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Legitimidade do Ministério Público Federal e a competência para ações de improbidade administrativa decorrentes de convênio com verbas federais

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23/09/2010 às 14:22
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2. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS POR MEIO DE CONVÊNIO

O instituto jurídico convênio não teve sua origem no direito administrativo e sim notadamente no direito privado civil, mas sua adaptação àquele ramo acarretou certas mudanças em seu conceito. No direito administrativo, o convênio é utilizado como forma de cooperação entre pessoas jurídicas de direito público e até mesmo entre pessoas de direito público e de direito privado, visando, em última análise, sempre a realização do interesse público. Há quem diferencie convênios de consórcios, como Meireles [12], mas tal diferença é irrelevante na prática. O objetivo dos convênios, ou contrário dos contratos, é único e comum ao partícipes, sendo essa sua fundamental característica.

O crescente usos dos convênios decorre de uma opção da Constituição de 1988 pelo federalismo cooperativo, decorrente da experiência constitucional alemã, e concentração financeira na União, forçando os demais entes, sobretudo os municípios, a buscarem recursos com os entes mais ricos. Mas a consolidação dos convênios no ordenamento brasileiro veio com a Emenda Constitucional nº 19:

Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

A utilização dos convênios além de uma forma de cooperação entre os entes federais, tem o propósito de descentralização administrativa, como forma de buscar a sonhada eficiência administrativa. Atualmente, em âmbito federal, o Decreto nº 6.170, de 25 de julho de 2007, regulamenta a transferência de recursos por meio de convênio, definindo-o como:

I – convênio - acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União e tenha como partícipe, de um lado, órgão ou entidade da administração pública federal, direta ou indireta, e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando a execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação;

Para celebração dos convênios, o citado Decreto traz várias exigências, sendo a prevista no art. 6º uma das mais importante, relativa a fiscalização, sendo exigido cláusula em todo convênio que indique a forma pela qual a execução do objeto será acompanhada pelo concedente.


3. – LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO.

Um dos pontos mais relevante e decisivo é definir se o Ministério Público Federal possui legitimidade ativa para fiscalizar os convênios de repasse de verbas federais e propor eventual ação de improbidade administrativa decorrente da execução irregular.

O Ministério Público tem por função precípua a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos do artigo 127 da Constituição Federal. Cabe-lhe, principalmente, na seara cível, pugnar pela tutela de interesses difusos e coletivos, consoante disposto no artigo 129, inciso III, do mesmo estatuto fundamental.

A legitimidade foi tratada pela lei processual, juntamente com a possibilidade jurídica do pedido e interesse processual, com como condição da ação, ou seja, nos dizeres do art. 3º do Código de Processo Civil, "Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade". Pelo conceito clássico, para verificação da legitimidade ativa, dever-se-ia averiguar a titularidade de forma abstrata do direito em juízo, considerando como legitimado ativo somente aquele a quem aproveitará o provimento judicial requerido. Entretanto, a lei pode atribuir legitimidade àqueles que não seriam diretamente beneficiados pela tutela judicial. Para ALVIN (apud Néri Junior et. al 2006, p.143) "Somente é parte legitima aquele que é autorizado pela ordem jurídica a postular em juízo [13]". É o caso do Ministério Público.

A legitimidade ativa do Ministério Público para fiscalização e o ajuizamento de eventual ação decorre das atribuições que lhes foram atribuídas pela Constituição Federal de 1988, em especial do artigo 129, incisos II, III e IX, e pelas leis infraconstitucionais que a sucederam ou foram por ela recepcionadas, especialmente a Lei Complementar nº 75/93 (artigo 5°, incisos II, alínea 'd', inciso III, alíneas 'b' e 'e', e inciso V, alíneas 'a' e 'b'; c/c o artigo 6°, incisos VII, alíneas 'a', 'b' e 'c', e inciso XIV, alínea 'f'), a Lei nº 7.347/85 (artigo 1°, inciso IV; artigos 3°,4° e 5°; e artigos 11 e 12) e a Lei nº 8.429/92 (artigos 16 e 17).

