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Possibilidades de flexibilização do depósito recursal como meio de promover tratamento jurídico diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte

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20/07/2010 às 07:45
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8. FLEXIBILIZAÇÃO PARA O CUMPRIMENTO DO DEPÓSITO RECURSAL

Urge ressaltar que não se pretende isentar o micro e pequeno empregador da exigência de realizar o depósito recursal, principalmente em razão da sua natureza jurídica e da natureza alimentar do crédito que se almeja em um processo trabalhista.

Contudo, não podemos esquecer dos micro e pequenos empresários, que, por muitas vezes, não possuem liquidez para satisfazer a quantia exigida, ficando, assim, impedidos de verem apreciado o seu apelo. E, quando, possuem aquele valor, acabam ficando descapitalizados.

Grazziotin [43] argumenta que:

"O pequeno empregador é mais frágil em muitos aspectos em relação ao empregador normal, especialmente em comparação com a empresa transacional anunciado no primeiro capítulo como agente do fenômeno da globalização. No processo do trabalho, não poderia deixar de ser diferente. Para o pequeno, existe grande dificuldade para atender ao pressuposto objetivo do depósito recursal, já em relação à empresa transacional, chega a ser irrisório".

Mallet [44] acrescenta que "a idéia de dever o processo permanecer neutro, indiferente à condição peculiar dos litigantes, não se sustenta e contrasta com o reconhecimento, hoje pacífico, da insuficiência da igualdade meramente formal".

A possibilidade de flexibilização ao micro e pequeno empregador, no processo do trabalho, quanto ao depósito recursal, pode e deve ser garantida; levando em consideração a necessidade de oferecer tratamento desigual aos desiguais, ainda que do mesmo gênero e, também, visando proteger o empregado, que tem, nesse filão de mercado, a maior fonte geradora de emprego da atualidade.

Quanto à permanência do modo de garantia do juízo, que, ainda somente pode ocorrer mediante depósito pecuniário, poder-se-ia flexibilizar aquele valor, criando-se percentuais mínimos a serem exigidos, respectivamente, pela microempresa e empresa de pequeno porte.

Poder-se-ia, também, alterar o modo de garantia do juízo, possibilitando o oferecimento de caução, nas suas mais diversas formas. Ter-se-ia, então, a possibilidade de caução real ou fidejussória.

A garantia real poderia ser oferecida por títulos, bens móveis ou imóveis, submetendo-se ao regime do penhor ou hipoteca e acompanhados da boa e firme avaliação.

O oferecimento da caução fidejussória poder-se-ia restringir a um dos sócios da empresa e, obviamente, apenas aceita quando imediatamente apresentado o objeto (título, móveis ou imóveis) garantidor daquela caução.


9. A JUSTIÇA GRATUITA E O DEPÓSITO RECURSAL

Como dito acima, uma das mudanças que se vem percebendo no Direito Processual do Trabalho, em discriminação às pequenas e micro empresas, é a possibilidade de concessão da justiça gratuita a tais pessoas.

Há que se fazer uma breve distinção entre justiça gratuita e assistência judiciária gratuita, sendo aquela a concessão do Estado em deixar de exigir o recolhimento de custas e demais despesas processuais que lhes são devidas, assim prevista no art. 3º [45] da Lei 1.060/50 c/c art. 790, §3º [46], da CLT, ao passo em que a assistência judiciária gratuita se traduz no múnus público em patrocinar a defesa do assistido em Juízo, a qual, na seara trabalhista, é regida pelo art. 14, & 1º [47], da Lei 5.584/70.

Rodrigues Pinto [48] esclarece que:

" A Justiça Gratuita é a concessão legal, à parte que não dispõe de recursos financeiros para prover as despesas obrigatórias do processo, de litigar com dispensa do respectivo encargo [...] Já a Assistência Judiciária Gratuita é a concessão legal, à parte que não dispões de recursos financeiros para suportar o pagamento de honorários advocatícios, de ser assistida por advogado sem ter que suportar o respectivo encargo".

