CAPÍTULO V
5.1NOTA INTRODUTÓRIA
Já se viu, linhas atrás, que cognição gerada pelo manejo da impugnação não é plena, posto que, a exemplo do que ocorre em relação aos embargos oponíveis à execução por título extrajudicial (art. 745 do CPC), o próprio texto legal (art. 475-L do CPC) limita as matérias passíveis de argüição pelo executado, cujo rol é taxativo, não admitindo interpretação extensiva, ressaltando-se, porém, que, em sede de embargos à execução, o campo impugnativo é consideravelmente maior, bastando citar, à guisa de exemplo, a generalidade das matérias passíveis de subsunção no inc. V do art. 745 do CPC.
Tal distinção é perfeitamente aceitável na medida em que o título judicial é constituído em processo judicial conduzido sob o pálio do contraditório, enquanto o título extrajudicial se forma independentemente de qualquer controle judicial a priori, daí porque o próprio texto legal, ao limitar as matérias passíveis de argüição pelo executado, circunscreveu aquelas oponíveis aos títulos executivos judiciais a um espectro por demais restrito, compatível com a origem do título.
A limitação parece ser, a primeira vista, apenas formal; no entanto, pode-se afirmar que há uma limitação à cognição em razão de aspecto temporal. Exceção feita ao inciso I (falta ou nulidade de citação), somente podem ser alegadas em sede de impugnação ao cumprimento de sentença matérias supervenientes à formação do título executivo judicial. Esta imposição limita o rol de matérias que podem ser suscitadas pelo executado, possibilitando a rápida solução da impugnação.
De outra senda, infere-se que a limitação à cognição ocorre no plano horizontal, relativamente às matérias que podem ser alegadas pelo executado impugnante e não no plano vertical, que diz respeito à profundidade no conhecimento das matérias submetidas a apreciação judicial. Tanto isso é verdadeiro que a decisão de mérito proferida nos autos da impugnação tem aptidão de se tornar definitiva e coberta pela garantia da coisa julgada material, a depender de sua natureza.
Destarte, de acordo com a dicção literal do art. 475-L do CPC, ao executado é lícito deduzir, em sede de impugnação, uma ou mais das seguintes matérias:
5.2FALTA OU NULIDADE DE CITAÇÃO NÃO SUPRIDAS: ACTIO QUERELA NULLITATIS
A primeira matéria passível de alegação pelo executado impugnante é a falta ou nulidade de citação mas desde que o processo tenha corrido à sua revelia, isto porque o comparecimento espontâneo do réu supre eventual falta ou irregularidade daquela (art. 214, § 1º, do CPC).
É bastante raro, ao estudioso da ciência processual, deparar-se com alguma questão jurídica em torno da qual não exista certa controvérsia doutrinária e jurisprudencial, num pormenor que seja. E a qualificação da citação como pressuposto de existência, eficácia ou validade da relação jurídico-processual não foge à regra geral, suscitando polêmicas digressões teóricas.
De fato, enquanto para uns doutrinadores a citação encerraria pressuposto processual de existência, para outros comentaristas ter-se-ia pressuposto de validade da relação jurídica processual e, por conseguinte, da própria sentença. Nery Jr. e Nery (2002: 553) sustentam posição intermediária, distinguindo a falta da irregularidade da citação: enquanto a primeira (citação) se qualifica como pressuposto de existência, a segunda (citação regular) se reputa como pressuposto de validade da relação jurídico-processual, asseverando:
"2. Pressuposto processual de existência. Muito embora com o despacho da petição inicial há exista relação angular entre autor e juiz, para que seja instaurada, de forma completa, a relação jurídica processual é necessária a realização da citação. Portanto, a citação é pressuposto de existência da relação processual, assim considerada em sua totalidade (autor, réu, juiz). Sem citação não existe processual (Liebman, Est., 179). Em suma, pressuposto de existência da relação processual: citação.
3. Pressuposto processual de validade. Uma vez realizada, o sistema exige que a citação tenha sido feita validamente. Assim, a citação válida é pressuposto de validade da relação processual. Em suma: a realização da citação é pressuposto de existência e a citação válida é pressuposto de regularidade da relação processual. Em suma, pressuposto de validade da relação processual: citação válida."
Araken de Assis (in DIDIER JR, 2004: 45) diverge da posição retro citada, sustentando que a citação constituiria condição de eficácia da sentença, enquanto a citação regular seria requisito de validade, deslocando o enfoque da questão do plano da existência para os da eficácia e validade, conforme se infere dos seguintes trechos:
"Na verdade, sem a exata distinção dos planos da inexistência, da invalidade e da ineficácia, jamais se chegará a soluções convincentes nesta matéria. Partindo deste princípio, nenhum reparo suscita a idéia de que o provimento inexistente ou ineficaz não vincula as partes: quer dizer, ele não produz a eficácia da coisa julgada e, portanto, o emprego da rescisória para combatê-lo é rebarbativo e desnecessário.... O único cuidado, aqui, residirá na evolução cuidadosa das hipóteses de inexistência e, a fortiori, de ineficácia. Os equívocos se mostram freqüentes e turvam a clareza do assunto. Por exemplo, Liebman estima que a sentença proferida no processo em que se deixou de citar o réu é ato inexistente. No entanto, o caso mostra-se de ineficácia, se inexistiu citação, porquanto nenhum efeito produzirá o processo perante a parte legítima que sequer foi chamada a juízo, a exemplo do que acontece com a preterição de litisconsorte necessário; e de nulidade, ocorrendo vício no ato de chamamento ao processo, que compromete todos os atos subseqüentes e, principalmente, a sentença. É o ponto de vista de Amílcar de Castro e de Pontes de Miranda, escrevendo o último, no tocante ao art. 471, I: ‘a sentença favorável’ – dos embargos – ‘com força mandamental é declarativa da ineficácia da sentença exeqüenda, por não ter sido feita a citação, ou ter sido nula, o que supõe declaração e ineficácia da própria citação (foi, porém, não vale, nem teve efeitos)’".
Daí que, enquanto para alguns processualistas a ausência de citação ou sua realização irregular acarretaria a inexistência da relação jurídico-processual e, por conseguinte, da própria sentença prolatada no processo – no primeiro caso – ou sua nulidade, no segundo, para outros a questão estaria situada nos planos da eficácia e da validade dos atos processuais, sendo ineficaz a sentença cuja citação inexistiu e nula (ou inválida) aquela sentença cujo ato citatório se realizou, porém de forma irregular.
A diferença entre as duas categorias reside, portanto, no grau de intensidade do vício que acoima o ato decisório. A sentença proferida em processo cuja higidez da relação jurídica restara comprometida pela citação irregular seria inválida, sujeitando-se aos requisitos da ação rescisória para sua desconstituição, enquanto para aquela proferida em processo no qual inexistiu a citação seria ineficaz dispensando, por conseguinte, o uso de qualquer ação de caráter rescisório, posto envolver defeito transcendente à coisa julgada e à própria ação rescisória, por isso classificado como "vício transrescisório", segundo a categoria ordenada por Tesheiner (1999: 139) em três classes distintas: (a) inexistência da sentença quando proferida por órgão desprovido de jurisdição; (b) nulidade da sentença por impossibilidade do objeto e (c) ineficácia da sentença contra réu aparente ou que não foi citado, casos em que a decisão seria simplesmente desconsiderada pela parte.
