Capa da publicação IDPJ na execução fiscal: impasse no STJ
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Uma análise do incidente de desconsideração de personalidade jurídica na execução fiscal

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16/11/2025 às 21:55
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2. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Direito Tributário

Se o negócio jurídico é amplamente estudado no campo do Direito Civil e Empresarial, no campo do Direito Tributário o cerne recai sobre a discussão da existência do Fato Gerador, que pode ser definido como o ato ou fato que, conforme previsão legal, origina a obrigação de pagar impostos, também chamada de crédito tributário.

Sendo assim, o negócio jurídico pode ser pensado, não como um fim em si mesmo, mas como um meio para se constatar a legitimidade do fato gerador inerente ao surgimento do crédito tributário. Para melhor compreensão, deve-se contemplar o teor do artigo 116 do Código Tributário Nacional:

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos têrmos de direito aplicável. (BRASIL, 1966)

Assim, denota-se que o negócio jurídico, primeiro, deverá revestir-se de adequação e legitimidade no âmbito do direito aplicável para que, posteriormente, passe a ser encarado, no âmbito do Direito Tributário, como fato gerador para que se observe seus efeitos.

Contudo, em termos de desconsideração do negócio jurídico, deve-se atentar para o parágrafo único do artigo 116 do CTN:

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001) (BRASIL, 1966)

O parágrafo único, incluído ao CTN pelo artigo 1º da Lei Complementar 104/2001 foi objeto de impugnação pela Ação Direta de Inconstitucionalidade 2446, proposta pela Confederação Nacional do Comércio, sob afirmação de que o dispositivo legal:

[...] violou princípios constitucionais da estrita legalidade, da tipicidade fechada e da reserva absoluta da lei formal no direito tributário brasileiro insculpidos na Constituição da República nos arts, 5" inciso TI, 37, e 150 inciso I, bem como o da separação dos poderes exposto no art. 2", sendo todos cláusulas pétreas por força do art. 60. § 4° incisos III e IV

(ADI 2446 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 11/04/2022. Publicação: 27/04/2022. Órgão julgador: Tribunal Pleno. PROCESSO ELETRÔNICO DJe-079 DIVULG 26-04-2022 PUBLIC 27-04-2022, p. 4).

Conforme Acórdão proferido no ano de 2022, foi afastada a inconstitucionalidade da norma conforme o seguinte entendimento:

[...] O parágrafo único do art. 116. do Código não autoriza, ao contrário do que argumenta a autora, “a tributação com base na intenção do que poderia estar sendo supostamente encoberto por um forma jurídica, totalmente legal, mas que estaria ensejando pagamento de imposto menor, tributando mesmo que não haja lei para caracterizar tal fato gerador” (fl. 3, e-doc. 2, grifos nossos). Autoridade fiscal estará autorizada apenas a aplicar base de cálculo e alíquota a uma hipótese de incidência estabelecida em lei e que tenha se realizado. Tem- se, pois, que a norma impugnada visa conferir máxima efetividade não apenas ao princípio da legalidade tributária mas também ao princípio da lealdade tributária.

(ADI 2446 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 11/04/2022. Publicação: 27/04/2022. Órgão julgador: Tribunal Pleno. PROCESSO ELETRÔNICO DJe-079 DIVULG 26-04-2022 PUBLIC 27-04-2022, p.10)

Do teor do voto da Relatora Ministra Carmen Lúcia, cumpre elucidar que foi reafirmada a necessidade de lei específica para regulamentação da norma:

A plena eficácia da norma depende de lei ordinária para estabelecer procedimentos a serem seguidos.

(ADI 2446 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 11/04/2022. Publicação: 27/04/2022. Órgão julgador: Tribunal Pleno. PROCESSO ELETRÔNICO DJe-079 DIVULG 26- 04-2022 PUBLIC 27-04-2022, p.6)

Ainda sobre o julgamento, importante destacar que houve divergência por parte do Ministro Ricardo Lewandowski. Do referido voto divergente, ressalta-se a sinalização para a coordenação interpretativa entre o âmbito civil e tributário:

Assim, na aplicação do parágrafo único do art. 116. do CTN, entendo que devem ser levadas em consideração, obrigatoriamente, as hipóteses supratranscritas para expungir os atos e negócios jurídicos simulados, haja vista que “a simulação, em rigor, é uma só, não havendo porque distinguir, como fazem alguns, a civil da fiscal4.