Portanto, "os institutos até se completam, porém nunca se misturam", como bem salientado por Santana [49].

A gradativa concessão da justiça gratuita às microempresas e empresas de pequeno porte, no processo do trabalho, não abrange a isenção do depósito recursal. Isto porque, a gratuidade da justiça abrange as taxas e emolumentos judiciais, cujo credor é o próprio Estado, enquanto que o depósito recursal é garantia do Juízo para futura execução, cujo credor é a parte vencedora no processo.

Dessa forma, o benefício da gratuidade da justiça não isenta a parte da obrigação de efetuar o recolhimento do depósito recursal, porque a finalidade jurídica do depósito é a garantia do juízo

Neste sentido, a Quinta Turma do TST, em julgamento do AIRR-106/2004-021-02-40.0 [50], publicado no DJ, edição do dia 08/02/2008, entendeu que o depósito recursal é um ônus do qual a empresa deve se desincumbir quando da interposição do recurso, como prevê o artigo 899 da CLT – e, por conseguinte, os benefícios da justiça gratuita não alcançam a isenção do seu recolhimento. O Ministro Relator - Emmanoel Pereira - destacou ainda que "no caso de a empresa, caso comprovada sua miserabilidade jurídica, vir a ser destinatária do benefício, este se limita às custas processuais"; sendo requisito, para a concessão da gratuidade da justiça, que a parte não tenha condições de demandar em juízo sem prejuízo do próprio sustento e de sua família.

Decisões dos Tribunais Regionais tem se posicionado neste sentido, conforme a Ementa que abaixo transcrevemos, extraída do julgamento ocorrido em 06.08.2008, pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, Desembargador Relator Brasilino Santos Ribeiro, em sede de AIRO nº 1021200780110017 TO, cuja decisão foi publicado no DJ edição do dia 29.08.2008:

"1. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. CONCESSÃO AO EMPREGADOR. DEPÓSITO RECURSAL. O preparo, no âmbito trabalhista, está condicionado não somente ao recolhimento das custas. Logo, mesmo que concedida a gratuidade de justiça ao empregador, que afirma insuficiência econômica, não há como se afastar a obrigação de recolhimento do depósito recursal, pois ele não detém natureza jurídica de taxa, mas sim de garantia de juízo, não estando abrangido pelas benesses deferidas ao recorrente. Assim, o recurso ordinário interposto sem o recolhimento do depósito recursal não merece conhecimento, por deserto.

2. Agravo de instrumento conhecido e desprovido".

D´outra banda, decisões de Tribunais Regionais do Trabalho tem concedido a isenção do depósito recursal, a empregador pessoa física, beneficiário da justiça gratuita. É o que se extrai da ementa abaixo, prolatado pela 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em julgamento do AIRO nº 02382200702102013, publicado no DJ edição do dia 03.02.2009, Desembargador Relator Eduardo de Azevedo Silva:

"JUSTIÇA GRATUITA. DEPÓSITO RECURSAL. EMPREGADOR PESSOA FÍSICA. Não se pode considerar deserto o Recurso ordinário interposto sem o pagamento do depósito recursal quando o recorrente tem direito à justiça gratuita, vez que o art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, assegura a prestação da assistência jurídica integral e gratuita àqueles que comprovem a insuficiência de recursos.

Agravo de Instrumento a que se dá provimento".

Recentemente foi publicada a Lei Complementar 132, de 07 de outubro de 2009, cujo artigo 17 fez importante modificação na Lei nº 1.060/50, acrescentando inciso VII [51] ao artigo 3º daquela lei.

Determina o novo inciso VII do artigo 3º da Lei 1060/50, que os beneficiários da justiça gratuita, estarão isentos de efetuar qualquer depósito prévio exigido em lei, para interposição de recurso e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório.

Certamente que a alteração legislativa provocará um novo debate sobre a obrigatoriedade do empregador, beneficiado com a justiça gratuita, efetuar o depósito recursal.

