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Sigilo bancário em relação à administração tributária.

Existe direito individual a não ser fiscalizado?

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O sigilo bancário é oponível à Administração Tributária, que tem o dever/poder constitucional de fiscalizar?

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO: 1.1 O sigilo Bancário e a constituição de 1988 – ARTIGO 5º DA CF - 2. DESENVOLVIMENTO: 2.1 Evolução Histórica Do Conceito; 2.2 Conceito; 2.3 Natureza Jurídica; 2.4 Aspectos Legais; 2.5 O Sigilo Bancário antes da Lei Complementar 105/01; 2.6 A Lei Complementar 105 e o Decreto 3.724 de 2001 e seu Regulamento; 2.7 O Dever de Fiscalizar e de Guardar Sigilo das Informações Colhidas Da Impossibilidade de Retroação; 2.8 Da Possibilidade de Retroação; 2.9 Dos Direitos fundamentais à intimidade, à privacidade e ao sigilo de dados e seus limites; 2.10 Do conflito entre Direitos e sua Interpretação; 2.11 O fim da CPMF e a Quebra do Sigilo Bancário - 3. CONCLUSÃO - 4. BIBLIOGRAFIA


1.INTRODUÇÃO

Vivemos hoje, em uma época globalizada. O homem está cercado por um novo tipo de informação interativa, sustentada por poderosos meios tecnológicos, caracterizados por uma enorme capacidade de armazenamento e por uma grande velocidade de transmissão de dados. Apesar das vantagens que trazem, estes meios acabam por desumanizar as relações entre as pessoas.

O sigilo e a reserva passaram a ser barreiras, que o culto da informação e da "transparência", legitimamente, podem e devem derrubar.

Esta tendência fez com que o sigilo passasse a ser considerado um valor negativo, censurável, de forma que a ação contra ele se legitima como positiva e seja socialmente recomendável.

No caminho contrário a essa tendência e desse trabalho, há os que buscam demonstrar a necessidade de se preservar os sigilos profissionais, especificamente o sigilo bancário, como forma militante de defesa dos direitos individuais e da privacidade. Entrementes, não se pode diminuir a força que a defesa desses sigilos dão aos delinqüentes que utilizam-se dos mesmos como escudo para a prática de atos ilegais e alguns até mesmo criminais.

Em determinadas situações faz-se necessária a quebra de informações sigilosas, seja ela da melhor forma que convier a cada momento, em defesa de interesses maiores. No século atual, vivenciamos uma profunda crise de valores; o Brasil tomou conhecimento de que a instituição do dever do sigilo bancário pode proporcionar e potencializar a organização e o desenvolvimento de redes criminosas, que fazem prosperar a obtenção de dinheiro de forma ilegal. Sob a égide do dever de sigilo, muitas vezes, desenvolve-se a ocultação de fundos obtidos de maneira irregular.

Essa nova tendência, que se estabeleceu não só em nosso país, mas no mundo, levou várias jurisdições a rever os mecanismos de sigilo bancário, tendo que restringir o direito à liberdade dos indivíduos, e autorizar, ou até mesmo se manter indiferente, em casos específicos, que os bancos revelem determinados dados a respeito de seus clientes, que outrora não poderiam ser revelados.

Porém, como estabelecer os limites a esta ação? Em que situações é possível admitir a quebra do sigilo? Como se deverá proceder à essa quebra de sigilo?

Especificamente em relação ao sigilo bancário, tal figura é oponível à Administração Tributária que tem o dever/poder constitucional de fiscalizar? Em caso positivo, ocorre quebra de sigilo bancário quando a Administração Tributária tem apenas acesso às informações sigilosas, sem as divulgar e as utilizando apenas no processo administrativo fiscal ou no processo judicial?

Este é, portanto, o cerne da questão que será discutida neste trabalho. Há informações legítimas e ilegítimas. Há segredos que merecem ser resguardados e há segredos que devem ser revelados. Há quebras que necessitam de procedimentos formais e outras que não seguem um rito tão burocrático.

Apenas, por esta introdução, verifica-se que a questão é bastante controversa e não menos importante e atual. O assunto a ser aqui discutido tem despertado cada vez mais o interesse dos juristas e dos próprios bancos, pelos constantes conflitos nas relações jurídicas entre os estabelecimentos de crédito e seus clientes.

É nesse contexto que, neste trabalho, se pretende analisar existência do sigilo bancário, bem como sua oposição à Administração Tributária quando no exercício de seu dever/poder de fiscalização dos entes tributados.

1.1. O SIGILO BANCÁRIO E A CONSTITUIÇÃO DE 1988

Consoante ensinamento de Celso Ribeiro Bastos [01], a Constituição procura determinar os destinatários dos direitos individuais esclarecendo que a sua proteção se estende aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País.

O artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, em seus incisos X e XII dispõe que:

(...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual Penal.

Novamente sob a égide do pensamento de Celso Ribeiro Bastos [02], destacamos que:

o inciso oferece guarida ao direito à reserva da intimidade, assim como ao da vida privada. Consiste na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano. Esta proteção encontra, como visto, desdobramentos em outros direitos constitucionais que também se preocupam com a preservação das coisas íntimas e privadas, como, por exemplo, direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, o sigilo profissional e o das cartas confidenciais e demais papéis pessoais.

Em vista do exposto, parece claro que o sigilo bancário se enquadra, dentre os direitos constitucionais acima elencados, posto que se preocupa com a preservação da intimidade e da privacidade das movimentações financeiras dos indivíduos.

Não obstante, é preciso deixar expresso que a inclusão do sigilo bancário dentro da abrangência do conceito de "dados", protegido pelo inciso XII do art. 5º da CR/88, ocorre por meio de atividade hermenêutica. Sendo assim, nada impede que, dependendo da fundamentação interpretativa, ocorra a exclusão do chamado sigilo bancário do conceito de "dados", fazendo com que o mesmo perca esse status de direito individual fundamental.

Ainda, mesmo com esse status mencionado acima, em razão de que o sigilo bancário o auferiu por meio de atividade interpretativa, é por meio desta última que se deve realizar o esclarecimento da abrangência do próprio sigilo bancário. Nesse sentido é que, neste trabalho, pretende-se demonstrar que o mesmo não pode ser oposto à fiscalização pelo Estado, principalmente quando esta fiscalização envolver matéria tributária ou penal.

Nunca é demais lembrar que não existem direitos absolutos na Constituição. Os princípios da unidade, da máxima efetividade e da harmonia constitucional garantem que os direitos, ainda que fundamentais, devem conviver, ora cedendo espaço, ora se impondo em relação aos demais direitos constitucionais – por meio da ponderação constitucional – de acordo com as especificidades do caso concreto.

Concluindo essa parte introdutória, o sigilo bancário, bem como qualquer outro direito individual, mesmo constitucional, não pode servir de guarida para a prática de atos delituosos, criminosos ou mesmo para a simples prática de planejamentos tributários mais ‘ousados’.


2.DESENVOLVIMENTO

2.1.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO

O direito econômico, que compreende, dentre outras, as normas que regulamentam as instituições financeiras e o próprio sigilo bancário, é hoje, como o conhecemos, uma conseqüência do desenvolvimento econômico e jurídico da sociedade.