No campo do processo executivo em específico, a discussão não se situa no plano da existência mas no da validade do título executivo produzido por meio de processo cognitivo anterior em que a citação não se operou ou não se observaram os requisitos exigidos pela lei processual. A problemática central reside na circunstância da sentença que se executa ter sido proferida sem a observância do contraditório, garantia indispensável para a legitimação dos provimentos jurisdicionais. O contraditório funda-se no binômio informação-reação. A informação deve estar sempre presente; a reação é eventual.
Todavia, este grave vício não impede que a sentença tenha existência e venha a produzir efeitos no mundo dos fatos, com a penhora e a alienação de bens no processo executivo, cabendo ao executado argüi-la por meio da impugnação ou, se o preferir, pela objeção de executividade, cuja utilização, conforme se verá mais adiante, subsiste no novo cumprimento de sentença. A decisão que acolher a impugnação com esse fundamento terá nítido caráter rescisório do julgado, porquanto detentora de eficácia constitutiva negativa.
Em função da gravidade do vício, que transcende à coisa julgada e à própria ação rescisória, todo e qualquer processo é adequado para comprová-lo. A citação é um dos atos de maior importância no processo civil porque, por meio dele, uma pessoa ou entidade legitimada por lei adquire a condição de parte no processo, sujeitando-se aos efeitos da tutela jurisdicional do Estado. Daí que a participação no processo é requisito inarredável para a própria legitimação do provimento que se executa, razão porque, se a nulidade ipso iure já não puder ser alegada por meio da impugnação, subsistirá a possibilidade de ser promover demanda com fundamento na querela nullitatis insanabilis, de caráter perpétuo, não limitada pelo biênio da ação rescisória posto envolver, como se assinalou precedentemente, vício de caráter transrescisório.
E, conquanto se registrem opiniões divergentes no plano doutrinário, prevalece o entendimento de que a actio querela nullitatis – expressão latina que significa ação de nulidade do litígio – é o remédio voltado para a impugnação de erros graves cometidos no âmbito da jurisdição. Pode ser alegável contra vícios que não se sanam com a preclusão temporal e sobrevivam à formação da coisa julgada, consoante precedentes do STJ e do STF:
"I. A tese da querela nullitatis persiste no direito positivo brasileiro, o que implica em dizer que a nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, eis que, sem a citação, o processo, vale falar, a relação processual, não se constitui, nem validamente se desenvolve. Nem, por outro lado, a sentença transita em julgado podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução, se for o caso. II. Recurso não conhecido" (STJ - REsp. 12586-SP, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 4.11.91).
"Ação declaratória de nulidade de sentença por ser nula a citação do réu na ação em que ela foi proferida.
1. Para a hipótese prevista no art. 741, I, do atual CPC, que é a falta ou nulidade da citação, havendo revelia persiste, no direito positivo brasileiro – a querela nullitatis, o que implica dizer que a nulidade da sentença, nesse caso, pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da ação rescisória que, em rigor, não é cabível para esta hipótese.
2. Recurso extraordinário conhecido, negando-se-lhe, porém, provimento" (STF – Revista Trimestral de Jurisprudência, nº 107, p. 778).
Neste mesmo sentido, merece transcrição, por sua flagrante atualidade, decisão da 4ª Câmara Cível do extinto Tribunal de Alçada de São Paulo (TACivSP) que sobre o tema, com invulgar propriedade, assim assentou:
"Subsiste em nosso direito, como último resquício da querela nullitatis insanabilis, a ação declaratória da nulidade, quer mediante embargos à execução, quer por procedimento autônomo, de competência funcional do juízo do processo original. A sobrevivência, em nosso direito, da querela nullitatis, em sua formação primitiva, restritiva aos vícios da citação inicial, corresponde a uma tradição histórica, cujo acerto, na moderna conceituação da relação jurídica processual, adquire flagrante atualidade. Na evolução do direito luso-brasileiro, a querela nullitatis evoluiu até os contornos atuais da ação rescisória, que limitou a antiga prescrição trintenária para o lapso qüinqüenal de decadência. Todos os vícios processuais, inclusive os da sentença, uma vez transitada esta em julgado, passaram a ser relativos e, desde que cobertos pela res judicata, somente são apreciáveis em ação rescisória, específica à desconstituição do julgado. Um deles, porém, restou indene à transformação da querela nullitatis em ação rescisória: a falta de citação inicial, que permaneceu como nulidade ipso iure, com todo o vigor de sua conceituação absoluta de tornar insubsistente a própria sentença transitada em julgado. Se a nulidade ipso iure não puder ser alegada em embargos à execução, subsiste, ainda assim, a ação autônoma direta da querela nullitatis insanabillis, de caráter perpétuo, não prejudicada pelo qüinquenio da ação rescisória, porque o que nunca existiu não passa, com o tempo, a existir. Classifica-se como ordinária autônoma, de competência funcional do mesmo juízo do processo que lhe deu causa, ação de nulidade ipso iure de relação processual contenciosa...." (apud NEVES, 1999: 196-197).
Em resumo, na hipótese ventilada no inciso I do art. 475-L do CPC, deitando suas raízes na antiqüíssima porém sempre atual querela nullitatis insanabillis, dispensou-se tratamento jurídico ao título executivo judicial ineficaz por ausência de citação no processo em que se constituiu idêntico àquele título nulo (ou inválido) porque constituído em processo cuja citação não se operou validamente.
Em qualquer um dos casos poderá o executado obter, pela via impugnatória, pronunciamento jurisdicional declaratório da ineficácia ou nulidade do título executivo judicial e, por conseguinte, da relação jurídica executória, com natureza rescisória. E, não mais podendo fazer uso daquela, ser-lhe-á lícito obter idêntico efeitos por meio da objeção de executividade, por envolver matéria de ordem pública de tal envergadura que é insusceptível de convalidação.
Nada obsta que, na execução ou fora dela, o executado lance mão, a qualquer tempo, da actio querela nullitatis insanabillis, nos termos dos precedentes jurisprudenciais retro citados, visando à obtenção de provimento jurisdicional que o ponha a salvo de qualquer efeito da sentença judicial nula ou ineficaz.
5.3INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO
Além da falta ou nulidade da citação, o executado também poderá suscitar, pela via impugnativa, a inexigibilidade do título executivo judicial como causa de pedir, como se depreende do inciso II do art. 475-L do CPC, posto que a relação jurídica executória tem por pressuposto um título executivo líquido, certo e exigível (art. 475-J do CPC).
Destarte, a sentença judicial que não determina o valor devido é ilíquida e, por conseguinte, inidônea para fins de aparelhamento do cumprimento de sentença, enquanto não liquidada (art. 475-A do CPC). De semelhante modo, a sentença pendente de recurso de apelação dotado de efeito suspensivo, ainda que líquida e certa, é inexigível, posto que sua carga executória fica diferida no tempo por condição suspensiva.
Portanto, somente a partir do instante em que a obrigação se torna exigível estará o título hábil para deflagrar a etapa alusiva ao cumprimento da sentença. E o exeqüente tem o ônus de demonstrar como imperativo de seu interesse: (a) que se verificou a condição, ou ocorreu o termo (arts. 572, 614, III e 618, III, do CPC); ou (b) o adimplemento da contraprestação que lhe corresponde, ou que lhe assegura o cumprimento, no caso de não ser o devedor obrigado a satisfazer a sua obrigação, senão mediante contraprestação do credor, nos termos do que dispõe o art. 572 do CPC, in verbis:
"Art. 572. Quando o juiz decidir relação jurídica sujeita a condição ou termo, o credor não poderá executar a sentença sem provar que se realizou a condição ou que ocorreu o termo".
