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Dos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e uma abordagem sobre a (in) aplicabilidade da teoria da cegueira deliberada

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Agenda 15/02/2022 às 17:33

Reflexões sobre a lavagem de dinheiro e os processos que envolvem esse tipo de delito.

RESUMO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem por finalidade analisar os pontos jurídicos mais importantes de direito material, no que concerne à Lei nº 9.613/1988 Lei de Lavagem de Dinheiro. E partindo do pressuposto da análise global, no que diz respeito ao direito material do dispositivo supracitado, abre-se margem para a discussão acerca da aplicabilidade da teoria americana da Cegueira Deliberada, tendo em vista que no direito brasileiro a sua discussão é escassa e nada pacífica, mas vem sendo aplicada em diversos processos judiciais, especialmente nos casos da Lava Jato. A provocação para a discussão deste tema surgiu do interesse em entender os processos envolvendo o crime de lavagem de capitais, e da leitura das Obras: Operação Mãos Limpas de autoria de Gianni Barbacetto, Peter Gomez e Marco Travaglio (2016) e Lava Jato, de autoria do jornalista Vladimir Netto (2016). A pesquisa certamente é um desafio, pois envolve alto grau de complexidade, mas é importuno trazer à baila essa temática, pois no direito brasileiro subsiste a figura do dolo eventual, e que parte doutrina o equipara à cegueira deliberada, mas de qualquer forma, rechaça a sua aplicabilidade, sob o fundamento de que o tipo penal comporta apenas a modalidade dolosa, e aceitando-se o dolo eventual baseados em meras suposições em relação à intenção do agente, estaríamos condenando pessoas na modalidade culposa. Logo, a análise do trabalho será baseada em pesquisa bibliográfica, fazendo um contraponto entre os entendimentos dos doutrinários que tratam sobre a matéria. A fim de que se amplie essa discussão, baseado no viés crítico e jurídico necessário.

Palavras-chave: Lavagem de Dinheiro. Cegueira Deliberada. Dolo Eventual.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO . 1. BREVE HISTÓRICO DO CRIME DE LAVAGEM. 1.1 Evolução histórica. 2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA LAVAGEM DE DINHEIRO . 2.1 Conceito . 2.2. Características . 3. FASES DA LAVAGEM DE DINHEIRO. 3.1 Fase da ocultação . 3.2 Fase da dissimulação. 3.3 Fase da integração. 4. ASPECTOS PENAIS DO CRIME DE LAVAGEM. 4.1 Autoria e participação . 4.1.1 Autoria . 4.1.2 Autoria unitária . 4.1.3 Autoria extensiva . 4.1.4 Autoria restritiva . 4.1.5 Teoria objetivo-formal . 4.1.6 Teoria objetivo-material . 4.1.7 Teoria do domínio do fato . 4.2 Autoria mediata e imediata . 4.2.1 Teoria Mediata . 4.2.2 Teoria Imediata . 4.3 Coautoria. 4.4 Participação . 4.4.1 Formas de participação . 4.4.2 A instigação. 4.4.3 Auxílio . 4.5 Consumação e tentativa . 4.5.1 Consumação . 4.5.2 Tentativa . 4.5.3 Sujeito ativo e passivo. 4.6 Exclusão do rol de crimes antecedentes e crime anterior prescrito. 4.6.1 A exclusão do rol dos crimes antecedentes. 4.6.2 Crime anterior prescrito . 4.7 O bem jurídico tutelado. 4.7.1. Conceito de bem jurídico. 4.7.2 Ofensa ao mesmo bem jurídico do crime anterior. 4.7.3 Ofensa à administração da justiça. 4.7.4 Ofensa à ordem econômica. 4.8.5 Pluriofensividade. 5. A TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA NO CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS . 5.1 Contexto histórico da cegueira deliberada. 5.2 A Cegueira deliberada no sistema commow low . 5.3 A cegueira deliberada no Brasil. 5.4 Dolo eventual. 5.4.1 Dolo eventual no crime de lavagem . 5.4.2 A cegueira deliberada e dolo eventual: nuances e a problemática. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como desígnio analisar os aspectos relevantes concernentes ao direito material da Lei nº 9.613/1998, conhecida como Lei Antilavagem.