Antigamente, as operações bancárias possuíam e preservavam a conotação de sagrado, sendo que a violação das mesmas tomava o caráter de sacrilégio. Esta noção de sagrado permeava todas as relações humanas e revelava-se no mundo jurídico através do Direito Natural.

Foi na Grécia que se iniciou o processo de desmistificação da atividade bancária, dissociando-se esta da conotação religiosa que até então possuía. Porém, mantiveram-se as características de segredo e de discrição proveniente dos antigos hábitos sacerdotais.

A desvinculação total entre a obrigação religiosa e a bancária se deu mesmo em Roma, sendo que o cunho de "segredo" passou a ganhar contornos jurídicos. Os banqueiros, nesta época, exerciam seu ofício de modo mais público.

Na Idade Média, conhecida por muitos como a "época das trevas", devido ao cerceamento intelectual promovido pelo catolicismo, o sigilo bancário se mostrou novamente impositivo, visando manter ainda mais ocultas as atividades até então praticadas.

Já à "época das luzes", no Renascimento, começaram a despontar os primeiros grandes banqueiros, com isso disseminou-se e solidificou-se o instituo do sigilo bancário como sendo uma das bases do serviço bancário.

Na atualidade, tal instituto já se pode mostrar bastante consolidado, sendo ungido por normas jurídicas determinantes e ganhando importância cada vez maior em nossa sociedade globalizada em que tudo aparenta ser de todos.

Nelson Hungria [03] aponta que:

Na atualidade, é geralmente reconhecido que entre os confidentes necessários, legalmente obrigados à discrição, figuram os banqueiros (...). Em nenhuma outra atividade profissional é de se atender com mais adequação, a advertência de que a alma do negócio é o segredo.

2.2. CONCEITO

O art. 5º, XII, da CF/88, elenca quatro tipos de sigilos, da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas.

Quanto aos três primeiros, em interpretação literal, o próprio texto constitucional demonstra serem absolutos. Já em se tratando do sigilo das comunicações telefônicas, dispõe a CF/88 que "são invioláveis (...), salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual", ou seja, este tipo de sigilo é relativo. No entanto, conforme já destacado acima, e por demais sabido, não existem direitos absolutos. Dessa forma, utilizando-se formas mais adequadas de interpretação, tais como a sistemática e a teleológica, é possível perceber que até mesmo em relação aos outros sigilos é possível a relativização.

Ora, em interpretação teleológica é possível perceber que a finalidade da suposta inviolabilidade absoluta dos sigilos da correspondência, das comunicações telegráficas, e de dados, nada mais é que proteger o indivíduo de uma devassa em sua intimidade por motivo político, econômico ou qualquer outro sem propósito. Entrementes, tais sigilos não podem ser utilizados para protegê-lo de fiscalização, formal, regular e legalizada. Não há direito a não ser fiscalizado pelo Estado, principalmente quando se envolve o jus tributandi do Estado. No uso desse direito potestativo do Estado, este deve e pode fiscalizar o indivíduo da forma mais pertinente, mais ponderada, mais proporcional. Nesse ponto, o princípio da proporcionalidade aponta que, se razoável, adequada e proporcional em sentido estrito, o Estado deve lançar mão da quebra destes sigilos, deste que exista procedimento formalmente legalizado para tanto.

Também, a interpretação teleológica aponta que a relativização posta pelo próprio constituinte no inciso XII do art. 5º da CR/88 em relação ao sigilo telefônico não o tornou mais flexível que os demais, muito ao contrário. Tal relativização teve por escopo engessar a possibilidade de quebra do sigilo telefônico apenas às hipóteses, e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual. Nesse sentido, veja-se decisão do Supremo Tribunal Federal abaixo que possibilita a quebra de sigilo de dados:

"Sigilo de dados – Quebra – Indícios. Embora a regra seja a privacidade, mostra-se possível o acesso a dados sigilosos, para o efeito de inquérito ou persecução criminais e por ordem judicial, ante indícios de prática criminosa."

(HC 89.083, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19-8-2008, Primeira Turma, DJE de 6-2-2009.)

A decisão acima demonstra cabalmente o que aqui se defende no sentido de que o sigilo de dados, bem como os demais sigilos do inciso XII do art. 5º da CR/88 não é absoluto. Até mesmo porque, como se sabe, não existem direitos absolutos.

Já por interpretação sistemática é possível vislumbrar a possibilidade de quebra dos sigilos da correspondência, das comunicações telegráficas, e de dados, para harmonizar esse direito à intimidade individual com outros direitos e garantias constitucionais existentes no sistema constitucional. No que tem pertinência com o Direito Tributário, não é concebível que o constituinte tenha outorgado ao Estado o jus tributandi, possibilitando ao mesmo adentrar o patrimônio alheio e buscar a sua quota parte, sem que para tanto tenha possibilitado exercer o poder instrumental de fiscalizar os entes tributados. Dessa forma, em juízo de ponderação, os sigilos existentes no inciso XII do art. 5º da CR/88 devem coexistir, harmonicamente, com o dever/poder constitucional da Administração Tributária de fiscalizar.

Interessa-nos, neste estudo, o sigilo de dados, posto que, a nosso ver, o sigilo bancário nada mais é que uma espécie do gênero "sigilo de dados".

Ao analisar a primeira expressão, discorre o Sr. Juiz Tourinho Neto, citado na Revista da Associação Brasileira de Direito Tributário [04], que " o sigilo não se restringe à comunicação de dados. Dados, aí, referem-se a dado de informática, ao chamado banco de dados, que as empresas possuem para desenvolver seus negócios. São comunicações de dados contábeis".

Neste ponto, vislumbra-se a possibilidade de acolhimento por esta expressão daquela do "sigilo bancário", conforme mencionado acima.

De forma diametralmente oposta ao aqui sustentado, há os que defendem que em sendo o sigilo de dados absoluto, consoante a própria Constituição, e absorvendo, aquele, a figura do sigilo bancário, tem-se que deveria ser este também absoluto não sendo sua violação passível nem mesmo mediante autorização judicial.

O que se dá, porém, é o contrário.

Na inteligência de Sérgio Carlos Covello [05], tem-se que o instituo do sigilo bancário consiste na "obrigação que têm os Bancos de não revelar, salvo justa causa, as informações que venham a obter em virtude de sua atividade profissional". Ou seja, a inviolabilidade, se existente para os dados bancários, consiste-se na proibição de que as instituições financeiras, possuindo tais dados bancários, utilizem os mesmos para fins ilegais, seja de coação do cliente, divulgação por qualquer razão que não seja justificável. Mas, de modo algum para criar um escudo ou uma área de não fiscalização para os contribuintes.

Revela-se, aqui, uma preocupação com o uso das palavras, principalmente quanto à aplicação da expressão obrigação ao invés da utilização da expressão dever.

Tal preocupação se dá porque o uso da palavra obrigação possibilita o convencimento de que há, na verdade, em se tratando de sigilo bancário, uma relação em que, de um lado encontra-se a instituição financeira com sua prestação voltada para o segredo, a garantia de segurança e, de outro, acha-se o credor, cliente que produz a circulação de riquezas da instituição, através de investimentos e manutenção de contas.