Comentando o dispositivo em referência, Nery Jr. e Nery (2002: 945-946) pontificam:
"1. Relação jurídica sujeita a condição. A regra dirige-se para a sentença condenatória que, em virtude da pendência de condição suspensiva, não produz todos os efeitos normais, não sendo certa a verificação de sua eficácia executiva. Caso se verifique a condição, a sentença pode aparelhar processo de execução. Caso esta não se verifique, ‘desvanece-se a expectativa do devedor. Radica-se inabalavelmente a posição do credor’ (Manuel A. D. de Andrade, Teoria Geral da relação jurídica, II, 181, 384).
2. Relação jurídica sujeita a termo. A existência de condenação judicial sujeita a termo impõe cláusula que respeita a exercitabilidade do direito do credor e exigibilidade da obrigação do devedor. É certo que a obrigação será exigível, mas está diferida a possibilidade de o credor exigir o pagamento e, portanto, de a execução ser iniciada (Manuel A. D. de Andrade, Teoria Geral da relação jurídica, II, 185, 391)".
Questão interessante diz respeito à execução das astreintes fixadas em decisões antecipatórias da tutela de mérito: seriam elas executáveis desde logo ou sua força executiva se subordinaria ao trânsito em julgado da sentença que vier a confirmá-las, por ocasião do julgamento do mérito da causa?
Tendo em vista o caráter provisório de tais deliberações judiciais, adota-se o entendimento de que a consolidação da multa se dá no instante em que tais decisões se tornam indiscutíveis dentro do processo em que aplicadas (art. 473 do CPC), mas sua força executiva fica na dependência do trânsito em julgado da sentença que vier a ratificá-la, quando do julgamento do mérito da causa. Do contrário, como se daria o ressarcimento ao executado, em vindo o juiz, na sentença de improcedência do pedido, revogar a tutela antecipada?
A matéria, contudo, não é pacífica, razão pela qual perfilha-se ao pensamento de Dinamarco (in NUNES, 2007), o qual sustenta a impossibilidade de execução das astreintes antes do trânsito em julgado da sentença de mérito:
"Cândido Dinamarco tem esse mesmo entendimento. No caso de fixação da multa cominatória em antecipação de tutela, diz ele: ‘Enquanto houver incertezas quanto à palavra final do Poder Judiciário sobre a obrigação principal, a própria antecipação poderá ser revogada e, com ela, as astreintes’. Ou, em outros termos, e corroborando com o que expõe o Professor Dinamarco, como a multa é fixada para garantir o cumprimento da liminar, enquanto não decidida definitivamente a ação principal em que se a confirme, ela não pode ser exigida. Dinamarco sustenta com razão que, por exemplo, ao se fixar multa cominatória na sentença, não seria legítimo cobrá-la do devedor, se ele, podendo recorrer contra sua fixação, o faz, no que tem a possibilidade de vencer a demanda. Por isso que ‘o valor das multas periódicas acumuladas ao longo do tempo só é exigível a partir do trânsito em julgado do preceito mandamental".
5.3.1Coisa julgada inconstitucional
Afora as hipóteses usuais de inexigibilidade do título executivo judicial até aqui analisadas, o § 1º do art. 475-L do CPC, reproduzindo quase que na íntegra a grande novidade introduzida no ordenamento jurídico pátrio pela Medida Provisória nº 2.180-35/01, que acrescentara um parágrafo único ao art. 741 do CPC, disciplinou a inexigibilidade do título executivo judicial calcado em "caso julgado" inconstitucional, dispondo, in literis:
"§ 1º Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal".
A temática da coisa julgada inconstitucional, inserida no plano normativa com a Medida Provisória nº 2.180-35/01, tem constituído terreno fértil para acaloradas controvérsias no campo doutrinário, com sensíveis reflexos na jurisprudência de nossas Cortes Judiciárias, propiciando uma revisitação do dogma da coisa julgada. Neste terreno movediço, em que a divergência é a tônica das discussões travadas, concomitantemente ao surgimento da inconstitucionalidade do caso julgado, despontou uma vertente doutrinária visando à premente necessidade de "relativização" da coisa julgada, quando em contraste os valores "justiça" e "segurança" jurídica.
A "teoria da relativização" da coisa julgada constitui tema umbilicalmente ligado à coisa julgada inconstitucional, embora não seja o ponto nodal sob análise; entretanto, pela relevância do tema, abre-se um parêntese para explicitar que tal teoria se alicerça em falsas premissas. A principal delas, repetida à exaustão por todos os seus adeptos, consiste na afirmação de que a coisa julgada teria caráter absoluto, algo intangível capaz de transformar o preto no branco, o quadrado no redondo.
A primeira vista, parece paradoxal que tal afirmação parta apenas dos partidários da teoria da relativização (NASCIMENTO, 2004: 17-23); considere-se, entretanto, que aqueles que assim agem não o fazem por mero acaso, senão com o propósito de justificar a relevância do tema a que se propõem.
Todavia, esta afirmação parece desconhecer a evolução do instituto através dos tempos e sua atual conformação legal. Se a coisa julgada já teve tal dimensão, a ninguém é dado desconhecer – muito menos usar como fundamento de tese jurídica - que hoje ela está totalmente superada, sendo impróprio qualificar-se de absoluta ou intangível a coisa julgada quando o próprio sistema normativo admite: (a) rescisão da sentença/acórdão já transitado(a) em julgado, via ação rescisória, nas várias hipóteses do art. 485 do CPC; (b) rescisão do caso julgado por ausência ou vício de citação (art. 475-L, inc. I, do CPC); (c) sua formação secundum evento probationis nas ações coletivas e nas investigatórias de paternidade e, por último, (d) declaração de inconstitucionalidade do "caso julgado", nas hipóteses do § 1º do art. 475-L, do CPC, ora sob análise.
No plano doutrinário, no que se refere à temática do acesso à justiça e da efetivação dos direitos, destacam-se os escritos do Prof. Luis Guilherme Marinoni. Seus artigos são um convite à reflexão sobre os novos desafios da ciência processual e suas futuras implicações. E ninguém menos do que este moderno processualista faz coro a juristas tradicionais nas duras críticas à "onda relativizante" da coisa julgada, expressando-se com invulgar propriedade:
"A coisa julgada sempre pôde ser relativizada nos casos expressos em lei, como, por exemplo, na hipótese de documento novo de que a parte não pôde fazer uso, mas que seja capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável (art. 485, VII, do CPC). Trata-se de hipótese em que se admite a realização da coisa julgada em virtude de certas circunstâncias, que não são relativas apenas a um direito em especial, mas sim a situações que podem marcar qualquer direito. Ou melhor, os casos de ação rescisória não abrem margem para a desconstituição da coisa julgada em razão da especial natureza de determinado direito, mas sim em virtude de motivos excepcionais capazes de macular a própria razão de ser da jurisdição".
Mais adiante, acrescenta: "Está claro que as teorias que vêm se disseminando sobre a relativização da coisa julgada não podem ser aceitas. As soluções apresentadas são por demais simplistas para merecerem guarida, principalmente no atual estágio de desenvolvimento da ciência do Direito e na absoluta ausência de uma fórmula racionalmente justificável que faça prevalecer, em todos os casos, determinada teoria da justiça.
