Introdução
O presente artigo tem por objetivo realizar uma análise dogmático-constitucional do tipo penal de maus-tratos a animais, disciplinado no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998), especialmente à luz das modificações introduzidas pela Lei nº 14.064, de 29 de setembro de 2020, e pela recente Lei nº 15.150, de 16 de junho de 2025. A investigação parte do reconhecimento inequívoco de que a proteção dos animais constitui um imperativo jurídico, ético e civilizatório, consagrado na própria Constituição da República (art. 225, §1º, VII).
Não se pretende, com isso, questionar a legitimidade da intervenção penal voltada à repressão de práticas que submetam animais à crueldade, tampouco negar a importância da tutela penal no contexto da proteção ambiental e do bem-estar animal. O que se busca, todavia, é evidenciar que tal proteção, para ser legítima no contexto de um Estado Democrático de Direito, deve necessariamente observar os limites impostos pelos princípios constitucionais que regem o exercício do jus puniendi, especialmente os princípios da legalidade penal estrita, da taxatividade e da segurança jurídica.
A análise aqui empreendida demonstra que, não obstante as duas alterações legislativas, o tipo penal de maus-tratos a animais permanece estruturalmente inconstitucional, na medida em que conserva elementos de elevada vagueza normativa, adota critérios seletivos e rompe com a coerência sistêmica exigida pelo ordenamento constitucional.
A hipótese central que orienta esta pesquisa é a de que, embora absolutamente necessária e juridicamente inafastável, a proteção penal dos animais não pode ser construída à margem dos princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito, nem por meio de tipos penais vagos, simbólicos ou seletivos. Ao contrário, essa proteção deve ser formulada de maneira dogmaticamente consistente e constitucionalmente aderente, seja mediante a adoção de uma norma penal em branco formalmente estruturada, com delegação expressa à autoridade administrativa competente, seja por meio de um tipo penal redigido com técnica adequada, que permita a utilização legítima da interpretação analógica, garantindo, assim, densidade normativa, segurança jurídica e fidelidade aos limites constitucionais da intervenção penal.
1. Evolução Legislativa da Proteção Penal dos Animais no Brasil
A proteção dos animais no ordenamento jurídico brasileiro possui trajetória que, embora recente no plano da efetiva tutela penal, já revela significativa evolução normativa e axiológica, especialmente a partir da incorporação do meio ambiente como bem jurídico de proteção constitucional.
Em sua redação original o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais tipificou, de maneira genérica, o crime de ato de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação de animais, sejam silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Trouxe ainda a previsão típica para aquele que “realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo”. À época, tratava-se de crime de menor potencial ofensivo, com pena máxima limitada a um ano de detenção, salvo na hipótese de morte do animal, circunstância em que a pena era aumentada de um sexto a um terço.
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Percebe-se que, em sua redação original, o tipo penal não trazia distinção entre espécies – exigindo apenas que fossem domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos -, assim como não especificava (como ainda não especifica) em que consistiriam as elementares “ato de abuso” e “maus-tratos”.
Entretanto, com o fortalecimento de grupos de proteção animal, sobretudo após a disseminação das redes sociais e eleições de políticos ligados à causa animal, houve um crescimento de pressão popular para o endurecimento da sanção penal aos crimes contra os animais, havendo campanha nacional no sentido de exigir a pena de “cadeia para maus tratos”.
O episódio que atuou como verdadeiro catalisador dessa transformação legislativa ocorreu em julho de 2020, na cidade de Confins (MG), quando o cão Sansão, da raça pitbull, foi brutalmente mutilado, tendo suas patas traseiras decepadas com uma foice. O fato causou comoção nacional, viralizando nas redes sociais e gerando intensa pressão social sobre o Poder Legislativo. A repercussão acelerou a tramitação de um projeto de lei que aumentava as penas para quem cometesse “maus-tratos” contra cães e gatos. O projeto foi aprovado com ampla maioria no Congresso e sancionado em 29 de setembro de 2020, dando origem à Lei nº 14.064/2020, conhecida como Lei Sansão.
Essa norma introduziu o parágrafo 1º-A ao artigo 32 da Lei nº 9.605/1998, estabelecendo um regime punitivo mais severo exclusivamente para as condutas praticadas contra cães e gatos, cujas penas passaram a ser de 2 a 5 anos de reclusão, além de multa e proibição da guarda do animal.