Verifica-se, assim, que há uma interdependência entre a instituição financeira e o cliente, sendo que a base da relação se da na confiança do cumprimento, por cada um, de suas parcelas obrigacionais.

A negativa de informações, dados ou registros pessoais do contribuinte, para fins que não sejam o de fiscalização pelo ente estatal é de fundamental importância para a manutenção das instituições financeiras, já que é deste compromisso que sobreveio o fortalecimento bancário.

A Academia Brasileira de Letras Jurídicas possui um Dicionário que determina o seguinte conceito para sigilo bancário:

é o comportamento ético exigido de todas as instituições financeiras, no sentido de preservarem de terceiros, salvo motivo legal, os dados de que disponham relativos aos seus clientes.

Nesse sentido, observa-se que o conceito acima exposto, em congruência ao que neste trabalho se defende, apresenta a hipótese em que o sigilo bancário não deve ser utilizado: "salvo motivo legal".

Segundo FARHAT, o sigilo bancário se caracteriza:

como sendo a obrigação do banqueiro – a benefício do cliente – de não revelar certos fatos, atos, cifras ou outras informações de que teve conhecimento por ocasião do exercício da sua atividade bancária e notadamente aqueles que concorrem a seu cliente, sob pena de sanções muito rigorosas, civis, penais e disciplinares. [06]

Trata-se de uma obrigação legal e contratual, que deve ser cumprida pelo banqueiro, quando este, no exercício da atividade bancária, tem acesso a informações atinentes ao seu cliente.

Ainda segundo outra jurista, Maria José Oliveira Lima Roque, o sigilo, é considerado, ora como um dever, ora como obrigação dos bancos e que atinge não só a conta bancária, mas também os dados ou outras informações dos clientes. O segredo é da essência dessas instituições e a manutenção deste deve ser, sem dúvida, uma de suas prerrogativas principais.

Porém, não há como tais instituições desconsiderarem as ressalvas legais, desde que estas se apresentem constitucionalmente viáveis, como é o caso da fiscalização tributária pela Administração Estatal.

2.3.DA NATUREZA JURÍDICA

Já que expomos como conceito basilar aquele disposto por Sérgio Carlos Covello [07], é consoante sua inteligência que analisaremos o aspecto da natureza jurídica do sigilo bancário.

Sendo assim, tem-se que a natureza jurídica do sigilo bancário é de uma obrigação jurídica, ou seja, de "vínculo pelo qual o Banco fica sujeito a cumprir uma prestação em proveito de outrem.". Enquadrando a visão do sigilo bancário enquanto obrigação jurídica, acaba-se por afastar, de certa forma, tal visão da noção de dever simplesmente ético e moral.

O sigilo bancário ultrapassa, com isso, os limites da moralidade. Ganha monção de direito. Apresenta-se enquanto obrigação jurídica. Atravessa a esfera do Direito Natural, do senso moral inerente ao homem, e ganha caráter positivo, constitucionalmente resguardado.

De toda forma, mesmo sendo obrigação jurídica, esta não pode ser imposta à Administração Tributária, quando esta está exercendo e operacionalizando, por meio de atos de fiscalização, o seu jus tributandi.

2.4.ASPECTOS LEGAIS

Com respaldo na ótica do excelente doutrinador Nelson Abrão [08], destaca-se, quanto ao aspecto legislativo, a existência de três grupos, de três correntes legislativas que abordam a questão da quebra do sigilo bancário. Quanto a tais correntes, convêm-nos destacar o que dispõe cada uma.

Sendo assim, tem-se que, quanto à primeira corrente, conhecida como anglo-saxônica, não há que se falar em legislação pertinente, devendo tal matéria ser regulada com base no costume.

Em relação à segunda corrente, tem-se que, o sigilo bancário ganha proteção, por demais reforçada, em decorrência dos próprios costumes rígidos locais, que são na verdade o liame de partida para o conceito de sigilo de dados, exemplo desta, pode-se citar a legislação libanesa.

Já na terceira corrente, na qual se enquadra o Brasil, o sigilo bancário é respaldado por diversos diplomas normativos, sendo estes os mais diversos, porém, sem perder um pouco do caráter protecionista da matéria em comento. Sendo, portanto, o sistema adotado no Brasil é o mesmo dos países da Europa Continental.

Nosso Código Penal trata, claramente, da matéria no art. 154 [09], que expõe acerca da violação do segredo profissional [10]. Também o art. 144 do nosso Código Civil dispõe acerca da matéria [11]. Além disso, o Código de Processo Penal chama atenção, em seu art. 207, sobre a proibição de revelação de segredo por parte daqueles que, por profissão, são obrigados a mantê-lo [12].

A lei n.º. 4.595, de 1964, instituiu o dever de guarda do sigilo bancário de modo mais específico. Em seu art. 38, caput, disciplina que "as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados".

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Atualmente, encontra-se em vigência dois institutos reguladores do sigilo bancário, a Lei Complementar n.º. 105, de 2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, e o Decreto n.º 3.724, de 2001. Vale aqui destacar ainda que o Decreto n°. 3.724, de 2001, regulamenta o art. 6º da Lei Complementar supra citada, relativamente à requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal (hoje SRFB – Secretaria da Receita Federal do Brasil), de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas.

Quanto à quebra do sigilo bancário, há outras legislações, também pertinentes, como a Instrução Normativa n°. 802, de 2007, da qual trataremos mais adiante, cujo conhecimento pode facilitar ainda mais o entendimento da matéria.

2.5. O SIGILO BANCÁRIO ANTES DA LEI COMPLEMENTAR 105

O sigilo bancário era inteiramente disciplinado pela Lei nº. 4.595, de 1964, cuja inteligência somente podia ser feita à luz da Constituição de 1988 (filtro constitucional), pressupondo, assim, que sua ‘quebra’ somente poderia ocorrer após representação encaminhada ao Poder Judiciário, no meio de processo judicial (cláusula de reserva constitucional de jurisdição).

O Supremo Tribunal Federal, em março de 1992, se pronunciou acerca da questão na PET 577-5 DF (Questão de Ordem). Dos votos exarados pelos ministros da corte naquele momento histórico se pôde ter uma visão de como o sigilo bancário era visto até antes da edição da Lei Complementar n°. 105, de 2001.

O Ex-Ministro Carlos Velloso, em seu voto, esclareceu que o sigilo bancário é consagrado pela Constituição como uma espécie de direito à privacidade, inerente à personalidade das pessoas e que, além de proteger interesses privados, atenda a uma finalidade de ordem pública, qual seja a de proteção do sistema de crédito. Acrescentou que ele (sigilo bancário) não é um direito absoluto, devendo ceder diante do interesse público, do interesse da justiça e do interesse social. Entretanto, o segredo há de ceder na forma e com observância de procedimento estabelecido em lei.

As exceções ao sigilo bancário estavam, basicamente, nos parágrafos do art. 38 da Lei nº. 4.595, de 1964. O Poder Judiciário podia requisitar, relativamente a pessoas e instituições, informações que implicavam na quebra do sigilo (§ 1º, do art.38), contudo, esta faculdade conferida ao judiciário pressupunha que a autoridade judiciária procedesse com a cautela, prudência e moderação inerente à própria magistratura.