A abordagem inicial do estudo versa sobre o contexto histórico da expressão lavagem de dinheiro, bem como o surgimento do tipo penal na seara internacional, e os motivos que embasaram a grande preocupação mundial que se vislumbra até a atualidade, no que tange ao combate aos crimes de colarinho branco, devido, especialmente, à sofisticação dos métodos adotados pelos criminosos diante da evolução tecnológica, e do caráter transnacional do delito em tela.

O estudo segue tratando sobre a criação doutrinária acerca das fases do crime de lavagem de capitais, com suas peculiaridades e dificuldades na persecução penal e as estratégias mais utilizadas pelos criminosos objetivando a reinserção dos valores na economia formal e com aparência de licitude.

Oportuno destacar as mudanças realizadas na legislação antilavagem, com o advento da Lei nº 12.683/2012, que alterou a Lei nº 9.613/98, principalmente no tocante aos crimes antecedentes, que, outrora, pertenciam a um rol taxativo, e, com a sua nova redação, admite-se a vinculação do delito de lavagem de capitais com qualquer crime ou contravenção penal.

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Como também, analisa as teorias da autoria, coautoria e participação, muito discutidas pela melhor doutrina, não somente no crime de lavagem de dinheiro, mas como em todo o direito penal, para que se pondere o envolvimento do agente no fato e seu grau de culpabilidade, sendo assim, parte essencial do objeto deste trabalho.

Outra questão controversa na doutrina brasileira se refere ao bem jurídico que se pretende tutelar com a referida lei, pois, para alguns autores, a ofensa ao bem jurídico é o mesmo ao lesado no crime antecedente; para outros, trata-se sobre a proteção da administração da justiça; e, ainda, para a terceira vertente, a tutela do tipo penal versa sobre a violação da ordem econômica, como ficará demonstrado no prosseguimento da análise do presente estudo.

E, por fim, a pesquisa atinge a temática mais recente, complexa e polêmica no que diz respeito à aplicação da teoria americana denominada cegueira deliberada nos tribunais brasileiros, como vem sendo feita com maior intensidade a partir da Ação Penal 470 (Mensalão) e, mais recentemente, nos casos da Lava Jato. De maneira que é preciso fazer a análise da referida teoria sobre uma perspectiva do direito americano, de origem common law, para depois ponderar aplicabilidade no direito brasileiro fundado no civil law.

Ao final, a abordagem será realizada em comparativo com a figura do dolo eventual, que subsiste no direito penal pátrio, e que não é presente do direito americano. Importante que se tenha extrema parcimônia na referida análise final.


BREVE HISTÓRICO DO CRIME DE LAVAGEM

1.1 Evolução histórica

Muito embora o crime de lavagem de dinheiro esteja em evidência nos noticiários e na grande mídia em geral, provocando a ideia de que se trata de prática recente, o delito de lavagem de capitais pode ser mais antigo do que se imagina.

De fato, a preocupação mais intensa no delito surgiu na década de 1970, nos Estados Unidos, onde se passou a investigar os crimes que envolviam o narcotráfico, e a percepção da necessidade de se controlar os valores advindos do crime em questão, pois nasceu a preocupação com o poder econômico e a consequência de um poder político adquirido pelos narcotraficantes (MARTINELLI, 2011, p. 13).

A expressão lavagem de dinheiro foi utilizada pela primeira vez em 1982, nos tribunais americanos, quando os Estados Unidos apreenderam valores provenientes narcotráfico colombiano, ao passo que o crime de lavagem de capitais implica relações entre fronteiras de países. Os narcotraficantes observaram a necessidade de mascarar a natureza dos seus ganhos, para dar a aparência de licitude, inserindo na economia formal tais montas (CALEGARI, WEBER, 2017, p. 8).

Contudo, o termo lavagem de dinheiro já havia sido empregado muito antes de 1982, pois as autoridades americanas descreviam desta maneira os métodos empregados pela máfia liderada por Al Capone nos anos 30, pois os gângsteres utilizavam lavanderias na pretensão de ocultar os valores adquiridos da prática de venda de bebidas alcoólicas, pois estas eram ilegais nos Estados Unidos, daí o surgimento da expressão Money laundering (BOTTINI, 2017, p. 29).

A partir da percepção dos danos à sociedade que o crime de lavagem de dinheiro trazia, tendo em vista o poder econômico que outorgava aos criminosos e a magnitude da questão, surgiu a necessidade de impedir os avanços deste poder paralelo, que abrangia não somente um país, mas o mundo de uma forma geral. Em dezembro de 1988, por meio de uma Assembleia Geral, a Organização das Nações Unidas ONU impulsionou uma luta estratégica contra o narcotráfico, visando à demonstração da nocividade e os níveis atingidos pelos criminosos e, por causa disso, exsurgiu a Convenção de Viena.