Com um apelo quase que sensacionalista, pretende-se fazer crer que os juristas nunca se preocuparam com a justiça das decisões jurisdicionais, ao mesmo tempo em que se procura ocultar que o problema sempre foi alvo de reflexão.
A "tese da relativização" contrapõe a coisa julgada material ao valor justiça, mas surpreendentemente não diz o que entender por "justiça" e sequer busca amparo em uma das modernas contribuições da filosofia do direito sobre o tema. Aparentemente parte de uma noção de justiça como senso comum, capaz de ser descoberta por qualquer cidadão médio (l´uomo della strada), o que a torna imprestável ao seu propósito, por sofrer de evidente inconsistência, nos termos a que se refere Canaris (Claus Wilhelm-Canaris, Función, estructura e falsación de lãs teorias jurídicas, trad. Daniela Brückner e José Luis de Castro, Madrid: Civitas, 1995)".
Arrematando, assevera: "O problema da falta de justiça não aflige apenas o sistema jurídico. Outros sistemas sociais apresentam injustiças gritantes, mas é equivocado, em qualquer lugar, destruir alicerces quando não se pode propor uma base melhor ou mais sólida" (in DIDIER JR, 2004: 181-183).
Feitas essas breves digressões sobre a "relativização" da coisa julgada, passa-se a discorrer, doravante, sobre a questão da coisa julgada inconstitucional. De início, ressalte-se que a perfeita compreensão do assunto passa, necessariamente, pela consideração das circunstâncias factuais que redundaram na edição da Medida Provisória nº 2.180/01, concebida no Palácio do Planalto, com o propósito de salvaguardar as contas públicas dos efeitos financeiros decorrentes de decisões judiciais provenientes de demandas do funcionalismo público federal, dos aposentados e pensionistas da Previdência Social e dos contribuintes em geral, em razão da proliferação de ações judiciais decorrentes dos inúmeros planos econômicos malsucedidos.
No período que antecedeu a edição da MP 2.180/01, embora fosse comum o Governo Federal conseguir, junto ao STF, a declaração de inconstitucionalidade de determina lei, ou da interpretação que a certo ato normativo os juízes e tribunais pátrios estavam dando até então, nada podia fazer quanto às decisões já transitadas em julgado, resultando no comprometimento das contas públicas e, pior ainda, na criação de distorções entre funcionários públicos, aposentados e contribuintes situados em uma mesma posição jurídica.
Não sendo o caso de ação rescisória por não se enquadrar em qualquer uma das hipóteses previstas no art. 485 do CPC, aquelas sentenças fundadas em leis posteriormente declaradas inconstitucionais pelo STF, ou calcadas em interpretação ou aplicação de atos normativos declaradas incompatíveis com o texto constitucional pelo mesmo Tribunal, quando acobertadas pela imutabilidade da coisa julgada material, subsistiam infensas ao controle de constitucionalidade da Suprema Corte, à míngua de instrumento jurídico capaz de refrear os respectivos efeitos jurídicos.
Não se dispunha, no ordenamento jurídico nacional, até então, de um instrumento jurídico específico capaz de combater as inconstitucionalidades contidas em um "caso julgado", ficando a atividade jurisdicional do Estado, neste particular, infensa ao controle de constitucionalidade das leis e atos do Poder Público, posto que a tanto estavam sujeitas apenas as decisões judiciais ainda passíveis de revisão pela via extraordinária (art. 102, inc. III, da CF/88).
Em tal contexto, na doutrina pátria a teoria da coisa julgada inconstitucional desenvolveu-se sob o signo da conveniência e da necessidade justificando, no plano ético, a revisão de sentenças judiciais que, a despeito da imutabilidade decorrente da coisa julgada, confrontavam premissas constitucionais assim declaradas pela Suprema Corte, desenhando-se um cenário até então impensável para os processualistas mais conservadores.
Parte-se do pressuposto de que a coisa julgada é matéria de índole jurídico-processual; assim, inserida no ordenamento infraconstitucional, sua imutabilidade pode ser modulada pelo legislador ordinário para compatibilizá-la com os parâmetros constitucionais.
Assim, quando a CF/88 estabelece, em seu art. 5º, inc. XXXVI, que "a lei não prejudicará o ato perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada", contém uma mensagem de carga indicativa no sentido de que a lei, em sua expressão maior, não poderá, ao ingressar no mundo jurídico, produzir eficácia retroativa, de modo a causar qualquer diminuição nos limites da sentença transitada em julgado, não obstando, contudo, possa o legislador processual modular, para os casos futuros, a maior ou menor carga de imutabilidade da coisa julgada, conforme os critérios de conveniência e oportunidade que lhe pareçam corretos, situados no plano infraconstitucional, como de fato aconteceu com o advento da MP 2.180/01 que, destinando-se a regular situações futuras, é perfeitamente compatível com o dispositivo constitucional em referência, não obstante a manifesta restrição à imutabilidade da coisa julgada.
Este é o pensamento defendido por Lima (1997, p. 84-86) quando, buscando trazer a lume a exata dimensão da garantia contida no art. 5º, inc. XXXVI, da CF/88, afirma:
"Repetindo os textos anteriores, a atual Carta Magna, em seu art. 5º, inciso XXXVI, estabelece: a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. A inserção da regra dentro do art. 5º da Constituição, atinente aos direitos e garantias individuais, de certa forma explica a desmedida extensão que alguns, refletida ou irrefletidamente, teimam em emprestar ao instituto.
Consoante se observa da leitura do dispositivo, a regra nele insculpida se dirige ao legislador ordinário. Trata-se, pois, de sobre-direito, na medida em que disciplina a própria edição de outras regras jurídicas pelo legislador, ou seja, ao legislar é intertido ao Poder Legiferante ‘prejudicar ‘ a coisa julgada. É esta a única regra sobre coisa julgada que adquiriu foro constitucional. Tudo o mais no instituto é matéria objeto de legislação ordinária.
A interpretação do dispositivo constitucional não oferece dificuldades. Em princípio, utilizando-se o método gramatical de hermenêutica, poder-se-ia chegar a duas conclusões interpretativas absolutamente diferentes. A utilização dos demais métodos de hermenêutica, porém, deixa evidenciada a certeza do entendimento correto do dispositivo".
Mais adiante, conclui: "Consoante se observa, é perfeitamente constitucional a alteração do instituto da coisa julgada, ainda que a mudança implique restringir-lhe a aplicação, na criação de novos instrumentos de seu controle, ou até sua supressão, em alguns ou todos os casos.
... Como se vê, a proteção constitucional da coisa julgada é mais tímida do que se supõe, sendo perfeitamente compatível com a existência de restrições e de instrumentos de revisão e controle dos julgados. A proteção constitucional da coisa julgada não é mais do que uma das muitas faces do princípio da irretroatividade da lei".
Muito embora não se concorde com as afirmações do ilustre autor em sua inteireza, posto que a exclusão completa da coisa julgada retiraria a própria razão de ser da norma constitucional, esta sim, dotada de imutabilidade por encerrar cláusula pétrea (art. 60, § 4º, inc. IV, da CF/88), forçoso é reconhecer que os atos jurisdicionais, pelo só fato de gozarem da imutabilidade inerente à coisa julgada, não podem ficar imunes ao controle de constitucionalidade, já que se emolduram na mesma categoria dos atos emanados dos poderes Legislativo e Executivo, todos expressão da vontade soberana do Estado e, nem mesmo assim sujeitos ao controle jurisdicional de compatibilidade com o texto constitucional, tanto pela via concentrada, quanto pela difusa ou "incidenter tantum".