Enfim, o segredo bancário somente podia ser afastado diante, por exemplo, de um procedimento criminal ou de um inquérito policial formalmente instaurado, em que houvesse indiciamento do acusado, com a indicação do delito praticado, com, pelo menos, um início de prova relativamente à autoria e à materialidade.

No mesmo sentido, o eminente Ministro Celso de Mello acrescentou que, sem elementos fundados de suspeita, como a existência concreta de indícios idôneos e reveladores de possível autoria de prática delituosa, não há como autorizar a "disclosure" das informações bancárias reservadas, eis que o mero status suspicionis sem outros dados mais consistentes, não pode legitimar a derrogação do princípio tutelar da intimidade.

Por sua vez, o Ex-Ministro Sepúlveda Pertence entendeu ser indispensável a relação de pertinência entre a prova pretendida com as informações bancárias e o objeto das investigações em curso. Já o Ex-Ministro Célio Borja entendeu ser necessário que se demonstrasse que a providência requerida fosse indispensável, fundamental para a demonstração de algum fato ou tese que se iria articular no libelo, ou seja, o juiz deveria ser convencido de que a quebra do sigilo bancário é indispensável ao êxito da investigação, devendo ser informado a que conduz e em que se baseia o pedido de quebra.

Assim, era o Poder Judiciário que afastava o sigilo bancário, mormente em matéria penal, à luz da Lei nº. 4.595, de 1964, mas não era livre para fazê-lo, devendo manter-se o cumprimento de determinados requisitos materiais.

Na visão de James Marins:

O sigilo bancário e fiscal é limitação relacionada com o sigilo de dados, encontrado no art. 5º, X e XII da Constituição Federal de 1988, e que se estende à atividade fiscalizatória da Administração tributária. É, portanto, garantia individual que limita a atividade de fiscalização da Administração tributária ao não permitir que no bojo de procedimento ou Processo Administrativo haja quebra do sigilo constitucional ínsito aos dados bancários e fiscais dos contribuintes, especialmente expresso no art. 198 do CTN. [13]

A Lei Complementar n°. 105, de 2001, veio, então, para transformar o que era anteriormente discutido apenas no âmbito doutrinário e jurisprudencial em matéria tratada por Lei. No entanto, diversos doutrinadores discordam da constitucionalidade da referida Lei, como, por exemplo, Miguel Reale e Ives Gandra da Silva Martins, que acreditam que tal lei é inconstitucional, comentando que:

Exceção às CPIs, para as quais são inerentes poderes próprios de investigação judicial por outorga constitucional, não podem outros órgãos, poderes ou entidades não autorizados pela Lei Maior quebrar o sigilo bancário e, pois, afastar o direito à privacidade independentemente de autorização judicial, a pretexto de fazer prevalecer o interesse público, máxime quando não têm o dever de imparcialidade por serem PARTE na relação mantida com o particular. [14]

Assim, não se sabe se a Lei Complementar em questão trouxe uma pacificação ao assunto do sigilo bancário, ou apenas acrescentou mais um ponto de conflito ao caso.

Entrementes, é essencial destacar o equívoco da conclusão acima descrita, tendo em vista alguns aspectos.

Em primeiro lugar, não há que se falar em não autorização pela Lei Maior. A eventual quebra de sigilo bancário, caso este esteja realmente inserido dentro do direito de sigilo de dados, não foi atribuída pela CR/88 somente ao poder judiciário. Conforme destacado no início desse trabalho, no inciso XII do art. 5º da CR/88, o constituinte reservou exclusivamente ao poder judiciário a quebra do sigilo telefônico, não o fazendo em relação aos demais sigilos albergados pelo mencionado inciso constitucional. Ou seja, mencionada quebra de sigilo bancário não está dentro da chamada cláusula constitucional de reserva de jurisdição.

Em segundo lugar, o acesso a informações bancárias sigilosas por parte da Administração Tributária Federal, como autorizado em algumas circunstâncias pela LC 105/2001, não importa necessariamente em quebra de sigilo bancário, e, por conseqüência, não importa necessariamente em "afastar o direito à privacidade", como acima pretendeu demonstrar os ilustres Miguel Reale e Ives Gandra da Silva Martins. Inclusive, as hipóteses em que a mencionada Lei Complementar autoriza acesso à Secretaria da Receita Federal do Brasil são específicas e intimamente ligadas ao dever/poder que tem este órgão fiscalizador da relação jurídico tributária. Em resumo, a autorização legal não é despropositada.

E uma terceira razão pela qual entende-se equivocada a opinião de tão ilustres e doutos operadores do Direito é o fato de que há que ser considerado o princípio de presunção de constitucionalidade das leis. O Supremo Tribunal Federal, em algumas oportunidades, foi instado a se manifestar sobre a constitucionalidade de artigos da LC 105/2001. Entrementes, nessas oportunidades, prevaleceu a constitucionalidade, conforme abaixo se transcreve:

"A Lei Complementar 105, de 10-1-2001, não conferiu ao Tribunal de Contas da União poderes para determinar a quebra do sigilo bancário de dados constantes do Banco Central do Brasil. O legislador conferiu esses poderes ao Poder Judiciário (art. 3º), ao Poder Legislativo Federal (art. 4º), bem como às comissões parlamentares de inquérito, após prévia aprovação do pedido pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do plenário de suas respectivas Comissões Parlamentares de Inquérito (§ 1º e 2º do art. 4º). Embora as atividades do TCU, por sua natureza, verificação de contas e até mesmo o julgamento das contas das pessoas enumeradas no art. 71, II, da CF, justifiquem a eventual quebra de sigilo, não houve essa determinação na lei específica que tratou do tema, não cabendo a interpretação extensiva, mormente porque há princípio constitucional que protege a intimidade e a vida privada, art. 5º, X, da CF, no qual está inserida a garantia ao sigilo bancário(...)"

(MS 22.801, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 17-12-2007, Plenário, DJE de 14-3-2008.)

2.6. A LEI COMPLEMENTAR 105 E O DECRETO 3.724 DE 2001 E SEU REGULAMENTO

Finalmente, inovando com a estrutura anterior, foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República a Lei Complementar nº. 105, de 2001. O art 1º desta lei, em seu parágrafo 3º, dispõe que:

§ 3º Não constitui violação do dever de sigilo:(...)

VI – a prestação de informações nos termos e condições estabelecidas nos artigos 2º,3º,4º,5º,6º,7º e 9º desta Lei Complementar.

O art. 6º, por sua vez, prevê que:

As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

Como se pode verificar, esta lei faz residir no Poder Executivo, mais especificamente na "autoridade administrativa competente", o poder de examinar dados e documentos envoltos pelo sigilo bancário dos contribuintes, sempre que entender ser esta providência indispensável, desde que haja processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso. Dessa forma, pelo que previsto no texto normativo, não necessariamente, há a "quebra" do sigilo bancário de forma desprovida de razoabilidade por parte da Administração Tributária Federal.

O cerne do debate encontra-se na palavra "administrativa", o que afasta a anterior obrigatoriedade legal de prévia análise judicial. Nesse ponto, importante destacar que a obrigatoriedade de que a mencionada "quebra" do sigilo bancário tivesse curso no poder judiciário era advinda de lei, ou seja, a cláusula de reserva de jurisdição era legal – determinada pela Lei nº. 4.595/64 – e não constitucional. Em sendo assim, perfeitamente cabível o advento de lei nova que deixasse de reservar exclusivamente ao judiciário tal providência. E nesse sentido, o fez muito bem. Seja por razões de interesse público, seja por razões práticas mesmos. Ora, não faz sentido algum que a cada procedimento de fiscalização o judiciário fosse instado a permitir o exame de documentos protegidos pelo sigilo bancário.