§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda. (Incluído pela Lei nº 14.064, de 2020)
Assim, apenas nos casos envolvendo cães e gatos, a pena deixou de ser de menor potencial ofensivo, permitindo, portanto, que o autor seja punido com “cadeia”, já que a previsão de pena máxima superior a quatro anos impede a concessão de fiança pela Autoridade Policial – Delegado de Polícia – e permite a decretação de prisão preventiva, caso preenchidos os demais requisitos legais.
Na prática, todavia, os autores de crimes contra animais, inclusive cães e gatos, dificilmente cumprem pena em regime fechado em razão dos demais institutos despenalizadores presentes no ordenamento jurídico pátrio.
Por fim, foi sancionada, em 16 de junho de 2025, a Lei nº 15.150, que alterou novamente o artigo 32, incluindo o parágrafo 1º-B para especificar como crime a conduta de “realizar ou permitir a realização de tatuagens e a colocação de piercings em cães e gatos, com fins estéticos.” A nova alteração pouco contribuiu com a necessária conformidade constitucional do tipo penal, pois acentuou ainda mais os problemas estruturais já existentes, especialmente ao reafirmar a diferenciação entre espécies, limitando a proteção penal mais severa apenas aos cães e gatos, e perpetuando a ausência de definição objetiva do que se entende por “maus-tratos” ou “abuso”.
2. Princípios Constitucionais Penais e os Limites da Intervenção Penal
O Direito Penal, enquanto expressão máxima do poder punitivo do Estado, submete-se a rígidos limites de ordem constitucional, cuja função precípua é assegurar que a intervenção penal não extrapole os contornos necessários, proporcionais e legítimos em um Estado Democrático de Direito.
Dentre esses limites, destaca-se o princípio da legalidade penal estrita, com seus desdobramentos fundamentais: não há crime sem lei anterior, escrita, estrita e certa. O corolário da taxatividade (ou princípio da determinação) impõe ao legislador o dever inafastável de elaborar tipos penais dotados de clareza, precisão e objetividade, de modo que qualquer cidadão - antes da prática da conduta - seja capaz de compreender exatamente o que lhe é vedado, sem margem para ambiguidade, arbitrariedade ou incerteza normativa.
Por consequência, o Direito Penal não admite analogia in malam partem. A analogia - mecanismo de extensão normativa com base na similitude de razões - é absolutamente vedada em prejuízo do acusado, por romper com a legalidade estrita e transferir ao intérprete a função exclusiva do legislador. O que se admite, dogmaticamente, é a interpretação analógica, restrita às hipóteses em que o legislador formula um tipo penal estruturado por um rol exemplificativo, seguido de uma cláusula geral ou fórmula genérica, o que pode ser necessário em virtude da impossibilidade de prever todas as condutas pelas quais determinado fato pode ser praticado.
Poderia o legislador ter se utilizado de desta técnica legislativa, prevendo um rol exemplificativo – como fez ao prever “ferir” e “mutilar”, desde que seguido de uma fórmula genérica, como no seguinte exemplo: “Praticar maus-tratos a animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, ferindo, mutilando ou praticando qualquer ato que cause sofrimento físico, dor, privação de necessidades básicas ou morte ao animal, seja de forma direta ou indireta.
No entanto, essa técnica não foi empregada no artigo 32 da Lei nº 9.605/1998. O legislador simplesmente lançou mão de verbos como “abusar”, “maltratar”, “ferir” e “mutilar”, sem qualquer elemento de concretização normativa, seja no próprio diploma, seja em outro de natureza penal ou infralegal.
Outra técnica utilizada e amplamente aceita pela jurisprudência é a utilização de normas penais em branco, em que o preceito primário da norma (descrição da conduta proibida) não é completo, dependendo de complementação a ser realizada por outra norma.
A doutrina a divide em Norma Penal em Branco Própria - o complemento normativo não emana do legislador - e Norma Penal em Branco Imprópria - o complemento emana do legislador.
A Norma Penal em Branco Imprópria, por sua vez, subdivide-se em Homóloga e Heteróloga, a depender se o complemente emana da mesma instância legislativa ou de instância legislativa diversa.
São diversos os exemplos em nosso ordenamento. O mais conhecido talvez seja a definição do que se entende por “droga”. Segundo o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 11.343/2006, “consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.”, o que vem a ser complementado pelo artigo 66 que determina que “até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998.”.
Como o complemento normativo não emana do Poder Legislativo, mas do Poder Executivo (Portaria da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde), temos um clássico exemplo de Norma Penal em Branco Própria.