(ADI 2446 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a):Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 11/04/2022. Publicação: 27/04/2022. Órgão julgador: Tribunal Pleno. PROCESSO ELETRÔNICO DJe-079 DIVULG 26-04-2022 PUBLIC 27-04-2022, p.22)

Também é indispensável compreender o ponto central da divergência:

Por outro lado, deve ser questionado se, quando editada a lei ordinária a que faz referência o dispositivo aqui questionado, poderá a autoridade administrativa, sponte propria, desconsiderar atos ou negócios jurídicos simulados.

Desta feita, pedindo as mais respeitosas vênias à Eminente Relatora, assim como àqueles que já a acompanharam, compreendo que a providência não caberia a qualquer autoridade administrativa, já que apenas ao Judiciário competiria declarar a nulidade de ato ou negócio jurídico alegadamente simulados.

Essa é, precisamente, a meu ver, a interpretação que decorre do parágrafo único do art. 168. do Código Civil, segundo o qual as nulidades previstas no art. 167. daquele diploma legal “devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.” [...] Ora, por ser uma medida extrema e de gravosas consequências, a nulidade ou mesmo a desconsideração de atos e negócios jurídicos dissimulados, precisa sempre amoldar-se aos parâmetros e limites indicados em lei. Não é por outra razão que o precitado parágrafo único art. 168. do referido Codex atribui a um juiz a competência de promover a referida desconsideração, por provocação da parte ou do Ministério Público, quando se constatar que os negócios jurídicos (i) aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; (ii) contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; e (iii) os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

(ADI 2446 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 11/04/2022. Publicação: 27/04/2022. Órgão julgador: Tribunal Pleno. PROCESSO ELETRÔNICO DJe-079 DIVULG 26-04-2022 PUBLIC 27-04-2022,p.23-24)

E segue:

[...] Assim, a decisão aludida no parágrafo único do art. 116. do CTN caberá sempre a um magistrado togado, considerado o princípio da reserva de jurisdição, o qual, ao fim e ao cabo, se destina a resguardar os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Isso posto, voto pela procedência do pedido para declarar a inconstitucionalidade do art. 1°, da Lei Complementar 104/2001, na parte em que acrescentou o parágrafo único ao art. 116, do Código Tributário Nacional.

(ADI 2446 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 11/04/2022. Publicação: 27/04/2022. Órgão julgador: Tribunal Pleno. PROCESSO ELETRÔNICO DJe-079 DIVULG 26-04-2022 PUBLIC 27-04-2022, p. 25)

De forma subsidiária, a persecução realizada no presente artigo, esbarrou em questão pertinente que, embora não seja o escopo do trabalho, merece reflexão:

O Voto-Vista do Ministro Ricardo Lewandowski, principalmente em fls. 9. de seu voto (fls. 23. do inteiro teor do acórdão), reafirma que o parágrafo único do artigo 116 do CTN, não ofende ao Princípio Constitucional da Legalidade Tributária, que ainda assim, necessita de lei para sua regulamentação. Contudo, ao que consta, o cerne da reflexão proposta pelo Voto-Vista do Ministro Ricardo Lewandowski é se, por vontade própria, ou seja, embuída de autonomia, a autoridade adminsitrativas poderá, de ofício, desconsiderar os negócios jurídicos simulados, tendo em vista que, a competência para declarar a nulidade de negócios jurídicos simulados compete ao Judiciário, conforme previstas no artigo 168 do Código Civil.

Sabe-se que os Princípios Processuais, a constitucionalidade da Ampla Defesa, Contraditório e Devido Processo Legal são igualmente observados em eventual processo adminsitrativo. Contudo, destaca-se que o que o Voto-Vista do Ministro Ricardo Lewandowski busca resguardar é o Princípio da Reserva de Jurisdição”5, resvalando talvez em uma outra indagação e reafirmando a necessidade de debate sobre a regulamentação do parágrafo único do artigo 116 do CTN e seus limites.