Imagine-se a infinidade de procedimentos de fiscalização que ao final redundaria na verificação de que o ente tributado fiscalizado agiu corretamente. Nesses casos, por exemplo, o judiciário teria sido movimentado de forma completamente inútil, tendo em vista a inexistência de lide. Fora que, afirmar que existiria lide no fato de que o ente fiscalizado tem direito a não ser fiscalizado é engrandecer de forma descabida os direitos individuais em detrimento dos interesses coletivos.

O Decreto n.º. 3.724/2001 veio regulamentar o art. 6º da Lei Complementar n.º. 105/2001, relativamente à requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal, hoje Secretaria da Receita Federal do Brasil, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas.

O art. 2º deste decreto prevê que a Secretaria da Receita Federal, por intermédio de servidor ocupante do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal, somente poderá examinar informações relativas a terceiros, constantes de documentos, livros e registros de instituições financeiras e de entidades a elas equiparadas, inclusive os referentes a contas de depósitos e de aplicações financeiras, quando houver procedimento de fiscalização em curso e tais exames forem considerados indispensáveis. Ou seja, o servidor ocupante do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal legalmente autorizado a examinar os documentos bancários sigilosos não o poderá fazer por mera curiosidade.

O procedimento de fiscalização somente terá início por força de ordem específica, denominada Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), instituído em ato da Secretaria da Receita Federal. Contudo, no caso de flagrante constatação de prática de infração à legislação tributária, em que a retardação do início do procedimento fiscal coloque em risco os interesses públicos defendidos pela Fazenda Nacional, ante a possibilidade de subtração de prova, o Auditor-Fiscal da Receita Federal deverá iniciar imediatamente o procedimento fiscal, e, no prazo de cinco dias, contado de sua data de início, será expedido o MPF especial, do qual será dada ciência ao sujeito passivo.

Prevê ainda o decreto que o Mandado de Procedimento Fiscal não será exigido nas hipóteses de procedimento de fiscalização: realizado no curso do despacho aduaneiro; interno, de revisão aduaneira; de vigilância e repressão ao contrabando e descaminho, realizado em operação ostensiva; relativo ao tratamento automático das declarações (malhas fiscais). A autoridade fiscal competente para expedir o MPF é o ocupante do cargo de Coordenador-Geral, Superintendente, Delegado ou Inspetor, integrante da estrutura de cargos e funções da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Os exames das informações relativas a terceiros, constantes de documentos, livros e registros de instituições financeiras e de entidades a elas equiparadas, inclusive os referentes a contas de depósitos e de aplicações financeiras, somente serão considerados indispensáveis nas seguintes hipóteses previstas no art. 3º:

I – sub avaliação de valores de operação, inclusive de comércio exterior, de Aquisição ou alienação de bens ou direitos, tendo por base os Correspondentes valores de mercado;

II – obtenção de empréstimos de pessoas jurídicas não financeiras ou de Pessoas físicas, quando o sujeito passivo deixar de comprovar o efetivo Recebimento dos recursos;

III – prática de qualquer operação com pessoa física ou jurídica residente ou Domiciliada em país enquadrado nas condições estabelecidas no art. 24 da Lei nº. 9.430, de 27 de dezembro de 1996;

IV – omissão de rendimentos ou ganhos líquidos, decorrentes de aplicações Financeiras de renda fixa ou variável;

V – realização de gastos ou investimentos em valor superior à renda Disponível;

VI – remessa, a qualquer título, para o exterior, por intermédio de conta de Não residente, de valores incompatíveis com as disponibilidades declaradas;

VII – previstas no art. 33 da Lei nº 9.430, de 1996;

VIII - pessoa jurídica enquadrada, no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), nas seguintes situações cadastrais:

a)cancelada;

b)inapta, nos casos previstos no art. 81 da Lei nº 9.430, de 1996:

IX – pessoa física sem inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) Ou com inscrição cancelada;

X – negativa, pelo titular de direito da conta, da titularidade de fato ou Da responsabilidade pela movimentação financeira;

XI – presença de indício de que o titular de direito é interposta pessoa Do titular de fato" (art.3º, do Decreto nº 3.724)

Não obstante, não se aplica o disposto nos incisos I a VI, quando as diferenças apuradas não excederem a dez por cento dos valores de mercado ou declarados, conforme o caso. Considera-se indício de interposição de pessoa, para os fins do inciso XI, quando:

I – as informações disponíveis, relativas ao sujeito passivo, indicarem Movimentação financeira superior a dez vezes a renda disponível declarada Ou, na ausência de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, o Montante anual da movimentação foi superior ao estabelecido no inciso II Do § 3º do art. 42 da Lei nº 9.430, de 1996;

II – a ficha cadastral do sujeito passivo, na instituição financeira, ou Equiparada, contenha:

a)informações falsas quanto a endereço, rendimentos ou patrimônio; ou

b)rendimento inferior a dez por cento do montante anual da movimentação," (§ 2º, do art. 3º)

A requisição das informações acima referidas será formalizada pelas autoridades competentes para expedir o MPF, mediante documento denominado Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira (RMF) e será dirigida, conforme o caso, ao Presidente do Banco Central do Brasil, ou a seu preposto; ao Presidente da Comissão de Valores Mobiliários, ou a seu preposto, ao presidente da instituição financeira, ou entidade a ela equiparada, ou a seu preposto; ou ao gerente de agência.

Não obstante, a RMF será precedida de intimação ao sujeito passivo para apresentação de informações sobre movimentação financeira, necessárias à execução do MPF. A RMF será expedida com base em relatório circunstanciado, elaborado pelo Auditor-Fiscal, no qual deverá constar a motivação de sua expedição, demonstrando, com precisão e clareza, tratar-se de situação enquadrada em uma das hipóteses de indispensabilidade, observado o princípio da razoabilidade.

Essas informações requeridas compreendem dados constantes da ficha cadastral do sujeito passivo e os valores, individualizados, dos débitos e créditos efetuados no período. O art. 7º, no entanto, prevê que as informações, os resultados dos exames fiscais e os documentos obtidos em função do disposto neste Decreto serão mantidos sob sigilo fiscal, na forma da legislação pertinente.

Evidentemente, poder-se-ia vislumbrar uma suposta vulnerabilidade. Entrementes, esta, se existente, advém da própria relação jurídica tributária e não do procedimento fiscalizatório.

2.7. O DEVER DE FISCALIZAR E DE GUARDAR SIGILO DAS INFORMAÇÕES COLHIDAS

Para aqueles que defendem a quebra sigilo bancário nos moldes que propõe a Lei Complementar n.°. 105/2001 - como neste trabalho se defende – há entendimento de que a quebra do sigilo pelo fisco é apenas um reflexo do poder de fiscalizar as contas dos contribuintes. Nos dizeres de Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Citado por Eivany A Silva (2005:32):

fiscalizar é um dos sentidos da palavra controlar, significa vigiar, verificar nos casos de autoridade, censurar. Fiscalização é, pois, a vigilância donde verificação continuada e, detectada a anormalidade, é censura. O acesso continuado a informações faz parte da fiscalização. Sem isso não há vigilância. O acesso intermitente, na verificação da anormalidade, faz parte da censura, que implica castigo, punição.(...)

