afasta. Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/republica/delegada-que-investiga-milicias-digitais-nao-aponta-crime-em-relatorio-e-se-afasta/ , acesso em 12.02.2022.
- SCHMIDT, Andrei Zenkner. Violência simbólica e precedentes jurisprudenciais, São Paulo: Boletim IBCCrim, nº 146, jan., 2005, p. 16-17.