Destarte, por ser o direito material objeto da lide um bem jurídico de interesse público, afeto ao patrimônio público e social, está o Ministério Público legitimado para ajuizar Ação Civil Pública para sua defesa, subsidiado pela legislação acima citada e abaixo transcrita:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:   

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais disponíveis".

(...)

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

(...)

A Lei Orgânica do Ministério Do Ministério Público, Lei 8.625/93, dispõe nos mesmo termos:

Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem;

Já a Lei Complementar 75/93, Lei Orgânica do Ministério Público da União, atribui expressamente ao Ministério Público legitimidade para a defesa da probidade administrativa:

Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:

XIV - promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, especialmente quanto:

f) à probidade administrativa;

A própria Lei de Improbidade Administrativa, Lei 8.429/92, determina:

Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público."

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

(...)

§4º O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.

Ademais, compete ao Ministério Público fiscalizar a correta aplicação das verbas públicas e propor a ação civil pública decorrente de sua malversação, buscando proteger o patrimônio público, o qual sofreu prejuízo. Esse é o entendimento da doutrina especializada de Hugo Niegro Mazzilli:

Quando o Ministério Público defende o patrimônio público em juízo, em nada contraria sua natureza institucional, se será de todo ilógico que a Constituição e as leis legitimasse um único cidadão para defender o patrimônio de todos, mas negasse, essa possibilidade ao Ministério Público, encarregado que é de defender toda a coletividade [14].

Prossegue o autor:

O papel do Ministério Público é compatível com a defesa do erário, sim, mas por meio da legitimação extraordinária (daquele que, em nome próprio, defende direito alheio), não por meio da legitimação ordinária (daquele que em nome próprio defende direito próprio); e só deve empreendê-Ia quando houver uma razão especial para isso: quando o sistema de legitimação ordinária não funcione. Nesse sentido admite-se até mesmo o litisconsórcio facultativo entre o Ministério Público e a Fazenda no pólo ativo, em defesa do patrimônio público [15]. (MAZZILLI, 2008, p. 179).

O Superior Tribunal de Justiça pacificou sua posição, atribuindo ao Ministério Público a legitimidade para atuar em prol do patrimônio público, cuja defesa constitui interesse difuso passível de tutela mediante ação civil pública:

O artigo 129 da Constituição Federal estabeleceu que o Ministério Público tem legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública com o objetivo de ser resguardado o patrimônio público. Tal dispositivo constitucional ainda o legitima para a proteção de outros interesses difusos e coletivos, entre os quais se inclui, ante o interesse difuso na sua preservação, a defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa." (Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. RESP n.º 422.729/SP. Rel. o Exmo. Sr. Min. Castro Meira. Julgado em 22.03.2005. Votação unânime. DJU de 30.05.2005, p. 273).

Embora o patrimônio público, em sentido estrito (bens e valores de caráter puramente econômico da Fazenda), não seja interesse transindividual (nem difuso, nem coletivo, nem individual homogêneo), sua defesa pelo Ministério Público, por meio de ação civil pública, é expressamente admitida pela Constituição e pelas leis [16].

É esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, explicitado por meio de sua jurisprudência sumulada:

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Súmula 329 - o Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público' (DJ de 10/08/2006).

O Supremo Tribunal Federal compartilha da mesma posição, conforme acórdão abaixo:

CONSTITUCIONAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO. ART. 129, III, DA CF. Legitimação extraordinária conferida ao órgão pelo dispositivo constitucional em referência. hipótese em que age como substituto processual de toda a coletividade e, conseqüentemente, na defesa de autêntico interesse difuso, habilitação que, de resto, não impede a iniciativa do próprio ente público na defesa de seu patrimônio, caso em que o Ministério Público intervirá como fiscal da lei, pena de nulidade da ação (art. 17, § 4°, da Lei nº 8.429/92). Recurso não conhecido'. (RE 208790/SP, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 15.12.2000)

Com efeito, não desperta maior dúvida a legitimidade do Ministério Público para atuar em defesa do patrimônio público e da probidade administrativa, restando apenas definir se há interesse federal a justificar a atuação do Ministério Público Federal, ou estaríamos diante de atribuição do Ministério Público dos Estados.