A competência da administração fazendária para o exercício da função fiscalizadora encontra embasamento constitucional em vários dispositivos.

Paulo Nogueira Batista Júnior (2001:230) afirma que:

A constituição federal dispõe em seu art. 145§ 1º, que é facultado a Administração Fiscal, para garantir o princípio da capacidade econômica, identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades dos contribuintes, (...)

Quem tem os fins deve ter os meios. Portanto se o dever de contribuir pode ser descumprido, compete ao Estado conferir a observância desse dever, em face da lei, isto é, exercer sua função indeclinável e obrigatória de fiscalizar os contribuintes.(...)

A nova lei simplesmente veio regular uma competência constitucional do Fisco, qual seja, a de fiscalizar a arrecadação de impostos. Deste modo, o acesso às informações bancárias dos contribuintes instituído pela Lei complementar n°. 105, de 2001, é uma decorrência do dever de fiscalização do Estado, atribuído, por lei, à administração fiscal, objetivando principalmente a eficácia dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da igualdade (CF, art. 145, § 1º), e, consequentemente, a construção de uma sociedade mais justa. Assim sendo, a administração fazendária deve ter os meios legais para a conferência fiscal.

Algumas correntes, afirmam, ainda, que com a Lei Complementar n°. 105, de 2001, não há quebra do sigilo bancário, uma vez que a própria Lei impõe às autoridades administrativas que tiverem acesso às informações o dever de guardar sigilo. Trata-se, segundo alguns defensores, de uma transferência do dever de sigilo para a Administração tributária, ou seja, o sigilo que era bancário torna-se sigilo fiscal.

Nesse sentido é o entendimento do tributarista Oswaldo Othon de Pontes SARAIVA FILHO [15], ao escrever sobre o poder fiscal do Estado:

A partir da entrega para as autoridades tributárias dos documentos, livros ou registro de instituições financeiras, inclusive dos informes referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, como agora autorizam os arts. 5º e 6º da LC nº 105, o sigilo bancário não é quebrado, mas apenas se transfere à responsabilidade das autoridades administrativas solicitantes e dos agentes fiscais que a eles tenham acesso no estrito exercício de suas funções.

Em sentido contrário, digna de nota é a citação feita por Ives Gandra da Silva Martins (1995:15), que pretendia alterar o art. 145 da Carta Política, onde havia previsão para a quebra do sigilo bancário pelo fisco, nos termos que dispõe hoje a Lei Complementar n.°. 105, de 2001.

De acordo com os ensinamentos do ilustre jurista, a transferência do sigilo bancário para o Fisco coloca-o em uma situação conflitante, pois, primeiro, se tem acesso às informações não podendo utilizá-las, guardando sigilo sobre os dados que lhe foram transferidos; segundo, se ao atuar faz utilização dos dados obtidos quebraria o sigilo que tem o dever de guardar e, consequentemente, infringiria a Constituição Federal.

Não obstante digna de respeito, a posição acima mencionada parece ultrapassada. Faz parte da atividade de fiscalização e tributação a conferência de dados dos entes tributados. Entender que esta conferência, e eventual uso em autuação fiscal, é quebra de sigilo, seja de dados, seja sigilo bancário, é, na verdade, pretender dar imunidade a todos os entes tributados. Ora, somente poderão ser fiscalizados os dados que os próprios entes tributados fornecerem à fiscalização? Embora desejável, não se está a viver em um mundo dominado pelos conceitos morais de Kant. Dessa forma, a posição defendida por Ives Gandra da Silva Martins é no mínimo rasa e ingênua.

2.8. DA POSSIBILIDADE DE RETROAÇÃO

Faz-se mister destacar que, em caso de exame dos dados albergados pelo sigilo bancário, não há que se falar em existência de ato jurídico perfeito ou irretroatividade do direito adquirido. Caso o crédito tributário tenha como fato gerador período que ainda não decaiu (cinco anos – art. 173 do CTN), não há nada que impossibilite a constituição do mesmo.

Sendo assim, possível a utilização de dados obtidos por meio do acesso aos registros bancários do contribuinte para constituição de possível crédito tributário pretérito. Destaca-se, aqui, o disposto no art. 11 da Lei n°. 9.311, de 1996, verbis:

Art.11 – Compete a Secretaria da Receita Federal a administração da contribuição, incluídas as atividades tributação, fiscalização e arrecadação. (...)

§ 3º A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores. (Redação dada pela Lei nº 10.174, de 2001)

Portanto, e com base no exposto acima, é plausível a retroatividade da utilização dos registros bancários para obtenção de dados pretéritos a fim de se configurar crédito tributário. Por óbvio, tal retroatividade deve respeitar o período qüinqüenal de decadência tributária (CTN e Súmula Vinculante n.º. 08 do STF).

2.9. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À INTIMIDADE, À PRIVACIDADE E AO SIGILO DE DADOS E SEUS LIMITES.

Vale lembrar, inicialmente, que o artigo 5° da CF/88 em nenhum momento trata expressamente do sigilo bancário, todavia o mesmo pode ser entendido como um dos instrumentos garantidores do direito a intimidade. Filosoficamente, parece no mínimo duvidoso confundir intimidade classicamente postulada no ideário revolucionário francês com o vil metal, mas, repita-se, existem vozes que merecem todo respeito e admiração que identificam o sigilo bancário com o direito a intimidade.

Mesmo que o raciocínio que identifica o sigilo bancário com a intimidade esteja correto, data máxima vênia, deve-se frisar que tal matéria não está sujeita a reserva constitucional de jurisdição. Efetivamente a Constituição quando pretende que determinado direito fundamental esteja acobertado pela reserva constitucional de jurisdição, o faz expressamente como, por exemplo, na inviolabilidade do domicílio, na proibição de interceptação telefônica; logo a intimidade de per si não pode ser sempre considerada como somente atingível por ordem judicial.

Veja-se que é mais ofensivo à intimidade o direito que a Administração possui de verificar o conteúdo de uma mala de qualquer passageiro que desembarca em território nacional, do que a simples verificação dos valores de uma conta bancária. No entanto, ninguém questiona a constitucionalidade da primeira medida sem ordem judicial, da mesma forma como o fazem para a segunda. Repita-se que se a Constituição deu o fim, por óbvio, permitiu o meio, que no caso é a fiscalização de registros bancários pela autoridade fiscal.

Destaque-se ainda que em outra passagem a Constituição é clara ao prestigiar como fundamento da ordem econômica a livre iniciativa. Parece-nos claro que a empresa que não paga suas obrigações em dia viola a livre concorrência, posto que ao não pagar o tributo é evidente que diminui suas despesas de produção e por conseqüência pode disputar com preços mais acessíveis o mercado de trabalho.

Em casos com esse jaez o sigilo bancário não pode prevalecer contra a própria constituição e, quanto mais mecanismos o Estado possuir no combate a esses elementos conflitantes, mais será respeitada a força normativa da Constituição.