Embora as considerações do Ministro Ricardo Lewandowski apontem para questões centrais dos limites de aplicação do artigo 116 do CTN, foi mantida o reconhecimento da Constitucionalidade do parágrafo único do Artigo 116 do CTN nos seguintes termos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 104/2001. INCLUSÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO AO ART. 116. DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL: NORMA GERAL ANTIELISIVA. ALEGAÇÕES DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA LEGALIDADE ESTRITA EM DIREITO TRIBUTÁRIO E DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NÃO CONFIGURADAS. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE. Após os votos dos Ministros Cármen Lúcia (Relatora), Marco Aurélio, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, que julgavam improcedente o pedido formulado na ação direta, pediu vista dos autos o Ministro Ricardo Lewandowski. Falou, pelo interessado Presidente da República, o Dr. Paulo Mendes de Oliveira, Procurador da Fazenda Nacional. Plenário, Sessão Virtual de 12.6.2020 a 19.6.2020. Decisão: Após o voto-vista do Ministro Ricardo Lewandowski, que divergia da Ministra Cármen Lúcia (Relatora) e julgava procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade do art. 1° da Lei Complementar 104/2001, na parte em que acrescentou o parágrafo único ao art. 116, do Código Tributário Nacional; do voto reajustado do Ministro Alexandre de Moraes, que acompanhava o voto divergente do Ministro Ricardo Lewandowski; e do voto do Ministro Luiz Fux (Presidente), que acompanhava a Ministra Relatora, pediu vista dos autos o Ministro Dias Toffoli. Plenário, Sessão Virtual de 15.10.2021 a 22.10.2021. Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado na ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do voto da Relatora, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. Não votou o Ministro André Mendonça, sucessor do Ministro Marco Aurélio, que votara em assentada anterior. Plenário, Sessão Virtual de 1.4.2022 a 8.4.2022.

(ADI 2446 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 11/04/2022. Publicação: 27/04/2022. Órgão julgador: Tribunal Pleno. PROCESSO ELETRÔNICO DJe-079 DIVULG 26- 04-2022 PUBLIC 27-04-2022)

Sobre o Parágrafo único, cumpre também observar as considerações de Paulo de Barros Carvalho sobre o tema:

O ordenamento brasileiro, a meu ver, já autorizava a desconsideração de negócios jurídicos dissimulados, a exemplo do disposto no art. 149, VII, do Código Tributário Nacional. O dispositivo comentado veio apenas ratificar regra existente no sistema em vigor. Por isso mesmo, assiste razão a Heleno Tôrres6 ao asseverar que a referida alteração tão só aperfeiçoa o que já se encontrava previsto, de modo genérico, afastando quaisquer dúvidas concernentes à possibilidade da Administração em desconsiderar os negócios fictícios ou dissimulados. Há que se cuidar, todavia, para não estender demasiadamente a aplicação do novo preceito, chegando a ponto de julgar dissimulado o negócio jurídico realizado em decorrência de planejamento fiscal.

(CARVALHO, 2019, p. 314)

Do referido artigo cabe a compreensão na integra:

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação (BRASIL, 1966)

À luz do entendimento do professor Paulo de Barros Carvalho, é possível notar o alinhamento entre o disposto no artigo 116 e demais dispositivos legais do CTN, como no caso do artigo 149 do CTN.

O artigo 149, VII do CTN menciona as condutas eivadas de dolo, casos de fraude e simulação, dando a entender que se trata de casos explícitos de flagrantes arbitrariedades. Mas é interessante notar que tanto o mestre Paulo de Barros Carvalho quanto o legislador, do disposto no artigo 116 do CTN apresentam o termo “dissimular”. Cabe refletir sobre a sutil diferença:

O dicionário apresenta o conceito de dissimular como “ocultar ou encobrir com astúcia”. Não dar a perceber, calando ou simulando [...]” (FERREIRA, 1993, p.190).

Já o verbo “simular”, conforme dicionário, designa “fingir (o que não é), aparentar” (FERREIRA, 1993, p.505).

Diante do detalhe apresentado, é possível uma breve digressão, de cunho semântico, qual seja a leve distinção entre simulação e dissimulação.