4 – LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA FISCALIZAÇÃO DOS CONVÊNIOS DE REPASSE DE VERBAS FEDERAIS.

O interesse a justificar ou não a atuação do Ministério Público Federal possui estrita relação com a natureza e titularidade da verbas envolvidas. Naquelas hipóteses em que lesado o patrimônio público da União ou de ente federal, legitimado está o MPF para atuação. Isso decorre, além do próprio texto constitucional, da Lei Orgânica do Ministério Público da União. Resta definir se a verba ao ser repassada às municipalidade para execução do convênio perde a qualidade de federal. Essa discussão deve iniciar impreterivelmente pela definição da incorporação ou não da verba ao patrimônio municipal.

4.1 – Não Incorporação das Verbas ao Patrimônio Municipal.

A atribuição do MPF para fiscalização de verbas repassada às municipalidades vai depender de sua natureza, federal ou não, devendo-se diferenciar os repasses obrigatórios dos voluntário. Aqueles são os previstos a partir do art. 157 da Constituição Federal. Decorrem do princípio federativo e consistem na repartição das receitas derivadas, tributárias, dos entes maiores ao menores. Nesses casos, o ente federativo não possui opção sendo obrigado ao repasse. Deve-se entender que, apesar de arrecado pelo ente repassador, essas verbas não lhe pertencem, sendo receita do ente a que deve ser repassado. Apenas para fins contábeis esses valores são lançados em Receita Corrente, subgrupo Receita Tributária. Pois no mesmo momento são lançadas em Despesas Correntes, subgrupo Transferência Corrente.

Diferentemente, os repasses voluntário, como o nome diz, consistem em opção do ente repassador, ficando sujeitos aos critérios de oportunidade e conveniência, visando sempre o interesse público. Essas verbas quando repassados pela União ou órgão federal, diante do art. 71, VI da Constituição, devem ter suas contas prestadas e aprovadas pelo Congresso Nacional. Diferente das contas referentes aos repasses obrigatórios, em que a prestação de contas será processada pelo legislativo municipal.

Dessa forma, conclui-se que as verbas repassadas aos municípios por meio de convênio não integram a receita municipal. Compete ao município exclusivamente sua gestão na execução dos estritos termos acordados entre o município e a administração federal. Ao final, eventual saldo, seja qualquer o motivo, deve ser restituído à administração federal celebrante. Ressalta-se mais uma vez o dever de prestar contas.

Esse repasse de verbas federais não deve ser contabilizado como patrimônio municipal, mas transferido para conta específica para execução do objeto do convênio, ficando o município na qualidade de mero detentor.

Eventual irregularidade na utilização desses recursos, transferidos pela União, Autarquias Federais e Empresas Públicas Federais, atingirá patrimônio dessas pessoas e não do município.

Evidencia a não incorporação das verbas ao patrimônio do município a fiscalização feita sobre sua regular execução. Esta, em última análise, é realizada pelo próprio órgão repassador e julgadas pelo Tribunal de Contas da União. Ao final da apuração, sendo condenatória a decisão do TCU, constituir-se-á um título executivo a favor da União, cuja execução competirá à Advocacia-Geral da União. Se a verba constituísse patrimônio municipal, o julgamento se daria pelo Tribunal de Contas do Estado ou dos Municípios, sendo o título executivo em favor do município.

Em casos de repasse de verba federal, a jurisprudência tem entendido o interesse federal, logo a legitimidade do MPF:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

O interesse jurídico da União Federal no feito caracteriza-se pelo repasse de verbas federais ao município para a execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar e pela sua competência, materializada na atuação do FNDE e TCU, para a fiscalização da utilização dos respectivos recursos.

(TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2008.04.00.025458-6/RS; RELATORA : Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER; D.E.14/10/2008)

Nesse sentido, a aplicação será fiscalizada por meio de órgão federais, em especial pelo Tribunal de Contas da União.

Como explicitado, como estes recursos são transferidos para fins específicos, competindo à própria União a responsabilidade pela fiscalização e responsabilização dos gestores dos recursos, fica evidente que estes não são incorporados ao patrimônio do municipal.

Esta situação é completamente diferente dos recursos incorporados pela municipalidade, onde não há fiscalização por parte de órgão federal, nem, muito menos destinação dos recursos, podendo o município, dentro de sua discricionariedade, decidir onde e como aplicá-los. Exemplo dessa segunda hipóteses são os recursos oriundos da repartição de receitas tributárias. Neste caso, os recursos pertencem ao município, possuindo a União e os Estados a obrigação constitucional de repasse, independentemente da existência de convênio ou mesmo da vontade dos entes políticos.

No caso dos convênios, as verbas são apenas transferidas, permanecendo em contas específicas e separadas das contas do município, logo não se incorporando ao patrimônio desse.

Tal situação se adequa perfeitamente a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA. VERBAS FEDERAIS DESTINADAS AO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA. REPASSE AO MUNICÍPIO. SELEÇÃO E CONTRATAÇÃO DE FARMACÊUTICO. IRREGULARIDADES. ENVOLVIMENTO DE PREFEITO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. As verbas destinadas ao Programa Saúde da Família, transferidas pela União, não se incorporam ao caixa do município, pois o repasse ocorre fundo a fundo, ou seja, saem do Fundo Nacional da Saúde e ingressam no Fundo Municipal da Saúde, impedindo a sua utilização para fim diverso do da prestação de saúde à população, sendo contabilizada e administrada em conta apartada do caixa das receitas comuns, razão pela qual é competente a Justiça Federal para o processamento e julgamento de ação de improbidade administrativa contra o respectivo prefeito, nos termos da Súmula 208 do Superior Tribunal de Justiça. (TRF4, AG 2006.04.00.023817-1, Terceira Turma, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, DJ 29/11/2006) (grifou-se)

Merecem registro, ainda, os seguintes julgados do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a cuidar da competência em ações (cíveis e criminais) que discutiam especificamente desvio de recursos oriundos do Fundo Nacional de Saúde:

PROCESSO-CRIME. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. SUSTENTADA COMPETÊNCIA DE UMA DAS VARAS FEDERAIS ESPECIALIZADAS. RESOLUÇÃO CONJUNTA 5/2006 DO TRF DA 2a REGIÃO. CORTE ORIGINÁRIA QUE ENTENDEU NÃO ATENDIDO O CONCEITO NORMATIVO DE GRUPO CRIMINOSO ORGANIZADO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO NO CONJUNTO PROBATÓRIO PARA CONCLUIR-SE DE FORMA DIVERSA. INVIABILIDADE EM SEDE DE REMÉDIO CONSTITUCIONAL.

1. Tendo o Tribunal Regional Federal apontado como coator entendido que não foi atendido o conceito normativo de grupo criminoso organizado, trazido pela Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Internacional, não há o que se falar em competência de uma das Varas Federais especializadas em delitos cometidos por esse tipo de organização, nos termos da Resolução Conjunta 5/2006, do TRF da 2ª Região.

2. Para concluir-se de forma diversa, enquadrando o conceito de organização criminosa utilizado na denúncia àquele trazido pelo tratado internacional citado, necessário o revolvimento de todo o material fático-probatório amealhado e que deu ensejo ao oferecimento da exordial acusatória, procedimento inviável na via restrita do remédio constitucional.

3. Ordem denegada.

(HC 111.268/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 09/03/2009, grifei)

Em casos como este, é indiscutivelmente competente para processar e julgar a ação a Justiça Federal, conforme jurisprudência sumulada do Superior Tribunal de Justiça, logo presente a legitimidade do MPF:

Súmula 208 – Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal.

4.2 – Interesse Processual x Interesse Jurídico.

Um dos principais fundamentos para querer retirar a legitimidade ativa do MPF, e por consequência a competência da Justiça Federal, é que quando intimada a União para informar se possui interesse nas ações de improbidade propostas pelos MPF, muitas vezes se manifesta dizendo que não possui interesse na causa. Não integrando a União o feito por "não possuir interesse", não haveria motivo para a ação tramitar na Justiça Federal. Totalmente equivocada essa lógica.

Para solução da questão, deve-se inicialmente diferenciar interesse processual de interesse jurídico.

Inicialmente deve destacar a indisponibilidade do patrimônio público, cabendo ao órgão cedente o dever de fiscalizar, art. 6º do Decreto 6.170/07, e ao Tribunal de Contas da União o julgamento final das contas relativas ao convênio. Ao termino da apuração, sendo condenatória a decisão do TCU, constituir-se-á um título executivo a favor da União, cuja execução competirá à Advocacia-Geral da União. Ressalta-se que na execução do título, não competirá a AGU a análise desse juízo de discricionariedade quanto a propositura da execução, sendo vinculada e obrigada a fazer.

Diante das atribuições constitucionais do TCU, órgão responsável pela fiscalização da aplicação das verbas repassadas pela União por meio de convênio, fica evidente o interesse da União. Não há fundamento legal que justifique a União não ter interesse no mal uso de verbas federais. A indisponibilidade dos bens público impõe o interesse. A União não pode fazer esse juízo de valor. O que lei autoriza é que a União manifeste seu interesse em integrar a lide. O interesse na regular aplicação das verbas é presumido de forma absoluta pela própria Constituição Federal.

É esse o entendimento jurisprudencial quanto a matéria:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

O interesse jurídico da União Federal no feito caracteriza-se pelo repasse de verbas federais ao município para a execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar e pela sua competência, materializada na atuação do FNDE e TCU, para a fiscalização da utilização dos respectivos recursos.

(TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2008.04.00.025458-6/RS; RELATORA : Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER; D.E.14/10/2008)

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINSTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO. DESVIO DE VERBAS FEDERAIS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. Compete à Justiça Federal o processamento e julgamento de feitos em que se aprecia a malversação de recursos sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas da União, repassados a Municípios por força de convênio, hipótese dos autos. (TRF4, AG 2007.04.00.002483-7, Quarta Turma, Relator Valdemar Capeletti, D.E. 14/05/2007).

Com o repasse das verbas, surge o dever de acompanhar e fiscalizar a aplicação no exato objeto do repasse, responsabilizando os responsáveis pela aplicação irregular ou desvio. Nesse sentido, a aplicação será fiscalizada por meio de órgão federais, em especial pelo Tribunal de Contas da União.

Diferente é o interesse processual.

Quando a Advocacia-Geral da União se manifesta dizendo que não possui interesse na causa, entenda-se não possui interesse em ingressar na lide. Isso se deve ao fato de que nessas ações, a União ser litisconsorte facultativo. Como se sabe, a legitimidade para ações de improbidade administrativa é concorrente entre o Parquet e a pessoa jurídica de direito público. Já ficou claro a posição da União como litisconsorte facultativo.

Ostentando essa posição, a não intervenção do cedente no feito, não possui o condão de retirar a legitimidade ativa do MPF.

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Sobre o autor
Celso Costa Lima Verde Leal

Procurador da República. Ex-Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Público pela UNB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, Celso Costa Lima Verde. Legitimidade do Ministério Público Federal e a competência para ações de improbidade administrativa decorrentes de convênio com verbas federais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2640, 23 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17432. Acesso em: 25 abr. 2024.

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