As leis restritivas do direito ao sigilo bancário sempre suscitaram em seu bojo inúmeros questionamentos, colocando em pólos distintos princípios igualmente importantes. Diante de tais conflitos surgem indagações. O que deve prevalecer? O direito à privacidade, à intimidade, à não violação dos dados alçados à garantia fundamental ou o interesse público do combate à sonegação fiscal? Existe direito fundamental individual a não ser fiscalizado?

PAULO BONAVIDES, em sua obra de Direito Constitucional, ensina que os direitos fundamentais de 1º geração ou direitos da liberdade, são aqueles oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais marcante, mais característico. Enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o poder do estado.

Dos ensinamentos de BONAVIDES extrai-se que o direito à intimidade e à privacidade, compreendidos nos direitos de primeira geração, é um direito do indivíduo de se opor, se negar e resistir a interferência de terceiros, aí incluído o Estado, em sua intimidade e sua vida privada.

Ocorre que mesmo sendo o direito à intimidade e à privacidade um direito fundamental o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência é no sentido de não serem estes direitos absolutos. Referente aos questionamentos advindos desde a primeira Lei n°. 4.765, de 1964, que permitiu um abrandamento do sigilo bancário, o STF firmou entendimento no sentido de não haver direitos fundamentais absolutos, posto que, em alguns casos, dois ou mais princípios poderão sempre entrar em conflito, cabendo, nestes casos, um juízo de valor imparcial para avaliar quais, ou qual, princípio devera prevalecer.

Nesse sentido, o Ex-Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:

É certo que a proteção ao sigilo constitui espécie do direito à intimidade consagrado no artigo 5º, X, da Constituição, direito esse que revela uma das garantias do indivíduo contra o arbítrio do Estado. Todavia, não consubstancia ele direito absoluto, cedendo passo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de um interesse público superior.

Sua relatividade, no entanto, deve guardar contornos na própria lei, sob pena de se abrir caminho para o descumprimento assegurada.

(Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental, Inquérito n.187) (SAMPAIO, 1998:552)

Assim, não obstante o sigilo bancário poder ser considerado como um direito fundamental decorrente do art. 5º, inciso X e XII, da CF, o STF tem admitido a sua "quebra", ou exame de registros bancários, de maneira a possibilitar a fiscalização, nos termos da Lei Complementar 105/2001, conforme decidido no MS 22.801, conforme citado.

2.10 DO CONFLITO ENTRE DIREITOS E SUA INTERPRETAÇÃO

Alexandre de Moraes, em sua obra de Direito Constitucional, afirma que os direitos e garantias fundamentais não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente importantes consagrados pela Carta Magna.

Ensina ainda que quando houver conflito entre dois ou mais princípios de direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (ponderação dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.

O ministro Celso de Melo, citado por SOUZA (1999:63), declara o seguinte acerca da interpretação diante do conflito entre direitos:

Vão desde o estabelecimento de uma ordem hierárquica pertinente aos valores constitucionais tutelados, passando pelo reconhecimento do menor ou maior grau de fundamentalidade dos bens jurídicos em posição de antagonismo até a consagração de um processo que privilegiando a unidade e a supremacia da Constituição, viabilize-a partir da adoção de um critério de proporcionalidade da distribuição dos custos do conflito.

TAGLIAFERRO (2001:67-75) expõe que a Lei Complementar n.°. 105/2001, colocou em aparente conflito vários princípios de garantia do cidadão previstos na Constituição tais como: liberdade de dispor da própria intimidade x igualdade tributária, segurança jurídica dos cidadãos x separação e independência dos poderes.

TAGLIAFERRO afirma que as respostas a estas questões decorrem da ponderação dos valores protegidos pelos princípios à luz da interpretação sistemática de todas as normas que informam o ordenamento constitucional como um todo. Conclui o tributarista que a Lei Complementar n.°. 105/2001, no que se refere ao conflito de princípios não ofende a Carta Constitucional em razão dos seguintes argumentos:

Primeiro: os princípios da preservação da liberdade de dispor da própria intimidade / privacidade devem ceder passo à expansão do princípio da igualdade no tratamento tributário (art. 5º, caput, art. 145, § 1º e 150, II da CF) e ao ideal de justiça / social fiscal (art. 3º I e III).

Segundo: em relação ao princípio da separação dos poderes versus a segurança jurídica \ também não há ofensa, pois a Constituição em seu art. 5º, inciso IX, reserva a jurisdição somente a atos de interceptação telefônica não alçando as demais hipóteses tratadas pelo inciso XII, sendo que, o sigilo bancário não encontra fundamento neste dispositivo o qual foi instituído, na verdade, para preservar, tão somente, atos de transferência de informações (comunicações). Afirma que o que se buscou proteger com a norma constitucional foi somente comunicação contra interceptações clandestinas, não a absoluta preservação de sigilo de dados.

Conforme a doutrina majoritária, o sigilo bancário é um desdobramento do direito à liberdade de não expor a terceiros a vida privada e a intimidade, sendo este um direito fundamental, no entanto, este direito não é absoluto devendo ceder espaço frente a direitos igualmente importantes.

Nesse sentido, o Poder Legislativo (composto por representantes do titular do Poder: O Povo – decorrência do Princípio Democrático presente no parágrafo único do art. 1º da CR/88), ao editar a Lei Complementar n.°. 105/2001, e outorgar competência para a Administração Fiscal examinar registros bancários em casos específicos e estritamente necessários à atividade de fiscalização da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, está implicitamente realizando a ponderação sobre qual princípio deve prevalecer diante de um conflito. Parece-nos, assim, óbvio que nesse ponto a nova lei rompe a estrutura anterior, mas, contudo, sem ofender a Constituição.

Importante lembrar que a consulta e o exame aos dados e registros bancários pela Administração Tributária, no exercício de seu mister legal, não importa em bloqueio de valores existentes em contas bancárias. Sendo assim, a mera consulta não importa em expropriação patrimonial, não estando, portanto, dentro da cláusula constitucional de reserva de jurisdição.

Nesse sentido, importante observar que a Administração Tributária, por estar dentro da Administração Pública, está obrigatoriamente sob o manto do Princípio da Estrita Legalidade. Dessa forma, qualquer ação praticada pela Administração Tributária, quando da realização da fiscalização por meio de exame de registros bancários dos entes tributados, somente será realizada se prevista em Lei (no sentido formal em razão de se tratar de matéria tributária – Lei Ordinária, Complementar ou Medida Provisória).

Por mais que se esforcem para deslegitimar a ação do fisco, mesmo quando esta ação mostra-se justa e razoável, a questão da quebra é eminentemente jurídica. Não há em nossa Constituição Federal previsão para o Fisco não fiscalizar. Não há direito individual à não submissão à fiscalização. É no mínimo ingênuo, para não dizer que há má intenção, afirmar-se que o Fisco deve restringir sua fiscalização aos documentos que o contribuinte lhe fornecer. Inclusive, tal raciocínio é injusto com os contribuintes conscientes que pagam corretamente seus tributos, tendo em vista que os sonegadores terão mais uma vantagem econômica e comercial, afetando de forma negativa e decisiva a livre concorrência protegida pela CR/88.