Já o conceito de funcionário público, necessário para caracterizar diversos crimes funcionais, é previsto pelo Poder Legislativo no mesmo diploma legal (Código Penal, Artigo 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública), tratando-se de Norma Penal Em Branco Imprópria Homóloga. Caso o complemento adviesse de diploma legal diverso teríamos uma Norma Penal em Branco Imprópria Heteróloga (O Código Civil dispõe sobre os impedimentos ao casamento que podem configurar o crime de Ocultação de Impedimento, previsto no artigo 236 do Código Penal).
Mas não é só. A doutrina ainda distingue a Norma Penal em Branco de Fundo Constitucional e a Norma Penal Em Branco ao Revés. Na primeira espécie o complemento do preceito primário se encontra na Constituição Federal. Ilustra-se com o artigo 208, inciso I, da Constituição, que define o que é idade escolar, servindo como parâmetro normativo para caracterização do delito de abandono intelectual, previsto no artigo 246 do Código Penal. Na segunda espécie, por sua vez, o complemento normativo se refere não à descrição da conduta (preceito primário), mas à cominação da sanção (preceito secundário), sendo a Lei do Genocídio (Lei nº 2.889/1956) o exemplo clássico.
Surge, então, a questão dogmática inevitável: o tipo penal de maus-tratos configura uma norma penal em branco? E, se sim, de que espécie? Em qual artigo a Lei de Crimes Ambientais prevê quais condutas podem ser consideradas maus-tratos a animais? Há algum outro diploma legislativo ou norma infralegal devidamente autorizada a colmatar essa lacuna?
O legislador não fornece qualquer parâmetro, conceito ou critério técnico-objetivo sobre o que efetivamente constitui “maus-tratos”, tampouco delega expressamente essa definição a outro diploma normativo específico.
A ausência desse conteúdo obriga o aplicador a recorrer a fontes infralegais - portarias, resoluções de conselhos veterinários, normas técnicas de bem-estar animal -, que não possuem força normativa suficiente, no âmbito penal, para suprir a omissão do legislador. E mais: não há qualquer disposição expressa na Lei de Crimes Ambientais que autorize formalmente essa complementação infralegal, o que agrava sobremaneira o quadro de inconstitucionalidade.
A consequência prática desse vício normativo é dramática. Pergunta-se:
Manter um cão preso em corrente caracteriza maus-tratos? Depende do tamanho da corrente? Qual é o tamanho adequado? Por quanto tempo? Depende da existência de abrigo, alimentação, sombra, espaço para atividades físicas?
Sem parâmetros legais claros, quem define a resposta? A autoridade policial? O Ministério Público? O juiz? Um fiscal ambiental?
A rigor, salvo nas hipóteses expressas de “ferir” ou “mutilar” - cuja descrição típica se encontra positivada no caput do artigo 32 – e realizar experiência dolorosa ou cruel em animal vivo – cuja descrição se encontra no §1º -, nenhum cidadão ou operador do direito é capaz de saber, com segurança jurídica minimamente adequada, se determinada conduta constitui ou não crime, porque o legislador simplesmente não disse o que é “maus-tratos”. Como o dono do cachorro pode saber se está cometendo maus-tratos se não há essa previsão em lugar algum?
Uma solução tecnicamente legítima e constitucionalmente válida seria a opção legislativa por delegar formal e expressamente ao Ministério do Meio Ambiente, ou órgão equivalente, a atribuição para, por meio de portarias, resoluções ou atos normativos próprios, disciplinar, pormenorizar e atualizar as condutas que configuram maus-tratos a animais. Trata-se de técnica amplamente aceita pela jurisprudência pátria que reconhece a validade das normas penais em branco, sobretudo na tutela de bens jurídicos complexos e difusos, como é o caso da proteção ambiental e do bem-estar animal.
Se o legislador, à época da elaboração da Lei nº 9.605/1998, tivesse adotado corretamente esse modelo - com delegação expressa à autoridade ambiental competente -, a posterior edição da Lei nº 15.150/2025 teria se tornado ainda mais desnecessária. Isso porque a incriminação da conduta de “realizar ou permitir a realização de tatuagens e a colocação de piercings em cães e gatos, com fins estéticos” poderia ter sido diretamente viabilizada mediante a simples inclusão dessa prática no rol de condutas vedadas por meio de ato administrativo infralegal, baseado em critérios técnicos objetivos vinculados à proteção do bem-estar animal, sem exigir contínuas e onerosas intervenções do Poder Legislativo.
Portanto, não há qualquer dúvida dogmática: o crime de maus-tratos, na forma em que se encontra positivado, viola de maneira frontal, grave e estrutural os princípios da legalidade, da taxatividade, da reserva legal e da segurança jurídica, além de produzir um modelo normativo de elevada propensão à arbitrariedade, à seletividade e à insegurança jurídica, absolutamente incompatível com os postulados de um direito penal racional, democrático e constitucionalmente legítimo.