A Convenção de Viena é considerada um marco no combate à lavagem de dinheiro, pois estabeleceu determinações sobre cooperação internacional com o objetivo de facilitar as investigações judiciais e a extradição, como também a inversão do ônus da prova na origem ilícita dos bens. Reafirmou, ainda, a ideia de que o sigilo bancário não deve ser usado como forma de se esconder de investigações criminais na questão da cooperação internacional. A convenção contou com a presença de mais de 100 países, conferindo assim, demasiado poder ao documento assinado (BONFIM, BONFIM 2008, p.18).

O Brasil ratificou a Convenção de Viena apenas em 26 de junho de 1991, por meio do Decreto n° 154, não se podendo olvidar que a referida convenção buscou apenas tratar dos delitos relacionados ao crime de tráfico de drogas e que, posteriormente, o rol dos crimes antecedentes foi ampliado, deixando para trás a ideia de que somente delitos ligados ao narcotráfico poderiam ser considerados como antecedentes à lavagem.

Sendo assim, da Convenção de Viena (1988) surgiram outras convenções da ONU, as quais visaram à tratativa do tema de lavagem de capitais, como a de Palermo (2000), e Mérida (2003), entre outras (BOTTINI, 2017, p. 31).

Passados quase sete anos da ratificação da Convenção de Viena, o Brasil aprovou a primeira redação constando o crime de lavagem de dinheiro, a famigerada Lei n° 9.613/1998, a qual tipificou as condutas de lavar ou ocultar bens, direitos e valores, como também, determinou formas de prevenção do sistema financeiro previstos na lei, criando, assim, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras COAF (BONFIM, BONFIM, 2008, p. 26,27).


CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA LAVAGEM DE DINHEIRO

2.1 Conceito

A legislação pátria tratou de definir o conceito de lavagem de dinheiro, conforme o que dispõe o artigo 1º da Lei n° 9.613/98, in verbis:

Art. 1° Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Não obstante a Lei Antilavagem conceituar o delito de lavagem de capitais, entendemos que é indispensável nos reportarmos à doutrina, tendo em vista a complementação, e até mesmo para ofertar maior clareza no entendimento do referido delito e suas peculiaridades, senão vejamos a definição na ótica dos Ilustres Doutrinadores: André Luis Callegari e Ariel Barazzetti Weber, Pierpaolo Cruz Bottini , Blanco Cordero e Marcelo Batlouni Mendroni:

A palavra lavar vem do latim lavare, e significa expurgar, purificar, reabilitar, daí a ideia de tornar lícito o dinheiro advindo de atividades ilegais e reinseri-lo no mercado como se lícito fosse. (CALLEGARI, 2017, p.8).

Consoante o conceito de Pierpaolo Bottini:

Ato ou a sequência de atos praticados para mascarar a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, valores e direitos de origem delitiva ou contravencional (BOTTINI,2016, p. 29).

Na dicção de Blanco Cordero: É um processo em virtude do qual os bens de origem delitiva se integram no sistema econômico legal com a aparência de terem sido obtidos de forma lícita (CORDERO, 2009, p. 107).

Marcelo Batlouni Mendroni, por seu turno, assim elucida o conceito:

Lavagem de dinheiro poderia ser definida como um método pelo qual um indivíduo ou uma organização criminosa processa os ganhos financeiros obtidos com atividades ilegais, buscando trazer a sua aparência para obtidos licitamente (MENDRONI, 2018, p.21).

Por todo exposto, observa-se que a doutrina é unânime ao conceituar que a conduta de lavagem de dinheiro é uma maneira de se dissimular um dinheiro ilícito, que advém de atividades ilegais, e que os criminosos precisam conceder uma nova aparência de licitude a esses valores para que consigam reintegrar o dinheiro novamente à economia sem levantar suspeitas às autoridades. Externa-se como um fato socioeconômico antigo, sendo imprescindível, para compreensão completa do objeto do estudo, a abordagem, embora sucinta, de algumas temáticas que envolvem a Lei n° 9.613/1998.

2.2. Características

O processo de lavagem de capitais possui um pressuposto imprescindível para a sua caracterização: a existência de um crime antecedente que gerou rendimentos que os criminosos necessitam isentar da aparência de ilicitude, visando a dar o pontapé inicial à conduta de lavar dinheiro, buscando primeiramente a ocultação dos valores. Isto posto, os criminosos desenvolvem estratégias que visam à dissimulação da origem dos bens e, desta maneira, reinserem na economia formal o dinheiro já com a aparência de licitude (BOTTINI, 2017, p.31)

Nesta esteira de entendimento, nos ensinam André Luís Callegari e Ariel Barazzetti Weber:

Independentemente da definição que possa vir a ser utilizada, a doutrina aponta as seguintes características visíveis no processo de lavagem de dinheiro: processo onde somente a partida é perfeitamente identificável, não o ponto final; internacionalização dos processos; profissionalização do processo (complexidade ou variedade dos métodos utilizados); movimentação de elevado volume financeiro (CALLEGARI, WEBER, 2017, p. 14).

Não se pode olvidar que o delito de lavagem de capitais é transnacional, ou seja, abrange zonas de fronteiras de diversos países, fazendo com que o crime em questão seja realizado por verdadeiros profissionais, e que, dia após dia, modernizam e aperfeiçoam seus métodos (modus operandi), cumprindo salientar que alguns autores comparam essas organizações a verdadeiras empresas voltadas às atividades criminosas, em que cada um dos seus membros desempenham funções nas quais estão previamente capacitados, tais como contadores, advogados e administradores.

Na dicção de Sérgio Fernando Moro:

Uma das principais características da criminalidade contemporânea é seu caráter transnacional. Com frequência, a atividade criminal envolve diversos países. Em um deles o crime é planejado, noutro executado, enquanto o produto da atividade criminal é enviado para um terceiro (MORO, 2010, p.13).

Essa busca de capacitação profissional dos lavadores, ensejando técnicas sofisticadas, se justifica da característica da transnacionalidade do crime, com o objetivo de elidir a ação dos países que os combatem, evoluindo paulatinamente na medida em que as organizações de sua repressão vão se identificando e amenizando as vias já existentes (CALLEGARI, WEBER, 2017, p. 16).

O fato do crime de lavagem de capital transpor fronteiras foi o que sempre gerou preocupação às autoridades, pois o delito se perpetua de país em país, e, para que o Brasil consiga uma investigação profunda e efetiva, bem como o combate às tais práticas, se faz necessário a cooperação internacional, na busca da origem ilícita dos bens e punição dos envolvidos.

Nessa linha de entendimento, nos ensina Moro: Isso levou à necessidade do incremento da cooperação jurídica internacional. Se o crime é transnacional, não haverá investigação e persecução eficaz restrita às fronteiras nacionais (MORO, 2010, p. 13).

Em consequência disso, pode-se vislumbrar a tarefa árdua em que os investigadores enfrentam na busca da definição de quais valores têm procedência criminosa ao passo que os lavadores são pessoas extremamente qualificadas, muitas vezes, são graduadas na área em que atuam, e, por consequência, sempre buscam formas de trabalhar adaptáveis às novas situações e na agilidade de buscar novas maneiras efetivas de negócio e com requintes de sofisticação.

Callegari e Weber acrescentam que o grande problema que a justiça enfrenta atualmente, é que as organizações criminosas agem de forma mais rápida do que as autoridades, em razão da própria sistemática organizada da criminalidade e que muitas possuem aparatos mais avançados que a justiça, pois essas organizações dispõem de grandes recursos financeiros para tal, gerando a dificuldade no controle e na constatação dessas operações (CALLEGARI, WEBER, 2017, p.18).

Para Bottini e Badaró (2017), não se faz necessário que o ciclo da lavagem de dinheiro se complete, bastando que a consumação da primeira etapa - a ocultação dos bens. Não fazendo distinção quanto ao estágio em que o crime foi descoberto. O autor acrescenta que ainda que o delito esteja consumado na sua primeira fase, deve existir o elemento subjetivo da vontade de lavar dinheiro, ou seja, o desejo de completar o ciclo da lavagem de capitais (BOTTINI, 2017, p.33).

Sobre a autora
Brígida Riccetto

Advogada OAB/SP 448.499 Pós-Graduanda em Direito Empresarial FGV/SP Membro da Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados -ANPPD® Atuante em direito contratual, compliance e empresarial.

Informações sobre o texto

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