2.11.A CPMF E A QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO

A edição da Lei n°. 9.311, de 1996, instituiu a "Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira" (doravante denominada CPMF).

A criação de tal contribuição foi, por parte do governo, um pequeno vetor de uma verdadeira estratégia de guerra, uma vez que, a partir da publicação da Lei supracitada, que a Administração Financeira, em conjunto com os legisladores – representantes do titular do poder, implementou uma série de normas subseqüentes que, aos poucos, conseguiram atingir o objetivo principal de tornar possível, por meio das informações bancárias de movimentações financeiras dos contribuintes, fiscalizar e localizar rendimentos tributáveis que não foram tempestivamente declarados ou que foram simplesmente omitidos.

No entanto, era necessário ir mais fundo na estruturação da fiscalização tributária, o que ocorreu com a publicação da Lei Complementar n°. 105, de 2001, que possibilitou às autoridades tributárias fiscalizar as informações de instituições financeiras, incluídas as relativas as contas bancárias, quando instaurado processo administrativo ou em curso procedimento fiscal. Em conjunto com a lei retro citada, foi editada a Lei n.°. 10.174, de 2001, que deu base às legitimas pretensões do fisco.

Assim, a fiscalização fazendária poderia praticar o tão almejado monitoramento da movimentação bancária dos entes tributados, em especial dos contumazes devedores (para não dizer sonegadores). Dessa forma, por meio das mencionadas legislações editadas, enfim, a Administração Tributária Brasileira alcançou instrumento capaz e necessário ao combate à crimes das mais diversas ordens (fiscais, financeiros, tráfico de entorpecentes, etc.).

No final de 2007, foi aprovado o fim da CPMF pelos representantes do titular do poder, presentes na Câmara e do Senado Federal. Com isto, o Governo Federal perdeu duplamente, deixando de arrecadar uma quantia aproximada de R$ 40 bilhões de reais ao ano, bem como, a princípio, não mais conseguiria monitorar as movimentações financeiras dos contribuintes.

Dessa forma, a Administração Fazendária buscou, então, um mecanismo que lhe possibilitasse realizar a fiscalização, antes realizada por meio da CPMF. Desta forma, foi editada a Instrução Normativa 802 de 2007, valendo-se dos preceitos impostos pelas normas anteriores, como a Lei Complementar n°. 105 e a Lei n°. 10.174, ambas de 2001.

A IN prescreveu, em seu artigo 1°, que as instituições financeiras serão obrigadas a prestar informações semestrais à receita, nos casos de movimentação superior a R$ 5 mil reais para pessoas físicas e R$ 10 mil para pessoas jurídicas. Com isso, supriu-se a necessidade de acompanhar os dados financeiros dos contribuintes, que havia sido extinta em conjunto com a CPMF.

Discussão antiga nos tribunais, o poder de acesso aos dados bancários dos contribuintes pela Administração Tributária, foi brilhantemente comentado pelo Ex-Ministro Francisco Rezek, antes mesmo da edição da Lei Complementar n.°. 105/2001, no julgamento do MS 21.429–4/DF, no qual o brilhante magistrado e catedrático proferiu seu juízo de que a questão do sigilo deveria, como de fato o foi, ser tratado por legislação complementar. Pela grandeza das razões, abaixo transcreve-se parte de seu voto:

Parece-me, antes de qualquer outra coisa, que a questão jurídica trazida à Corte neste mandado de segurança não tem estrutura constitucional. Tudo quanto se estampa na própria Carta de 1988 são normas que abrem espaço ao tratamento de determinados temas pela legislação complementar. É neste terreno, pois, e não daquele da Constituição da República, que se consagra o instituto do sigilo bancário – do qual se repetiu ad nauseam, neste país e noutros, que não tem caráter absoluto. Cuida-se de instituto que protege certo domínio – de resto nada transcendental, mas bastante prosaico da vida das pessoas e das empresas, contra curiosidade gratuita, acaso malévola, de outros particulares, e sempre até o exato ponto onde alguma forma de interesse público reclame sua justificada prevalência.

E a mesma lei de 31 de dezembro de 1964, sede explícita do sigilo bancário, disciplina no seu art. 38 exceções, no interesse não só da justiça, mas também no do parlamento e mesmo no de repartições do próprio governo.

Numa reflexão extralegal, observo que a vida financeira das empresas e das pessoas naturais não teria mesmo porque enclausurar-se ao conhecimento da autoridade legítima – não a justiça tão-só, mas também o parlamento, o Ministério Público, a administração executiva, já que esta última reclama, pela voz da autoridade fiscal, o inteiro conhecimento do patrimônio, dos rendimentos, dos créditos e débitos até mesmo do mais discreto dos contribuintes assalariados.

Não sei a que espécie de interesse serviria a mística do sigilo bancário, a menos que se presumam falsos os dados em registro numa dessas duas órbitas, ou em ambas, e por isso não coincidentes o cadastro fiscal e o cadastro bancário das pessoas e empresas.

Não vejo inconstitucionalidade alguma no § 2o do art. 8o da Lei Complementar n° 75, cujo texto só faz ampliar, dentro da prerrogativa legítima do legislador, o escopo da exceção já aberta ao sigilo bancário no texto da lei originalmente comum que o disciplinou nos anos 60. E o faz em nome de irrecusável interesse público, adotando um mecanismo operacional que em nada arranha direitos, ou sequer constrange a discrição com que se portam os bancos idôneos e as pessoas de bem.

Nota-se, portanto, que a Administração Fazendária, de forma legítima, utiliza-se de meio legal e constitucional, mesmo após o fim da CPMF, para ter acesso a informações essenciais à prática de seu mister de fiscalizar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. Nisso, não há que falar em uma Administração Tributária personificada como o vilão da sociedade, o leão que virá devorar os coitados contribuintes. A eventual voracidade dos percentuais e valores arrecadados, conforme já dito neste trabalho, advém da relação jurídico-tributária e não da fiscalização em si. É dever da Administração Tributária fiscalizar, e, para tanto, a mesma deve lançar mão dos instrumentos legais que são pertinentes à consecução de seu fim.

Ademais, a voracidade da arrecadação é em verdade reflexo do alto índice de inadimplência, sonegação e demais formas de simplesmente não pagar o tributo devido. Hodiernamente, e cada vez mais, os que pagam, pagam mais, porque há milhares que não pagam milhares de reais. Dessa forma, uma fiscalização efetiva é instrumento primordial e essencial à implementação da justiça fiscal e tributária, bem como da diminuição da tão falada e famigerada carga tributária. A relação entre o aumento do combate à sonegação é diretamente proporcional à possibilidade de diminuição da carga tributária. Quanto mais se combate, mais será possível diminuir os percentuais de tributação.

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Sobre o autor
Flávio Lúcio Chaves de Resende

Procurador da Fazenda Nacional desde 2008. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2007). Pós-Graduando Lato Sensu em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp e Rede LFG e em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp e Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e Rede LFGexperiência na área de Direito, com ênfase em Direito Tributário, Constitucional, Administrativo e Processo Civil. Ex-Gestor Fazendário da Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESENDE, Flávio Lúcio Chaves. Sigilo bancário em relação à administração tributária.: Existe direito individual a não ser fiscalizado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2690, 12 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17819. Acesso em: 22 nov. 2024.

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