Neste nortear de idéias, parece suficiente considerar que os atos legislativos, administrativos e jurisdicionais têm o mesmo peso constitucional, de sorte que submissão dos atos emanados dos demais poderes e instituições ao crivo da Constituição não afasta, antes pelo contrário, justifica plenamente o exame da compatibilidade constitucional daqueles provenientes de qualquer um dos órgãos do Poder Judiciário, ainda que acobertados pela autoridade da coisa julgada.
Assim, coisa julgada permaneceria intocável, tanto quanto os atos executivos e legislativos se, na sua essência, não desbordar do vínculo de compatibilidade que se deve estabelecer entre ela e o texto magno, numa relação vinculativa que se possa revestir de eficácia e, assim, existir sem que contra a mesma se oponha qualquer mácula de validade. Esta conformação de constitucionalidade tem pertinência na medida em que não se pode descartar o controle de constitucionalidade do ato jurisdicional.
Araken de Assis (in DIDIER JR, 2004: 52-53) não discrepa deste entendimento, compartilhando do pensamento de que a coisa julgada se situa mesmo no plano infraconstitucional e, portanto, susceptível de maior ou menor força de imutabilidade, de acordo com as forças preponderantes do momento. Em seu autorizado artigo, assevera que:
"3.4 Constitucionalidade da regra. A primeira vista, o art. 741, parágrafo único, não ofende a Constituição.
Em primeiro lugar, cabendo à lei infraconstitucional estabelecer quando e em que hipóteses há coisa julgada, também poderá instituir seu desaparecimento perante eventos contemporâneos ou supervenientes à emissão do pronunciamento apto a gerá-la. Ademais, em que pese a suspeita de que a regra, haja vista sua bem documentada origem, ao fim e ao cabo favoreça apenas a Fazenda Pública, sua aplicação é neutra e indiferente à condição da parte. Ela também beneficia o adversário da Fazenda Pública.
Frisante exemplo de neutralidade da aplicação da regra se patenteia em julgado da 1ª Turma do STJ que, julgando ação rescisória, proposta por contribuinte vencido em demanda contra exigência tributária posteriormente declarada inconstitucional pelo STF, assentou o seguinte: ´A coisa julgada tributária não deve prevalecer para determinar que o contribuinte recolha tributo cuja exigência legal foi tida como inconstitucional pelo Supremo. O prevalecimento dessa decisão acarretará ofensa direta aos princípios da legalidade e da igualdade tributárias. Não é concebível se admitir um sistema tributário que obrigue um determinado contribuinte a pagar tributo cuja lei que o criou foi julgada definitivamente inconstitucional, quando os demais contribuintes a tanto não são exigidos, unicamente por força da coisa julgada´. Vencido o prazo da ação rescisória, no caso exposto, o contribuinte ficaria desamparado, porque vinculado à coisa julgada; agora, dispõe dos embargos (e de ação declarativa autônoma), graças à regra comentada".
Arrematando, conclui: "Sólidas razões excluem, portanto, ofensa ao princípio da igualdade (art. 5º, caput, da CF/88), decorrente do art. 741, parágrafo único".
Portanto, se o título judicial executivo se fundar em lei declarada inconstitucional pelo STF posteriormente ao trânsito em julgado da sentença, ou em interpretação de lei ou ato normativo tidas por incompatíveis com a CF/88 nas mesmas circunstâncias, ter-se-á a hipótese de inexigibilidade do título executivo judicial, possibilitando a extinção da execução com base no art. 475-L, inc. II, § 1º, do CPC.
Advirta-se, porém, que tais hipóteses de modo algum se confundem com a tese capitaneada por Delgado (in NASCIMENTO, 2004: 33-76), para quem o "caso julgado" seria inconstitucional sempre que fosse: (a) injusto; (b) contrário à moralidade; (c) à realidade dos fatos e (e) à Constituição, independentemente de qualquer pronunciamento prévio da Corte Constitucional do País, ficando a imutabilidade do "caso julgado" a depender, única e exclusivamente, da concepção subjetiva de cada um dos milhares de juízes e tribunais instituídos no País. A prevalecer tal corrente doutrinária, perceber-se sem maior esforço que seria o mesmo que se decretar a extinção da coisa julgada, deixando, por conseguinte, o cidadão à mercê das subjetividades inerentes à condição humana dos operadores do Direito, sempre volúvel ao sabor das necessidades e conveniências do momento, um desastre impensável para um regime no qual se pretenda garantir, aos seus cidadãos, um mínimo de estabilidade e segurança jurídica.
Com efeito, seguindo-se fielmente o raciocínio do Ministro Delegado, a qualquer juiz ou tribunal seria lícito concluir validamente, a qual tempo e sem os requisitos da rescisória, pela inexigibilidade de uma decisão anterior já transitada em julgado, mesmo que proveniente de tribunal superior, e até da Corte Suprema, caso a solução dada não correspondesse ao seu senso de "justiça", ou a um dos muitos critérios de conceitos abertos e indeterminados em que se fundamenta a teoria capitaneada pelo e. Min. Delgado.
Destarte, saltam aos olhos os inconvenientes que adviriam para o sistema jurídico nacional, acaso acolhida a teoria da coisa julgada inconstitucional com a amplitude ora retratada importando, sem meias palavras, no aniquilamento total e completo de qualquer noção de segurança e estabilidade das relações jurídicas intersubjetivas, essenciais à convivência social harmônica, como colocado, com invulgar propriedade, pelo Prof. Araken de Assis (in DIDIER JR, 2004: 38):
"Aberta a janela sob o pretexto de observar equivalentes princípios da Carta Política, comprometidos pela indiscutibilidade do provimento judicial, não se revela difícil prever que todas as portas se escancarão à iniciativa do vencido. O vírus do relativismo contaminará, fatalmente, todo o sistema judiciário. Nenhum veto, a priori, barrará o vencido de desafiar e afrontar o resultado precedente de qualquer processo, invocando hipotética ofendesse deste ou daquele valor da Constituição. A simples possibilidade de êxito do intento revisionista, sem as peias da rescisória, multiplicará os litígios nos quais o órgão judiciário de primeiro grau decidirá, preliminarmente, se obedece ou não ao pronunciamento transitado em julgado do seu Tribunal e até, conforme o caso, do Supremo Tribunal Federal. Tudo, naturalmente, justificado pelo respeito obsequioso à Constituição e baseado na volúvel livre convicção do magistrado inferior.
Por tal motivo, mostra-se flagrante o risco de se perder qualquer noção de segurança e hierarquia judiciária. Ademais, os litígios jamais acabarão, renovando-se a todo instante, sob o pretexto de ofensa a este ou àquele princípio constitucional. Para combater semelhante desserviço à Nação, urge a intervenção do legislador com o fito de estabelecer, previamente, as situações em que a eficácia da coisa julgada não opera na desejável e natural extensão e o remédio adequado para retratá-la, talvez nos termos já esboçados, no que tange às relações individuais homogêneas – por exemplo, a uniformidade de tratamento de determinada classe de funcionários públicos... ".