3. A Inconstitucionalidade da Distinção Normativa Entre Cães e Gatos e Demais Espécies Animais
A opção legislativa de conferir tratamento penal mais gravoso às condutas de maus-tratos dirigidas especificamente a cães e gatos, em detrimento de outras espécies animais, configura um vício de inconstitucionalidade material direta e manifesta, por violação aos princípios da igualdade, da razoabilidade, da proporcionalidade e da própria universalidade da proteção ambiental, expressamente consagrada no artigo 225 da Constituição da República.
O texto constitucional, ao estabelecer que incumbe ao poder público proteger a fauna, veda, de forma absoluta, “as práticas que submetam os animais à crueldade” (art. 225, §1º, VII), sem qualquer distinção de espécies, de função ecológica, de valor cultural ou de grau de empatia social. Trata-se de norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata, que traduz um dever jurídico-constitucional dirigido a todos os entes federativos, impondo proteção universal aos animais enquanto sujeitos de consideração moral e ambiental.
A legislação infraconstitucional, todavia, a partir da edição da Lei nº 14.064/2020 e aprofundada pela Lei nº 15.150/2025, rompeu de forma explícita com esse comando constitucional, ao estabelecer um regime de proteção penal dirigido exclusivamente a cães e gatos, em flagrante desprestígio às demais espécies animais, igualmente titulares do interesse jurídico à proteção contra práticas de crueldade.
Essa diferenciação normativa não se funda em qualquer critério racional, técnico, científico ou jurídico que a justifique. A capacidade de sofrer, de sentir dor, de experimentar sofrimento físico e psíquico - fundamentos que legitimam a proteção penal dos animais - não é atributo exclusivo de cães e gatos. Ao contrário, é qualidade presente em uma vasta gama de espécies sencientes, reconhecida de forma ampla pela literatura científica nas áreas da biologia e do direito ambiental contemporâneo.
O quadro normativo atualmente vigente revela uma distorção absolutamente inaceitável sob a ótica constitucional. A legislação penal brasileira, na configuração dada pela Lei de Crimes Ambientais, produz o efeito jurídico absurdo segundo o qual aquele que, mediante atos de extrema crueldade, torturar e matar por decapitação um indefeso filhote de onça-pintada ou um inocente lobo-guará poderá se sujeitar a uma pena inferior àquela imposta a quem, de forma indolor, aplicar um piercing em seu próprio cão, exclusivamente para fins estéticos. Decepar com um golpe de foice as patas de um cavalo possui menor reprovação penal que tatuar a orelha de um gato.
O legislador penal, ao estabelecer um regime punitivo mais severo para condutas praticadas contra cães e gatos - independentemente do grau de sofrimento efetivo - e penas mais brandas para atos de crueldade contra animais silvestres, nativos ou exóticos, rompe de forma frontal com os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da coerência normativa, criando uma tutela penal arbitrária, seletiva e profundamente incompatível com o Estado Constitucional de Direito.
Essa diferenciação normativa não encontra qualquer respaldo racional, técnico, ético ou jurídico. Constitui evidente afronta à própria universalidade da tutela ambiental consagrada no artigo 225 da Constituição, que protege a fauna sem qualquer discriminação de espécies.
Ademais, a criação de um regime de proteção penal seletiva, direcionado apenas a espécies de elevada carga afetiva na cultura ocidental urbana - como é o caso de cães e gatos -, configura, ainda, violação ao devido processo legislativo, que exige que o legislador atue segundo critérios objetivos, gerais e racionais, e não com base em preferências culturais, afetivas ou emocionais.
Essa escolha legislativa reflete um quadro de irracionalidade normativa, que compromete, de modo severo, a coerência interna do ordenamento jurídico e rompe com a lógica sistêmica da proteção ambiental. Ao mesmo tempo em que criminaliza severamente condutas como a realização de tatuagens e piercings com finalidade estética em cães e gatos, o legislador permite, sem qualquer sanção penal equivalente, práticas de igual ou superior grau de crueldade dirigidas a outras espécies animais — como aves, suínos, bovinos, caprinos e animais silvestres —, revelando um claro quadro de punibilidade seletiva.
Diante disso, conclui-se que a distinção penal entre cães e gatos e as demais espécies não se sustenta no plano constitucional, impondo-se, portanto, sua revisão legislativa imediata como imperativo jurídico, ético e constitucional.