Enquanto a simulação parece carregar um caráter ativo, de produzir uma fraude, a dissimulação sinaliza para que se oculte ou esconda algo que de fato existe.

Em uma livre interpretação, podemos especular que: se o artigo 149, VII do CTN, traz junto à simulação, o dolo e a fraude, tornando implícita a arbitrariedade da dissimulação, o artigo 116 do CTN deixa explícita a ideia de desconsiderar negócios ocultas ou encobertos de forma arbitrária. É verdade que a finalidade do dispositivo legal 116 do CTN, assim como o artigo 149 do CTN, permite que se enquadrem quaisquer formas de arbitrariedade e ilicitude na aplicação das normas, mas o uso do termo “dissimular” pode sugerir maior cuidado com casos um pouco mais sutis, que não tenham sido forjados de forma tão substancial, mas apenas encobertos.

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Ao se observar os detalhes pertinentes no texto do Código Tributário Nacional, é indispensável, para devida compreensão do tema, a distinção entre elisão e evasão fiscal.

2.1. Distinção entre Evasão e Elisão

Enquanto a elisão fiscal se propõe a reformular as atividades de uma pessoa jurídica, a fim de, dentro da previsão legal, reduzir sua carga tributária, implementando mudanças que serão aplicadas de fato, a evasão fiscal se refere à sonegação, fraude e dissimulação de negócio jurídico.

Em um primeiro momento, a distinção entre elisão e evasão fiscal pode parecer simplesmente entre condutas lícitas e ilícitas, contudo é imprescindível destacar que as atividades lícitas devem ser praticadas exatamente nos termos determinados. Do contrário, ainda que prevista em lei, será deflagrada a irregularidade.

Ainda sobre os limites da elisão fiscal, cumpre observar:

Hermes Marcelo Hulck divide a elisão fiscal em elisão lícita e ilícita. Apesar do contra-senso aparente na expressão elisão-ilícita, pode-se afirmar que "é a prática do agente destinada a não envolvê-lo na relação tributária, mediante o uso de meios não proibidos, mas anormais, insólito, inadequados e que, de alguma forma, possam ser caracterizados como abuso de direito ao uso de forma jurídica (1997, p.46)7

(SAKAMOTO e BASSOLI, 2005, p; 269)

O referido trecho deixa claro que é precedente sine qua non do planejamento tributário a adoção de medidas de forma clara, transparente, objetiva e robusta, sem que haja brechas para questionamentos em decorrência da utilização de meios atípicos ou estranhos ao entendimento jurídico vigente, que podem sinalizar arriscadas práticas de abusos de direitos.

Havendo clareza, elementos jurídicos e factuais que atestem a lisura e adequação da elisão fiscal, não há razões para que seja questionada. Sob esse prisma, nota-se que o artigo 116 do CTN não mitiga a legitimidade do planejamento tributário, estando o referido dispositivo de lei circunscrito aos casos evidentes de dissimulação, conforme elucida Paulo de Barros Carvalho:

O parágrafo único do art. 116. do Código Tributário Nacional não veio para impedir o planejamento fiscal nem poderia fazê-lo, já que o contribuinte é livre para escolher o ato que pretende praticar, acarretando, conforme sua escolha, o nascimento ou não de determinada obrigação tributária. Nessa linha, anota Maria Rita Ferragut8 “se na elisão fiscal não há fato gerador ocultado — pois o fato típico foi licitamente evitado —, não há como haver desconsideração do mesmo, com o consequente estabelecimento da verdade jurídica”. Tanto quanto sempre o foi no direito brasileiro, apenas os atos fraudulentos, praticados com o único intuito de ocultar o verdadeiro negócio jurídico efetivado e, assim, reduzir ou evitar o nascimento da obrigação tributária, deverão ser desconsiderados pela autoridade fiscal, desde que, obviamente, haja indícios suficientes para tanto.