Ovídio Batista comunga do mesmo entendimento de Araken de Assis. Em artigo marcado por denso viés filosófico (in DIDIER JR, 2004: 213-228), o professor analisa criticamente o que denomina de "modernismo autofágico", ou "modernidade líquida", que se satisfaz em tudo desfazer ou "desmanchar" o que fora novidade na véspera, sem que nada de permanente seja construído, o que, no seu entender, justifica o declínio da coisa julgada, tida como "sagrada" no período que denomina de "primeira modernidade", posto supor que se esteja vivendo a fase terminal do ciclo histórico que, suplantando a Idade Média, deu nascimento à modernidade.
De seu abalizado artigo, destacam-se as seguintes assertivas:
"7. Suponho desnecessário sustentar que a "injustiça da sentença" nunca foi e, a meu ver, jamais poderá ser fundamento para afastar o império da coisa julgada. De todos os argumentos concebidos pela doutrina através dos séculos, para sustentar a necessidade de que os litígios não se eternizem, parece-me que o mais consistente reside, justamente, na eventualidade de que a própria sentença que houver reformado a anterior, sob o pressuposto de conter injustiça, venha a ser mais uma vez questionada como injusta; e assim ad aeternum, sabido, como é, que a justiça, não sendo um valor absoluto, pode variar, não apenas no tempo, mas entre pessoas ligadas a diferentes crenças políticas, morais e religiosas, numa sociedade democrática que se vangloria de ser tolerante e "pluralista" quanto a valores.
Para resumir: entendo que a asserção feita pelo Ministro DELGADO de que os efeitos da coisa julgada ‘devem prestar homenagem absoluta aos princípios da moralidade, da razoabilidade, da proporcionalidade e do justo’ (ob. cit., p. 17) exerce, inevitavelmente, um efeito exterminador da coisa julgada! Além disso, o que seria uma ‘grave’ injustiça, capaz de autorizar que a coisa julgada não fosse observada? Embora o ilustre magistrado, ao que me é dado compreender, preconize a eliminação da coisa julgada em casos excepcionais, a verdade é que, aceitando suas premissas, parece-me que nada mais restará ao instituto. Afinal, que sentença não poderia ser acusada de injusta’; e qual injustiça não poderia ser tida como ‘grave’ ou ‘séria’? E como seria possível atribuir a uma sentença a qualificadora de ‘absurdamente lesiva’ ao Estado, como sugere DINAMARCO?
Mais adiante, obtempera: "Que tribunal teria o poder de reconhecer essa injustiça, com força para impedir que outro tribunal, em julgamento subseqüente – liberto da contingência da coisa julgada -, viesse a dizer, ao contrário do que dissera o segundo julgamento, que não houvera qualquer injustiça no segundo julgamento; e muito menos uma ‘grave’ injustiça?"
Felizmente que a tese encabeçada pelo Ministro José Delegado não teve, no plano jurisprudencial, a mesma recepção entusiástica que lhe dispensou parte da doutrina pátria, não se registrando a consagração da referida tese em nenhum dos segmentos do Poder Judiciário nacional.
Em execução de sentença proferida contra a fazenda pública, enfrentou-se o tema em destaque, ainda sob a vigência da MP 2.180/01, que acrescentara o parágrafo único ao artigo 741 do CPC. O Município de Mamanguape/PB fora condenado, em 1º grau de jurisdição, a reintegrar vários funcionários públicos, cujo concurso havia sido anulado por mera portaria do novo Prefeito. Confirmada a sentença em acórdão do e. TJ/PB, retornaram os autos a juízo de origem para execução do v. acórdão, oportunidade em que o Município embargou a execução, suscitando a inexigibilidade do título (art. 741, parágrafo único, do CPC), sob a alegação de que a decisão exeqüenda, estava calcada em interpretação tida por incompatível com os arts. 71, inciso III, e 75, da Constituição Federal.
Na época (abril de 2004), o parágrafo único do art. 741 do CPC, com a redação dada pela MP 2.180/01, era omisso sobre a necessidade de prévia manifestação do STF nos casos de interpretação ou aplicação tidas por constitucionais e Teodoro Jr. e Faria (in NASCIMENTO, 2004: 110-113) afirmavam categoricamente a desnecessidade de prévio pronunciamento da Suprema Corte para que o juiz pudesse conhecer da matéria em questão.
Todavia, interpretando a regra à luz da lógica orgânica do sistema jurídico nacional, assentou-se que o exame daquela alegação sem prévio pronunciamento da Corte Suprema implicava na revisão, por via oblíqua, do julgado da instância superior por um juiz de alçada inferior, subvertendo todo o sistema jurisdicional traçado pelo texto constitucional, assentando-se naquela oportunidade:
"Existe, portanto, óbice legal intransponível no sentido de que este Juízo venha a se pronunciar, novamente, sobre as questões já decididas, (...)".
"Do contrário, estar-se-ia subvertendo toda a lógica do ordenamento jurídico nacional, possibilitando a que o juiz de instância inferior, por via oblíqua, reexaminasse a decisão proferida em grau de recurso, com ampla possibilidade de modificação do que ali restou decidido" (Proc. 023.2004.000.307-3 – 1ª Vara – Juiz Manuel Maria Antunes de Melo: Prefeitura Municipal de Mamanguape versus Arnaldo de Oliveira Santos e outros, j. 30.04.2004).
Suplantando tal divergência, a redação do § 1º do art. 475-L do CPC dispôs expressamente sobre a necessidade de prévio pronunciamento da Corte Suprema em hipóteses tais, evidenciando mais uma vez os perigos e as inconveniências das interpretações puramente literais dos textos legais, dissociadas da lógica orgânica do sistema jurídico no qual estão inseridas.
No plano normativo, o legislador ordinário vem disciplinando a matéria sob um enfoque diverso daquele registrado no campo doutrinário.
Com efeito, ponderando os interesses em jogo – justiça versus segurança e estabilidade jurídica, o legislador tem demonstrando extrema sensibilidade, tratando com notável coerência lógico-jurídica a superação da coisa julgada em hipóteses excepcionais, tais como naquelas retratadas no § 1º do art. 475-L do CPC em comento, semelhante ao regramento legal da coisa julgada nas ações coletivas (art. 103, incisos I e II, do Código de Defesa do Consumidor (CDC)) e ao trato jurisprudencial do instituto no pertinente às ações investigatórias de paternidade/maternidade, se bem que, nesses dois casos, a solução jurídica se dá sujeitando-se à própria formação da coisa julgada ao resultado da prova, ou seja, secundum eventum probationis.
Em suma, para que o executado possa aduzir, em sede impugnativa, a inexigibilidade do título executivo judicial com fundamento na coisa julgada reputada inconstitucional, faz-se mister: (a) que a sentença (ou o acórdão) exeqüendo tenha por fundamento jurídico lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF ou (b) que a sentença (ou o acórdão) exeqüendo tenha por fundamento jurídico interpretação ou aplicação de lei ou ato normativo declaradas pelo STF como incompatíveis com o texto constitucional.
De proêmio percebe-se, portanto, um claro avanço em relação ao texto do parágrafo único do art. 741 do CPC anterior à reforma. Sua parte final explicita, agora, que alegação de inexigibilidade do título fundado em aplicação ou interpretação de lei ou ato normativo reputadas incompatíveis com o texto constitucional depende de prévio pronunciamento do STF sobre a matéria, suprindo a lacuna até então existente, como visto precedentemente.
Afastou-se, assim, a linha de entendimento no sentido de que a qualquer juiz era dado, no controle difuso de constitucionalidade, recusar execução à sentença (ou ao acórdão) que contrariasse preceito constitucional, reconhecendo a inexigibilidade do título executivo, independentemente de prévio pronunciamento do STF. Agora, portanto, o prévio pronunciamento do STF se impõe em quaisquer hipóteses.
Ressalte-se, porém, que a compatibilidade constitucional do título executivo não se realiza mediante o confronto direto da decisão judicial em face do texto constitucional, como decorre logicamente das hipóteses tratadas por Delgado. Na verdade, o que deve ser confrontado com o texto constitucional é a lei o ou ato normativo, ou a interpretação ou aplicação que a estes se atribui, e que vem a constituir o fundamento jurídico do título executivo judicial.
Logo, mostra-se inadequado confrontar a fundamentação do julgado com este ou aquele dispositivo constitucional. Pelo que se infere da interpretação teleológica do novo instituto, o que está em jogo é, em última análise, a compatibilidade constitucional do ato normativo ou da aplicação ou interpretação que lhe dá o órgão jurisdicional, e não do ato judicial em si mesmo.
De outra senda, resta saber se essa declaração de inconstitucionalidade, pelo STF, será tanto aquela emanada do controle concentrado, via ações diretas, quanto as resultantes do controle difuso, posto que estas últimas dependem de Resolução do Senado Federal, para suspensão da aplicação da lei com força erga omnes (art. 52, inc. X, da CF/88).
Levando-se em consideração a eficácia inter partes do controle difuso de constitucionalidade, parece-nos de todo inadequado se admitir, para os fins de impugnação previstos no já referido art. 475-L, § 1º do CPC, os pronunciamentos do STF proferidos na via incidental.
E a razão é muito simples. No complexo sistema de análise da compatibilidade das normas inferiores à Constituição, os juízes da Suprema Corte levam em consideração, no controle difuso, circunstâncias fáticas peculiares ao caso concreto submetido à apreciação do Poder Judiciário. Por corolário, falta a esta declaração de inconstitucionalidade o atributo da generalidade, essencial para que o pronunciamento sirva de fundamento ao reconhecimento de inconstitucionalidade de sentença proferida em ação judicial sujeita a outras variáveis, por óbvio impossível de consideração no julgamento de inconstitucionalidade pela via incidental.
Tanto isto é certo que, a rigor, nada impede que também no controle difuso, mas em outro processo, com outras partes e novo panorama probatório, venha a ser dada interpretação diversa aos elementos desse complexo jogo de adequação, o que fará com que, em contrariedade àquele precedente de outrora, a mesma norma jurídica venha a ser reconhecida e declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Portanto, é admissível que a impugnação se apóie, nos casos do § 1º do art. 475-L, do CPC, tanto nos pronunciamentos do STF derivados do controle concentrado de constitucionalidade, via ação direta, de eficácia erga omnes e de efeitos vinculantes aos demais órgãos do Poder Judiciário (art. 102, § 2º, da CF/88), quanto no controle difuso, realizado incidenter tantum, porém, neste último caso, quando e somente a partir de quando, a execução da lei for suspensa por resolução do Senado Federal, ainda que decorra de jurisprudência já consolidada na Suprema Corte, nos termos do que dispõe o art. 52, inc. X, da CF/88, posto que somente a partir daí os efeitos da declaração incidental se equiparam àqueles inerentes à via direta. Neste mesmo sentido, confira-se a sempre abalizada opinião de Araken de Assis (in DIDIER JR, 2004: 121), para quem:
"d – quando o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma pelo Supremo se der em via incidental, sua invocação em embargos (relativos a outros processo) em princípio dependerá da ‘suspensão da execução’ da lei pelo Senado Federal, e ficará subordinada aos limites temporais fixados nessa ‘suspensão’.
Em todos esses casos – ainda que em tese o pronunciamento do Supremo (ou a ‘suspensão’ pelo Senado) esteja abrangendo, do ponto de vista da eficácia temporal, o caso concreto – deverão ser ponderados os valores envolvidos pois excepcionalmente se conceberá, mesmo assim, a manutenção do título executivo (v. itens 2 e 12).
Por outro lado, como visto no item 5, a mera jurisprudência reiterada do Supremo a respeito da constitucionalidade ou inconstitucionalidade a de uma norma ou de uma interpretação constitucional não autoriza o manejo dos embargos ex art. 741, parágrafo único".
5.4PENHORA INCORRETA E AVALIAÇÃO ERRÔNEA
Não ocorrendo o pagamento voluntário da obrigação (art. 475-J, caput, do CPC) nem o depósito de valor para fins impugnatórios, segue-se a realização da penhora e avaliação de tantos bens do executado quantos necessários ao pagamento do débito, devendo aquela ser feita com estrita observância da gradação prevista no art. 655 do CPC, artigo este que também foi alvo de modificações pela Lei nº 11.382/06, dentre as quais a eleição, como regra, da constrição sobre dinheiro em espécie (inc. I).
Penhora incorreta é aquela que não observa a gradação legal (art. 655 do CPC), a que incide sobre bens absolutamente (art. 649 do CPC) ou relativamente (art. 650 do CPC) impenhoráveis, a que grava sobre bens de alto valor, havendo outros de menor valor, suficientes à garantia do juízo, etc.; a avaliação é errônea quando não estima corretamente o objeto avaliado, quando o faz em desacordo com o preço corrente no mercado, etc., rendendo ensejo à impugnação, de acordo com o art. 475-L, inc III, do CPC.
Ressalte-se que, em boa hora, a nova redação do art. 655 do CPC passou a subordinar a penhora sobre títulos da dívida pública e títulos e valores mobiliários à existência de cotação no mercado de valores, afastando a celeuma criada com as penhoras dos célebres títulos ou papéis "podres".
Dando seqüência às inovações, o legislador processual alçou ao plano normativo (art. 655-A do CPC) a denominada penhora on line, fruto de criação administrativa através de convênio celebrado entre os Tribunais Superiores e o Banco Central do Brasil, cognominado Bacenjud, através do qual tornou-se possível a efetivação de penhoras sobre ativos financeiros do executado por via on line.
Tal mecanismo, conhecido por penhora on line, vem contribuindo, como nenhum outro, para a solução de antigas e novas execuções, tanto por títulos judiciais quanto extrajudiciais, reduzindo drasticamente o tempo gasto entre o ingresso da petição executória e a entrega do dinheiro ao credor.
De outra senda, diferentemente do que acontecia no direito anterior, em que a avaliação constituía etapa subseqüente à penhora de bens (art. 680 do CPC), o legislador optou por unificar ambas as etapas, incumbindo ao oficial de justiça a sua realização concomitantemente (art. 475-J, § 1º, do CPC). Esta unificação transpôs, para o plano legislativo, procedimento que de há muito já se verificava no quotidiano forense, tanto que a Lei Complementar nº 25/96 - Lei de Organização Judiciária do Estado da Paraíba, atribuía aos oficiais de justiça, em seu art. 283, competência para: "j) proceder avaliação preliminar nas penhoras, arrestos e seqüestros que realizar".
As vantagens dessa unificação são inúmeras, sendo suficiente considerar que somente quando a valoração do bem depender de conhecimentos especializados é que o oficial de justiça não procederá à avaliação (art. 475-J, § 2º, do CPC), caso em que o juiz nomeará perito para tanto, fixando prazo para entrega do laudo.