Entretanto, imaginamos que o inciso VII, do art. 3º da lei nº 1.050/60 não terá aplicação na esfera trabalhista, no que se refere à concessão de inexigibilidade do depósito recursal, em face da sua natureza jurídica de garantia do juízo em favor do credor, o que não se confunde, tampouco é abarcado, pela isenção de despesas e custas processuais.


10. DOS ATUAIS PROJETOS DE LEI SOBRE O DEPÓSITO RECURSAL

No âmbito Legislativo, tramita na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 6015/09 [52], apresentado em 09/09/09, de autoria do Deputado Clóvis Fecury (DEM-MA), que prevê o fim da exigência do depósito recursal para a interposição dos recursos trabalhistas. Segundo Fecury, o depósito recursal contraria a Constituição, que garante o direito de petição no Poder Judiciário, independentemente do pagamento de taxas: "Essas violações ocorrem porque privam o jurisdicionado da apreciação, pelo Judiciário, de seu inconformismo, bem como impedem o exame da matéria em sede de grau recursal, limitando o direito à ampla defesa", afirma.

O Projeto encontra-se, desde 24/09/09, aguardando parecer conclusivo das Comissões de Trabalho, de Administração e Serviços Públicos; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Na contramão do Projeto de Lei acima mencionado, tramita, também, na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5468/09 [53], apresentado em 24/06/2009, de autoria do Deputado Regis de Oliveira (PSC/SP), que estabelece o recolhimento de depósito recursal no ato da interposição do agravo de instrumento, no valor equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor do depósito do recurso ao qual se pretende destrancar. Oliveira [54] argumenta que:

"Na atualidade, verifica-se o uso abusivo do agravo de instrumento, com o nítido intuito da parte agravante de procrastinar o andamento do feito, já que se insurge, na maioria absoluta, contra óbice processual expressamente previsto em lei, com base em argumentação totalmente infundada, que só contribui para a perpetuação da lide e o assoberbamento do Poder Judiciário".

Submetido, à Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, o voto do Relator, em 05/10/2009, foi no sentido de aprovar tal Projeto de Lei apresentado pelo Parlamentar propositor, apenas propondo uma emenda [55]:

"a fim de tornar mais clara a redação proposta para o inciso I do § 5º do art. 897 da CLT. Ocorre que a redação proposta se refere duas vezes ao depósito recursal, sem deixar claro que se trata de dois depósitos diversos e sem explicitar a que se refere o primeiro deles. Com o objetivo de evitar ambiguidades no texto legal, apresentamos emenda ao projeto".

Em 23/03/2010, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou o parecer do Relator, Dep. Flávio Dino (PCdoB-MA), pela constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação daquele Projeto e da emenda da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Em 22.04.2010, a Comissão apresentou a aquela Casa, a redação final ao PL 5468/09.

Outro Projeto de Lei – de maior interesse para o presente estudo – é aquele de nº 7.047/10 [56], apresentado em 30/03/10, de autoria do Deputado Efraim Filho (DEM-PB), que pretende acrescentar parágrafo ao art. 899 da CLT, para reduzir o valor do depósito recursal, quando o recorrente for microempresa ou empresa de pequeno porte inscrita no Simples Nacional. A redução seria equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor previsto em cada caso.

Segundo o Deputado autor do projeto, "a medida é justa e coerente com o princípio estabelecido pela Constituição de 1988 de conferir tratamento especial a essas entidades, que empregam maioria dos trabalhadores brasileiros".

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O mesmo encontra-se na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, desde 09/04/2010, aguardando o término do prazo para Emendas, tendo sido designado como Relator, o Deputado Evandro Milhomen (PCdoB-AP).


11. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este estudo, observamos a crescente relevância das microempresas e empresas de pequeno porte, especialmente a partir da década de 80 do século passado, quando as mudanças e reestruturações nas indústrias tradicionais ocasionaram maciço desemprego; emergindo, então, os pequenos e micro empreendimentos como alternativas de superar o ‘ócio forçado’.

Aquele emergente setor passou, então, a ter forte representatividade para o desenvolvimento econômico e social do País, vez que, ao criar novos mercados de trabalho, passou a ter enorme pujança na geração de empregos, impulsionando, pois, a distribuição da renda e circulação de riquezas.

Ocorre que o índice de mortalidade da micro e pequena empresa tem se demonstrado alto, por inúmeros fatores internos e externos que contribuem para o encerramento daqueles empreendimentos, tais como, a falta de tecnologia, a dificuldade em obtenção de crédito, a burocratização, a alta carga tributária, os altos encargos trabalhistas. Além do que, levando em conta a sua dimensão, estas não conseguem concorrer em par de igualdades com as grandes empresas.

Daí a necessidade da intervenção Estatal, estabelecendo princípios e normas de proteção e tratamento diferenciado a essas empresas, com o objetivo, não só de lhes oferecer mecanismos de subsistência e condições para competir no mercado, mas, também assim o fazendo, garantir-lhes condições de cumprir com sua função social.

Assim, a diferenciação protecionista impera como preceito constitucional fundamental, sistematizada pela legislação infraconstitucional pertinente e pelas contínuas manifestações dos Tribunais.

Entretanto, na seara trabalhista, são poucas as prerrogativas concedidas a estas empresas, pelo que se observa que o Direito do Trabalho caminha a ‘passos lentos’ para o estabelecimento de um sistema jurídico diferenciado em favor das microempresas e das empresas de pequeno porte, especialmente no campo processual, cujas inovações são ínfimas.

Desta forma, no processo do trabalho, como importante opção de flexibilização diferenciada, aponta-se a possibilidade de inovações quanto à exigência do depósito recursal.

Enquanto pressuposto extrínseco de admissibilidade do recurso, a sua constitucionalidade é flagrante, tendo em vista a inexistência de princípio constitucional de duplo grau de jurisdição. Objetivando garantir o juízo de futura e provável execução, cujo destinatário é a parte processualmente sucumbente de condenação pecuniária, a exigibilidade do depósito recursal deve ser mantida.

Entrementes, os valores a ele destinados se tornam excessivamente onerosos para grande parte das microempresas e empresas de pequeno porte, às quais, por insuficiência de liquidez, encontram-se obstadas a atender tal pressuposto de admissibilidade, o que inviabiliza a sua pretensão de reexame do julgado, quando assim entender necessário. Ou, a muito custo, disponibilizam a quantia exigida, em detrimento do seu necessário capital de giro.

Por outro lado, o tratamento uniforme destinado a toda e qualquer empresa, quanto ao valor e ao modo de garantia do juízo através do depósito recursal, apenas favorece as grandes empresas e prejudica aqueles pequenos empreendimentos; deixando, assim de se aplicar o princípio da igualdade, que se baseia em tratar os desiguais de forma desigual, ainda que do mesmo gênero.

Assim é que alternativas podem ser oferecidas para que os micro e pequenos empreendedores possam cumprir o seu munus de garantir o juízo pelo depósito recursal; seja reduzindo proporcionalmente aquele valor, seja possibilitando outras formas de garantia do juízo, como, por exemplo, mediante caução.

Em se adotando alternativas para o cumprimento do depósito recursal, o Direito Processual do Trabalho estará, efetivamente, promovendo um tratamento jurídico trabalhista diferenciado para as microempresas e empresas de pequeno porte, demonstrando melhor compreensão da importância sócio-econômica daqueles entes e contribuindo para o fortalecimento do micro e pequeno empreendedor; a fim de que prossigam no mercado produtivo, gerando cada vez mais postos de trabalho e proporcionando melhor distribuição de renda.

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Sobre a autora
Maria Fernanda Tapioca Bastos

Advogada/Docente.Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Católica do Salvador.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS, Maria Fernanda Tapioca. Possibilidades de flexibilização do depósito recursal como meio de promover tratamento jurídico diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2575, 20 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17003. Acesso em: 29 mar. 2024.

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