(CARVALHO, 2019, p. 315)

Do exposto acima, é possível traçar um paralelo entre o CTN e o Código Civil: da mesma maneira que o artigo 50 do Código Civil, à luz da Lei de Liberdade Econômica, traça limites sólidos para diferenciar a conduta inadequada da conduta lícita, assegurando a autonomia da Pessoa Jurídica e sua distinção da figura dos sócios, para garantia de livre mercado, o ordenamento jurídico no âmbito tributário também reconhece legítimo e lícito a gestão adequada para diminuição da carga tributária, advertindo que, caso a estratégia se revele inconsistente, esbarrando no abuso de direitos, ou mesmo revelando intento fraudulento de mitigar ou ocultar a obrigação tributária, o negócio jurídico deverá ser desconsiderado.

Se no aspecto material a legislação civil e tributária caminham para interpretações análogas, ainda resiste o desafio de adequação no âmbito formal dos Diplomas Legais.

2.2. Hipóteses de Desconsideração de Personalidade Jurídica: questões formais

A resistência na admissão do IDPJ em matéria tributária passa essencialmente por uma disposição de cunho constitucional.

Conforme disposto no artigo 146, III do Constituição Federal de 1988:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas, inclusive em relação aos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso dos impostos previstos nos arts. 155, II, e 156-A, das contribuições sociais previstas no art. 195, I e V, e § 12 e da contribuição a que se refere o art. 239. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023) (BRASIL, 1988)

À luz do exposto, antes da reflexão sobre a compatibilidade formal do IDPJ com o rito de execução fiscal, uma outra questão merece ser enfrentada: a classificação da LEF como Lei Ordinária.

A LEF consiste na Lei n° 6.830, de 22 de setembro de 1980, que “dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências”(BRASIL, 1980). Sabe-se que, nem todas as dívidas ativas da Fazenda Pública tem natureza tributária.

Sendo assim, o entendimento é que a LEF, apesar de ser uma Lei Oridnária, não viola o artigo 146 da Constituição Federal de 1988 por não tratar de matéria disposta no rol do dispositivo constitucional. Vejamos:

Já a Lei de Execução Fiscal, que trata dos aspectos processuais da cobrança do crédito público em atraso, surgiu como lei ordinária e assim permaneceu, visto que sua matéria não está entre as hipóteses de exigência da lei complementar.

(MIDLEJ, Caroline Coelho. Aspectos controvertidos na Lei de Execução Fiscal e sua aplicação aos créditos de natureza não tributária da União.Disponível em https://ambitojuridico.com.br/aspectos-controvertidos-na-lei-de-execucao-fiscal-e-sua-aplicacao-aos-creditos-de-natureza-nao-tributaria-da-uniao/. Acesso em 20 de outubro de 2025)

Em que pese não ser o cerne do presente trabalho, a reflexão sobre a classificação da LEF é indispensável para compreensão do plano de fundo em que se dá o debate da compatibilidade do IDPJ com o rito da execução fiscal de matéria tributária, até porque, a compreensão sobre a LEF, ajuda a demonstrar que o Processo Tributário não é um conjunto hemeticamente fechado de Leis Complementares, mas é composto por entendimentos e Diplomas Legais que reafirmam a instrumentalização e aplicação do Direito como um sistema cooperativo, no qual as legislações dialogam e se complementam.

Na esteira desse pensamento, pode-se ventilar a possibilidade de utilização do instituto da Desconsideração de Personalidade Jurídica em matéria tributária através da Teoria do Diálogo das Fontes:

O Diálogo das Fontes parte da premissa da existência de unidade do sistema jurídico, de normas que não se excluem, mas, sim, complementam-se, em oposição à ideia da inexistência da exclusão de normas jurídicas, sob o pretexto de possuírem campos de aplicação distintos9. A proposta da teoria é superar a ideia de conflito normativo para buscar a coordenação e a aplicação da lei orientada pelos valores axiológicos dos direitos fundamentais e da dignidade humana.”

(LIMA, 2020)

Conforme ensina Juciléia de Souza Lima, à luz da Teoria do Diálogo das Fontes, a aplicação do Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica (IDPJ) em matéria tributária é perfeitamente cabível:

O IDPJ deve ser aplicado à execução fiscal por duas singelas questões. Primeira, a LEF, como um microssistema processual fiscal, por carecer de base teórica, não é uma lei completa materialmente; e o CPC/2015, como um macrossistema processual, independentemente de fazer uso do recurso à complementaridade supletiva ou subsidiária, regula as questões processuais afetas às demandas de teor tributário, inclusive, as atinentes à LEF, o que imperiosamente implica a aplicação direta à execução fiscal.

Segunda, a aplicação direta do CPC/2015 à execução fiscal não implica qualquer incompatibilidade com o critério “lei geral posterior e a lei especial anterior – lex posterior generalis non derrogat legi priori speciali”, pois inexiste regramento específico para a desconsideração da personalidade jurídica ou para o redirecionamento da execução fiscal. Assim, também por esse ângulo, impõe-se a aplicação das disposições do CPC/2015, também nessa parte, ao âmbito das execuções fiscais, ou seja, pela existência de lacunas na LEF, não há norma especial a prevalecer sobre a geral.

Por fim, a aplicação do IDPJ na execução fiscal decorre de um diálogo de coordenação e adaptação sistemática do CPC/2015, haja vista que este novel diploma processual redefiniu o seu campo de aplicação no processo executivo tributário.

(LIMA, 2020)

Se da perspectiva teórica o ordenamento jurídico admite a aplicação do IDPJ em matéria tributária, é necessário verificar qual o entendimento jurisprudencial acerca do tema. A seguir, serão examinadas algumas jurisprudências com o fito de se compreender os limites e possibilidades atuais da aplicação do IDPJ em Execuções Fiscais.

2.3. Análise Jurisprudencial

Sabe-se que o tema do IDPJ em matéria tributária ainda não é pacificado, mas vale observar alguns pontos da fundamentação jurisprudencial que parecem carregar a questão central sobre o tema. Para tanto, serão utilizados três julgados e extraídos de seu teor elementos relevantes a fim de ilustrar os limites e possíveis hipóteses de cabimento do IDPJ em rito de execução fiscal de matéria tributária.

Dos casos nos quais se reconhece a desnecessidade da instauração de Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica, destaca-se o argumento de que o CTN já prevê a responsabilidade tributária em seus dispositivos legais, de modo que a instauração do incidente não é impositiva, bastando o redirecionamento da execução fiscal aos responsáveis.

Vejamos:

REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA.I - Impõe-se o afastamento de alegada violação do art. 1.022. do CPC/2015, quando a questão apontada como omitida pelo recorrente foi examinada no acórdão recorrido, caracterizando o intuito revisional dos embargos de declaração. II - Na origem, foi interposto agravo de instrumento contra decisão que, em via de execução fiscal, deferiu a inclusão da ora recorrente no polo passivo do feito executivo, em razão da configuração de sucessão empresarial por aquisição do fundo de comércio da empresa sucedida. III - Verificado, com base no conteúdo probatório dos autos, a existência de grupo econômico e confusão patrimonial, apresenta-se inviável o reexame de tais elementos no âmbito do recurso especial, atraindo o óbice da Súmula n. 7/STJ. IV - A previsão constante no art. 134, caput, do CPC/2015, sobre o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na execução fundada em título executivo extrajudicial, não implica a incidência do incidente na execução fiscal regida pela Lei n. 6.830/1980, verificando-se verdadeira incompatibilidade entre o regime geral do Código de Processo Civil e a Lei de Execuções, que diversamente da Lei geral, não comporta a apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo, nem a automática suspensão do processo, conforme a previsão do art. 134, § 3º, do CPC/2015. Na execução fiscal "a aplicação do CPC é subsidiária, ou seja, fica reservada para as situações em que as referidas leis são silentes e no que com elas compatível" (REsp n. 1.431.155/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/5/2014). V - Evidenciadas as situações previstas nos arts. 124, 133 e 135, todos do CTN, não se apresenta impositiva a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, podendo o julgador determinar diretamente o redirecionamento da execução fiscal para responsabilizar a sociedade na sucessão empresarial. Seria contraditório afastar a instauração do incidente para atingir os sócios-administradores (art. 135, III, do CTN), mas exigi-la para mirar pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos para blindar o patrimônio em comum, sendo que nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito. VI - Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.

(REsp n. 1.786.311/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 9/5/2019, DJe de 14/5/2019.)

Da leitura do julgado supra se extrai o entendimento de que o IDPJ não é indispensável, uma vez que aplicação do CPC/2015 em execuções fiscais é subsidiária. A aplicação indispensável é do CTN, que já prevê em seu bojo os casos de responsabilidade tributária.

É importante também contextualizar o julgado, tendo em vista que o caso trata de confusão patrimonial em caso de grupo econômico de fato. Do caso concreto, entendeu a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça que, no caso deveria ocorrer o redirecionamento da execução aos responsáveis.

Diante do exposto, convém trazer o teor dos dispositivos legais que tratam da responsabilidade tributária no Código Tributário Nacional.

O artigo 124 do CTN versa sobre os responsáveis solidários que são “ I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por lei.” (BRASIL, 1966). O artigo 133 do CTN discorre sobre os casos de responsabilidade integral e subsidiária:

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão. (BRASIL, 1966)

Merece destaque o previsto no artigo 135 do CTN:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de podêres ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado (BRASIL, 1966)

O mencionado dispositivo de lei também faz alusão às pessoas do artigo 134 do CTN, que possui, dentre o rol de responsáveis solidários, a figura dos “sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas” (art. 134, VII, BRASIL, 1966).

As hipóteses de responsabilização estão previstas, não apenas nos artigos supracitados, mas por todo o Capítulo V que discorre sobre a Responsabilidade Tributária, no Título II, alcançando o artigo 128 até o artigo 138 do CTN.

A digressão sobre as hipóteses de responsabilização tributária demonstra que há na legislação tributária a previsão de responsabilização dos sócios.

Contudo, em que pese o vasto rol de hipóteses de responsabilização, os casos concretos podem apresentar especificidades que escapam à previsão legal, permitindo que se avente o IDPJ como possibilidade nos autos da execução fiscal.

Nesse sentido, destaca-se o trecho que determina a viabilidade do IDPJ em julgado da Primeira Turma do STJ: “quando uma das partes na ação executiva pretende que o crédito seja cobrado de quem não figure na CDA e não exista demonstração efetiva da responsabilidade tributária em sentido estrito, assim entendida aquela fundada nos arts. 134. e 135 do CTN.” (REsp n. 1.804.913/RJ, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 1/9/2020, DJe de 2/10/2020).

Do acórdão, vale observar os fundamentos invocados que permitem a recepção do instituto de Direito Privado, previsto em Lei Ordinária nos autos de Execução Fiscal:

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - IDPJ. ARTS. 133. A 137 DO CPC/2015. EXECUÇÃO FISCAL. CABIMENTO. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DAS NORMAS DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL.I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, in casu, o Código de Processo Civil de 2015.II - A instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica - IDPJ, em sede de execução fiscal, para a cobrança de crédito tributário, revela-se excepcionalmente cabível diante da:(i) relação de complementariedade entre a LEF e o CPC/2015, e não de especialidade excludente; e (ii) previsão expressa do art. 134. do CPC quanto ao cabimento do incidente nas execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais. III - O IDPJ mostra-se viável quando uma das partes na ação executiva pretende que o crédito seja cobrado de quem não figure na CDA e não exista demonstração efetiva da responsabilidade tributária em sentido estrito, assim entendida aquela fundada nos arts. 134. e 135 do CTN. Precedentes.IV - Equivocado o entendimento fixado no acórdão recorrido, que reconheceu a incompatibilidade total do IDPJ com a execução fiscal.V - Recurso Especial conhecido e parcialmente provido para determinar o retorno dos autos ao tribunal a quo para o reexame do agravo de instrumento com base na fundamentação ora adotada.

(REsp n. 1.804.913/RJ, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 1/9/2020, DJe de 2/10/2020.)

