Resumo: O presente texto tem por objetivo precípuo analisar sem pretensão exauriente as repercussões da Lei nº 14.531, de 10 de janeiro de 2023, que vetou o inciso III, art. 42-B, que visava assegurar a garantia do exercício do direito de opinião, da liberdade de expressão e de escalas de trabalho aos profissionais de segurança pública e defesa social que contemplem o exercício do direito de voto, à luz da Constituição Federal.
Palavras-chave: Liberdade; pública; direito; garantia; policiais; manifestações; limitações; ilegalidade.
Quando se comenta acerca das funções essenciais de estado, a Segurança Pública é sempre lembrada. Segundo clara dicção do artigo 144, CF/88, a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
E tanto isso é verdade, que a Lei 13.675, de 11 de junho de 2018, disciplinou a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, nos termos do § 7º do art. 144 da Constituição Federal, criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) e instituiu o Sistema Único de Segurança Pública, além de alterar outras leis importantes que tratam da Segurança Pública.
Nesse sentido, foi publicada nesta terça-feira, dia 11 de janeiro de 2023, a Lei 14.531, de 10 de janeiro de 2023 que modificou as leis que tratam da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio.
Especificamente, sobre o ensaio em testilha, o então projeto de lei previu a inserção no inciso III, do artigo 42-B, da Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018, in verbis:
III - garantia do exercício do direito de opinião, da liberdade de expressão e de escalas de trabalho aos profissionais de segurança pública e defesa social que contemplem o exercício do direito de voto, à luz da Constituição Federal;
Acontece que esse inciso foi vetado pelo Presidente da República, que apresentou as seguintes razões para o veto:
A proposição legislativa dispõe que os mecanismos de proteção de que trata o § 1º do art. 42 da Lei nº 13.675, de 2018, quanto à proteção, à promoção e à defesa dos direitos humanos dos profissionais de segurança pública e defesa social observarão a garantia do exercício do direito de opinião, da liberdade de expressão e de escalas de trabalho aos profissionais de segurança pública e defesa social que contemplem o exercício do direito de voto, à luz da Constituição Federal
Entretanto, em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, uma vez que o art. 144 da Constituição prevê como integrantes da segurança pública, dentre outros, as polícias militares e os corpos de bombeiros militares, os quais, nos termos do art. 42 da Constituição, são militares estaduais e estão constitucionalmente subordinados aos princípios da hierarquia e da disciplina.
Da mesma forma, a Lei nº 4.878, de 3 de dezembro de 1965, estatuto que disciplina o regime jurídico dos policiais civis da União e do Distrito Federal, nos quais se incluem os policiais federais, também prevê que a função policial é fundada na hierarquia e disciplina.
Como decorrência destes princípios, a título de exemplo, tem-se a vedação constante do art. 43, inciso III, da Lei nº 4.878, de 3 de dezembro de 1965, que veda ao policial a promoção de manifestação contra atos da administração.
Além deste dispositivo, o art. 45 da Lei nº 7.289, de 18 de dezembro de 1984, o Estatuto dos Policiais-Militares da Polícia Militar do Distrito Federal, também veda as manifestações coletivas por parte dos Policiais Militares, dispositivo replicado nos estatutos policiais de diversos entes federativos.
Assim, ao garantir o exercício do direito de opinião e a liberdade de expressão de forma irrestrita aos profissionais da segurança pública, a proposição legislativa apresenta conteúdo impreciso, em confronto com o arcabouço normativo traçado para as categorias acima identificadas, fato capaz de ensejar múltiplas interpretações ou contradições, e promover insegurança jurídica.
O espírito da lei em introduzir a liberdade de expressão para os policiais, teve por fim a proteção, à promoção e à defesa dos direitos humanos dos profissionais de segurança pública e defesa social, criando diretrizes direcionadas à prevenção da violência autoprovocada e do suicídio.
REFLEXÕES FINAIS
Ao vetar esse trecho que garantia o exercício do direito de opinião, da liberdade de expressão e de escalas de trabalho aos profissionais de segurança pública e defesa social, o Presidente da República justifica a boa intenção do legislador, mas afirma que a proposição legislativa contraria o interesse público, uma vez que o art. 144 da Constituição prevê como integrantes da segurança pública, dentre outros, as polícias militares e os corpos de bombeiros militares, os quais, nos termos do art. 42 da Constituição, são militares estaduais e estão constitucionalmente subordinados aos princípios da hierarquia e da disciplina.
