Um dos princípios essenciais em processos regulados pela Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (11.101/2005) é o da preservação da empresa. A possibilidade da suspensão das ações executivas contra a recuperanda durante determinado período, por exemplo, é manifestação prática desse valor fundamental. Ocorre que, por estar enfrentando crise financeira, a empresa em recuperação judicial costuma encontrar grande dificuldade para obter fornecimento e crédito no mercado. Por óbvio, a ausência de mercadorias e valores que possibilitem a manutenção das atividades torna inviável a recuperação da mesma e, portanto, pode culminar com a decretação da falência.
No intuito de interromper o ciclo vicioso narrado acima, em que a empresa em recuperação tem alto risco de falir e, portanto, não conseguir pagar seus credores, foi sancionada a Lei 14.112/2020, que garantiu aos credores colaboradores tratamento diferenciado dos demais nas recuperações judiciais. Essa norma permite que credores que, embora tenham crédito com natureza igual aos demais, possam receber seu crédito de maneira diversa dos demais da mesma classe, sem que isso implique em hipótese de tratamento privilegiado.
O entendimento do legislador, tribunais e doutrina é de que o credor colaborador é estratégico na medida em que assume um risco diferente dos demais ao continuar fornecendo crédito ou mercadorias à empresa em recuperação judicial.(1) As condições para a disponibilização dessa modalidade são o fornecimento ser necessário para a manutenção da empresa e, ainda, que o tratamento oferecido deve ser adequado à relação comercial que será desenvolvida.(2) Além disso, na prática, nos Planos de Recuperação Judicial, observa-se que a recuperanda costuma exigir, dentre outras condições, que o credor ofereça prazo para os pagamentos
Os benefícios ao credor que se enquadre na condição de colaborador são substanciais. Em processos de recuperação judicial, é comum que se aprovem Planos em que, por exemplo, os créditos de natureza quirografária sofram deságios superiores a 70%, com carências de 24 meses ou mais e parcelamentos em vários anos. Nesses casos, por outro lado, é comum que credores colaboradores não tenham deságios em seus créditos, além de receberem com carências reduzidas e de acordo com percentuais em cada novo fornecimento realizado para a empresa em recuperação judicial. Em um caso hipotético, o credor que tem crédito listado no importe de R$ 10.000,00, ao se enquadrar como colaborador, pode receber 5% a mais em cada nova venda, até a liquidação do crédito principal.
Por fim, além das condições privilegiadas de recebimento do crédito listado em seu favor na recuperação judicial, o credor colaborador possui outra grande vantagem. Nos termos do que dispõe o Art. 67 da Lei 11.101/2005, os créditos constituídos durante a recuperação judicial serão considerados extraconcursais. Ou seja, caso a recuperação judicial seja convertida em falência, os créditos decorrentes do fornecimento realizado durante a recuperação serão pagos com precedência sobre todos os demais concursais (inclusive trabalhistas). Assim, embora apresente riscos, o enquadramento como credor colaborador, a depender das condições do Plano de Recuperação Judicial, pode ser um ótimo negócio, uma vez que estabelece um ciclo virtuoso entre os credores e a recuperanda.
1. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.932.898-SP (2021/0110226-2). Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1239495678/recurso-especial-resp-1932898-sp-2021-0110226-2/decisao-monocratica-1239495688 Acesso em: 28/6/2022.
2. COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. São Paulo: Thomson Reuters Brasil Conteúdo e Tecnologia Ltda Revista dos Tribunais, 2021.