Também há previsão de IDPJ nos casos de grupo econômico, quando uma das Pessoas Jurídicas não consta na Certidão de Dívida Ativa (CDA):

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO A PESSOA JURÍDICA. GRUPO ECONÔMICO "DE FATO". INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CASO CONCRETO. NECESSIDADE.1. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art.133 do CPC/2015) não se instaura no processo executivo fiscal nos casos em que a Fazenda exequente pretende alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução, mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa, após regular procedimento administrativo, ou, mesmo o nome não estando no título executivo, o fisco demonstre a responsabilidade, na qualidade de terceiro, em consonância com os artigos 134 e 135 do CTN.2. Às exceções da prévia previsão em lei sobre a responsabilidade de terceiros e do abuso de personalidade jurídica, o só fato de integrar grupo econômico não torna uma pessoa jurídica responsável pelos tributos inadimplidos pelas outras.3. O redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome na CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134. e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50. do Código Civil, daí porque, nesse caso, é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora.4. Hipótese em que o TRF4, na vigência do CPC/2015, preocupou- se em aferir os elementos que entendeu necessários à caracterização, de fato, do grupo econômico e, entendendo presentes, concluiu pela solidariedade das pessoas jurídicas, fazendo menção à legislação trabalhista e à Lei n. 8.212/1991, dispensando a instauração do incidente, por compreendê-lo incabível nas execuções fiscais, decisão que merece ser cassada. 5. Recurso especial da sociedade empresária provido.

(REsp n. 1.775.269/PR, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 21/2/2019, DJe de 1/3/2019.)

Outro elemento fundamental que se extrai do julgado supra é o reconhecimento de que uma empresa ao compor grupo econômico não é responsável compulsoriamente pelos tributos devidos pela outra. De modo que a responsabilidade deverá ser comprovada em casos de abuso de personalidade, identificado através de desvio de finalidade e/ou confusão patrimonial, hipóteses que dão azo ao Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica.

Ainda que haja alguns casos passíveis de aplicação do IDPJ, o que se demonstra é uma necessidade inquestionável de se pacificar a questão. E, na esteira desse pensamento, cabe trazer o Tema Repetitivo 1209:

Tema Repetitivo 1209 - Definição acerca da (in)compatibilidade do Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica, previsto no art. 133. e seguintes do Código de Processo Civil, com o rito próprio da Execução Fiscal, disciplinado pela Lei n. 6.830/1980 e, sendo compatível, identificação das hipóteses de imprescindibilidade de sua instauração, considerando o fundamento jurídico do pleito de redirecionamento do feito executório.

(Tema Repetitivo 1209, situação Afetado Órgão julgador PRIMEIRA SEÇÃO Ramo do direito DIREITO TRIBUTÁRIO Disponível em https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&sg_classe=REsp&num_processo_classe=1843631. Acesso em 16 de setembro de 2024)

Uma vez que o julgamento ainda ocorrerá, é possível conjecturar que, caso não seja admitido o Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica, será necessário aprimoramento e a “adoção de um compliance tributário mais rígido, que defina práticas de regularidade fiscal e o cumprimento das normas fiscais, não só para proteção da sociedade (PJ), mas também para proteção de sócios e administradores” (FRANÇOSO; PLÁ, 2023) e, nesse contexto, a regulamentação por meio do artigo 116, ú, do CTN será ainda mais necessária e urgente.

A admissão da compatibilidade do Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica em Execuções Fiscais irá propor a instrumentalização dos Diplomas Legais de forma dialógica, sinalizando para um caminho no qual a eventual superação de desafios formais e materiais de um campo do Direito pode ocorrer através da observância de institutos já bem desenvolvidos de outros campos, permitindo maior segurança jurídica e até mesmo uma interpretação sinérgica entre as legislações. É evidente que o reconhecimento da compatibilidade do IDPJ com o rito da Execução Fiscal não enfraqueceria o disposto no Código Tributário Nacional, ao contrário, ofereceria uma ferramenta a mais para sua devida interpretação e aplicação. A ideia de utilização de IDPJ na execução fiscal não se mostra como excludente sobre nenhum aspecto, mas se coloca como uma opção, inclusive para dar conta dos desafios que ocorrem em casos de lacunas legislativas, permitindo também uma interpretação mais cooperativa do ordenamento jurídico de modo geral.

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Sobre a autora
Amaranta Vasconcelos Silva

Advogada, Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Pós-Graduada em Direito e Processo Tributário pela Faculdade Legale, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/3289409790523793

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Amaranta Vasconcelos. Uma análise do incidente de desconsideração de personalidade jurídica na execução fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8173, 16 nov. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/116289. Acesso em: 5 dez. 2025.

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