Artigo Destaque dos editores

Legitimidade do Ministério Público Federal e a competência para ações de improbidade administrativa decorrentes de convênio com verbas federais

Exibindo página 3 de 3
23/09/2010 às 14:22
Leia nesta página:

5 – COMPETÊNCIA x LEGITIMIDADE ATIVA

O que se constata nas diversas decisões que entendem incompetente a Justiça Federal para ações de improbidade por má execução de convênio federais é um certa confusão entre competência e legitimidade ativa do Ministério Público Federal.

A análise da competência certamente é anterior e, por ventura, prejudicial à legitimidade ativa. Somente um juízo competente pode decidir sobre a legitimidade ativa do autor. Dessa forma, somente após se julgar competente, o juízo poderá se manifestar quanto a legitimidade ativa.

Como já ficou devidamente demonstrado, somente a Justiça Federal possui competência para proferir decisão em face do Ministério Público Federal, em especial em ações de improbidade. Eventual controvérsia, desloca-se da competência da Justiça Federal para a legitimidade do Ministério Público Federal, que para Belinetti (2001, p. 96) é "plausibilidade da afirmação de titularidade e legitimidade para agir feita na inicial [17]".

Essa é a verdadeira posição do Superior Tribunal de Justiça, manifestada em diversos precedentes que sucederam ao CC 40.534/RJ, inclusive no CC 100.300/PI, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 25/05/2009.

A exceção a esse posicionamento foi a decisão monocrática que fundamentou a procedente AC 2005.39.00.010034-5 do TRF 1.

Em decisão do Superior Tribunal de Justiça - RESP nº 440.002/SE, julgado em 18/11/2004, relatado pelo Ministro Teori Albino Zavascki, e julgado unanimemente, é possível identificar a diferença entre legitimidade e competência:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DE DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. MEIO AMBIENTE. COMPETÊNCIA. REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL. DISTINÇÃO ENTRE COMPETÊNCIA E LEGITIMAÇÃO ATIVA. CRITÉRIOS.

1. A ação civil pública, como as demais, submete-se, quanto à competência, à regra estabelecida no art. 109, I, da Constituição, segundo a qual cabe aos juízes federais processar e julgar "as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho". Assim, figurando como autor da ação o Ministério Público Federal, que é órgão da União, a competência para a causa é da Justiça Federal. 3. Não se confunde competência com legitimidade das partes. A questão competencial é logicamente antecedente e, eventualmente, prejudicial à da legitimidade. Fixada a competência, cumpre ao juiz apreciar a legitimação ativa do Ministério Público Federal para promover a demanda, consideradas as suas características, as suas finalidades e os bens jurídicos envolvidos. 4. À luz do sistema e dos princípios constitucionais, nomeadamente o princípio federativo, é atribuição do Ministério Público da União promover as ações civis públicas de interesse federal e ao Ministério Público Estadual as demais. Considera-se que há interesse federal nas ações civis públicas que (a) envolvam matéria de competência da Justiça Especializada da União (Justiça do Trabalho e Eleitoral); (b) devam ser legitimamente promovidas perante os órgãos Judiciários da União (Tribunais Superiores) e da Justiça Federal (Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais); (c) sejam da competência federal em razão da matéria - as fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF, art. 109, III) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI); (d) sejam da competência federal em razão da pessoa - as que devam ser propostas contra a União, suas entidades autárquicas e empresas públicas federais, ou em que uma dessas entidades figure entre os substituídos processuais no pólo ativo (CF, art. 109, I); e (e) as demais causas que envolvam interesses federais em razão da natureza dos bens e dos valores jurídicos que se visa tutelar. 6. No caso dos autos, a causa é da competência da Justiça Federal, porque nela figura como autor o Ministério Público Federal, órgão da União, que está legitimado a promovê-la, porque visa a tutelar bens e interesses nitidamente federais, e não estaduais, a saber: o meio ambiente em área de manguezal, situada em terrenos de marinha e seus acrescidos, que são bens da União (CF, art. 20, VII), sujeitos ao poder de polícia de autarquia federal, o IBAMA (Leis 6.938/81, art. 18, e 7.735/89, art. 4º ). 7. Recurso especial provido.

(STJ, REsp nº 440002 / SE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, j. 18/11/2004, DJ 06.12.2004 p. 195)'.


CONCLUSÃO

Como se demonstrou, para correta delimitação da matéria, faz-se necessária a análise de dois pontos individualmente, quais sejam a competência da Justiça Federal e a legitimidade ativa do Ministério Público Federal.