Prosseguindo, justifica ainda que ao garantir o exercício do direito de opinião e a liberdade de expressão de forma irrestrita aos profissionais da segurança pública, a proposição legislativa apresenta conteúdo impreciso, em confronto com o arcabouço normativo traçado para as categorias acima identificadas, fato capaz de ensejar múltiplas interpretações ou contradições, e promover insegurança jurídica.
Respeita-se a decisão do veto, mas com ele não se pode concordar, considerando que a garantia do exercício do direito de opinião e da liberdade de expressão são direitos fundamentais previstos no rol do artigo 5º da Carta Magna, em especial, o inciso IV, que garante a liberdade da manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.
E mais que isso; o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica, para promoção dos direitos humanos, por meio do Decreto nº 678, de 1992, sendo certo que o seu artigo 13 prevê que textualmente a liberdade de pensamento e de expressão, assegurando que toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.
A meu sentir, limitar a garantia do exercício do direito de opinião, da liberdade de expressão e de escalas de trabalho aos profissionais de segurança pública e defesa social, sobretudo, a quem possui limitação na qualidade de vida, e a quem tem ideação de violência autoprovocada, é um risco iminente para categoria que tanto necessita de apoio para a sua saúde psicológica.
Assim, a título hipotético, a Carta Magna assegura em seu artigo 37, inciso X, a remuneração dos servidores públicos e assegura a revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices. É claro que se o governo não cumpre a sua obrigação constitucional, neste caso, o servidor policial estaria proibido de exercer o seu direito de livre expressão? Não poderia livremente se manifestar, não poderia emitir opinião?
A meu aviso, proibir o exercício desse sagrado direito fundamental, essa garantia de viés de direitos humanos, é simplesmente caminhar na contramão dos tempos.
O policial, qualquer que seja a sua qualificação, civil ou militar, é antes de tudo um cidadão; irradiador dos ideais da cidadania, fruto da sociedade, que nasce e se desenvolve no meio social, que tem sentimentos, que se relaciona em sociedade; que frequenta locais públicos, deve ser espelho social; possui traços de humanismo, e como tal, possui família, detentor de sentimentos e emoções, deve ser diferente no exercício de suas funções, profissional dotado de equilíbrio, de inteligência emocional, conhecedor dos direitos e garantias fundamentais, não pode se apresentar com rótulos ideológicos, homem da justiça, da imparcialidade, equânime, deve garantir direitos difusos em sua transversalidade, agente garantista, democrata por convicção, homem de fortalecimento do Estado, braço direito da Justiça, zelador dos princípios e valores sociais. Com todo esse portfólio de atribuições, deve o Policial receber atendimento com absoluta primazia e integral proteção em seus direitos. Desrespeitar seus direitos é ato de brutalidade e irresponsabilidade.
Portanto, o policial, além de ser sujeito de direitos, deve ser o instrumento propulsor da paz, usuário da força legítima, sem truculência, semeador da harmonia, uma espécie de super-homem responsável por assegurar os direitos de toda a sociedade. Assim, é preciso antes de tudo, que o Policial possa receber o necessário amparo do Estado, para que possa desenvolver com proatividade as suas funções de guardião da sociedade, defender o povo mesmo com o sacrifício da própria vida.
O policial, como instrumento da paz, aparato estatal e ferramenta de cumprimento do pacto social, é imprescindível ator posto a serviço da cidadania, indispensável para a manutenção das diversas culturas urbanas, complexas e de interesses conflitantes, tão importante para a sociedade, que se apresenta como de vital importância para o povo como oxigênio para a vida.
Por fim, importante salvaguardar os princípios informadores da política nacional de Segurança Pública, com ênfase, no respeito ao ordenamento jurídico e aos direitos e garantias individuais e coletivos, proteção, valorização e reconhecimento dos profissionais de segurança pública, proteção dos direitos humanos, respeito aos direitos fundamentais e promoção da cidadania e da dignidade da pessoa humana, uso comedido e proporcional da força, proteção da vida, do patrimônio e do meio ambiente, além de tantos outros.