Portanto, tratando-se de bens cuja avaliação não requeira conhecimentos especializados, a avaliação se procede no mesmo ato da penhora, ficando o exame pericial restrito à hipótese retro comentada.
Em qualquer um dos casos, contudo, é dado ao impugnante o direito de se insurgir contra a penhora e a avaliação, pela via impugnativa, arcando com os ônus financeiros de uma nova avaliação que, porventura, vier a ser determinada pelo juiz, por força do que dispõe o art. 33 do CPC.
Nesta hipótese, ressalte-se que o acolhimento da impugnação não enseja a extinção da execução, mas apenas o seu ajustamento, com a correção da penhora ou da avaliação naquilo que foi realizado em desacordo com os preceitos legais ou com o valor de mercado, conforme o caso.
Acrescente-se por último que, recaindo a penhora sobre bens de terceiro, ao executado falece legitimidade ad causam para oferecer impugnação, posto não lhe ser dado agir como substituto processual de eventual prejudicado pela constrição judicial, à míngua de previsão legal específica (art. 6º do CPC), facultando-se ao terceiro a via dos embargos de terceiro (art. 1.046 do CPC) para defesa dos direitos que lhe competirem.
5.5ILEGITIMIDADE DAS PARTES
No processo executivo a legitimidade das partes constituti pressuposto necessário para o desencadeamento válido e regular das medidas satisfativas predispostas no ordenamento jurídico em face do devedor inadimplente.
Têm legitimidade para promover a execução, as pessoas elencadas no art. 566, incisos I e II, do CPC: (a) o credor, a quem a lei confere titulo executivo e (b) o Ministério Público, nos casos prescritos em lei.
Também podem promover a execução, ou prosseguir na que já foi iniciada, as pessoas referidas no art. 567, incisos I a III, do CPC: (a) o espólio, os herdeiros ou os sucessores do credor no direito resultante do título executivo; (b) o cessionário por ato "inter vivos" e (c) o sub-rogado, nos casos de sub-rogação legal ou convencional.
De outra senda, a legitimidade para figurar no pólo passivo da execução judicial é, em regra, do vencido na etapa de conhecimento. Serão seus bens, naturalmente, presentes e futuros (art. 591 do CPC) que estarão sujeitos à expropriação judicial, para satisfação do direito obrigacional declarado no título executivo judicial.
Todavia, o CPC prevê outras pessoas que, embora não figurem primitivamente no título executivo, estão legitimadas a sofrer a execução, como o espólio, os herdeiros, aquele que assume a dívida, o fiador judicial, o responsável tributário (art. 568, incs. II a V, do CPC).
Não se trata, por pressuposto, de terceiros em relação à dívida, pois na verdade todos eles sucederam ao devedor originário, ou assumiram responsabilidade solidária pelo cumprimento da obrigação. São, portanto, partes legitimadas a figurarem no pólo passivo da execução, sem embargo de não ostentarem a condição de devedor no título executivo. Seus patrimônios serão alcançados pela execução dentro da mesma responsabilidade que toca ao devedor apontado como tal no título executivo.
De tal sorte, nos exemplos acima apontados não precisa qualificar-se como devedor para responder pela execução. Por esse motivo, a reforma substituiu a expressão "devedor" por "executado", emprestando maior apuro técnico ao texto normativo.
Em conseqüência das inúmeras possibilidades de alguém vir a compor o pólo ativo ou passivo da relação jurídica executiva, mesmo não figurando como credor ou devedor no título executivo, podem surgir casos de ilegitimidade de parte tanto no pólo ativo, quanto no pólo passivo da execução. A título de exemplo, citem-se: (a) a execução promovida contra o herdeiro, por dívida do autor da herança, antes de realizada a partilha (art. 1.997 do CCB); (b) a dívida cobrada do garante subsidiário, antes de executados todos os bens do afiançado (art. 827 do CCB); (c) o sócio executado por dívidas da sociedade empresarial, enquanto subsistente a personalização (art. 50 do CCB); (d), a execução proposta pelo terceiro não contemplado em qualquer uma das hipóteses do art. 567 do CPC, etc.
A ilegitimidade tanto pode ser da parte ativa quanto da passiva e decorre de não ser ela (parte) o vencedor ou vencido na ação de conhecimento, nem seu sucessor ou garante, podendo também ser ad causam ou ad processum, conforme diga respeito à titularidade da obrigação ou à capacidade para agir em juízo.
Em todos esses casos, ao executado é lícito argüir a ilegitimidade "ad causam" ou "ad processum", visando excluir sua responsabilidade na expropriação de bens tendente à satisfação do direito do credor.
5.6 EXCESSO DE EXECUÇÃO
Ao lado da ilegitimidade das partes, ao executado é licito lastrear sua impugnação na alegação de "excesso de execução" (art. 475-L, inc. II, do CPC).
De fato, em inovação merecedora de aplausos o legislador passou a condicionar essa alegação à indicação, pelo executado, do valor que reputar devido, não mais se admitindo a impugnação genérica em atenção ao princípio de que ao executado não é dado negar cumprimento à parte incontroversa da execução, dispondo, in verbis:
"§ 2º. Quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação".
Não atendido tal pressuposto, estar-se-á diante de hipótese de rejeição liminar da impugnação. Evidentemente que a rejeição da impugnação só terá lugar quando o excesso de execução for a única matéria argüida pelo executado, haja vista que, se concomitantemente ao excesso houver argüição de uma ou mais das matérias previstas no art. 475-L do CPC, apenas o exame do mérito daquela restará prejudicado, devendo a impugnação prosseguir para posterior exame do mérito destas.
Efeito lógico da impugnação, neste caso, será o da possibilidade de imediata liberação, em favor do exeqüente, da parte incontroversa da execução, nos termos dos arts. 708, inc. I, e 709, do CPC.
A matéria pertinente ao excesso de execução foi tratada mais amiúde no capítulo 4 - Hipóteses de Rejeição Liminar da Impugnação, título 4.6 supra, ao qual remete-se o leitor, para se evitar repetição desnecessária.
5.7QUALQUER CAUSA IMPEDITIVA, MODIFICATIVA OU EXTINTIVA DA OBRIGAÇÃO
De acordo com o inc. VI do art. 475-L do CPC, também é possível ao executado aduzir, na via impugnativa, qualquer causa impeditiva, modificativa ou extinta da obrigação, tais como pagamento, novação, compensação, transação e prescrição, mas desde que "supervenientes à sentença".
A enumeração aqui é meramente exemplificativa, sendo passíveis de alegação outras causas de impedimento, modificação ou extinção da obrigação, tais como a confusão, a dação em pagamento, a remissão de dívidas, etc.
Tratando-se de fato impeditivo, modificativo ou extintivo da obrigação exeqüenda, o ônus da prova é do impugnante, de acordo com a distribuição clássica do ônus da prova (art. 333, inc. II, do CPC); logo, o simples silêncio do exeqüente não importa, por si só, em acolhimento da impugnação, devendo a causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação se cumprida comprovada nos autos, à mercê do ônus probatório exclusivo do executado.
A sentença que acolher a alegação de desaparecimento ou impedimento da obrigação implica, necessariamente, na extinção da execução, sendo atacável por via de recurso apelatório; no entanto, a que acolher a alegação de mera modificação daquela enseja apenas a adequação da execução aos limites da obrigação modificada, recorrível mediante agravo de instrumento, nos termos do art. 475-M, § 3º, do CPC.