Com relação ao primeiro ponto, diante da competência Ratione Personae da Justiça Federal, de ser o MPF um órgão da União e da Natureza Federativa brasileira, não resta dúvida que toda e qualquer ação proposta pelo MPF em primeiro grau de jurisdição somente pode ser processada e julgada pela Justiça Federal.

Superada a definição da competência, deve-se definir a legitimidade ativa do MPF para eventual ação de improbidade decorrente da má execução de convênio federal. Mas antes disso, faz-se necessário definir a legitimidade do MPF, ainda em âmbito administrativo, para fiscalização da correta execução dos convênio federais e do próprio patrimônio público.

Como visto, a própria Constituição Federal de 1988, bem como a legislação infraconstitucional, atribuíram ao Ministério Público a condição de fiscal da lei, competindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Não há dúvida de que o patrimônio público sendo um bem jurídico de interesse público, está afeto à fiscalização por parte do Ministério Público.

Por fim, por tratar-se de verba repassada por órgãos federais para fins específicos, não sendo incorporadas ao patrimônio dos municípios, logo verbas federais que não perdem essa natureza apesar do repasse, resta ao Ministério Público Federal a fiscalização e tutela dessas verbas.

Ocorrendo malversação por parte de agente ímprobo, legitimidade disporá o MPF para âmbito da ação de improbidade administrativa.


BIBLIOGRAFIA

ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 5. ed. São Paulo: RT, 1996, p. 308-309.

BELINETTI, Luiz Fernando. Ação e Condições de Ação. RePro, 96, 2001.

CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil. V.2. Campinas: Bookseller, 1999, p. 104-105.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 18 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 13 e 14.

MARINONI, Juiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 3 ed. São Paulo: RT. 2004, p 49.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pág 208.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 3a ed. São Paulo: RT, 1977. p. 481

NERY JUNIOR, Nelson; Rosa Maria de Andrade Nery. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 366-367.

RINOVER, Ada Pellegrini. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 203.


Notas

  1. CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil. V.2. Campinas: Bookseller, 1999, p. 104-105.
  2. RINOVER, Ada Pellegrini. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 203.
  3. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 18 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 13 e 14.
  4. CARVALHO, op. Cit., p.13.
  5. (TRF4, AC 2004.04.01.000142-0, Quarta Turma, Relator Valdemar Capeletti, D.E. 21/02/2007); (TRF4, AG 2007.04.00.002483-7, Quarta Turma, Relator Valdemar Capeletti, D.E. 14/05/2007); TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2008.04.00.025458-6/RS; RELATORA : Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER; D.E.14/10/2008.
  6. Tribunal Regional Federal - 5ª Região. AC - Apelação Civel. 2003.83.00.024959-3. Primeira Turma Relator Desembargador Federal EMILIANO ZAPATA LEITÃO (Substituto). Data Julgamento 05/02/2009; Tribunal Regional Federal - 5ª Região. AGTR - Agravo de Instrumento. 2007.05.00.024458-0. Primeira Turma. Relator. Desembargador Federal FRANCISCO DE BARROS E SILVA (Substituto). Data Julgamento 14/08/2008; Tribunal Regional Federal - 5ª Região. AGTR - Agravo de Instrumento. 2006.05.00.074348-7. Primeira Turma. Relator Desembargador Federal FREDERICO PINTO DE AZEVEDO (Substituto). Data Julgamento 05/06/2008.
  7. MARINONI, Juiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 3 ed. São Paulo: RT. 2004, p 49.
  8. MARINONI, op. Cit., p 50.
  9. ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 5. ed. São Paulo: RT, 1996, p. 308-309.
  10. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 366-367.
  11. No mesmo sentido: REsp nº 737.972/PR, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 03.08.2007, REsp nº 526.982/MG, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 01.02.2006; REsp 886.524/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2007, DJ 13/11/2007 p. 524.
  12. 4. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 3a ed. São Paulo: RT, 1977. p. 481
  13. NERY JUNIOR, Nelson; Rosa Maria de Andrade Nery. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
  14. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pág 208.
  15. MAZZILLI, op. Cit., p. 179.
  16. MAZZILLI, op. Cit., p. 184.
  17. BELINETTI, Luiz Fernando. Ação e Condições de Ação. RePro, 96, 2001.
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Celso Costa Lima Verde Leal

Procurador da República. Ex-Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Público pela UNB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, Celso Costa Lima Verde. Legitimidade do Ministério Público Federal e a competência para ações de improbidade administrativa decorrentes de convênio com verbas federais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2640, 23 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17432. Acesso em: 5 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos